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Eutanásia : morte digna ou homicídio?

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10/01/2012 às 13:56
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3 EUTANÁSIA NO DIREITO BRASILEIRO

O Direito brasileiro também tem se ocupado na discussão a respeito da eutanásia. Sobretudo porque a doutrina há algum tempo vem se debruçado a respeito do assunto, embora com posicionamentos diferentes. Além disso, como visto, a discussão a respeito da eutanásia é um assunto que, de certo modo, não é uma "onda do momento". Ao contrário, é um tema que tem sido discutido constantemente e requerido muita atenção tanto da sociedade em geral, bem como das classes médicas-jurídicas.

Entretanto não é uma discussão acobertada de unanimidade, requerendo muita cautela na avaliação das propostas sobre o tema. Daí a necessidade de se iniciar a compreensão da eutanásia no ordenamento brasileiro iniciando-se de uma leitura à luz da Constituição Federal, analisando, porém, alguns pontos definidos no código Penal vigente.

3. 1 Morte Digna e a Constituição Federal : Haveria uma Proteção?

Impede-se relembrar que a Constituição Federal de 1988, art.5º,IX, determina ser livre a atividade científica. Todavia, dado que nenhum direito pode ser exercido sem a observância de limites, a própria Constituição traz as orientações para o exercício deste e de outros tantos direitos. Neste caso, incutindo pois, a observância da integridade física e psíquica, a privacidade e, como não poderia deixar de ser, o direito à vida.

Entretanto, todos estes direitos, e outros não citados, devem fundamentar-se na pessoa humana e na dignidade que lhe é inerente. Esta é a fundamentação do Estado Democrático de Direito, no qual o Brasil está inserido. Neste sentido, é que:

a bioética, e o biodireito passam a ter um sentido humanista, estabelecendo um vínculo com a justiça. Os direitos humanos,decorrentes da condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa humana, referem-se à preservação das integridade e da dignidade dos seres humanos e à plena realização de sua personalidade (DINIZ,2002,p.19-20).

Este sentido humanista visa manter a preservação da integridade e da dignidade do ser humano. Tendo em vista a orientação constitucional – dignidade do ser humano - busca-se estender seu sentido a todas as etapas da existência da vida humana, inclusive na fase final da mesma. A este respeito diz Roxana Borges:

a concepção de dignidade da pessoa humana que nós temos liga-se à possibilidade de a pessoa conduzir sua vida e realizar sua personalidade conforme sua própria consciência, desde que não sejam afetados direitos de terceiros. Esse poder de autonomia também alcança os momentos finais da vida da pessoa (BORGES,2005,p.01).

Tal afirmação vem corroborar com a defesa da idéia de que a morte digna é direito fundamental do homem. Neste sentido é que se defende o direito que o indivíduo tem em não ter prolongado seu sofrimento, a despeito do avanço tecnológico e da medicina. Mesmo porque,

o avanço da medicina quanto às tecnologias à disposição do médico tem provocado não apenas benefícios à saúde das pessoas, mas também, em alguns momentos, todo esse aparato tecnológico pode acabar afetando a dignidade da pessoa (BORGES,2005,p.01).

Apesar disto, deve-se observar a existência, segundo orienta Roxana Borges, da diferença entre morrer dignamente e direito à morte. O direito de morrer dignamente, assim, seria o direito do indivíduo ter uma morte no seu curso habitual, sem intervenções heróicas que possam prolongar o sofrimento que ele já está enfrentando (BORGES,2005,p.01).

Por sua vez, ainda segundo Roxana Borges,o direito de morrer "tem sido reivindicado como sinônimo de eutanásia ou de auxílio a suicídio", portanto, "intervenções que causam a morte paciente (BORGES,2005,p.01).

Em sede constitucional, defende-se, que por via oblíqua, o direito de morrer dignamente tem proteção, tendo em vista a delimitação feita no art.5º da CF/88, conforme se depreende dos incisos a seguir:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento degradante;

IV – é livre a manifestação de pensamento(...);

VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença(...);

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL,Constituição Federal(1988)(2003)).

Note-se que claramente são as orientações: não obrigatoriedade em fazer ou deixar de fazer alguma coisa( a não ser por força de lei), a não obrigatoriedade em se submeter a tratamento degradante, possuir liberdade de expressão. Estas últimas orientações que por si só configurariam o direito que o indivíduo possui de opor-se a tratamento que não esteja de pleno acordo. Portanto, inclui-se aí a não submissão a tratamentos que possam prolongar seu sofrimento e, por corolário, ter direito a uma morte digna.

Por outro lado, contesta-se a existência de um direito à vida e não sobre à vida. Portanto não havendo direito sobre à vida, não há que se falar em livre disposição da mesma. Logo, não haveria um direito de morrer, melhor dizendo,não haveria um direito em optar sobre sua própria morte. Neste sentido opina Maria Helena Diniz :

em defesa do morrer com dignidade, há quem sustente a necessidade de admitir-se legalmente, em certos casos específicos, a eutanásia ativa, também designada benemortásia ou sanidicídio, que, no nosso entender, não passa de um homicídio, em que, por piedade, há deliberação de antecipar a morte de doente irreversível[...], empregando-se, em regra, recursos farmacológicos, por ser prática indolor de supressão da vida (DINIZ,2002,p.323).

Entretanto, necessário estabelecer que "certos casos" seriam estes, pois retomando-se à idéia do direito de não ser submetido a tratamento degradante, a quem caberia avaliar o que seria "degradante"? Melhor saída é acreditar que não se deve reprovar o desejo de se ter uma morte digna por aquele que, diante de um quadro irreversível, tem prolongado a agonia e o sofrimento sem nenhuma garantia do "mínimo de dignidade". Assim,

a morte nessas circunstâncias, rodeada de vários cuidados (para que não haja abuso nunca), não se apresenta como uma morte arbitrária, ou seja, não gera um resultado jurídico desvalioso, ao contrário, é uma morte ‘digna’, constitucionalmente incensurável (GOMES,2007.p.01).

Logo, não é uma atitude desvaliosa proporcionar uma morte digna àquele que sofre aceitando-se, assim, a morte digna como extensão à dignidade da pessoa humana. Profícua é aproveitar a colocação de Maria Celina Bodin de Moraes, ao dizer que "[...] será desumano, isto é, contrário à dignidade da pessoa humana, tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (o sujeito de direitos) à condição de objeto"(apud BERNARDO,2007,p.235).

Acrescente-se que também será desumano, manter o indivíduo como objeto de intervenções médicas, objeto de curiosidade dos outros pacientes, objeto de curiosidade de estudantes e objeto de inúmeras outras pessoas que têm acesso de alguma forma ao paciente.

Nestes termos, traz-se o comentário de um acórdão proferido pela Corte de Apelo de Londres, no dia 24 de outubro de 1996. A idéia aqui é ilustrar o sentido de que se pode considerar morte digna contrapondo-se à exposição do paciente como objeto da especulação científica sobre o pretexto de se manter a vida alijada da dignidade que lhe é inerente. Eis o comentário:

[...] O recurso interposto contra a decisão de um juiz singular teve, como apelante, a mãe de uma criança de um ano e meio de idade, nascida com atresia biliar provocada por uma enfermidade incurável do fígado. Necessitava de um transplante, mesmo assim com reduzidas possibilidades de sobrevida. Sem ele, era certo que não viveria mais do que dois ou três anos. A parte recorrida era a municipalidade, representando um hospital infantil londrino. Intervieram dois curadores de menores (guardian ad litem).

Os pais, médicos ingleses radicados na África do Sul, já tinham feito várias tentativas de minimizar o mal. Sem sucesso, deslocaram-se a Londres em busca de melhores recursos, recusando-se, contudo, a autorizar a cirurgia, tão logo os pediatras chegaram a um diagnóstico definitivo. Como é costume na Inglaterra, o próprio hospital buscou a autorização judicial concedida em primeira instância. Nesse ínterim, a família retornou ao país de residência, ficando os pais obrigados a apresentar a criança. Apresentou-se apenas a mãe, mas para recorrer (RIBEIRO,2005).

Percebe-se pela exposição a preocupação dos médicos em se munirem de medidas, visando assegurar, na opinião deles, ainda que cientes da reduzida sobrevida do paciente, a realização do transplante. Mediante esta constatação é que os pais, então médicos, conforme o relato, vão buscar ajuda no Poder Judiciário. Entendiam serem eles, os verdadeiros guardiões do paciente (filho deles, neste caso) e, somente eles, caberia a decisão do que seria o melhor para o filho. Eis que, diante das circunstâncias e dos argumentos apresentados, foi dado um desfecho surpreendente a este caso:

[...] Para os médicos, o transplante poderia prolongar a vida da criança. Para os pais, entre a certeza e a dúvida, era preferível que o filho mantivesse uma boa qualidade de vida pelo tempo provável que lhe restava, sem a dor e sem o stress produzidos pelo pós-operatório e o longo sofrimento que a intervenção provocaria, inclusive porque nada disso asseguraria a cura e a sobrevivência. As complicações imediatas e mediatas, comuns em qualquer transplante, poderiam até mesmo reduzir a expectativa de vida que se tinha. Mas o juiz acolheu as opiniões médicas e supriu o consentimento solicitado.

A Corte de Apelo ponderou todos esses argumentos e deixou de lado o caminho mais curto que a sentença havia encontrado. Decidiu que no confronto entre as razões médicas e as razões dos pais deveria prevalecer o interesse do menor, o seu bem-estar. Os médicos buscavam prolongar sua vida. Os pais queriam qualidade de vida. E manter a criança viva, afirmou-se, não implicava mantê-la vivendo bem. A vida pela vida não era a certeza da melhor opção em seu favor. E a difícil decisão dos pais não poderia ser substituída pela frieza de uma solução técnica, até porque não seria sincero afirmar que o juiz pudesse melhor assegurar o interesse do menor do que os seus próprios pais, ambos com formação acadêmica, o que lhes permitia plena consciência da gravidade do quadro. Inclusive, estes é que sofreriam com o filho a dor imposta pela justiça (RIBEIRO,2005).

Nestes termos a corte ponderou, diante das circunstâncias, que os pais do menor envolvido tinham formação médica e portanto, protestavam levando em consideração o conhecimento que possuíam não sendo mero capricho em desejarem evitar o sofrimento do filho. Em conclusão, a Corte de Apelo entendeu que

[…] portanto, os pais, e não os juízes, é que deveriam decidir se a criança voltaria ou não à Inglaterra para ser operada, se isso fosse, a juízo deles, o melhor para ela: ‘The welfare of the child was the paramount consideration and the very strong presumption in favour of a course of action which would prolong life and the inevitable consequence for the baby of consent not being given had to be recognised. But to prolong live was not the sole objective of the court and to require it at the expense of other considerations might not be in a child’s interests’. Os Lords Justices deram provimento ao apelo e negaram a autorização, ainda que a sentença recorrida tenha invocado precedentes de 1981 desse mesmo tribunal, todos decidindo suprir a autorização dos pais, se bem que recusadas por questões religiosas (RIBEIRO,2005).

Dessa forma, o provimento dado ao caso relatado também levou em conta a qualidade de vida que a criança teria se submetida ao procedimento médico: possivelmente dor e stress como havia sido alegado pelos pais médicos, não havia garantia de que o procedimento a ser realizado seria eficaz. Ao se permitir que os pais da criança mantivessem a negativa quanto ao transplante, permitiu-se também que ambos, pais e criança, aproveitassem os últimos dias de convivência entre eles, única certeza que havia no momento.

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Por outro lado, defender uma morte digna deve-se ter em mente o respeito à razoabilidade da qual fala Flávio Gomes. Morte digna dentro da razoabilidade, segundo ele, é aquela que atende a determinadas condições. Sobretudo, é a que

[...] elimina a dimensão material-normativa do tipo(ou seja: a tipicidade material) porque a morte, nesse caso, não é arbitrária, não é desarrazoada. Não há que se falar em resultado jurídico desvalioso nessa situação.

A base dessa valoração decorre de uma ponderação (em cada caso concreto) entre (de um lado) o interesse de proteção de um bem jurídico( que tende a proibir todo tipo de conduta perigosa relevante que possa ofendê-lo e(de outro) o fundado em valores constitucionais básicos como o da dignidade humana(GOMES,2007,p.01).

Apesar do exposto, necessário lembrar que "morte digna" nem sempre é entendida no âmbito do paciente chamado terminal. Ao contrário, morte digna pode ser desejada por quem não se inclui neste contexto. Assim, por exemplo, atletas que têm a atividade física como seu centro de autoconceito, sendo vítimas de um acidente que lhes tornem paraplégicos, poderão ser mais propensos a acharem esta situação insuportável (DWORKIN,2003,p.297), e portanto desejarem a morte.

Nestes termos, cita-se um caso verídico retratado no filme Mar Adentro, cujo personagem Ramón Sampedro, tetraplégico deseja por fim ao que ele considera grande sofrimento. O filme ilustra um homem que após um mergulho no mar torna-se paraplégico e que após muitos anos, vivendo nestas circunstâncias, luta para obter o direito ao que ele considera uma morte digna.

De outro lado, Dworkin (2003,p.299), defende a idéia de que " o modo como se morre – no campo de batalha ou na cama- não esgota a escolha de um momento ‘ideal’". No entendimento deste jurista americano, mesmo a título de grande sofrimento, o paciente terminal pode optar por um momento que lhe pareça oportuno para sua morte, citando o exemplo do indivíduo que entende "valer a pena viver" apenas para apreciar o nascimento de um neto (DWORKIN,2003,p.297).

No âmbito do direito brasileiro, retomando a idéia de que a morte digna tem proteção constitucional, defende-se que essa assertiva está consubstanciada no fato de que se ela, a Constituição, prima pela dignidade humana, esta dignidade há que ser ampla, sob pena de se restringir direitos. Se não fosse desta forma, não haveria sentido que houvesse a extensão do respeito aosdireitos do indivíduo mesmo estando morto. O queprecisa ser assentado é a forma e os limites de se permitir que essa morte digna ocorra.

3.2 Posicionamentos Contrários e Favoráveis à Eutanásia

A discussão que envolve o tema eutanásia encontra posicionamentos favoráveis e contrários. Diversas são as justificativas adotadas na defesa de cada posicionamento. Ilustrando-se alguns destes posicionamentos, Marcela Larcher (2004, p.38) cita os seguintes:

a) " Dores e sofrimentos insuportáveis – Os que defendem a eutanásia, argumentam que nem todos os medicamentos utilizados podem retirar por completo a dor ou sofrimento de um paciente. Ao contrário, os que são contra, defendem a idéia de que a Medicina contém remédios eficazes capazes de retirar a dor e o sofrimento" ;

b) "Doenças incuráveis - Os que defendem a eutanásia argumentam que muitas pessoas portadoras de doenças, quando do estágio terminal, não existe possibilidade de sua cura. Muito embora haja notícia de um novo remédio a venda comercial destes, geralmente, ocorre sempre depois de ano ou dois da divulgação";

c) " Vontade do paciente que solicita a morte – Os que são favoráveis à eutanásia defendem a idéia de que não se pode desconsiderar a vontade do enfermo, desde que esta seja consciente e real. Os que se opõem, defendem a idéia de que este desejo transitório deve ser compreendido como o não suportamento das dores por aquele período" ;

d) "Ônus econômicos decorrentes das doenças sem possibilidade de reversão – Os favoráveis à eutanásia defende a idéia de que ao invés de se perder tempo utilizando aparelhos em doentes tecnicamente incuráveis, estes deveriam ser utilizados em doentes com possibilidade de cura. Todavia, os que são contrários, entendem que não cabe ao médico - ou qualquer outro - decidir sozinho sobre qual o paciente/doente é mais importante que o outro, ou qual a vida que deve ser prolongada" .

No que tange aos defensores da eutanásia, Coelho (2001, p.06) fala da existência de dois grupos como divisão daqueles que defendem a prática da eutanásia, quais sejam:

1. Grupos dos Radicais - Supressão da vida nas circunstâncias em que o quadro de doença seja irreversível, não fazendo sentido lutar contra o que as próprias forças da ciência revelam-se impotentes.

Os radicais também defendem a idéia de que viver sob o enfrentamento de padecimento físico ou moral, não tem valor moral, podendo representar inclusive gravame injusto para a família e para a sociedade no momento em que ocupa leitos hospitalares.

2. Grupos dos Moderados – Há necessidade do consentimento do paciente ou de membro da família. Além disso, é necessário que exista certeza da proximidade e inevitabilidade da morte atestada por profissional habilitado entre outras exigências.

Desta forma, para os moderados a situação enfrentada pelo doente é irremediável e penosa, logo, mantê-lo vivo seria, assim, permitir uma agonia prolongada e cruel. Neste caso, o médico não tem apenas a função de curar, mas diminuir o sofrimento do doente ( COELHO,2001,p.06).

Para os moderados, todos têm de viver de forma digna, logo não tendo sentido negar ao paciente que ele mesmo decida sobre sua morte também com dignidade( COELHO,2001,p.06).

Defende-se ainda que o direito à vida deva ser entendido da forma mais ampla possível, envolvendo sempre a dignidade da pessoa humana. Em razão desta dignidade é que muitas vezes, orienta-se para acatar a morte como única opção. Logo, "retirar do ser humano sua dignidade, em nome de um direito absoluto, não é muito diferente do que sentenciá-lo à própria morte, em vida"( CARLIN, 1998 apud COELHO,2001,p.06).

Contrariamente, os opositores da prática da eutanásia, entendem que não se pode transformar " in articulo mortis " uma agonia(LACHER,2004,p.39). Entendem eles que independentemente dessa agonia ser dolorosa, ainda que se tenha o consentimento do paciente, não se pode antecipar a morte. Assim, para os opositores da eutanásia o médico tem o dever de lutar contra a morte, logo não seria justo pedir que ele faça o contrário. Não se admite assim, que haja conciliação entre a Medicina que cura e a que mata (LACHER ,2004,p.39).

Os que se opõem à eutanásia adotam o entendimento de que seja dever do Estado preservar a vida humana, pois esta é um bem jurídico supremo. Mesmo porque é obrigação do poder público fomentar o bem-estar dos cidadãos e a evitar que sejam mortos ou colocados em situação de risco ( COELHO,2001,p.06).

Além disto, eventuais direitos do paciente estão muitas vezes subordinados aos interesses do Estado, que obriga adoção de todas as medidas visando o prolongamento da vida do doente, até mesmo contra a sua vontade ( CHAVES,R.M.L., apud COELHO,2001,p.06).

Alega-se também, os opositores da eutanásia, que são várias as descobertas ocorridas a cada instante no mundo científico. Uma doença hoje irreversível, amanhã pode não ser, assim, qualquer atitude diante da eutanásia, pode ser fatal( COELHO,2001,p.06).

Por outro lado, visando estabelecer um consenso na classe médica, mundialmente, acerca da ética aplicada à eutanásia, ortotanásia e distanásia, surgiram várias declarações. Por exemplo, a Declaração de Genebra a qual foi adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial. A Declaração de Genebra em plena consonância com aqueles que são contrários à eutanásia e em acréscimo ao juramento Hipocrático [33] vai afirmar pela manutenção do "mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção", ainda que sob ameaça, não se deverá utilizar o conhecimento médico na prática de "princípios contrários às leis da natureza." ( COELHO,2001, p.06).

Portanto, para os contrários à prática da eutanásia, não há justificativa plausível para realização da mesma. A dor não pode ser uma justificativa aceitável para que vidas sejam ceifadas. Neste sentido, Dr . Erik Frederico Gramstrup (apud PAGANELLI, 1997, p.01) defende que reportar-se à expressões como "vida sem valor", soaria igual contradição tal qual a expressão "quadratura do círculo" .

Em relação a alguns posicionamentos adotados na doutrina pátria, Bento de Faria , se opunha ao "homicídio eutanásico", pois "seria absurdo e ilógico admitir o direito de matar quando a vida é protegida pela lei" (apud SILVA,S.M.T., 2000,p.02 ). Anibal Bruno, ao comentar sobre " consentimento do ofendido" defendia que "realmente se a lei incrimina o auxílio ao suicídio, com melhor razão punirá o matador, mesmo quando atua com o consentimento da vítima"(apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02).    

Magalhães Noronha,manifestando-se contrário à eutanásia, pois no seu entendimento inexiste direito de matar e direito de morrer. Para Noronha a vida é permeada por uma função social, assim, a ciência deve ter como missão lutar contra o extermínio da mesma (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02).  

Já Roberto Lyra, demonstrando ser contrário à eutanásia, argumenta de forma irônica em obra intitulada "Comentários ao Código Penal" : "amanhã, ao lado do homicídio piedoso, viriam o contrabando piedoso, o rapto piedoso, o furto piedoso. Não dizem já os ladrões que aliviam suas vítimas? " (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02).

Entretanto, entre os doutrinadores contrários à eutanásia, afirma-se que Nelson Hungria, talvez seja o mais fervoroso dentre os adversários da eutanásia no Brasil (SILVA,S.M.T.,2000,p.02). Demonstrando sua aversão à eutanásia ao ser chamado para prefaciar o livro "Direito de Matar" de Evandro Correa de Menezes defende que a questão da prática eutanásia envolve discussões jurídicas, mas deveria ser tratada do ponto de vista do estudo da psicologia anormal (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02). Sobretudo porque, na opinião dele, "a verdadeira, autêntica piedade, sentimento de equilibrado altruísmo, não mata jamais. O que arma o braço do executor da morte boa é o seu psiquismo anômalo" ( apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02).

Contudo, Evandro Correa de Menezes no seu livro "Direito de Matar" demonstra ser favorável à prática da eutanásia. Segundo o referido autor, o indivíduo que mata movido pela piedade ou consentimento deve ser isento de punição. Indo mais longe do que o próprio Asúa [34] , Evandro Correa afirmou : "não nos basta o perdão judicial; queremos que a lei declare expressamente a admissão da eutanásia, que não seria um crime, mas, pelo contrário, um dever de humanidade" (apud SILVA,S.M.T.,2000,p.02).

3.3 Posição do Conselho Federal de Medicina - Ortotanásia ao Invés de Eutanásia

A posição do Conselho Federal de Medicina(CFM), como já se referiu noutro momento, é a adoção da ortotanásia. Contudo, a expressão costuma ser evitada pelos médicos temendo que se confunda com eutanásia, em regra homicídio no Código Penal Brasileiro(ÚLTIMO SEGUNDO,2007).

Importante relembrar parte da doutrina refere-se à ortotanásia como eutanásia passiva [35]. Na ortotanásia, mediante orientação do CFM, o médico desliga os aparelhos, e a morte ocorre naturalmente, sem indução.

Isto posto, deve-se lembrar que com a introdução das inovações tecnológicas e a própria evolução da Medicina, criou-se novas alternativas no tratamento de inúmeras doenças. Também se criou a possibilidade de se manter por mais tempo, mesmo que ligado a equipamentos, sem nenhuma perspectiva de cura, pacientes chamados "terminais". No geral, estes pacientes ficam internados nas unidades de terapia intensiva(UTIs), submetidos a tratamentos extraordinários, afastados dos familiares.

Em razão destes e de outros embates, o CFM justifica a adoção de um novo olhar para o enfermo. Na exposição de motivos, o CFM clama pela reavaliação do tradicional modelo da ética médica baseado no modelo hipocrático, de cunho paternalista. Eis que se faz necessário rever que se pouco se ensina aos médicos lidarem com a morte.

Na realidade, conforme o CMF, a inovação tecnológica trouxe a possibilidade de prolongamento do processo de morrer e a Medicina teve de incorporar muito rapidamente estes avanços. Assim, refletir sobre o tema morte tornou-se mais complexo.  A preocupação em se utilizar artefatos tecnológicos na arte de curar tem dado à Medicina uma feição mais técnica do que humana, quando o ideal é que ambas tivessem juntas, como já anotou Bernad Lown:

não posso chegar ao ponto de dizer que, para curar, a ciência não deve ser abandonada. Ao contrário, a melhor cura será aquela que casar a arte com a ciência, quando corpo e espírito forem examinados juntos. Somente quando os médicos souberem aquilatar o destino do paciente como seu semelhante, transido de medo e de dor, poderão atingir a individualidade única de cada ser humano. Então o doente torna-se algo mais que o mal de que sofre. Esse comprometimento mais amplo aviva as brasas da imaginação clínica, afia a precisão do julgamento e ajuda a sobrepujar a agonia das decisões. Então, o médico reconquista a coragem de encarar as incertezas, para as quais não bastaria a perícia técnica [...] ( LOWN,1997,p.13-14).

Diante deste sentido com o qual Bernard Lown defende de como deva ser o relacionamento entre médico e paciente, o CFM, com a adoção da ortotanásia, pugna na sua Exposição de Motivos, pelo reavivamento do "casamento" entre a ciência e humanidade, a medida em que se passe a analisar cada paciente de acordo com suas idiossincrasias. Por isso, na sua Exposição de Motivos o CFM propugna:

[...] o poder de intervenção do médico cresceu enormemente, sem que, simultaneamente, ocorresse uma reflexão sobre o impacto dessa nova realidade na qualidade de vida dos enfermos. Seria ocioso comentar os benefícios auferidos com as novas metodologias diagnósticas e terapêuticas. Incontáveis são as vidas salvas em situações críticas, como, por exemplo, os enfermos recuperados após infarto agudo do miocárdio e/ou enfermidades com graves distúrbios hemodinâmicos que foram resgatados plenamente saudáveis por meio de engenhosos procedimentos terapêuticos.

Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, também, enfermos portadores de doenças crônico-degenerativas incuráveis, com intercorrências clínicas as mais diversas e que são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos agudamente enfermos. Se para os últimos, com frequência, pode-se alcançar plena recuperação, para os crônicos pouco se oferece além de um sobreviver precário e, às vezes, não mais que vegetativo. É importante ressaltar que muitos enfermos, vítimas de doenças agudas, podem evoluir com irreversibilidade do quadro.

Somos expostos à dúvida sobre o real significado da vida e da morte. Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? [...].

Nota-se que as questões trazidas pelo CFM não são novas. Destarte, busca-se retomar a "arte de curar" com feição humanística há muito tempo esquecida pela Medicina. Neste sentido, retomar-se-ia o paciente em seu sentido holístico, e não apenas visto sob a perspectiva de uma doença. Portanto, não seria o tratamento dado a uma pancreatite, a um infarto agudo do miocárdio, a um acidente vascular cerebral, para citar alguns exemplos. Seria, sobretudo, o cuidado a ser dado a "João", a "José", a "Ana", e a tantos outros indivíduos. A estes sim, é que dar-se-ão os cuidados.

Para o CFM somente com esta nova leitura poder-se-á refletir, com cautela necessária, toda vez que um paciente inspirar cuidados. Todavia, o CFM também traz a reflexão de que não há respostas prontas para todas as situações, mesmo porque, ainda de acordo com a Exposição de Motivos, embora os médicos aprendam sobre tecnologia de ponta, pouco aprendem sobre o que significa, do ponto de vista ético, o significado da vida e da morte, visto que, conforme a Exposição de Motivos da Resolução nº 1.805/2006 :

[...] despreparados para a questão, passamos a praticar uma medicina que subestima o conforto do enfermo com doença incurável em fase terminal, impondo-lhe longa e sofrida agonia. Adiamos a morte às custas de insensato e prolongado sofrimento para o doente e sua família. A terminalidade da vida é uma condição diagnosticada pelo médico diante de um enfermo com doença grave e incurável; portanto, entende-se que existe uma doença em fase terminal, e não um doente terminal. Nesse caso, a prioridade passa a ser a pessoa doente e não mais o tratamento da doença ( RESOLUÇÕES DO CFM,2007).

A pretensão do CFM é incutir à classe médica a inexistência de infração ética. Além disso, enfatizar que há um limite muito claro: "os médicos precisam entender que a morte não é um inimigo. É algo natural", nas palavras de Roberto d'Ávila, diretor do CFM(ÚLTIMO SEGUNDO,2007).

3. 4. Eutanásia - Determinações Face ao Código Penal Brasileiro

Fazendo uma rápida incursão histórica da lei penal brasileira, observa-se que o primeiro Código Criminal Brasileiro(1830), não fazia referência à eutanásia,mas tipificava o auxílio ao suicídio: "Art. 198 - Ajudar alguém a suicidar-se ou fornecer-lhe meios para esse fim, com conhecimento de causa: pena de prisão por dois anos ou seis meses"(DODGE,2006).

Por sua vez, o Código Penal Republicano, baseando-se no Código Criminal do Império, não trouxe disposição sobre o que se chama de homicídio caritativo .Destacou, porém, no art.26,c: "não dirimem nem excluem a intenção criminosa, o consentimento do ofendido, menos nos casos em que a lei só a ele permite a ação criminal" (DODGE,2006). E ainda:

[...] a Consolidação das Leis Penais, Código Penal brasileiro completado com as leis modificadoras, aprovada e adaptada ao tema pelo Decreto nº. 22.213, de 14/12/1932, em nada modificou o tratamento legal que se dispensava ao tema(...) Também não estabeleceu atenuante genérica relacionada ao assunto [...] (MARCÃO,2002,p.01 ).

Na observação de Hungria, o primeiro projeto do Código Penal (Projeto Sá Pereira) flexibilizava a punição ante a piedade em vista do sofrimento atroz do doente e as suas súplicas. Assim, permitia-se que o homicídio praticado, nestas circunstâncias, tivesse o desconto de metade da pena, podendo ainda o juiz converter a reclusão em detenção ( MARCÃO,2002,p.01).

O Código Penal Brasileiro atual (Decreto Lei nº. 2.848/1940) não traz expressamente do crime por piedade. As alterações realizadas ao Código vigente, através das Leis nº.6.416/77 e 7.209/84, também não trouxeram à baila o crime caritativo (MARCÃO,2006,p.01).

Entende-se que esta omissão ocorreu em razão do entendimento de que a vida é um bem de maio valor. De outro lado, existe o projeto de lei nº 125/96, que pretende regulamentar a prática da eutanásia, "conscienciosa e racional, de uma prática humanitária", originária desde a "sabedoria instintiva dos seres humanos primitivos, da época tribal"(COELHO,2001,p.07).

O projeto defende que pessoas com sofrimento físico ou psíquico " possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte" (GOLDIM, 2004). Refuta-se que o projeto de lei seja falho na abordagem de algumas questões fundamentais, tais como: o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão; sobre quem será o médico responsável pela realização do procedimento que irá causar a morte do paciente, entre outros [36].

Por sua vez, há registros de que em 1984, surgiu um Anteprojeto de Lei propondo reforma na Parte Geral do Código Penal, e outro, propondo reforma na Parte Especial, não tendo ocorrido esta última(BORGES,2005,p.01). O referido anteprojeto cuidava de forma expressa sobre a eutanásia:

Art. 121 [...]

§ 1º …

§ 2º …

Eutanásia

§ 3º Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:

Pena – Reclusão de três a seis anos.

Exclusão de ilicitude

§ 4º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.

Por determinação do artigo 121, ainda que se cometa a eutanásia, crime movido por compaixão, a vítima deve ter feito o pedido, devendo ser a vítima imputável e maior. Assim, deve haver consentimento da vítima, mas se a mesma não tiver condições de fazê-lo o seu ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão poderá expressar o consentimento. Portanto, o consentimento da vítima ou do seu ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão são excludentes de ilicitude.

Todavia, alguns autores entendem que a redação do artigo 121 expõe uma definição de ortotanásia e não de eutanásia. Assim, o parágrafo terceiro caracterizaria o momento em que o processo de morte já se iniciou, e mesmo mantendo-se a vida artificialmente, não há chance de cura ou melhora. No caso da eutanásia, não ocorreu ainda o início do processo de morte, embora o paciente esteja passando por grande sofrimento devido a uma doença incurável (BORGES,2005,p.01).

Entretanto, deve-se novamente lembrar que doutrinariamente se tem referido a ortotanásia como eutanásia passiva. Talvez seja por isso que alguns doutrinadores entendam que a redação dos parágrafos do artigo 121 deixa margem a interpretações diversas, sendo um equívoco denominar a situação prevista no parágrafo quarto como ortotanásia. Além disto, para estes doutrinadores, o referido parágrafo não alcança o cerne da questão principal reportada como sendo o estabelecimento de critérios " uniformes de morte para todas as situações, e não apenas para a doação de órgãos, no caso da morte encefálica" ( GOLDIM,2004).

No Código Penal Brasileiro atual, embora não tenha previsão específica a respeito da eutanásia, a prática da mesma constitui homicídio, sendo, pois, conduta típica, ilícita e culpável. Na qualificação jurídica desta conduta e para a correspondente responsabilidade civil e penal não importa se paciente tenha dado seu consentimento, ou mesmo implorado pela medida. Assim, em relação à presença ou não do consentimento é irrelevante, pois no ordenamento jurídico brasileiro, o mesmo não tem o condão de descaracterizar a prática da eutanásia como crime ( DODGE,2006).

Portanto, no direito penal brasileiro, a conduta é tida como criminosa. Corresponde, pois, a fato típico descrito na lei. Todavia, de acordo com o direito penal pátrio, o comportamento humano somente é identificado como crime quando lastreado, concomitantemente, por : tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Daí dizer-se que:

[...]a base fundamental de todo fato-crime é um comportamento humano (ação ou omissão). Mas para que esse comportamento humano possa aperfeiçoar-se como um verdadeiro crime será necessário submetê-lo a uma tríplice ordem de valoração: tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Se pudermos afirmar de uma ação humana (a ação, em sentido amplo, compreende a omissão, sendo, pois, por nós empregado o termo como sinônimo de comportamento, ou de conduta) que é típica, ilícita e culpável, teremos fato-crime caracterizado, ao qual se liga, como conseqüência, a pena criminal e/ou medidas de segurança. [...] Tipicidade é a subsunção, a justaposição, a adequação de uma conduta da vida real a um tipo legal de crime [...]. Por isso, definimos ilicitude assim: ‘A relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de sorte a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado’. [...] Deve-se entender o princípio da culpabilidade como a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença - fundada na experiência da vida cotidiana - de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, `agir de outro modo'. A não-utilização dessa faculdade, quando da prática do ilícito penal, autoriza aquela reprovação. A noção de culpabilidade está, pois, estreitamente vinculada à de evitabilidade da conduta ilícita, pois só se pode emitir um juízo de reprovação ao agente que não tenha evitado o fato incriminado quando lhe era possível fazê-lo. [...] A doutrina finalista, além disso, transferiu o dolo e a culpa em sentido estrito da culpabilidade para o interior do injusto, considerando-os elementos característicos e inseparáveis do comportamento ilícito (TOLEDO, 1981 apud DODGE,2006).

Portanto, tendo em vista o Código Penal vigente, o consentimento da vítima não afasta a ilicitude da conduta do médico, logo não a desqualifica como um crime ( homicídio). A manifestação de vontade, isto é, o consentimento, não tem previsão legal. Nesse sentido, nos termos vigente artigo 121, institui-se o tipo do homicídio privilegiado, como se pode observar:

Art. 121 - Matar alguém.

§1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

A despeito da redação atual do artigo 121 do Código Penal brasileiro, há entendimento doutrinário de que a eutanásia estaria incluída neste preceito, se praticada por motivo piedoso, embora o consentimento do paciente ao médico continue sem relevância na descaracterização do crime(DODGE,2006).

De outro lado, o " motivo relevante de valor social ou moral" , observado pelo médico ao praticar a conduta, poderá ser considerado como causa especial de redução de pena (DODGE,2006). Ainda assim, não há exclusão da ilicitude da conduta.

Em consonância às determinações do Código Penal brasileiro, os tribunais brasileiros têm caracterizado a eutanásia como hipótese de homicídio privilegiado [37]. Entretanto, em determinadas circunstâncias entende-se que a eutanásia configure, simultaneamente, " homicídio privilegiado e homicídio qualificado, cuja pena é consideravelmente superior à do homicídio simples", necessitando que a " circunstância que qualifica o crime seja objetiva" como no caso em que emprega-se veneno, "mediante eutanásia" para causar a morte de outrem (DODGE,2006).Portanto, a eutanásia no Código Penal vigente é homicídio, embora o criminoso possa gozar de algum tratamento privilegiado.

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Sobre a autora
Rosinete Souza Barata

Advogada na Bahia. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARATA, Rosinete Souza. Eutanásia : morte digna ou homicídio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20818. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho monográfico apresentado ao curso de Direito da Faculdade 2 de Julho como requisito à obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Profa. M.S. Astried Brettas Grunwald.

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