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Eutanásia : morte digna ou homicídio?

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10/01/2012 às 13:56
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2 BASE CONCEITUAL E HISTÓRICA DA EUTANÁSIA

A eutanásia, genericamente falando, já existia desde a Antiguidade. Todavia, seu conceito e utilização possuíam sentidos diversos dos que se têm na atualidade. Por outro lado, embora já existisse desde a Antiguidade, a eutanásia é um tema que ainda desperta sérias discussões no campo filosófico, ético, jurídico etc.

Importa tecer alguns comentários a respeito da base conceitual e histórica a respeito da eutanásia, pois os mesmos serão úteis na compreensão das diferentes práticas da eutanásia desde sua origem até o sentido que tomou hodiernamente. Ainda assim, nota-se que independentemente da ótica que se avaliar o tema não pode ser sem uma vinculação ao ordenamento jurídico vigente sob pena de se ficar à margem da lei.

2.1 Eutanásia - Evolução Histórica

A expressão eutanásia, em seu sentido etimológico, deriva da expressão grega " euthanatos" onde EU, significa BOM, e THANATOS, significa MORTE. Dessa conjugação se pode dizer que a expressão eutanásia, etimologicamente, é boa morte, morte doce, indolor, tranquila, humanitária entre outras (COLEHO,2001,p.04). No entanto, a expressão "eutanásia" teve origem no século XVII, cuja criação se atribui ao filósofo inglês Francis Bacon(SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Para Francis Bacon a eutanásia era função do médico quando este, sem meios que pudessem curar o " paciente", deveria proporcionar uma morte indolor, calma e doce a esse "paciente" (SILVA,S.M.T.,2000,p.01). Entendia Bacon que os médicos "deveriam possuir a habilidade necessária para dulcificar com suas mãos os sofrimentos e a agonia da morte" (SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Vê-se que a prática da eutanásia não é algo novo. Ao longo dos tempos foi praticada, embora não despertasse a discussão ética que atualmente se observa. Deve-se registrar que inexistem provas concretas e vestígios significativos que atestem a prática da eutanásia, ao menos no sentido que se entende hoje(ver se já não foi citado isso) . Contudo, é possível concluir, dos exemplos a seguir, que de fato as civilizações anteriores mesmo no sentido de morte piedosa, a eutanásia não lhes era estranha (SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

2. 1.1 Idade antiga

Há quem afirme que a eutanásia tem precedentes bíblicos. Assim, toma-se como exemplo a morte de Saul. Estando Saul seriamente ferido, pede que seu escravo lhe retire a vida, e assim evitar o cativeiro nas mãos dos filisteus [25] . O escravo não obedece a Sul [26]. Assim, Saul lança-se sobre a própria espada, como não obteve êxito pediu a um amalequita que o matasse. Interpreta-se que esse teria sido o primeiro relato de eutanásia ocorrida na história da humanidade (CARNEIRO et al, 1998, p.02).

Nas comunidades Celtas também "adotavam" essa prática. Nessas comunidades eram mortas as crianças deformadas ( ou consideradas com aspecto "mosntruoso" ) e os muitos velhos, pois esses eram considerados sem utiidade à vida em sociedade (CARNEIRO et al, 1998,p.02).

Na Índia Antiga os incuráveis de doenças contagiosas eram conduzidos pelos familiares às margens do Rio Ganges e nele jogados, após terem boca e nariz tampados com barro ( CARNEIRO et al,1998,p.02).

Pode ser citado outro exemplo como o que ocorria na cidade de Esparta. Esparta, em razão do espírito bélico que era lhe peculiar, os idosos e crianças nascidas disformes eram lançados do alto do monte Taijeto. Além destes não terem utilidade para o Estado, evitaria sofrimento futuro e encargo para a família ( CARNEIRO et al. ,1998,p.02).

Há relatos de que na cidade de Atenas, a eutanásia era tida como um ato de bondade, de misericórdia, devendo a eutanásia no sentido estrito do termo, proporcionar uma morte serena, tranquila àquele que sofre por não ter mais perspectiva de cura, não fazendo sentido viver ante tal situação. Todavia, outros relatam que na verdade a eutanásia conhecida pelos gregos era a "falsa eutanásia", pois a mesma tinha cunho eugênico (SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Dessa forma, o "olhar" de misericórdia em Atenas padecia da falta do puro altruísmo. Platão contemplando os ensinamentos de Sócrates, lembra a afirmação que este teria feito : "o que vale não é o viver, mas o viver bem" (CARNEIRO et al. ,1998, p.02). Para Platão o suicídio era justificado por presença de doença que trazia grande sofrimento ao enfermo. Todavia, na República, Platão, incorporando esta assertiva, propõe solução para alcançar o desiderato, demonstrando fragilidade na proposta de morte piedosa, ampliando o seu conceito a outras situações :

estabelecerá em nossa República uma medicina e uma jurisprudência que se limitem ao cuidado dos que receberam da natureza corpo são e alma famosa; e pelo que toca aos que receberam corpo mal organizado, deixá-los morrer e que sejam castigados com pena de morte os de alma incorrigível ( apud CARNEIRO et al.,1998,p.02).

Portanto, na República, relaciona-se a eutanásia à idéia de que a qualidade de vida é o ponto culminante de se viver bem. Platão utiliza o princípio da qualidade de vida para justificar a eutanásia, pois para ele, viver só faria sentido se com qualidade ( DINIZ,2002,p.324).Neste sentido é que Sônia Maria Teixeira da Silva vai dizer:

A eutanásia que os gregos conheceram, praticaram e da qual se tem provas históricas é a que se chama "falsa eutanásia", ou seja, a eutanásia de fundamento e finalidade "puramente eugênica".

Em Atenas, 400 anos a.C., Platão pregava no terceiro livro de sua "REPÚBLICA" o sacrifício de velhos, fracos e inválidos, sob o argumento de interesse do fortalecimento do bem-estar e da economia coletiva. E muito antes, Licurgo como já nos referimos, fazia matar as crianças aleijadas ou débeis que, impiedosamente, eram imoladas em nome de um programa de salvação pública de uma sociedade sem comércio, sem letras e sem artes e trabalhada apenas pelo desígnio único de produzir homens robustos e aptos para a guerra (SILVA, S.M.T. ,2000,p.01).

Dessa forma, contempla-se na qualidade de vida apregoada por Platão, como justificativa para se praticar a eutanásia, um elemento especialmente com cunho de se manter uma sociedade "perfeita", onde não havia "velhos emprestáveis", não havia "crianças aleijadas ou débeis". Em razão do "viver bem", havia a denominada " falsa eutanásia" como forma de manter o bem-estar coletivo, salvaguardando o que era entendido ser a supremacia do interesse público.

Portanto, dos exemplos citados, a eutanásia de certo modo já era praticada em épocas mais antigas, mas não despertava a discussão ética como a conhecida na época atual. Todavia, há relatos de que a prática da eutanásia, e a consequente discussão destes valores, iniciou-se na Grécia Antiga, acometida por justificativas e realidades distintas.

2.1.2 Idade média

Na Idade Medieval não há relatos suficientes que sustentem a prática da eutanásia. Por outro lado, nesta época, conta-se que durante as guerras, os soldados gravemente feridos usavam um punhal pequeno e afiado, chamado "misericórdia", para por meio desse, darem cabo às suas próprias vidas(SILVA,S.M.T., 2000,p.01).

Todavia, tal prática não ocorria somente durante as guerras. Deve-se ter em mente que a peste dizimou grande parte da população na época, por não haver tratamento adequado. Assim, o atraso em que se vivia (ausência de tecnologia como hoje se conhece, falta de remédios, falta de higiene, falta de alimentos e adequada conservação etc), muitos morriam em razão disso. Por isso, há razões para se acreditar que a eutanásia ( enquanto morte piedosa) na idade Média era comum, especialmente durante o declínio do feudalismo(SILVA,S.M.T., 2000,p.01).

2. 1.3 Idade moderna

Na idade Moderna, também há relatos de ocorrência da eutanásia. Cita-se como exemplo o tratamento que Napoleão Bonaparte dispensava aos seus soldados enfermos pela peste. Teria Napoleão Bonaparte,durante uma campanha, no Egito, ordenado que fosse retirada a vida do soldado que tivesse sido acometido pela peste.

A idéia era que os soldados enfermos, sem possibilidade de cura, não pusessem os demais soldados em risco,tampouco correriam o risco de serem presos pelos turcos. Todavia, há relatos de que o cirurgião Degenettes teria desobedecido a ordem de Napoleão, alegando que sua função como médico era trazer a cura e não a morte ( SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Na Idade Moderna, foi mantido o interesse na discussão sobre a eutanásia . Entre outros autores que abordaram o tema, o renascentista Thomas Morus, em 1516, publicou o livro Utopia(apud CARNEIRO et al.,1998, p.02). Nesta obra descreveu a cidade perfeita similar o que foi visto sobre as idéias de Platão. Assim, praticava-se o suicídio assistido nos velhos e doentes.

Afrânio Peixoto, referindo-se à obra Utopia, entende que

no país ideal de Thomas Morus, havia magistrados incumbidos de informarem a incuráveis e débeis, aleijados e inúteis, que se deviam eliminar ou serem eliminados: uns deixavam-se morrer de fome, outros eram mortos, no sono(PEIXOTO apud CARNEIRO et al.,1998, p.02) Portanto, essa eutanásia, alcunhada de "falsa eutanásia" nada mais era do que uma forma de eliminar os que era tidos como inutéis para viver nesse "país ideal" de Morus.

Por outro lado, conforme já anotado, somente no século XVII, o termo "eutanásia" foi proposto pela primeira vez por Francis Bacon, na sua obra intitulada "Tratado da Vida e da Morte".

No final da Idade Moderna, século XVIII, Kant mostrando-se contrário à eutanásia vai dizer que "nenhum homem pode dispor da sua vida". Além de Kant, outros autores também escreveram sobre eutanásia e suicídio assistido, tais como: David Hume (Of suicide), Karl Max (Medical Euthanasia) e Schopenhauer, posicionando-se a favor da eutanásia e do suicídio assistido ( CARNEIRO, et al., 1998, p.02).

Entretanto, o tema eutanásia ganhou importante destaque em 1859, na Prússia , por ocasião do debate do plano nacional de saúde na referida localidade. Assim, por meio desse debate, surgiu a proposta de que ao Estado deveria ser imputado a responsabilidade de prover meios para que toda pessoa que não pudesse solicitar, por si mesma, a realização da eutanásia (CARNEIRO, et al.,1998, p.02).

2. 1.4 Idade contemporânea

Na Idade Contemporânea percebe-se um acirramento nas discussões a respeito da eutanásia. Assim, das discussões que acompanham o tema, ora adotou-se posição a favor da eutanásia e do suicídio assistido, ora adotou-se posição contrária a estes.

Alguns fatos relatados a seguir confirmam o tratamento do tema ao longos dessa época ( CARNEIRO et al.,1998,p.02; GOLDIM,2000):

a) No ano de 1931, na Inglaterra, Dr Millard propôs uma lei para a legalização da eutanásia. A proposta foi discutida até 1936 pela Câmara dos Lordes, mas foi rejeitada;

b) No ano de 1934, o Uruguai incluiu a possibilidade de se utilizar a eutanásia no seu Código Penal. Neste sentido, o Uruguai tornou-se o primeiro País a regulamentar a eutanásia, legislação ainda em vigor ;

c) Nasce na Inglaterra, em 1935, a EXIT, uma das primeiras associações pró-eutanásia. A EXIT distribuía folhetos aos seus associados com instruções para "morrer com dignidade";

d) No ano de 1939, no mês de outubro, com o início da Segunda Guerra Mundial, surge na Alemanha o programa nazista de eutanásia, denominado AKTION T4 [27]. Todavia há que se enfatizar que o objetivo do programa não estava relacionado à compaixão, piedade ou direitos individuais.

O pano de fundo deste programa era depuração da raça, com conseqüente holocausto de milhões de pessoas. Com o programa pretendia-se eliminar etnias inferiores, pessoas com deficiências ou doenças indesejáveis e as pessoas idosas, enfim realizar uma "limpeza social".

Todavia, não se pode considerar como eutanásia propriamente dita a chamada a eutanásia eugênica, " utilizada pelo nazismo alemão contra judeus e doentes", nesse caso deve-se entender apenas como sendo " hipótese de homicídio simples ou qualificado" (BORGES, 2005,p.01).

e) No ano de 1956, a Igreja Católica demonstrou ser contrária à eutanásia. Contudo, há relatos de que o Papa Pio XII em 1957 se mostrou favorável à possibilidade de que a vida pudesse ser "abreviada" se fosse resultado do uso de drogas nos pacientes nas situações de grande sofrimento a exemplo daqueles cujas dores fossem insuportáveis( princípio do duplo efeito);

f) No ano de 1968, a Associação Mundial de Medicina posicionou-se contrária à eutanásia ;

g) Em 1973, na Holanda, uma médica, Dra. Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe. Foi condenada, com uma pena de prisão, suspensa, de uma semana, e liberdade condicional por um ano;

i) No ano de 1980, o Vaticano divulgou em uma declaração sobre eutanásia, definindo-a como hipótese do duplo efeito, e da interrupção do tratamento considerado fútil;

j) Em 1981, a Corte de Rotterdam estabeleceu critérios para o auxílio à morte;

k) No ano de 1990, a Real Sociedade Médica dos Países baixos e o Ministério da Justiça, estabeleceram uma rotina de notificação para a eutanásia. Todavia, não houve legalização, apenas tornou isento o profissional dos procedimentos criminais;

l) No ano de 1991, houve uma tentativa de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia(EUA), mas a mesma não logrou êxito . Ainda no ano de 1991, o Papa João Paulo II, numa carta aos bispos, reiterou a sua posição contrária à eutanásia e o aborto. Na carta o papa atribuiu às escolas e hospitais católicos o papel de vigilância e discussão sobre tais temas;

m) No ano de 1996, os Territórios do Norte da Austrália, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. Neste mesmo ano, foi feita no Brasil proposta similar, mas sem êxito( Projeto de Lei 125/96 sobre eutanásia);

n) No ano de 1997, mês de maio, a Corte Constitucional Columbiana, determinou na sua legislação a não responsabilização criminal ao profissional que praticasse a eutanásia em "pacientes terminais", desde que existisse consetimento prévio do mesmo. Neste ano também, no Estado de Oregon(EUA), foi legalizado o suicídio assistido;

p) No ano de 2001, 11 de maio, os Países Baixos, legalizaram a eutanásia(primeiro País a legalizar), permitindo, assim, que os médicos abreviassem a vida dos pacientes terminais;

q) No ano de 2002, também mês de maio, dia 16, a Bélgica torna-se o segundo País a legalizar a prática da eutanásia.

Desde então, outros relatos têm ocorrido no sentido de se debater a prática da eutanásia na tentativa de legalizá-la ou torná-la definitivamente criminosa. Isto porque, em sede de direitos humanos, defende-se que a vida deve ser preservada apesar das inúmeras tentativas de se incluir a eutanásia nos ordenamentos jurídicos.

2. 2 Conceito de Eutanásia

Royo-Villanova e Morales (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01), baseando-se no sentido etimológico da expressão, entende eutanásia como "boa morte, morte fácil, morte doce, sem dor nem sofrimentos; morte grata", e ainda do ponto de vista teológico, a " morte em estado de graça".   Em Morselli (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01) encontra-se a definição de eutanásia como sendo a "morte que alguém dá a uma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento", abreviando dessa forma " a agonia demasiada longa ou dolorosa".

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Define-se também a eutanásia como "tão-somente a morte boa, piedosa e humanitária, que, por pena e compaixão", é aplicada ao "doente e incurável" o qual " prefere mil vezes morrer, e logo", do que ter sua existência presa a situação de "sofrimento, pela incerteza e pelo desespero"(BITTENCOURT, 1939 apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Além dos referidos, há inúmeros outros conceitos atribuídos à eutanásia. Entretanto, Ricardo Oxamendi preleciona que estes podem ser expressos nos seguintes significados:

boa morte, crimes caritativos, piedade homicida, homicídio caritativo, a arte de morrer, exterminação de vidas sem valor vital, suprema caridade, morte de incuráveis, morte benéfica, crime humanitário, direito de matar, homicídio piedoso, direito de morrer, morte libertadora, eliminadora, econômica e suprema caridade (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Em consonância com estes significados, Luiz Jimenez de Asúa( apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01), em sua obra "Liberdade de Amar e Direito de Morrer" define a eutanásia como sendo a morte que o indivíduo proporciona a outro, sendo que este último " padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a que se tende a extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada". Para Asúa, este é o sentido verdadeiro da eutanásia, o qual encaixa-se com o caráter móvel e a finalidade altruística que a mesma possui (ASÚA apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01).

Asúa, entretanto, vai ainda mais longe na defesa de sua posição ao propor uma ampliação do conceito de eutanásia. Para ele, ampliando-se o conceito acobertar-se-ia sacrifícios de crianças fracas e disformes e as modernas práticas para eliminar indivíduos indesejáveis, como idiotas, loucos e doentes incuráveis etc. (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.01). Neste caso, urge contrariá-lo, pois sua justificativa para estas mortes violentas e desumanas avoca um "objetivo eugênico e selecionador" (SILVA, S.M.T.,2000,p.01).

Há autores que admitem que só possa ser considerada eutanásia a morte provocada em doente com " doença incurável", em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão [28]. Caso contrário caracteriza o crime de homicídio o qual é a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra.

Na preleção de Impallomeni todos os direitos partem do direito de viver, numa ordem lógica,sendo que o primeiro dos bens é o bem da vida. Assim, para o referido autor,

o homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social (apud CAPEZ,2004,p.3).

Por outro lado, defende-se que na época atual, a expressão eutanásia deve ser entendida como a morte de um indivíduo. Para tanto, essa morte é proporcionada a um "paciente terminal", de forma deliberada, por sofrer este de enfermidade incurável ou que lhe traga muito sofrimento (CARNEIRO et al.,1998, p.02). Entretanto, o sentido da expressão foi ampliado abrangendo o suicídio, a ajuda a bem morrer, o homicídio piedoso entre outros (CARNEIRO et al.,1998,p.02).

Nesse sentido, na opinião de José Roberto Goldim, a utilização da expressão eutanásia, tem sido feita de forma confusa e ambígua. Esta confusão e ambiguidade, segundo ele, ocorrem em razão dos diferentes significados atribuídos à expressão eutanásia, variando, pois, de acordo com o tempo e o autor que a utiliza (GOLDIM, 2004).

Nesse sentido, José Roberto Goldim enfatiza que foram criadas novas palavras, como distanásia, ortotanásia, mistanásia, na tentativa de se evitar confusões. Todavia, a criação de novas expressões, ao invés de desfazer a confusão e ambiguidade, apenas fez gerar "alguns problemas conceituais" (GOLDIM, 2004).

Necessário se faz então entender o significado dessas expressões criadas para se ter o real alcance das mesmas dentro do tema eutanásia. Por sua vez, a este respeito, Roxana Borges aduz que :

além de serem vistos os posicionamentos a respeito da eutanásia, também são variados os significados que os autores dão a esta expressão e a termos a ela correlatos. Para uma abordagem jurídica do tema, é necessária a delimitação dos conceitos de eutanásia verdadeira, distanásia, ortotanásia e auxílio ao suicídio (BORGES,2005,p.01).

Essa delimitação se faz necessária, pois, embora autores façam correlação desses termos, conforme se verá, há nítida diferença entre eles. De todo modo, o sentido da expressão eutanásia foi sofrendo muitas modificações. Essas modificações fizeram com que a expressão eutanásia incorporasse diversos significados ao longo da história. Nesses termos,

o primeiro sentido de euthanatos faz referência a facilitar o processo de morte, sem, entretanto, interferência neste. Na verdade, conforme o sentido originário da expressão seriam medidas eutanásicas não a morte, mas os cuidados paliativos do sofrimento, como acompanhamento psicológico do doente e outros meios de controle da dor. Também seria uma medida eutanásica a interrupção de tratamentos inúteis ou que prolongassem a agonia. Ou seja: a eutanásia não visaria à morte, mas a deixar que esta ocorra da forma menos dolorosa possível. A intenção da eutanásia, em sua origem, não era causar a morte, mesmo que fosse para fazer cessar os sofrimentos da pessoa doente (BORGES, 2005, p.01).

Portanto, o sentido anterior dado à eutanásia não estava relacionado à antecipação da morte o indivíduo, mas a promoção de medidas paliativas que atenuasse o sofrimento. Além disso, relacionava-se a descontinuação daqueles tratamentos que fossem entendidos como apenas um prolongamento desse sofrimento.

Entretanto, diferente do sentido inicialmente que lhe foi atribuída, a eutanásia atualmente tem sido entendida como a prática de antecipar a morte do indivíduo que passa por uma situação de sofrimento. Roxana Borges, semelhantemente a Goldim, adverte que a modificação do sentido, trouxe confusão à compreensão da expressão eutanásia, mas ainda assim, deve-se ter em mente que

[...] a eutanásia verdadeira é a morte provocada em paciente vítima de forte sofrimento e doença incurável, motivada por compaixão. Se a doença não for incurável, afasta-se a eutanásia [...]. Quando se busca simplesmente causar morte, sem a motivação humanística, não se pode falar sobre eutanásia. A eutanásia é comumente provocada por parentes,, amigos e médicos do paciente [...]. Só é eutanásia a morte provocada em doente com doença incurável, em estado terminal e que passa por fortes sofrimentos, movida por compaixão ou piedade em relação ao doente (BORGES,2005,p.01).

Dessa forma, observa-se que o conceito de eutanásia, embora modificado, manteve sua essência: trazer diminuição do sofrimento, amenizar a agonia. De outro lado, embora deva ter motivação humanística, sob pena de descaracterizar o ato, não apenas se traz uma "morte suave",mas se "apressa" sua ocorrência.

Quanto à expressão auxílio a suicídio, ou suicídio assistido, o indivíduo não precisa estar necessariamente em estado terminal por grave doença. No auxílio ao suicídio, o próprio paciente, embora solicite ajuda para morrer, ele mesmo realiza o ato que irá culminar com a sua própria morte( BORGES,2005,p.01). No Brasil, esta ajuda é tida como crime de auxílio a suicídio, previsto no Código Penal, que no seu artigo 122 determina:

Art.122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

Parágrafo único. A pena é duplicada.

Aumento de pena

I – se o crime é praticado por motivo egoístico;

II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

Note-se que, mediante leitura do dispositivo em tela, não há punição para quem se mata ou tenta matar-se. Especialmente porque no primeiro caso ( quem se mata) escapa da abrangência do Direito Penal punir pessoa morta (BITENCOURT,2003,p.114). Por outro lado, se o ato é realizado por outrem, levando o paciente à morte entende-se que houve homicídio, independentemente do paciente ter solicitado ou consentido. Inclusive porque o tipo penal analisado diz : "induzir, instigar e auxiliar".

Um exemplo clássico de auxílio a suicídio é do Dr. Jack Kevorkian, conhecido como "Doutor Morte". O médico patologista de Michigan(EUA), Jack Kevorkian, criou uma máquina denominada "máquina do suicídio". Por meio dessa máquina os pacientes com estágio de doença irreversível colocavam fim às suas próprias vidas (DINIZ, 2002, p.320).

Por sua vez, a distanásia, por favorecer ao prolongamento artificial do processo de morte, é a morte lenta, ansiosa , com sofrimento do doente (GOLDIM,2004). É a situação em que, embora não haja previsão de cura ou melhora do doente, faz-se todo tipo de investimento terapêutico (DINIZ,2002,p.320).

Para Maria Helena Diniz, na distanásia, ou obstinação terapêutica ou futilidade médica, (também conhecida como encarniçamento terapêutico) tudo é feito "mesmo que cause sofrimento atroz ao paciente" (DINIZ,2002,p.320). Assim, na distanásia prolonga-se a agonia do paciente. Interfere-se no processo de morte utilizando-se de meios terapêuticos e tecnologia disponíveis, logo, torna demorado o processo de morte.

Há quem se refira como exemplo de distanásia, no Brasil, um episódio ocorrido em 1985. O então eleito Presidente da República Federativa do Brasil, Tancredo Neves, teve por 36 dias prolongado o processo de sua morte. Utilizou-se de todos os recursos disponíveis para que o mantivesse vivo (COELHO, 2001, p.05).

Outro exemplo de distanásia é o que foi publicado pelo Dr. Jonh Hansen, no Washington Post, em maio de 1991, o qual se passa a relatar a seguir:

Três missionários foram aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe lhes ofereceu escolherem entre morte ou Mamba (Mamba é uma serpente africana peçonhenta. Sua picada inflige grande sofrimento antes da morte certa ou quase certa). Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram Mamba e aprenderam da maneira mais cruel que Mamba significava uma longa e torturante agonia, para só então morrer. Diante disso o terceiro missionário rogou pela morte logo, ao que o chefe respondeu-lhe: "morte você terá, mas primeiro um pouquinho de Mamba" (PESSINI apud COELHO, 2001, p.05).

Portanto, na distanásia, há um prolongamento da agonia do indivíduo, para somente depois deixá-lo morrer. Utiliza-se de todo os aparatos tecnológicos e farmacêuticos mesmo sabendo que a morte virá em questões de dias ou às vezes horas. Outras vezes, há investimentos na realização de procedimentos invasivos, inclusive cirúrgicos, todos fadados ao insucesso.

Na ortotanásia, do grego "ortothanatos", onde orto significa certo e thanatos, morte. No sentido etimológico, portanto, ortotanásia significa morte correta. Assim, o paciente já se encontrando no processo de morte, não sofre nenhuma interferência externa.

Na ortotanásia não se causa a morte do paciente, apenas se permite a evolução natural de um processo já instalado seguir seu curso natural. Medidas são tomadas para melhorar o estado de saúde do paciente e num segundo momento estas são suspensas deixando o processo natural de morte ocorrer.

Recentemente o CFM fez renascer grande polêmica ao redor do tema ortotanásia [29]. Publicou-se, no dia 28 de novembro de 2006, sob o nº. 1.805, no Diário Oficial da União(DOU), uma Resolução do CFM, aprovando o direito do paciente morrer naturalmente. O entendimento é que a Resolução nº. 1.805 tenha revogado tacitamente alguns artigos do Código de Ética Médico (Resolução do CFM,nº.1.246/1988) [30].

A Resolução em tela aprova a limitação ou a suspensão que tenha por objetivo prolongar a vida do doente em fase terminal. Advertindo, porém, que o paciente, se for possível( e quando não for possível, o seu representante legal) deve obter todas as informações necessárias a respeito do "procedimento" em questão. Por outro lado, a limitação ou suspensão dos procedimentos e tratamentos não exime que o paciente receba os cuidados necessários de alívio ao seu sofrimento. Entre outras coisas, diz a Resolução nº 1.805:

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.

§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.

§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário.

§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.

Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar.

Com a Resolução nº.1.805, intenta o CFM , segundo seu atual diretor, o Sr. Roberto d’Ávila, mostrar à classe médica que deve haver um limite na realização das condutas a serem feitas no paciente em fase terminal. Todavia, deve ser dado ao "paciente" que deseja abreviar seu sofrimento, ou seu representante, todos os esclarecimentos relativos às modalidades terapêuticas adotadas para cada situação. Embora, tendo a possibilidade de ter a vida abreviada, ao "paciente" deverão ser dados todos os cuidados que possam amenizar os sintomas da doença, incluindo aí o apoio emocional, social e espiritual e quando for o caso a alta do "paciente".

Desta forma, na visão do mencionado diretor,

Os médicos são treinados para vencer a morte a qualquer custo. Mas eles têm de parar com essa futilidade, com essa obstinação terapêutica. Têm de parar de ser preocupar com a morte e começar a se preocupar com o paciente, para que ele tenha uma morte sem dor, com sedação se for necessário, com conforto psíquico e espiritual. Os médicos precisam entender que a morte não é um inimigo. É algo natural (D’ÁVILA apud ÚLTIMO SEGUNDO, 2007).

Desse modo a pretensão da Resolução é esclarecer que o foco central do cuidado médico deve ser o "paciente" . Logo, o foco do médico não deve a busca desenfreada de procedimentos visando manter o indivíduo vivo a qualquer custo.

Todavia, a Resolução nº. 1.805/2006 do CFM não logrou unanimidade, encontrando inúmeros posicionamentos. Uns contrários, entendendo que esta é claramente ilícita e nula . Outros, a favor, inclusive defendendo que a resolução do CFM é " profundamente generosa. Só uma interpretação exorbitante e maliciosa poderia considerá-la uma defesa da morte, um tributo ao homicídio, um convite à omissão assassina" (PETRY,2006,p.64).

No caso da mistanásia, é o termo sugerido por Leonard Martin(apud GOLDIM,2004) para denominar a morte miserável, morte fora da hora . Segundo Leonard Martin há três situações a serem focalizadas no âmbito da mistanásia(apud GOLDIM,2004) :

Situação 1 – A grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico;

Situação 2 – Os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico;

Situação 3 - Os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos.

Diante disso, Leonard Martin entende que "a mistanásia é uma categoria que [...] permite levar a sério o fenômeno da maldade humana" (apud GOLDIM,2004). Assombroso é que a ocorrência de situações referidas por ele não soam como surpresa ainda nos dias de hoje.

Retomando-se à discussão a respeito da conceituação do termo eutanásia, é de notar que todos os conceitos atribuídos ao mesmo há uma relação desses com alguns critérios. Entre esses critérios podem ser citados:

a) compaixão;

b) supressão de sofrimento;

c) supressão de agonia intensa e prolongada;

d) que seja paciente em estado terminal.

Entretanto, há que se perquirir: de que forma mensurar estes dados, e assim, determinar que seja praticada a eutanásia? Existiriam outros? Como definir doença incurável e paciente terminal mediante a constante evolução da Medicina? Resolveria se o paciente deixasse um testamento em vida ( " living wills")?

Estas e outras questões devem ser repensadas tendo em vista que os mesmos seres humanos que discutem esta ou aquela conduta, possivelmente, de alguma forma, na sua vida pessoal, poderão vivenciar situação semelhante [31] .

2.3 Classificando a Eutanásia

Várias são as classificações trazidas por diversos autores. Das leituras realizadas de parte dessas classificações, infere-se que parece existir uma certa necessidade em se abranger todas àquelas classificações que outros autores citam, sem deixar escapar nenhuma. Nota-se, porém, que na maioria destas classificações, os autores, grosso modo, não se posicionam, apenas citam, muito embora discordem desde a introdução de seus escritos que determinada categoria não deveria ser vista como eutanásia, eis que feriria o sentido precípuo da expressão.

Há quem advogue que a classificação pode ser feita de acordo com a iniciativa, os fins e os métodos. Em algumas classificações citam, por exemplo, eutanásia propriamente dita. Ora ou é eutanásia ou não é eutanásia.

Outros falam em eutanásia lenitiva ou distanásia. Como referido, a eutanásia no sentido original é aquela que proporciona uma morte doce, serena, logo de certa forma, infere-se que seja um lenitivo. Distanásia, já se disse, há um prolongamento do processo de morte do paciente. Não há que se falar, assim, em morte doce, logo, não é eutanásia, especialmente porque já se esclareceu o conceito destas expressões.

Há também classificações que pontuam a eutanásia eugênica, referindo-se à eutanásia praticada visando o aperfeiçoamento racial(PAGANELLI,1997,p.01). Todavia, admiti-la como classificação da eutanásia, ainda que se tenha o sentido atual da expressão ( morte provocada em paciente em estado terminal que sofre de doença incurável), se correria o risco de legitimar as práticas das atrocidades de Hitler, na Alemanha nazista.

Além disso, o que dizer daqueles que enfrentam filas buscando uma vaga para serem atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que mesmo na rede pública, acabam morrendo sem ter tido o primeiro atendimento? Seleção natural? Eutanásia? Distanásia? Ou simplesmente a dimensão da maldade humana como já dizia Leonard Martin?

Portanto, sem adentrar no mérito, levando-se em consideração dois elementos envolvidos na eutanásia: a intenção e o efeito da ação, nesse estudo, a autora adota apenas dois tipos de classificação para a eutanásia:

a) Eutanásia ativa - O ato de provocar a morte sem sofrimento do paciente, tendo fins misericordiosos. Tome-se o seguinte texto, " ipsis litteris" , como exemplo de eutanásia ativa:

por ser praticada em silêncio nos hospitais brasileiros, é óbvio que não há estatísticas sobre o total de casos de eutanásia realizados no Brasil. Mas sabe-se, por exemplo, que o procedimento é bastante adotado em pacientes com câncer em estado terminal. Outras doenças que costumam levar à decisão de interrupção da vida são as peritonites (infecção nos intestinos) graves e a degeneração da camada de mielina que protege o nervo. Esses são males quase sempre de difícil recuperação e, pior do que isso, provocam dores insuportáveis nas suas vítimas. A indução à morte desses pacientes é feita de várias maneiras. Uma delas é a aplicação de uma solução batizada de M1 ou "sossega leão", como é chamada na gíria dos hospitais. O preparado, usado em pacientes psiquiátricos muito agitados, é uma mistura de Amplictil, remédio que atua contra delírios, alucinações, Fenergan, um anti-histamínico com formidável poder de sedação, e um derivado de morfina que pode ser Demerol ou Dolantina. Em doses corretas, a mistura diluída em soro aquieta, seda e alivia a dor do doente. Em quantidade elevada, mata. "O M1 primeiro corta o reflexo cerebral. E se continuar a correr leva à morte", explica o cirurgião geral Quirino Ferreira de Castro Cotti, 67 anos. Com 41 anos de medicina, o médico é um dos poucos a ter a coragem de assumir que seus colegas adotam procedimentos para abreviar a vida de pacientes sem esperança. ‘ Há casos em que aplicamos a M1. Ela dopa o paciente e depois contribui para extinguir sua vida, suavemente" (GIRALDEZ,2000).

Observa-se que na eutanásia ativa provoca-se a morte do indivíduo. A eutanásia ativa, nesses termos, é movida por um sentimento de compaixão, age-se de forma direta, acelerando-se o processo de morte. O indivíduo, acometido de doença grave e estando em estado terminal tem a morte antecipada. Inicialmente, visa-se a diminuição da dor, permitindo depois que tenha uma morte "suave" livrando-o do estado de sofrimento que se encontra.

b) Eutanásia passiva ou ortotanásia, como querem outros - O paciente morre por ter chegado ao estágio final da doença ou porque não se iniciou uma ação médica ou porque houve interrupção de alguma medida extraordinária iniciada (GOLDIM,2007). Também a finalidade deste tipo de eutanásia é diminuir o sofrimento.

Tome-se o relato, como exemplo, da Dra. Mariza D’Agostinho Dias, chefe de UTI, na ocasião em dois hospitais, que conta o caso de uma paciente de 52 anos, ex-bailarina, portadora de um câncer no pâncreas. Segundo seu relato, a paciente:

pediu-me que não insistisse em tratamentos quando ela piorasse. Ela teve pneumonia e, conforme combinamos, eu não a tratei. Ela não resistiu, mas teve uma morte digna (SCHELP,2002,p.82).

Observa-se então, que na eutanásia passiva, é o não agir de forma direta sobre o processo de morte do indivíduo. Há uma descontinuidade no "investimento extraordinário" dado ao paciente. Dito de outro modo cuida-se do paciente, de forma a aliviar-lhe as dores, todavia, não se administra substâncias nem se realiza procedimentos de forma a prolongar o sofrimento do indivíduo. Assim, constando-se que todo o tratamento ( uso de todos os aparatos no tratamento da doença) sem que tenha havido uma resposta favorável, o tratamento é suspenso, permitindo-se que a doença siga seu curso natural.

Todavia, o indivíduo continua recebendo o que se chama de "procedimentos ordinários" , tais quais analgesia, a hidratação, e a nutrição artificial), ou seja, apenas não se investe mais nos chamados procedimentos considerados extraordinários.

Assim, embora se mantendo "procedimentos ordinários", mantém-se, se for o caso, aparatos os quais o doente estava em uso. Então, por exemplo, se estiver usando oxigênio, pois sem o seu uso aceleraria sua morte, continua usando o oxigênio. Se estiver usando o respirador artificial continua no respirador artificial. Em relação ao uso das soluções continua mantendo infusões para mantê-lo hidratado e alimentado, evitando-se a instalação de drogas ou soluções, ou não alterando o volume de infusão das drogas ou soluções se já em uso, que, em tese, impediriam o curso natural da doença. Caso contrário, desligando-se ou retirando os aparatos em uso, seria acelerar o processo de morte (eutanásia ativa).

Por outro lado, muito se discute na prática se esses " procedimentos ordinários" dado ao indivíduo não seria de certa forma um pretexto para acelerar o processo de morte do mesmo. Outra discussão que existe na prática é quanto ao envolvimento dos planos de saúde que, por meios de seus auditores, questionam a conduta médica adotada para os indivíduos em "estado terminal".

Em algumas situações, os auditores confrontam a equipe médica na condução do tratamento, questionando a mantença do indivíduo na realização de práticas como fisioterapia, administração de antibióticos, uso de respirador artificial mais potente [32] ao invés de transferir o indivíduo para um respirador mais "simples" entre outros. Sobretudo porque na visão avaliação deles se a conduta é manter o processo natural da doença, o investimento é inútil à medida que não trará melhora ao quadro clínico do indivíduo, mas apenas eleva os custos do tratamento dispensado ao doente.

2.4 Eutanásia – Visão de Algumas Religiões

Como se disse, a maneira de encarar a morte sofre influência, entre outros, da religião adotada por cada povo. De forma sucinta, passa-se a discorrer sobre a eutanásia do ponto de vista de algumas religiões.

1. Religião Católica - Através das declarações papais e outros documentos, partindo-se da prescrição normativa presente nos dez mandamentos de que "não matarás", assim expõe:

toda forma de eutanásia direta, isto é, a subministração de narcóticos para provocarem ou causarem a morte, é ilícita porque se pretende dispor diretamente da vida. Um dos princípios fundamentais da moral natural e cristã é que o homem não é senhor e proprietário, mas apenas usufrutuário de disposição direta que visa à abreviação da vida como fim e como meio. Nas hipóteses que vou considerar, trata-se unicamente de evitar ao paciente dores insuportáveis, por exemplo, no caso de câncer inoperável ou doenças semelhantes. Se entre o narcótico e a abreviação da vida não existe nenhum nexo causal direto, e se ao contrário a administração de narcóticos ocasiona dois efeitos distintos: de um lado aliviando as dores e de outro abreviando a vida, serão lícitos. Precisamos, porém, verificar se entre os dois efeitos há uma proporção razoável, e se as vantagens de um compensam as desvantagens do outro. Precisamos, também, primeiramente verificar se o estado atual da ciência não permite obter o mesmo resultado com o uso de outros meios, não podendo ultrapassar, no uso dos narcóticos, os limites do que for estritamente necessário. (Papa Pio XII, 1956 apud CARNEIRO et al.1998, p.03).

Desta forma, para a Igreja Católica o médico deve tratar o paciente, de forma a diminuir a dor e o sofrimento, respeitando sua dignidade.Logo, deve-se realizar procedimentos ( como analgesia, a hidratação, e a nutrição artificial, ditos procedimentos ordinários). Contudo, deve-se evitar os "procedimentos médicos extraordinários", de altíssimo custo e procedimentos penosos (a exemplo de ventilação mecânica, a radioterapia e a diálise). Estes últimos apenas prolongarão o sofrimento do paciente ( CARNEIRO et al.,1998,p.03).

2. Religião Judaica - No judaísmo, o homem não pode dispor da própria vida e nem do próprio corpo, pois ambos pertencem a Deus. Não se reconhece o direito de morrer, porém se é sensível ao sofrimento. A Halakah (tradição legal hebraica) distingue o prolongamento da vida do paciente( obrigatório) com o prolongamento da agonia, não admitindo este último. Assim, pode o médico, caso esteja convencido que seu paciente poderá falecer em três dias, suspender medidas que visem manter reanimar o doente, bem como tratamento que não seja analgesia (CARNEIRO et al.,1998,p.03).

3. Religião Budista – No budismo, embora haja entendimento de que não exista uma " oposição ferrenha" a respeito da eutanásia(OLIVEIRA,L.C.; JAPAULO,2005), admitindo-a em certos casos.

4. Religião Islâmica – Proíbe a eutanásia, mas admite que se a vida não for restaurada será inútil manter uma pessoa em estado vegetativo (OLIVEIRA, L.C.; JAPAULO, 2005).

2. 5 Alguns Casos Concretos

Os casos concretos servem para ilustrar o posicionamento de alguns ordenamentos a respeito de determinado assunto em discussão. No caso do assunto em tela, a partir de exemplos encontrados em Sônia Maria Teixeira da Silva (2000,p.03) pode-se observar alguns desses posicionamentos:

a) " Em Nova York, uma senhora sofria há anos de enfermidade dolorosa, incurável. Num dia de 1913 suplicou ao marido que lhe desse a morte. Nos dias seguintes, entre os desesperos de seus sofrimentos, insistia a implorar que a matassem. Por fim, com grande pena, o marido cedeu dando-lhe uma forte dose de morfina. Os juízes absolveram-no";

b) "Em 1910, o chefe de uma colônia foi condenado como homicida por haver, suave e definitivamente, adormecido (segundo suas próprias palavras) a uma enferma incurável que isto lhe rogara";

c) "Em 1912, na França, uma senhora hemiplégica é morta ‘piedosamente’ por seu marido, o qual declarou não haver feito mais que seu dever, arrancando sua esposa das terríveis torturas e sofrimentos que a acompanhavam há um (1) ano";

d) "O maquinista que, vítima de espantosa catástrofe ferroviária, jazia sob a caldeira da máquina, com braços e pernas destroçados, queimando-se vivo e lançando gritos horrorosos de dor, suplicava ansioso aos que contemplavam, impotentes, tão terrível espetáculo, lhe suprimissem, acabando com aquele martírio. Uma das testemunhas da tragédia executou o gesto liberador e a maioria delas aprovou o ato, declarando que teriam feito o mesmo e que, em perfeito acordo com sua consciência, teriam acabado aquela agonia sem esperança";

e) "Stanislawa Uminska era uma jovem atriz polonesa que fora a Paris angustiosamente solicitada por seu amante, Juan Zinowski, escritor polonês, internado num hospital, enfermo de câncer e tuberculose, no último estágio dessas doenças, padecendo de dores das mais cruéis. Este rogou à amante, por inúmeras vezes, que lhe abreviasse os sofrimentos. Por fim, em 15 de julho de 1924, no instante em que o enfermo adormecia, sob efeitos de analgésicos, a jovem atriz tomou o revólver com o qual o próprio paciente não teve ânimo para abreviar sua agonia, disparando em Zinowski. Foi julgada em Paris, onde o próprio Promotor dirigiu-lhe palavras de comiseração e respeito, tendo sido proclamada sua impunidade pelo júri";

f) "Nos Estados Unidos, H. E. Blazer, médico de 61 anos, vivia com a filha paralítica e débil, a qual dispensava os mais ternos cuidados. Sentindo-se enfermo e vendo-se morrer, consternado pelo desamparo em que deixaria a filha, deu-lhe a morte, proporcionando-lhe uma forte dose de clorofórmio, envenenando-se logo após".

Dos exemplos apresentados todos demonstraram a aceitação da eutanásia como sendo um meio de evitar o prolongado sofrimento de um ente querido ou algum conhecido. A motivação alegada da prática da eutanásia fundamentou-se em todos os exemplos em um ato piedoso. Todavia, observou-se que em determinado caso o indivíduo que causou a morte de outro, movido por esse ato, foi condenado por homicídio.

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Sobre a autora
Rosinete Souza Barata

Advogada na Bahia. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARATA, Rosinete Souza. Eutanásia : morte digna ou homicídio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20818. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho monográfico apresentado ao curso de Direito da Faculdade 2 de Julho como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profa. M.S. Astried Brettas Grunwald.

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