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Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988

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10/01/2012 às 10:13
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5 os desafios do docente profissional dos cursos jurídicos

Neste capítulo, pretende-se discutir os aspectos que norteiam a prática pedagógica dos docentes sujeitos da presente pesquisa.

Para tal, procurou-se detectar, nas entrevistas realizadas com esses docentes, a formação pedagógica e metodológica que possuem, a valoração que dão à formação heurística [62] dos discentes, consideradas as formas e critérios de avaliação adotados e a adequação dela aos objetivos gerais de cada disciplina, se os objetivos propostos propiciam eficiência e eficácia do processo ensino-aprendizagem e, se há relação entre métodos de ensino e conteúdos programáticos.

Em suma, a busca desses dados objetivava, a partir da perspectiva do próprio docente, verificar a sua qualificação e avaliar a sua prática. É esse fazer do professor que é essencial ao processo ensino-aprendizagem, que constitui objeto desse estudo.

Para o desenvolvimento deste capítulo, foram coletados os depoimentos de oito docentes [63] em atividade na cidade de Belo Horizonte, detentores da titulação mínima de mestrado e em atuação nas quatro Faculdades de Direito eleitas e já existentes quando da mudança paradigmática proporcionada pela Constituição da República de 1.988, e, mais especificamente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – 9.394/96.

O corpo de entrevistados é composto por cinco mestres e três doutores, com variação de tempo de experiência no magistério entre 37 anos e 4 anos; de obtenção da titulação respectiva, entre 24 anos e 2 anos. Desse modo, foi possível levantar dados sobre o processo de formação a que se encontram submetidos os docentes, no período mais abrangente possível.

O roteiro das entrevistas dividiu-se em três partes, em que se buscou, na primeira, investigar a qualidade da formação dos saberes pedagógicos e da identidade profissional dos docentes; na segunda, a importância que concebem à formação prévia dos discentes, consubstanciadas nos pontos elencados por Miguel Zabalza: estudioso da relação ensino e aprendizagem no ensino superior. Esses pontos são necessários para se compreender a relação das dinâmicas institucionais estabelecidas em torno dos alunos do ensino superior, quais sejam:

Vê-los como membros da comunidade acadêmica, como aprendizes e como grupo social com características próprias: classe social de origem, características sociológicas, expectativas e interesses pessoais, convicções políticas e religiosas, background escolar, etc. (ZABALZA, 2004, p. 181).

E constitui a terceira parte da pesquisa, investigar até que ponto é considerada a formulação dos objetivos para a eficiência e eficácia do processo ensino aprendizagem, bem como sua articulação com os métodos utilizados, a seleção dos conteúdos programáticos e a avaliação do processo ensino-aprendizagem.

5.1 A identidade profissional

O primeiro aspecto analisado dos depoimentos dos docentes diz respeito à maneira com que encaram a identidade profissional no processo de docência. Ao serem questionados sobre as causas que os levaram a atuar como professores – primeira pergunta do roteiro da entrevista –, apenas dois entrevistados não vincularam a sua atividade docente à vocação para o trabalho de ensinar:

A docente a da instituição C [64], que ingressou no programa de mestrado logo após a conclusão da graduação, com a intenção de exercer o magistério. Em suas palavras,

"[...] Sempre vi o magistério como uma fonte de enriquecimento profissional, na medida em que o professor, ele tende a se atualizar com uma velocidade maior do que os demais profissionais"

Também o docente a da instituição D, que, inclusive, iniciara o curso de Direito tencionando transferir-se para a Pedagogia, que, assim, se expressou:

"Eu sempre tive uma propensão a lidar com a questão da Educação desde a graduação, quando eu cogitei transferir para o curso de Pedagogia. Acabei concluindo a graduação em Direito e fiz o mestrado em Educação. Acabei tendo uma propensão, um encantamento com a atividade de ensino, com o tema da educação."

Entretanto, apesar de predominarem respostas relacionando o exercício do magistério à vocação, somente uma docente tinha, nessa profissão, sua única fonte de rendimentos. Essa professora concluíra o mestrado em 1992 e já leciona há mais de 21 anos [65].

Conjugando as respostas à primeira pergunta do roteiro das entrevistas com os currículos dos entrevistados, chega-se a uma interessante observação: todos os professores possuem trabalhos científicos publicados, porém, apenas o docente a da instituição D, tem publicações relacionadas ao ensino jurídico. E, não obstante ter concluído seu mestrado em Educação, não cursara a disciplina Metodologia do Ensino durante o seu programa de pós-graduação, vindo, contudo, a realizar programas de capacitação profissional a partir de então, conforme evidencia este relato:

"Bom, eu fiz o mestrado em Educação, embora no mestrado não tenha feito nenhuma disciplina de Metodologia do Ensino. Desde que conclui o mestrado, pequenos cursos assim, inclusive, de disciplina de especialização, eu já fiz, várias vezes, na PUC virtual, no IEC [66], na Assembléia Legislativa onde eu exerço cargo de Consultor. Então eu já fiz vários cursos de formato diferenciado. Eu não sei quantificar não [...]."

A propósito, a pergunta número seis do roteiro das entrevistas abordava esse tema. Assim, se pôde constatar que, dos oito professores entrevistados, somente um cursara alguma disciplina relacionada com metodologia do ensino nos seus programas de pós-graduação. Com efeito, a Disciplina Metodologia do Ensino foi cursada somente pela docente a da instituição C.

Sobre essa questão, são contundentes os depoimentos dos docentes da instituição A, pois, ao mesmo tempo em que se ressentem de não terem cursado disciplinas necessárias à formação pedagógica para exercerem a profissão docente, criticam a ausência dessa exigência, inclusive, nos exames de admissão. Assim, feitas as perguntas: já fez algum curso de formação para atuar na docência do ensino superior? Quais? Em que período? assim respondeu o docente a:

"Não, nunca fiz curso e, aliás, isso é algo que ressente a atividade docente, porque não é exigido de nós esse aprendizado de como se colocar à frente de uma sala de aula, como dar uma aula, não estudamos metodologia, a não ser individualmente e a questão toda fica em termos assim muito pessoais, o que dificulta, porque nós temos grandes cabeças, grandes juristas que são péssimos expositores, péssimos professores. Se de todos nós se exigisse, no princípio, além de uma simples prova didática perante uma banca que é dar uma aula, em que, em geral nenhuma banca reprova, mesmo que uma aula seja mal dada, pois aprova-se o conteúdo e não o continente, e não a expressão. Repetindo, se se fizesse o curso, se fosse obrigado ao professor antes de entrar em sala de aula, fazer um curso de didática, seria muito importante para o desenvolvimento do trabalho acadêmico."

Já a resposta do docente b às mesmas perguntas foi:

"Nunca assisti a uma aula que me ensinasse dar aula. Nunca. Já li livros que me ensinaram, já ouvi críticas de alunos, ex-alunos. Então, para o ensino foi a vida que me ensinou. Eu não tive formação e é realmente um dos defeitos porque é uma das deficiências aqui na Faculdade de Direito, porque a gente faz o concurso, mas o concurso não se exige técnica nenhuma pedagógica. Aqui só exige a técnica jurídica específica."

Na resposta da docente b da instituição D encontra-se demonstrada a prática recorrente nos programas de mestrado e doutorado. Em sua resposta ficou claro, qual a única forma de experiência sobre a docência, vivenciada por aqueles que ingressam nos programas de pós-graduação stricto sensu:

"No ensino superior, só pequenos módulos, pela própria universidade, mas, mais do que isso não. A carga de pedagogia vem mais até da formação para o magistério (cursado pela mesma).

No curso de mestrado tivemos Metodologia da Pesquisa, não Metodologia do Ensino. Nem como cadeira opcional. A única forma que eu acho que tratava essa questão é que a maioria das disciplinas, antes da monografia, nós éramos convidados a dar aulas para os demais colegas e nesse sentido havia uma preparação sim para a docência. Então, todas as disciplinas, a maioria delas, se apresentavam os trabalhos em forma de aula sobre um determinado conteúdo."

No que diz respeito aos aspectos da educação continuada, somente três entrevistados declararam ter feito algum tipo de capacitação ou cursos relacionados aos saberes didático-pedagógicos nos últimos dez anos: os docentes a e b da instituição C, e o docente a da instituição D.

Considerando que a profissão docente demanda os seus elementos constitutivos como qualquer outra profissão, e que a prática docente não é apenas objeto do saber da ciências das educação, mas também uma atividade que mobiliza os saberes pedagógicos (TARDIF, 2005). E, mais, a ausência do desenvolvimento desses saberes implica, necessariamente, uma lacuna no processo identitário e epistemológico e, por conseguinte, também no processo de formação profissional do docente. E esse processo de formação requer, como as demais profissões, a educação continuada para fazer face às constantes transformações no que tange aos saberes científicos, aos saberes relacionados à relação ensino-aprendizagem. Portanto, o ensino deve ser encarado como fenômeno complexo modificado e realizado por seres humanos que também se modificam nesse processo, fazendo desse fenômeno uma situação em movimento (PIMENTA E ANASTASIOU, 2002).

Outra pergunta apresentada a eles foi sobre a importância que atribuem ao estudo de Metodologia do Ensino Superior para a atuação docente. As respostas dadas vieram complementar a resposta anterior. Por conseguinte, três entrevistados acreditam ser a vocação mais importante do que a formação, como se destaca a seguir:

"Ah, tem que ter, porque você tem que ter uma série de [...] você tem que saber como agir, né? Eu vejo muito [...] eu vejo, mais do que essa teoria toda de Pedagogia, de docência, eu acho que são duas coisas: primeiro, ensinar é um ato de fé, então não adianta você estar imbuído de toda a teoria maravilhosa de práticas pedagógicas, planos científicos. Primeira coisa é um ato de fé; e segunda, é o entusiasmo pelo que você faz. Então eu sou muito emocional, eu não sou de aplicar essas teorias de [...] é importante porque você tem que ter os fundamentos, né? Para ficar exigindo um trabalho do aluno, olhar as novas técnicas exigidas, uma postura. Uma coisa, porém, eu não sou, eu não vejo que isso seja primordial não. Certo [...] não me acrescentou em nada não. Te falar a verdade, mais é a natureza da pessoa; eu gosto de dar aulas, ta? É gostar do que a gente faz (sic)." (docente a da instituição B).

Coincidentemente, essa resposta é da docente a da instituição B, a mesma que não exerce outra profissão remunerada, vivendo, exclusivamente, do magistério jurídico, não tendo, nos seus mais de vinte e um anos de magistério, realizado qualquer curso ou disciplina de formação continuada no âmbito da docência.

Essa situação corrobora as críticas efetuadas por Zabalza (2004), Pimenta e Anastasiou (2002), Tardif (2005), entre outros. Esses docentes, segundo esses autores, acreditam que prática gera conhecimento, sem considerar que a carreira docente, como qualquer outra, jurídica ou não, requer constante capacitação. Só assim, o professor estará preparado para enfrentar as mudanças geradas pelos seres humanos no seu processo de trabalho. Ademais, a ausência de busca de conhecimento por parte do professor vai de encontro à própria formação pretendida na graduação, ou seja, exige-se dos alunos a constante busca pelo conhecimento novo sobre a ciência jurídica, as novas teorias, bem como as inovações legislativas e doutrinárias, mas, os professores não se capacitam em seus saberes pedagógicos.

Outro entrevistado, o docente b da instituição C, apresentou resposta semelhante à anterior. Eis o seu relato:

"Bom, se é professor, já tem aquela capacitação nata, se ele é um bom comunicador, já tem aquele dom de comunicar, talvez até o que ele tenha que se preparar é no conteúdo. Agora, se ele não tem, é importante para que ele passe a ter essa capacidade de explicar a matéria. Essa que é o que sinto; ele tem que ter o conteúdo e recursos de metodologia. Agora, se ele já tem aquela capacidade de explicar a matéria, talvez até ele se dê bem sem o curso (sic)."

Segundo esse docente, somente necessitam de preparação metodológica aqueles que não sejam professores natos, que não tenham grande capacidade de comunicação. Interessante frisar que ele credita importância à necessidade de preparação quanto ao conteúdo, relativizando, contudo, a necessidade dessa mesma formação quanto aos saberes pedagógicos, àqueles que tenham conhecimentos específicos bastantes.

Na verdade, constata-se uma confusão entre ser comunicador, conhecer o conteúdo científico e a necessidade dos saberes pedagógicos para se compreender a dinâmica do processo ensino-aprendizagem.

Em vista do exposto, cabe ressaltar que a Pedagogia deve ser entendida como um campo de conhecimento sobre a problemática educativa e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa (LIBÂNEO, 1990). Nesse sentido, os recursos utilizados pelo professor devem possibilitar a aprendizagem dos alunos. Segundo Maurice Tardif (2005), "ela é a tecnologia utilizada pelos professores em relação ao seu objeto de trabalho (os alunos), no processo de trabalho cotidiano, para obter um resultado (a socialização e a instrução)." Portanto, não se trata de saberes científicos, mas sim, daqueles que possibilitem os alunos a alcançarem a aprendizagem.

Prosseguindo a análise, dos depoimentos, a entrevistada b da instituição D encerra o conjunto de idéias daqueles que dão menor importância à formação metodológica dos docentes, privilegiando o aspecto vocacional:

"Eu acho importante, mas nem tão importante. Eu acho que a vocação ainda é a maior [...] fundamento para se ter um bom professor. Eu tive professores na própria graduação do Direito e em outra graduação, que nunca estudaram didática, mas sabiam muito de conhecimento. Eu acho que [...] professores que tinham maestria de ensinar. É uma coisa que eu acho que é dom. Talvez eu não tenha esse dom, mas tento, pelo menos, aflorar algo que chegue perto desses grandes exemplos que eu tive, né? Tentando imitá-los um pouco, mas era típico deles mesmos. Eles conseguiam ser professores naturalmente, porque professor não é quem ensina, é quem motiva ao aluno a querer saber. Eu não ensino nada a ninguém, eu os motivo, tento motivá-los a querer saber alguma coisa. Eu acho que ser professor é isso, talvez é muito mais uma vocação do que uma preparação. Nós hoje vivemos uma época de muita preparação para tudo, muita metodologia e esquecemos que o ser humano é habilitado para algumas coisas por dom e tem coisas que são dons. Tem gente que tem um dom para fazer: uma costureira: ela faz... a gente corta sem um método e ela tem um corte melhor do que muitos outros. Então eu acredito muito na vocação do ser humano. Acho que a gente tinha que ter mais atenção em descobrir o que cada um tem vocação para fazer (sic)."

Conforme se depreende dos depoimentos apresentados, o trabalho docente não tem sido considerado como uma profissão, com direito à sua construção sistematizada como as demais áreas do conhecimento. Ignoram até a formação dos seus elementos reguladores, sua ética, aperfeiçoada nos programas de pós-graduação, além da sua repercussão social e classista.

A forma pela qual é concebido esse processo ratifica o caráter da socialização intuitiva e autodidata, reprodutora das rotinas dos outros. Esse atributos, como lembra Benedito (apud PIMENTA E ANASTASIOU, 2002), são reconhecidamente insuficientes para conformar a profissão docente.

Além disso, o tratamento do magistério encarado como vocação não configura o aspecto profissional da atividade docente, posto que, como afirma Enguita (apud CHAMON, 2005, p. 133), "[...] a vocação remete ao aspecto religioso da docência como profissão, invocando idéias de fé e chamamento". Ora, esses aspectos não podem ser aceitos em se tratando da profissão docente, conforme denuncia a autora, ao desenvolver uma ampla análise crítica sobre o conceito de vocação, constituído por motivos ideológicos na profissão docente:

[...] O vocacionado é aquele profissional que não trabalha de maneira venal, mas que presta serviços a seus semelhantes. Seu trabalho, portanto, não pode ser remunerado, porque não tem preço; seu exercício é liberal, e sua retribuição pode se dar em forma de reconhecimento e valorização social. O trabalho de um vocacionado caracteriza-se pelo serviço à humanidade. (CHAMON, 2005, p. 133-134)

A mesma autora denuncia, em seu artigo, o caráter reprodutivo que vem sendo encarada a formação para a docência, como uma atribuição apenas dos docentes, desvinculada de um trabalho orgânico, sistemático e complexo. Senão vejamos:

[...] Na perspectiva do cenário universitário, a docência assume, então, a tradicional missão do professor como transmissor dos conhecimentos científicos de sua área de formação. Presencia-se relativo descaso com o processo formativo nos aspectos correspondentes ao processo de ensino/aprendizagem, à didática ou metodologia do ensino como área do conhecimento científico e às diversas variáveis que caracterizam a docência (CHAMON, 2006, p. 113)

Concluindo o texto, Chamon destaca a necessidade da inclusão da crítica epistemológica na formação docente, objetivando a superação de práticas reprodutoras e conservadoras. Tais práticas, ao seu ver, obstaculizam a relação ensino e aprendizagem e induzem à crença de que o ofício de ensinar seja algo que se processa de forma natural, e o processo ensino-aprendizagem, uma questão simples que pode ser resolvida apenas pela boa vontade do professor em transmitir conhecimentos (CHAMON, 2006).

Nessa direção, é imprescindível que os três processos essenciais ao desenvolvimento de uma identidade docente apontados por Nóvoa (1991), tenham a sua confluência observada. Dessa forma o crescimento do professor não se cingirá apenas ao seu desenvolvimento pessoal, ficando dissociado tanto do que se refere aos processos de produção da vida do professor como da ausência dos investimentos da instituição para a consecução de seus objetivos educacionais.

Portanto, esses processos não devem ficar somente ao arbítrio pessoal dos professores, uma vez que a formação inicial para o magistério, associada às novas exigências incorporadas às atividades de docência propriamente, integram, também, o conjunto de interesses das instituições e da sociedade em geral. Na verdade, investimento na formação docente afeta, inclusive, as condições de empregabilidade, tanto desses profissionais, como daqueles que se graduam nas instituições.

De fato, hoje, além das atividades de docência tradicionalmente requeridas, o professor deve preocupar-se com temas do campo educacional até então ausentes na docência universitária, a saber: a qualidade da educação, a educação à distância e as novas tecnologias; a gestão e o controle do ensino superior; o financiamento do ensino e da pesquisa; o mercado de trabalho e a sociedade; a autonomia e as responsabilidades das instituições; os direitos e liberdades dos professores do ensino superior; as condições de trabalho; entre outras (PIMENTA e ANASTASIOU, 2002).

Especialmente do docente universitário, é requerido envolvimento cada vez maior nas atividades de administração e gestão da universidade. Aí são tomadas decisões desde a formulação curricular às políticas relacionadas à pesquisa, ao financiamento tanto no âmbito interno como no dos sistemas estaduais e nacional de educação. Consequentemente, exige-se desse profissional um grau de qualificação hoje ausente nos programas de pós-graduação, encarregados de prepará-lo para a inserção nesse campo de atividade.

Ademais, as próprias atividades de orientação tanto de projetos de pesquisas e extensão como de produção dos trabalhos de fim de curso – geralmente monografias – requerem dos professores certas habilidades e competências para as quais os programas de preparação de mestrado e doutorado não estão voltados. Isso faz com que sejam reproduzidas condutas e equívocos característicos da falta de formação necessária, já demonstrada anteriormente.

Essas questões têm preocupado os estudiosos da educação, levando-os a investigar a formação dos docentes universitários, posto que a qualificação profissional é um objetivo a ser perseguido em qualquer profissão. Além do mais, como qualquer outro, o campo da educação sofre mudanças constantes, logo os seus profissionais também devem se atualizar tanto do ponto de vista dos saberes científicos específicos como dos saberes didático-pedagógicos.

Essa preocupação encontra-se em Lampert, citado por Melo quando diz: "A formação continuada é um processo longo, de conquista, de investimento, cujo ápice é a melhoria da qualidade de ensino e, para ter êxito, esse processo precisa ser compartilhado mutuamente: instituições e docentes."(LAMPERT, 1999, p. 113)

Retomando as entrevistas, depreende-se das respostas dos entrevistados, que os programas no âmbito de pós-graduação stricto sensu dos quais participaram não têm promovido a formação inicial na perspectiva dos saberes didático-pedagógicos. Alguns têm se limitado à oferta da disciplina Metodologia do Ensino Superior, quase sempre como optativa. Tal atitude desvaloriza a formação docente, conforme já evidenciado.

Noutra ponta, também os cursos de educação continuada ou de qualificação para atender às demandas já referidas não se inserem nos depoimentos dos entrevistados, sobretudo pela inexistência de programas específicos para melhora do desempenho do docente das instituições em que lecionam. Resta, portanto, como fizeram alguns docentes entrevistados, a busca individual, por meio de processos de autoformação. Reforça essa idéia, a colocação deste autor:

Em alguns casos, consolidando vícios profissionais, práticas deficientes e enfoques equivocados sobre o que significa exercer a docência na universidade, não por maldade individual, mas por falta de oportunidades para uma correta construção da profissionalização. Em outros casos, alguns docentes estagnam-se nas primeiras fases de seu crescimento profissional: incapazes, por si mesmos, de desenvolver as competências próprias do exercício docente, acabam se acomodando às poucas exigências das etapas iniciais do desenvolvimento profissional (ZABALZA, 2004, p. 143).

Seguramente, contrariando numerosos depoimentos apresentados, não há espaço para a afirmativa bastante difundida de que ensinar se aprende ensinando ou que sejam bastantes apenas a experiência e a vocação. Ao contrário, como tem frisado neste estudo, a docência tem seu âmbito determinado de conhecimentos e requer preparação específica para o seu exercício, como qualquer outro tipo de atividade profissional (ZABALZA, 2004). Em outras palavras, habilidades e competências são necessárias para o adequado desempenho das funções relacionadas ao magistério.

Com efeito, como qualquer carreira, o magistério também requer tempo necessário para aquisição de competências específicas que possibilitem aos professores lidar com a progressiva complexidade estabelecida pelas situações de ensino-aprendizagem. Adverte-se, porém, que as denominadas habilidades e competências não se resumem em conhecer o conteúdo que se vai ensinar, adquirir titulação lato ou stricto sensu, publicar obras ou realizar determinadas pesquisas. Philippe Perrenoud, assim, as conceitua, no campo da docência:

Entendemos por "competências profissionais" o conjunto formado por conhecimentos, savoir-faire e posturas, mas também as ações e as atitudes necessárias ao exercício da profissão de professor.

[...] Essas competências são de ordem cognitiva, afetiva, conativa e prática. São também duplas: de ordem técnica e didática, na preparação dos conteúdos, e de ordem relacional, pedagógica e social, na adaptação às interações em sala de aula (PERRENOUD, 2001, p. 87)

Em outro texto, Perrenoud aponta as dez competências requeridas do docente:

1 - organizar e dirigir situações de aprendizagem;

2 - administrar a progressão das aprendizagens;

3 - conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;

4 - envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;

5 - trabalhar em equipe;

6 - participar da administração da escola;

7 - informar e envolver os pais;

8 - utilizar novas tecnologias;

9 - enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;

10 - administrar sua própria formação contínua. (PERRENOUD, 2000, p. 14).

Ressalte-se que não se trata de um elenco de competências requeridas apenas do professor universitário. Elas se aplicam a qualquer docente, devendo, apenas, se adequarem ao nível escolar desejado. A intenção do autor é demonstrar que não basta aos professores somente estudos relativos à sua área profissional específica, serem eles detentores de experiência significativa. Mais do que isso: é preciso que o docente tenha, também, conhecimento científico sobre o que seja o processo de ensino e de aprendizagem, pois ele passa a ser o responsável pelo processo de ensino e aprendizagem do aluno, a partir do primeiro contato que estabelece com ele, na sala de aula geralmente.

Isso posto, verifica-se a importância de estudo constante das práticas docentes para, com base nos progressos e modificações das suas teorias, promover novas práticas advindas do conhecimento adquirido. As transformações dessa prática, consoante as autoras Selma Pimenta e Lea das Graças Anastasiou (2002), somente serão percebidas pelos professores que realizarem esse estudo, que pressupõe a ampliação dos conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade.

Por outro lado, deve-se ter em mente que não basta apenas a atualização sobre as técnicas e recursos hoje disponíveis, mas a assunção de responsabilidades que transcendem as próprias atribuições do docente no plano individual. Trata-se das exigências acrescidas às atividades de docência propriamente dita, por exemplo, lidar com problemas familiares dos alunos e de condutas sociais atinentes à complexidade do mundo e do contexto histórico-cultural em que se vive. Em síntese, conduzir uma mediação reflexiva sobre as demandas sociais, em face da formação humanística necessária aos discentes, que requer atuação coletiva e organizada e não somente dos docentes individualmente.

Inserem-se, nesse contexto, a discussão do projeto pedagógico da instituição, o que envolve discutir as políticas públicas, o processo de profissionalização e de identidade dos docentes, as análises e informações sobre a sociedade, entre outros. Acredita-se que a reflexão sobre esses pontos possibilitará a transformação do contexto em que se dá a prática educativa.

Concluindo, pode-se afirmar que deve o professor ter a compreensão de que a sua construção identitária e profissional passa, segundo Maurice Tardif (2005), pela compreensão dos denominados saberes docentes constituídos pelo amálgama dos saberes oriundos da formação profissional e dos saberes disciplinares, curriculares e experienciais.

Com referência à formação profissional, advém do conjunto dos saberes transmitidos pelas instituições de ensino superior na formação de professores. Já os saberes disciplinares são entendidos como os diversos campos do conhecimento de que dispõe a sociedade, tais como se encontram nas universidades, apresentados em forma das denominadas disciplinas. Os saberes curriculares se apresentam sob a forma do programa escolar que deve ser aplicado pelo professor, relacionado aos objetivos, conteúdos, métodos. Por último, os saberes experienciais, caracterizados pelo cabedal de conhecimentos adquiridos no desenvolvimento da sua prática cotidiana devem estar:

[...] relacionados a situações concretas que não são passíveis de definições acabadas e que exigem improvisação e habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis.

[...] somente isso permite ao docente desenvolver o habitus (isto é, certas disposições adquiridas na e pela prática real), que lhe permitirão justamente enfrentar os condicionantes e imponderáveis da profissão. [...] eles se manifestam, então, através de um saber-ser de um saber-fazer pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano.(TARDIF, 2005, p. 47-49), (grifos nos originais)

Nessa direção, devem os docentes receber formação que propicie a compreensão de como se estabelece a relação ensino-aprendizagem, eliminando a idéia de que somente o conhecimento aprofundado dos saberes científicos, aliado à habilidade de comunicação sejam suficientes para se tornarem docentes preocupados com a aprendizagem que se situe no outro.

5.2 Os alunos universitários

Na segunda parte do roteiro das entrevistas tencionou-se investigar a importância que os docentes concebem à formação prévia dos discentes, à sua contribuição para a consecução dos objetivos sociais das instituições.

Assim sendo, ao serem perguntados sobre a percepção deles em relação às atitudes dos alunos e a contribuição para a concretização das funções sociais das instituições em que trabalham, verificou-se um fato interessante. Os docentes da instituição A não vêem problemas em relação ao compromisso dos alunos, o que não é compartilhado pelos docentes das outras instituições. O docente a da instituição A, assim se manifestou:

"Olha, é uma questão muito interessante e muito gratificante para mim, tanto e quanto professor educador, e enquanto também diretor da Faculdade de Direito da Universidade. Os nossos alunos, em geral, ou na sua esmagadora maioria, são absolutamente conscientes do papel que eles devem exercer enquanto estudantes e enquanto futuros operadores do Direito. São responsáveis, são disciplinados, são atentos, são atenciosos e eu só tenho alegria no contato com eles."

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Já os docentes das instituições B a D foram todos unânimes em afirmar que os alunos não vêm apresentando atitudes afirmativas no sentido de contribuírem para a consecução dessas funções. Ao contrário, em alguns casos a conclusão a que chegaram é que essa contribuição vem se reduzindo. Chegaram até a apontar algumas causas dessa redução como: a heterogeneidade tanto horizontal como vertical dos alunos, aspectos socioeconômicos, o regime de turnos em que estudam. Tudo isso acaba levando os alunos a desinteressarem das funções sociais da instituição.

Considerando que apenas dois docentes foram entrevistados de cada instituição, vale à pena expor os depoimentos por faculdade. Assim sendo, a docente a da instituição B assim se manifestou a esse respeito:

"Olha, de uns tempos para cá tem piorado muito, pois os alunos estão se mostrando desiludidos e desinteressados, pelo menos nas minhas matérias que são de Direito Público, Direito Constitucional e Administrativo. Noto que eles estão muito descrentes, senão desinteressados."

O seu colega (docente b) já apresenta um repertório maior de informações:

"Péssimos. Eu vejo isso de maneira, infelizmente, problemática. Não sei se em razão dessa vida louca que se vive hoje, com o acúmulo de atividades que as pessoas têm, mas ao mesmo tempo, eu, na verdade, eu dividiria essa sua pergunta em dois grupos que eu visualizo: primeiro é o grupo dos pós-adolescentes que adentram no curso superior. Muitas vezes o sujeito, a gente observa, ele não tem certeza de que ele quer estar ali onde ele está sentado, de modo que você despertar o interesse dele naquilo que está falando é extremamente difícil. E o segundo grupo, seria o grupo do pessoal que está fazendo o segundo curso, o pessoal mais velho e que, normalmente, estuda à noite. Esse pessoal, o interesse eles até têm, mas, muitas vezes, eles não têm a condição física de conseguir acompanhar o raciocínio. Então, quanto ao pessoal que estuda à noite, que compõe aquele segundo grupo, a questão do cansaço, ela é problemática, em razão de ser difícil a eles, primeiro, acompanhar o raciocínio, em razão do cansaço, e, segundo, acompanhar a matéria, no sentido de estudar. Então o sujeito que trabalha o dia inteiro, no final de semana tem filho para cuidar, no final de semana tem outros afazeres, às vezes até profissionais, viagens, e, infelizmente, o curso de Direito sem ler, sem estudar, fica complicado. Então, em minha opinião, existem esses dois grupos, e eu acho que não tem como a gente ver isso de uma maneira universal não."

A situação retratada pelos entrevistados evidencia o aspecto mencionado pelos estudiosos referente à democratização do ensino superior. Esse assunto retrata uma das três crises da universidade, segundo Boaventura Sousa Santos (1995), causadas, principalmente, pelos seguintes fatos: contradição entre ser um local de hierarquização dos saberes especializados; restrições do acesso à universidade e as exigências sociais e políticas da sua democratização; reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares.

Esse fenômeno que transcende os limites nacionais [67] tem sido causado, sobretudo, pela chegada de grupos cada vez mais heterogêneos quanto à formação acadêmica prévia, à motivação, às expectativas, às condições socioeconômicas, à faixa etária, etc. Por outro lado, também houve necessidade de contratação de novos docentes para atendimento à demanda formada pelo aumento das instituições e pelo ingresso massivo de estudantes. Esses fatos também têm efeitos importantes sobre os programas de capacitação dos novos docentes, as condições de trabalho do professor, atribuição de funções, inclusive, sobre a definição de sistemas de formação para o exercício da docência e da pesquisa (ZABALZA, 2004).

Sobre essa massificação, registre-se a desuniformidade ocorrida no Brasil quanto ao surgimento dos novos cursos, nas áreas das Ciências Humanas e Sociais aplicadas, especialmente ao Direito, devido às suas condições de acesso às carreiras relacionadas aos Órgãos do Poder.

Com referência aos profissionais da instituição C também apontaram essa heterogeneidade, contudo, com outro enfoque: relacionaram-na a aspectos socioeconômicos e familiares. E, assim, justificaram-na. Eis o depoimento da docente a:

"Olha, é difícil dizer dos alunos em geral, mas alguns grupos, nós podemos dizer que têm um envolvimento maior com as questões sociais. Grupos, digamos assim, do início do curso, não muito volumosos, porque o alunado é muito jovem, oriundo, originado de bons colégios, uma posição sócio-cultural de destaque na sociedade, então é difícil encontrar nesses alunos algum tipo de preocupação. Mas, alunos já mais experientes, principalmente aqueles que vieram de outros cursos superiores ou que já exercem alguma atividade profissional, esses, realmente, têm um envolvimento maior, têm uma preocupação maior, demonstram para os professores essa preocupação."

Essa entrevistada relaciona a questão em pauta às causas da heterogeneidade quanto à faixa etária, às condições socioeconômicas e à motivação anteriormente mencionada. Na verdade, a motivação decorrente das diferentes faixas etárias, ocorre como demonstraram, uma vez que os alunos egressos de outros cursos ou que já exercem alguma atividade profissional, normalmente independentes financeiramente se envolvem com as questões sociais.

Esse quadro reflete uma das conseqüências das transformações ocorridas na sociedade, cujos efeitos repercutem no papel da universidade. O marco acadêmico anterior da universidade (SANTOS, 1995) tem dado lugar, cada vez mais, à orientação profissionalizante da educação superior, na qual se privilegia a aplicação dos saberes e não mais a acumulação ou desenvolvimento teórico (ZABALZA, 2004).

E nesse contexto, o afluxo de alunos adultos com formações prévias, conforme salientado pelos entrevistados, promove esse deslocamento da função da universidade. Assim, passa-se a exigir, também, o exercício da prática profissional como imprescindível ao processo formativo do estudante, e, por conseguinte, ampliando-se o campo de atuação dos docentes.

A resposta do docente b indica a influência da formação familiar do aluno:

"O problema também que eu sinto é que se o aluno vem de uma família que não tem esse tipo de preocupação, ele também não terá, a não ser que ele mude, se encaminhe nesse rumo. Isso aí é uma questão muito de preocupação, preocupação com o Brasil, como uma futura nação, né? O Brasil é sempre o país do futuro, então é preciso que esse futuro chegue rapidamente, mais rapidamente. O aluno tem que ser receptivo. Se o professor enxerga o Direito como instrumento de promoção social, passa isso para o aluno e ele tem que ser receptivo, senão ele vai ficar muito positivista, né?

Em alguns alunos ela está presente. Isso é uma questão muito pessoal. Uns percebem o fator de promoção social que o Direito pode ter e outros não. Esse é a minha concepção."

Percebe-se, da fala do docente, a sua preocupação com os aspectos relacionados à imaturidade dos alunos que ingressam na universidade muito jovens e alienados em relação aos objetivos e ao papel da formação superior em suas vidas. Destaca, ainda, o papel crucial da família como primeiro referencial para a formação do cidadão.

Por fim, as respostas dos docentes da instituição D também referiram-se aos aspectos de heterogeneidade existentes:

"O corpo discente, também o corpo docente, mas, nesse aspecto, notadamente o corpo discente é extremamente heterogêneo, então você vai ter numa sala, num universo maior de alunos, um grupo que vai estar engajado em abraçar o direito dentro desta perspectiva da cidadania, de ampliação dos espaços públicos, de ampliação da democracia; você tem outros que estão focados na empregabilidade, um foco, por exemplo, na questão do concurso público; e você tem um grupo também que ainda não se encontrou, ainda não está envolvido muito disperso, então é (sic) heterogêneo, os alunos.[...]" (docente "a").

Esse entrevistado trata também da heterogeneidade do corpo docente, remetendo aos aspectos de autoformação, desvinculada de um objetivo institucional. Vislumbra-se, nesse relato, a correlação entre os objetivos pessoais e institucionais, já demonstrada por Nóvoa (1991).

Quanto à resposta da docente b, centrou-se, também, na questão dos reflexos causados pelos aspectos socioeconômicos e familiares:

"Pequena parte deles é motivada a isso e a grande maioria deve ser obrigada. Porque, enquanto eu não mostrar para ele a ferida e fazer ele colocar o dedo na ferida, ele nunca vai entender; está muito longe dele. Porque tem uma gama de alunos, como se diria, aquele estereótipo filhinhos de papai. Isso complica muito, porque ele nunca viu isso, está muito longe e ele não quer ver isso. E nem, talvez, a família quis mostrar isso a ele. Então, como sempre a escola, desde o seu berço, ela continua sempre responsável por mostrar a realidade social que a família deles não se compromete."

Como se vê, os relatos dos dois docentes da instituição D apresentam a mesma riqueza de descrições das dificuldades identificadas por todos os entrevistados. Por conseguinte, focalizam aspectos que evidenciam a heterogeneidade quanto à formação dos corpos discentes das instituições.

Todavia, um fato novo é possível perceber nesses depoimentos: eles referem a uma situação com a qual se deparam somente após iniciar a prática docente. Em outras palavras, a vivência em sala de aula levou-os a enxergar aspectos relacionados às mudanças na sociedade moderna, no que tange às relações com os alunos.

Na verdade, essas mudanças já vêm sendo observadas pelos estudiosos do assunto. Por exemplo, as crises vividas pela universidade, aqui retratadas e explicitadas por Boaventura Sousa Santos, encontram-se em sua obra Pela mão de Alice, publicada no Brasil em 1.995. Ele as denomina crises de hegemonia, de legitimidade e institucional. Na primeira, demonstra a perda da exclusividade do monopólio do saber pela universidade; na segunda, critica a excessiva especialização que levou a universidade a elitizar o ensino; e na terceira, comenta a tendência das universidades em seguir padrões para atender as pressões do mercado.

Dando continuidade à análise das entrevistas, não se encontram nelas indicações de trabalhados abordando a questão da heterogeneidade em qualquer programa de formação inicial ou continuada. Isso demonstra que o quadro atual apresentado de massificação da educação, aspiração plausível das camadas mais amplas da sociedade (ZABALZA, 2004) somente passa a fazer parte do universo desses docentes a partir do contato deles com o alunado, não se vislumbrando, nos seus programas de formação, qualquer preparação para lidar com essas situações já previstas.

Tal constatação se confirma a partir da conjugação dos depoimentos dos entrevistados, sujeitos da pesquisa, com o conteúdo da resposta à questão relacionada às estratégias usadas para lidar com a heterogeneidade presente nas classes em que ministram suas aulas. Há clara demonstração de que cada um dos docentes busca, individual e isoladamente, as respostas para o desafio e, sem exceções, desvinculados de trabalho institucional empreendido. Essa conduta denota o caráter subjetivo com que tratam a questão e a ausência de apoio institucional no seu trabalho de formação.

E essa prática pautada por busca pessoal e individual é confirmada pela ausência de conteúdo de caráter interdisciplinar conforme explicitaram os entrevistados. Evidenciam-se, assim, os obstáculos já apontados por Hilton Japiassu (1976), denominados como epistemológico, institucional, psicossociológico e cultural.

Com efeito, é da universidade a responsabilidade maior da formação do seu quadro docente, posto que é ela quem traça as políticas de formação, inclusive, que garante os recursos para a sua implementação. A ausência do estabelecimento de uma política para a condução do processo de desenvolvimento profissional dos docentes transforma as carreiras profissionais em batalhas pessoais, configurando processos lentos e incertos. Em alguns casos, pode acarretar a consolidação de vícios profissionais e práticas deficientes, gerando até uma visão distorcida do que seja o exercício da docência na universidade (ZABALZA, 2004).

Por fim, seguindo o raciocínio de Zabalza, a omissão da universidade pode também embotar o processo de construção da profissão dos docentes levando-os à acomodação no período inicial do seu crescimento profissional. Tal atitude compromete o desenvolvimento da sua carreira, gerando uma paralisia nas etapas iniciais do seu processo de profissionalização (op. cit.).

5.3 A dimensão das práticas docentes

Importa destacar que, nas considerações referentes à terceira parte do roteiro das entrevistas, já se percebe a influência exercida pelos alunos na realização das práticas docentes. Todavia, é preciso enfatizar que essa influência é justificada pela experiência acumulada dos professores. Conforme registram os relatos, vão aprendendo por eles mesmos, com a prática do dia-a-dia e não por meio de programas de formação em saberes didático-pedagógicos.

Com efeito, as observações extraídas das suas falas demonstram, não somente as dificuldades dos professores em lidar com alunos tão heterogêneos. Sob diversas modalidades (como as aludidas anteriormente). Essa situação lhes impusera buscas de alternativas, calcadas nas suas próprias experiências e observações. Acima de tudo, essas dificuldades evidenciam a ausência de formação nos saberes didático-pedagógicos, haja vista as oscilações verificadas.

Em alguns casos, percebe-se coerência entre os depoimentos dos entrevistados e os aspectos de sistematização dos saberes docentes, os quais são logo contraditados ou pela forma que relatam sua prática cotidiana ou pela demonstração de desconhecimento do seu papel docente. Nessa medida, ignoram a posição de agentes essenciais, seja na participação das formulações das políticas educacionais da instituição, seja nas atividades de sistematização dos saberes docentes propriamente.

Esses fatores dificultam a análise dos depoimentos, uma vez que denunciam condutas muito variadas, além da diversidade de formações relacionadas ao amálgama dos saberes docentes, conforme denominação de Maurice Tardif (2005). Segundo esse autor, é evidente a supremacia dos denominados saberes experienciais, ou seja, aqueles conhecimentos adquiridos no desenvolvimento da sua prática cotidiana.

Tal situação reforça aspectos já mencionados pelo entrevistado a da instituição A, como a ausência de preparação para a docência, falta do estudo dos saberes didático-pedagógicos. Nas palavras desse docente, isso demonstra que "a questão toda fica em termos assim muito pessoais" [68]. Verifica-se, nos depoimentos, que os professores buscam respaldo nos processos de socialização já elencados por Benedito [69], de forma intuitiva, pela rotina dos outros e no autodidatismo, sem formação específica ou amparada por um trabalho institucional.

Posto isso, pode-se concluir que as instituições recebem os egressos de programas de especializações ou pós-graduação stricto sensu supondo-os professores prontos e, de certa forma, não se vêem obrigadas a torná-los professores competentes, atualizados. Mais uma vez, passa-se a idéia de que a docência ocorre de forma natural (PIMENTA E ANASTASIOU, 2002).

Outra questão investigada na pesquisa, diz respeito aos métodos didáticos mais utilizados para desenvolvimento do conteúdo. Eles não responderam objetivamente à pergunta, ficando o caráter pessoal e subjetivista, desprovido de sistematização, que envolve o tema.

Por outro lado, com muita honestidade, o docente b da instituição A manifestou que reproduzia a prática de seus mestres, não mencionando que métodos utiliza. Assim sendo, não só se baseia nos seus mestres, como também não atenta para o caráter reflexivo da prática do ensino como uma situação em movimento, conforme mostra este trecho:

"É, há dias atrás, semanas atrás, eu participei de um certame na reitoria da universidade, que era um trabalho de alunos de diversas unidades, que eram avaliados por nós, mas, avaliados por nós no que dizia respeito à tecnologia, à metodologia deles. Então eu examinava engenharia, examinava economia, examinava isso. E eu saí de lá envergonhado. Envergonhado porque não houve mudança alguma no ensino de Processo de que eu participo. Foram meus professores de processo, José Olimpio de Castro Filho, sem dúvida nenhuma, um grande processualista e naquela época o professor seguia a turma. Então os meus professores de Processo, José Olímpio de Castro Filho e Alberto Deodato Maia Barreto Filho. Muito bem, da mesma maneira que eles me ensinavam Processo eu ensino para os meus alunos. Isso é um absurdo, uma aberração. E pra nós aqui ainda houve mais um fator que nos levou ao comodismo: é que criaram a disciplina Prática Forense. Então nós ficamos pensando que nós podemos ficar tranqüilos ensinando teoria e que a prática [...], mas na verdade, quem conhece os meus trabalhos e o fundamental que é minha teoria, Teoria Geral do Processo, vê que eu procuro justificar para o aluno o porquê da noção teórica. Procuro sempre levar o aluno a pensar que existe interesse na formação dele, existe interesse em que ele saiba da aplicação, na prática do foro, daquelas noções de teoria. Mas, realmente, a mudança foi muito pouca e o que é pior, ninguém cobrou de mim a mudança. Nesse ponto a estrutura da faculdade é falha" (docente b da instituição A).

Esse entrevistado, como se vê, deixa claro, o processo de formação docente entre seus pares, o qual se dá por reprodução de práticas. Isso mostra que, além da ausência de estudos sobre os saberes didático-pedagógicos, não existem programas de educação continuada ou de trabalhos interdisciplinares. A propósito, o exemplo dado por ele ocorreu por ocasião do trabalho realizado com outros departamentos da universidade, no ano de 2005, após mais de 30 anos de magistério.

Essas colocações reforçam a necessidade de aprofundamento das questões que envolvem a formação docente. O próprio entrevistado se ressente da ausência dos saberes didático-pedagógicos, promovendo autocrítica da prática.

Considerando-se o conhecimento científico como um processo sempre em construção e não um produto acabado, e que as verdades são sempre aproximadas e não absolutas (CHAMON, 2006), ainda são incipientes os estudos reflexivos sobre as práticas docentes que vêm sendo reproduzidas sem grandes modificações.

Verifica-se, da alusão nas entrevistas à produção científica, que realizam a contraposição às suas práticas docentes [70]. Sobre essas práticas, não há indicações na literatura de estudos voltados para a reflexão dessa questão, especialmente, do Direito. Ora, considerando-se o ensino fenômeno complexo, realizado e modificado por seres humanos que também se modificam nesse processo conformando uma situação em movimento e diversa (PIMENTA E ANASTASIOU, 2002), a docência também requer, para a sua realização, além da formação inicial, formação continuada para fazer face às demandas surgidas com essa situação de movimento.

Com relação aos métodos didáticos adotados, a docente a da instituição B fez o seguinte depoimento:

"Praticamente quadro, esquema no quadro e fala. A minha matéria não tem jeito de ter prática; tudo, não tem muita [...] não tem jeito, né? Então..."

Observa-se, em suas palavras, um desencontro entre a relação teoria e prática, imprescindível à atividade docente, e a prática pela qual devem passar todos os egressos de programas de formação profissional em nível de graduação.

Na realidade, não se trata, nesse caso, da prática jurídica, entendida como parte integrante do conteúdo do curso de Direito, realizada no estágio supervisionado ou na prática simulada, mas do tratamento de correlação e identificação do conteúdo teórico analisado de acordo com a realidade social e com a finalidade do estudo da disciplina que leciona.

A constatação desse desencontro é corroborada pela resposta à pergunta seguinte, dada pela mesma docente. Assim, quando questionada sobre os tipos de estratégias que considera mais eficientes para a realização de sua prática e como as desenvolve, respondeu:

"Primeiro eu faço sempre comentário do que está rolando na política, desde que eu comecei; e segundo, eu sou uma pessoa muito próxima do meu aluno. Eu ando na sala o tempo todo, falo no meio dos meus alunos, quando ele me levanta a mão eu vou até ele, onde ele está sentado, pergunto. Eu tenho uma proximidade muito grande, eu acho que [...] e eu falo muito alto também, e com muita paixão e isso ajuda, ajuda muito. E falo em pé. Não dá para falar sentada e com voz baixa, mas é o meu natural, viu?" (docente a da instituição B)

Esse relato, juntamente com a resposta anterior, evidencia a ausência de estratégias relacionadas à produção do conhecimento ou à interação social, o que autoriza a afirmar que elas não constam planejamento pedagógico da disciplina. Isso seria inadmissível pois, no planejamento é essencial o estabelecimento dos objetivos gerais e específicos, e associados a eles, apareceriam as estratégias a serem utilizadas para facilitar a aprendizagem dos alunos (ABREU E MASETTO, 1985).

Afinal, o que se constata da fala dessa docente é a consolidação de pontos já observadas por Zabalza (2004). Na visão desse autor, a formação deslocada do apoio institucional, de forma pessoal e individual, pode levar a vícios, deficiências e até enfoques equivocados sobre os aspectos da correta construção profissional, sobre o significado da docência. Tudo isso demonstra a dificuldade de desenvolvimento das competências próprias do exercício docente.

Também na resposta dada à pergunta seguinte, relacionada à importância que o docente vê na relação teoria e prática para o processo de ensino-aprendizagem e como é tratada em seu conteúdo, pode-se perceber essa questão não faz parte do planejamento da disciplina. É o que atesta este depoimento da docente a da instituição B:

"Olha, dou importância [...] no meu caso, eu que leciono a ilusão, né? Porque eu leciono nada; Direito Constitucional, Direito Administrativo; é uma coisa complicada para mim, entende? Mas eu [...] eles têm que ter, porque, mais uma vez, até voltando àquilo que nós já falamos, eu gosto que eles vejam, por exemplo, é a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), e depois o art. 58, parágrafo 3º (da Constituição da República), sabe como? Peço que assistam, por exemplo, quando estou lecionando sobre o Poder Legislativo. Peço que assistam à TV Senado, TV Assembléia, TV Câmara – mais TV Senado que eu gosto – para eles poderem discutir alguma coisa que eles virem [...] quando é do Judiciário, peço para eles verem alguma coisa [...] porque eu leciono à noite e os alunos têm um perfil já que são pessoas que trabalham o dia inteiro. São pessoas que estão, não são tão jovens mais quanto os da manhã, você tem que ter uma metodologia diferente, você não pode ficar, né? Então, o principal é saber como que está escrito e saber o que está acontecendo; a minha militância é essa, exatamente, dar uma formação de cidadania para depois poderem cobrar e ver, se chegar lá, melhora um pouco (sic)"

Afinal, o docente do ensino superior, no processo de construção da sua experiência profissional de ensino dos saberes específicos, deve, constantemente, proceder a uma análise crítica dos saberes dessa experiência construídos nas suas práticas, confrontando-os e ampliando-os. Essa análise, segundo Pimenta e Anastasiou (2002), permite-lhe configurar uma identidade epistemológica. Melhor dizendo, possibilita o reconhecimento da docência como um campo de conhecimentos específicos configurados nos seguintes conteúdos: nos das diversas áreas do saber e do ensino; nos conteúdos didático-pedagógicos, diretamente relacionados ao campo da prática profissional; nos conteúdos ligados a saberes pedagógicos mais amplos do campo teórico da prática educacional; e nos conteúdos ligados à explicitação do sentido da existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social. E, assim, a identidade profissional, é reconhecida como um campo específico de intervenção profissional na prática social.

Ainda acerca da pergunta sobre os métodos didáticos mais utilizados para o desenvolvimento do seu conteúdo, o docente b da instituição C apresentou discurso semelhante ao da anterior:

"Ao longo da minha carreira, venho mudando um pouco esses métodos. Eu não aplico assim método científico. Eu aplico aquele método que eu acho que é melhor para o aluno. O método não é, como te falei, eu fiz cursos intensivos, me foram dadas várias, vamos dizer assim, várias, vários modos de exposição da matéria e eu adoto aqueles que, dentre todos, eu tirei aqueles que eu acho que o aluno fica mais atento. Peguei todos eles e fiz assim, uma mixagem, de modo que eu percebo quando o aluno está atento, quanto está desatento, então eu mudo de método, uma hora eu falo mais alto, outra hora eu falo mais baixo, uma hora falo mais devagar, hora mais rápido, dependendo do nível de atenção do aluno. Eu não tenho assim um método único não."

Como se vê, o depoimento desse docente também remete à ausência de relação com a produção do conhecimento ou da mediação com as práticas sociais, já que as estratégias apresentadas não se mostram como meios facilitadores da aprendizagem dos alunos, tampouco pode-se inferir delas estabelecimento de objetivos relativos à produção desses conhecimentos.

E confrontando a resposta anterior com a referente às estratégias que considera mais eficientes para a realização de sua prática e como as desenvolve, chega-se à mesma conclusão: ausência de formação pedagógica:

"Exatamente variando, não deixando cair no marasmo, reformando sempre: mudar a entonação da voz, mudar o volume da voz, falar mais devagar, falar mais rápido, dependendo da receptividade do aluno naquele momento. Se ele está mais cansado, se ele está mais descansado. Eu não tenho assim o mesmo tom de voz, a mesma entonação não. Eu tenho, eu vario um pouco, para não cair naquele marasmo". (docente b da instituição C)

Repetindo, a carência quanto aos saberes docentes é muito evidente. Não se vislumbra qualquer ação no sentido de construção do conhecimento ou mesmo de objetivos a serem alcançados em relação à aprendizagem dos estudantes, o que demonstra a dificuldade de desenvolvimento das competências próprias do exercício docente.

Por outro lado, os depoimentos dos demais docentes, a seguir transcritos, são exemplos exitosos que evidenciam caracteres relacionados aos métodos efetivamente praticados, ainda que não conjugados com algum programa da instituição em que atuam. Por exemplo, o docente a da instituição A, demonstra situações explícitas do seu desenvolvimento. Ao responder à pergunta sobre os métodos didáticos mais utilizados para o desenvolvimento do seu conteúdo, considerando-se que já leciona há mais de 37 anos (dado constante na Figura 1, à pagina 26):

"Bom, eu divido as minhas aulas em duas partes: uma parte provocativa; eu pego uma questão de natureza constitucional em discussão aí pela imprensa e tudo mais, e jogo esse assunto para provocar os alunos e eles ficam então numa excitação tremenda. Aí, feito isso, eu vou dar a explicação teórico-científica a respeito daquilo, para que eles então se posicionem, e faço isso naturalmente, sem atropelar o programa, porque não adianta, muitas vezes eles querem discutir uma questão que ainda não tivemos a oportunidade de abordar. Eu digo: esperem um pouquinho porque no momento oportuno nós vamos fazer. Mas então a minha técnica é provocativa, em primeiro lugar, depois expositiva. Eu não sou magister dixit, eu não chego em sala de aula e despejo a teoria abstratamente. Não, primeiro pego uma questão de ordem concreta para discutir com eles, mas vou discutindo em pílulas, de acordo com o andamento da disciplina."

Contudo, o caráter da reprodução de práticas encontra-se presente nas estratégias que ele considera eficientes para a realização de seu trabalho, ainda que carreguem conteúdo de mediação com as práticas sociais:

"Olha, é variação sobre isso mesmo, porque não há mais o que fazer a não ser provocar para despertá-los. E aí, eu, uma vez provocados, diante do interesse deles, eu vou, eu sugiro uma bibliografia, distribuo, às vezes, um artigo meu ou de alguém sobre a questão. Eu sou medieval ainda. Eu utilizo o giz, eu faço esquemas no quadro, esquemas bem simples e, a partir desses esquemas, eu desenvolvo com eles a matéria."

Cabe assinalar, aqui, que não se trata de retirar a importância do quadro e do giz como estratégias facilitadoras da aprendizagem. Contudo, à evidência das transformações sociais ocorridas, sobretudo nas últimas décadas, com o acesso fácil às informações, dada a quantidade de recursos tecnológicos disponíveis, torna-se capital a importância das dez competências requeridas dos professores, indicadas por Perrenoud (2001). Dessas, destacam-se a concepção dos dispositivos de diferenciação e a capacidade de evoluí-los, e a utilização de novas tecnologias e estratégias de ensino e aprendizagem.

Assim sendo, torna-se fundamental que o docente se atualize em relação ao progresso das teorias que conformam a profissão docente, que não se restringem, apenas, às técnicas e recursos (didático-pedagógicos e tecnológicos). Elas se tornam essenciais, sobretudo, em decorrência das necessidades demandadas ante a ampliação e complexidade do mundo e do contexto histórico-cultural em que se vive.

Retomando a análise das entrevistas, também o docente b instituição B apresentou preocupação com a forma com que os alunos percebem o processo ensino-aprendizagem. Percebe-se isso quando ele menciona os métodos didáticos utilizados para o desenvolvimento do conteúdo:

"Aula expositiva com a interação. Eu tento, a todo momento, forçar os alunos a darem as respostas, ao invés de simplesmente colocar as respostas para que ele venham a anotar, exatamente para mostrar que existe toda uma lógica no Direito. Ele não existe por existir. Então, meu primeiro método é tentar fazer com que eles entendam que o Direito, ele não é fruto da simples imaginação do legislador que chega lá e [...] ele é fruto da necessidade, ele é fruto do contexto histórico, coisas dessa natureza. Muitas vezes ele não alcança as respostas [...] de analisar o dispositivo legal que a gente está estudando, alguma coisa assim. Então esse método eu tenho tentado utilizar, colocar a questão prática para eles, problema, e dizer como é que você solucionaria uma questão como essa? Dizer muitas vezes a resposta está na lei, e você vê que eles sentem extremamente satisfeitos em ver que tiveram a opinião do legislador, então isso acaba tornando a aula um pouco mais interessante para eles. Trazê-los a todo momento para a aula. E tenho tentado também, já que a minha disciplina permite, trabalhar com casos práticos. Agora mesmo a gente, acabei de aplicar um estudo dirigido, em que há um caso prático, em que eles resolvem, utilizando aquilo que foi visto por nós na teoria. Então, o método seria, basicamente esse, né? Método de aula. A aula expositiva com a tentativa de interação constante, e trabalhos que envolvam questões de ordem prática mesmo."

Esse mesmo docente também enfatizou a importância de se considerar os alunos em sua dimensão pessoal, observando como apreendem os conteúdos que lhes são explicados. É o que se depreende da sua resposta à pergunta sobre as estratégias que considera mais eficientes para a realização de sua prática:

"[...] Eu acredito que é, de fato, conquistar o aluno. A gente, na semana passada, [...] no doutorado, estávamos discutindo essa questão do interesse, do descaso dos alunos. Alguns professores entendendo que professor de Direito, ele não tem que ficar tentando, vamos dizer, chamar à atenção do aluno. O aluno já tem que vir com a atenção pronta e é isso. Uma coisa é o que deveria ser, né? Outra coisa é o que é. Como eu disse, nesses dois grupos que eu consegui visualizar, o pós-adolescente, aquele sujeito que está começando a entrar na vida adulta agora, se você não conseguir convencê-lo que aquilo ali é importante para ele ou se você não conseguir despertar o interesse dele para aquilo ali, não adianta, ele vai estudar para a prova, muitas vezes consegue uma nota boa, porque ele tem tempo para estudar, mas, acabou a prova, desapareceu o conhecimento. Parece que a coisa é até automática. Saiu da prova ele não sabe mais nada. Então eu particularmente, eu entendo que a conquista do aluno, ela é indispensável para que o professor consiga êxito na docência, para que ele consiga, efetivamente, cumprir o papel dele que é passar o conhecimento, né? Não adianta, o sujeito, ele não consegue fazer bem aquilo que ele não se interessa. Então, se o aluno não se interessar, se o professor não conseguir fazer com que o aluno se interesse pela aula, eu acho que, dificilmente, ele vai conseguir aprender alguma coisa. Na verdade, assimilar, né? Porque uma coisa é ele decorar para fazer a prova; passou, acabou. Outra coisa é ele, efetivamente, assimilar aquilo ali. Então eu acho que a utilização de exemplos práticos é extremamente importante, chamá-los para participar da aula. Essa é uma tarefa árdua, é complicado, porque o descaso, realmente, tem sido muito grande, muito grande, muito grande." (docente b da instituição B)

Não obstante a sua constatação quanto ao pensamento ainda recorrente nos meios acadêmicos, qual seja, ao docente cabe a responsabilidade de ensinar e, ao aluno, a responsabilidade pela apreensão do conteúdo a ser ministrado, percebe-se que esse entrevistado, pessoalmente, não comunga com esse raciocínio. Caso contrário, não demonstraria preocupação com a forma pela qual os alunos apreendem os conteúdos.

Em síntese, o depoimento desse docente reforça a idéia de que os programas de pós-graduação dos quais participaram/participam os entrevistados, não têm oferecido a formação nos saberes docentes compreendidos como essenciais ao processo de construção do desenvolvimento profissional e identitário do docente do ensino superior. Esquecem que, da mesma forma que os saberes científicos alicerçam o cabedal de conhecimentos que farão face à necessidade da formação na ciência jurídica, os saberes didático-pedagógicos embasarão esse profissional para promover o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, objetivo precípuo de quem exerce a profissão de docente.

Com efeito, tentar compreender a dimensão pessoal dos alunos, como aprendem, como transitam, por sua mente e por seu coração, os conteúdos que lhes são explicados, não pode ser um fato alheio ao espaço de preocupações e saberes dos professores (ZABALZA, 2004).

Essa preocupação com o processo de construção do conhecimento pelos alunos, manifestou a docente a da instituição C, ao declinar os métodos didáticos que utiliza:

"Olha, é variável. Eu ainda sinto necessidade de dar aula expositiva, com acompanhamento de legislação, utilizo muito o "data show", tenho utilizado muito de computador para pesquisa das jurisprudências; quando é possível, o laboratório de informática; visito a biblioteca em pesquisas de jurisprudências do Supremo; a análise de alguns casos concretos, questões específicas. Ah, e também não dispenso a leitura dirigida ou acompanhada em sala de aula, a divulgação de textos e alguns documentos específicos."

Estratégia semelhante pode ser observada também nos depoimentos dos docentes da instituição D:

"Eu posso destacar mais é a aula expositiva. Agora, a questão é a forma da aula expositiva. Então eu tento desenvolver determinado raciocínio, apontando as diversas interpretações que uma norma possibilita, os seus desdobramentos sociais, o seu contexto social de cada uma dessas interpretações, levando o aluno a um determinado raciocínio. Agora, eu tenho atividades práticas, então eu desenvolvi uma atividade que eu chamo um processo legislativo simulado, onde os alunos fazem um projeto de lei, discutem, aprovam, reproduzem, né? E eu, de qualquer forma, pela minha própria formação e atuação profissional, eu carrego a minha abordagem, com prismas de outras disciplinas, numa perspectiva interdisciplinar, notadamente, da Ciência Política." (docente a da instituição D)

E mais,

"Normalmente eu coloco, eu vou montando os meus esquemas, na medida em que eu vou lecionando a matéria. Algumas vezes eu coloco os esquemas no quadro e depois vou falando, mas a maioria das vezes eu gosto de ir fazendo o esquema e ali com eles puxando cada um dos itens pra que eles vão acompanhando o raciocínio da montagem daquele esquema. Trago a eles também muitos casos concretos, para que eles percebam e que acompanhem todas as minhas aulas com a leitura do código na mão e que depois busquem na doutrina e na jurisprudência. Recomendo também que se acostumem a ir pelo embasamento do raciocínio lógico do processo, na leitura de jurisprudência, porque eles vão entender qual é a fundamentação e onde eles estão construindo todas aquelas decisões, então eu digo a eles: se vocês lerem uma jurisprudência só por dia, vocês vão se acostumando, porque eles têm muita dificuldade com o processo, primeiro porque eles gostam de Direito material e procuram decorar aquilo tudo e no processo eles não dão conta disso. São muitas regrinhas e é abstrato, eles não conseguem, então eles têm que entender o raciocínio lógico. Se eles entenderem o raciocínio lógico então eles vão adquirir o raciocínio processual e aí pode mudar o código que ele vai mudar sempre dentro de uma lógica, e aí, eles vão sempre conseguir entender a dinâmica, o que é o processual afinal, e vão tratando de várias formas." (docente b da instituição D)

Em resumo, os comentários desses entrevistados revelam preocupação com a produção do conhecimento, destacam a relação teoria e prática, quando, então, os alunos são colocados como sujeitos no processo de ensino-aprendizagem. Participando desse processo, atingem o fim – a aprendizagem. Fica evidente nas práticas desses docentes, a inserção dos elementos de intencionalidade para com os objetivos das disciplinas que ministram, não restringindo-se o ensino a um mero proceder sem finalidade. Como mostram os relatos, é visível a preocupação deles em estabelecer relações entre o processo do ensino e o da aprendizagem, por meio da realização das atividades criativas e dinâmicas que promovam a reflexão sobre o trabalho empreendido. Dessa forma, não obstante a demonstração da insuficiência quanto à sistematização dos conhecimentos necessários para a sua formação docente, superam-na por eles próprios.

Reforçam, também, essa preocupação, as respostas apresentadas sobre as estratégias consideradas mais eficientes para a realização da prática deles. A propósito, eis o relato da docente a da instituição C:

"A estratégia mais eficiente para mim é a pesquisa. Eu tenho desenvolvido, marcando, convencendo os alunos da importância, o significado do dispositivo, da interpretação de um determinado dispositivo, e demonstrando, fazendo com que eles vejam também que a jurisprudência do Supremo, a linha da jurisprudência do Supremo como dispositivo constitucional, ele é interpretado. Qual o significado do dispositivo constitucional, não só a doutrinal, mas a jurisprudência. E a estratégia que eu tenho usado ultimamente é exatamente a pesquisa mais recente do Supremo Tribunal, feita pelos próprios alunos. E eles demonstram assim muita curiosidade e um envolvimento maior com a disciplina quando partem para a pesquisa."

Eis o depoimento do docente a da instituição D:

"Eu acho que tem que trazer, é muito importante trazer muitas situações concretas para os alunos. Entre o conceito abstrato e o exemplo concreto, como isso acontece, então eu acho que essa estratégia entre a teoria e a prática, entre o abstrato e a situação concreta é fundamental para permitir uma assimilação maior, uma compreensão maior dos alunos sobre o conteúdo que me proponho a oferecer."

E a docente b da instituição D, assim, se manifestou:

"A prática da minha disciplina, realmente é o atendimento do ajuizamento de causas, da realização efetiva de peças, realizando peças, audiências; não tem outra forma. O simulado ajuda, mas só quando você realmente pertence a uma prática real, realizando esse ato, comparecendo a uma audiência é que você percebe a importância e você consegue transformar algo tão abstrato em algo palpável."

Demonstram esses depoimentos, manifestações de aquisição assistemática dos conhecimentos referentes ao processo de desenvolvimento profissional. Revelam esses cinco últimos entrevistados, com falas coerentes, preocupação com o estabelecimento da mediação das práticas sociais com a produção do conhecimento e com a compatibilização da relação teoria e prática (três deles [71] ainda acreditam na vocação para a docência). Suas menções remetem à análise efetuada pela docente Magda Chamon (2005), quando critica a relação que ainda se faz da vocação ao aspecto religioso da docência como profissão, invocando idéias de fé e chamamento, fruto de um processo de construção das mentalidades, viciado historicamente. Para ela, tal posição destoa do complexo processo de construção do processo profissional do docente.

Outra questão abordada no curso da presente pesquisa foi a atividade de planejamento das aulas. Sobre esse tema pode-se salientar que, do ponto de vista formal, todos os entrevistados demonstram em seus depoimentos, o exercício dessa prática, inclusive, entendendo-a necessária ao planejamento de uma boa aula. Não obstante, alguns deles [72] relativizam a importância dada à disciplina Metodologia do Ensino Superior para a atuação como docentes, ao argumento de que a vocação e o dom são mais importantes.

Na verdade, todos os entrevistados se valem de recursos desenvolvidos pela disciplina Metodologia do Ensino, ainda que ela não tenha sido objeto de estudo sistemático por todos. Isso somente ratifica a necessidade dos saberes didático-pedagógicos propiciados pela formação docente, incluindo-se os conhecimentos necessários para a elaboração dos planos de ensino e de aulas e as competências essenciais para a realização e a compreensão das atividades para a verificação da relação ensino-aprendizagem.

Entretanto, os planos mencionados não foram objeto de análise do presente estudo em relação à sua formatação e composição; ao estabelecimento dos objetivos gerais e específicos; aos conteúdos a serem tratados; às estratégias e aos recursos empregados; aos aspectos da avaliação da aprendizagem.

Tampouco avaliou-se a correlação existente entre os planejamentos das aulas dos entrevistados e os objetivos do projeto pedagógico das instituições em que lecionam. Ainda assim, o roteiro das entrevistas possibilitou averiguar o processo de verificação da aprendizagem realizada pelos docentes, tema do próximo tópico.

5.3.1 O Processo de verificação da aprendizagem

O processo de verificação da aprendizagem situa-se como o aspecto final a ser analisado, aqui. É por intermédio dele que se promove a avaliação do desenvolvimento das práticas de aprendizagem realizadas, numa perspectiva dialógica, em que o professor e o aluno avaliam juntos o processo (FREIRE, 1977).

Na verdade, as atividades de verificação da aprendizagem se inserem como elementos que demonstram que o processo de aprender foi desencadeado no aluno. Nesse sentido, têm a função de demonstrar se o docente, ao utilizar as estratégias referentes aos objetivos gerais do projeto pedagógico e aos específicos da disciplina, alcançou a finalidade estabelecida, no tocante ao conteúdo socializado.

E para se perquirir como os entrevistados vêm lidando com esse processo dialógico de problematizar a própria ação, com a conjugação das práticas para a realização dos objetivos propostos, fez-se a seguinte pergunta: quais as formas de avaliação consideram adequadas à realização dos objetivos das disciplinas que ministram?

Da análise dos seus depoimentos, pôde-se constatar que o docente a da instituição D é o que mais se aproxima da discussão sob a perspectiva identificada por Perrenoud (1999), acerca da avaliação formativa. Portanto, ele a entende como uma dinâmica de orientação à prática para uma adequação permanente às novas mudanças, às novas evidências que vão se apresentando no curso evolutivo do processo de conhecimento. Eis o seu depoimento:

"Eu acho que avaliar [...] a avaliação do aluno de diversas formas. Eu acho que uma questão fundamental é a flexibilidade, a diversidade de instrumentos de avaliação. Então, desde a avaliação que você tem do aluno no seu comportamento dentro de sala de aula – muito disperso, conversa muito, se participa ou não, embora isso não possa generalizar –, ao seu desempenho nos instrumentos de avaliação formal como provas e trabalhos. Eu acho que é preciso diversificar os instrumentos; então, múltipla escolha, prova aberta, questões abertas, questões mais conceituais, questões mais práticas, que você possa perceber onde que cada um tem maior deficiência, onde que ele tem o maior potencial. Sempre que possível eu acho que deve ter atividades práticas e acho importante que se tenham atividades coletivas também, porque há uma demanda da nova questão da organização do trabalho, a capacidade de trabalhar em coletivo. É um aspecto importante a ser avaliado. Nesse tema, uma questão que eu acho que não pode passar despercebida no ensino jurídico é a da avaliação do domínio da língua escrita e oral. As gerações chegam no ensino superior com uma defasagem muito grande no domínio da escrita, no domínio da habilidade do uso adequado da língua, e isso é absolutamente comprometedor para o exercício profissional. Então eu acho que os cursos jurídicos tinham que ter isso como fé, focar isso com mais intensidade." (docente a da instituição D)

Apesar de ter o entrevistado demonstrado as formas de avaliação pelas quais deve pautar a atividade cotidiana do docente, integradas às práticas de transmissão do conhecimento, não declinou como realiza a sua prática de avaliação. Limitou-se a identificar as formas que entende adequadas. Mesmo sendo reconhecidos os seus saberes sobre essa questão, a análise ficou prejudicada pela ausência da socialização de sua prática de avaliação. O mesmo não ocorreu com os demais entrevistados.

Com efeito, o docente a da instituição A assim respondeu à pergunta sobre as formas adequadas de avaliação:

"Olha, nós temos, formalmente aqui na Faculdade de Direito, três avaliações por semestre e, a critério do professor, prova escrita ou debate com os alunos [...] e essas três avaliações, a primeira vale 30, a segunda vale 30 e há uma prova final valendo 40. E eu já fiz todo tipo de avaliação assim [...] em geral, eu costumo dizer que dou uma prova, não para que o aluno demonstre que sabe. Se ele está na Faculdade é porque nós sabemos que ele não sabe. Então, o que quero saber dele é se ele tem o cheiro do Direito, se ele não comete erros índices, né? Quando a gente faz uma questão qual que é a maior autoridade do Estado brasileiro e ele diz para mim que é o prefeito de Belo Horizonte, ele leva zero, não é? Então eu, em geral, faço uma prova escrita com três perguntinhas que o aluno não deve copiar porque eu sei quais são as questões e ele deve responder, sucintamente, em duas linhas cada questão, porque eu quero saber se ele sente o cheiro da disciplina. Então eu costumo dizer; eu dito, ele responde; eu dito, ele responde; eu dito e recolho. E esta prova dura cinco minutos. Eu quero saber se ele está acompanhando o raciocínio da matéria. Mas essa não é a única prova. Depois, de comum acordo com eles, eu escolho um tema momentoso, que interessa a eles e fazemos um debate em duas horas de aula sobre aquilo, com a participação deles, não é? E eu, é claro, eu dou a mesma nota para todo mundo. Uns participam mais, outros participam menos [...] e eu costumo dizer que até por osmose alguns também aprendem e muitos não falam por timidez e tudo mais. Esse é o critério que eu adoto de avaliação dos alunos."

Depreende-se desse relato que, embora o docente tenha intenção de promover avaliação qualitativa, adota avaliação quantitativa, pois desenvolve práticas voltadas para distribuição de pontos. Assim, o seu processo de avaliação limita-se à aplicação de três provas totalizando cem pontos, além de outros trabalhos, que, segundo ele, são valorizados como nota. Não adota a avaliação como uma dinâmica de orientação à sua prática, mas como um instrumento medidor da quantidade de informações retidas sobre os conteúdos.

Considerando o depoimento do seu colega, pode-se depreender que ambos mantêm o processo de verificação da aprendizagem no formato tradicional:

"Na avaliação, na verdade, a gente tem liberdade, mas a gente tem um método: são três provas; você pode mesclar uma prova ou duas provas ou todas as provas com trabalhos práticos. Mesmo com prova oral você pode fazer isso. Mas eu faço sempre assim: a primeira prova vale 30 pontos, então eu dou uma prova com três perguntas, corrijo e entrego para o aluno corrigida; a segunda prova vale 40 pontos; eu dou quatro perguntas, corrijo e entrego para ele; e a última prova vale 30 pontos; mesma coisa, faço as três perguntas e entrego para ele. Exame especial eu geralmente dou 10 perguntas. Claro, perguntas menos complicadas do que aquelas das provas. Então o meu método, a minha metodologia de avaliação é sempre a mesma. Eu acho muito desgastante você dar trabalho e pesquisa, pelo fato de os métodos da fraude mesmo estarem cada dia mais aperfeiçoados. Então, para não ter aquele aborrecimento de anular, de desconsiderar um trabalho e correr o risco de estar enganado, então eu prefiro fazer a prova, dar a prova escrita e aplicá-la pessoalmente, com o maior rigor na vigilância da aplicação." (docente b da instituição A)

No caso desse entrevistado, observa-se que, apesar de ressaltar que há liberdade para a realização da avaliação, perpetua o caráter reprodutivo da avaliação tradicional destituída do acompanhamento do processo ensino-aprendizagem. Justifica seu ponto de vista declarando que evita outros tipos de exercícios, como o trabalho e a pesquisa, dada a possibilidade de passar pelo aborrecimento de anulá-los, diante da facilidade, hoje, de fraudes, por força dos avanços tecnológicos.

Essa prática de avaliação calcada na rotina e na reprodução, não diagnostica eventuais avanços ou dificuldades demonstrados pelos alunos, e impede a interação social. E, mais importante, não a relaciona com a teoria e prática, o que evidencia a desconsideração pelas novas tecnologias existentes.

A docente a da instituição B, também adota provas e trabalhos para avaliar o desempenho de seus alunos:

"Eu tenho feito, eu dou prova e trabalho. Meu trabalho é feito em sala, porque, se mandar fazer hoje, copiam na internet, copiam uns dos outros, uns fazem, eles mudam o formato, aquela coisa toda. Entregam, e tem um detalhe: se, porventura eu peço trabalho que pode fazer em casa, é escrito, é manuscrito, é antigo, né? Mas, é manuscrito, porque fraude eu não suporto. Então é manuscrito e falo: olha, um trabalho de vocês, mando entregar junto com a prova e é só olhar mesmo. Eu não vou compactuar com a falta de ética, com a fraude. Se não fizerem é zero, é escrito à mão, manuscrito, ta?"

Como mostra seu relato, são ausentes, também, nas suas práticas, os aspectos da diversidade de abordagens da avaliação. Verifica-se o mesmo critério da anterior, mantendo-se o processo de avaliação tradicional da prova e do trabalho escrito manualmente.

Essa mesma linha seguiu o docente b da instituição B, que somente aplica a prova como processo de avaliação:

"Infelizmente eu acho que a prova não mede conhecimento, mas ela é um mal, não necessário, indispensável, porque o que eu tenho observado é que se você não faz a prova, o sujeito não estuda. Então eu acho que a prova, ela é um meio necessário para fazer com que o aluno venha a estudar o mínimo para fixar aquilo que está sendo objeto de discussão em sala de aula. [...] ela é simplesmente uma forma de obrigar o aluno a estudar. Então eu acho que a prova, ela acaba sendo a complementação daquilo que é visto em sala de aula. Então eu vejo isso. Basicamente dessa forma, e uma maneira de se concretizar isso seria realmente a aplicação de provas, avaliações um pouco mais apertadas para obrigar o sujeito a estudar e trabalhar essas questões em sala de aula, né? Ver o que foi, quais questões foram objeto de erro dos alunos, trabalhar com as questões e ver o motivo disso. Tentar chegar a uma conclusão para que eles mesmos não cometam os mesmos erros mais uma vez, lá na frente.

Não uso outro tipo de avaliação que não a prova. Eu, porque eu procuro naquela última aula, obter um feedback deles, independentemente de uma avaliação institucional, eu sempre peço para que, independentemente de identificação, quem se interessar dar sugestões, dizer o que foi bom o que foi ruim, exatamente para saber como é que eles estão recebendo aquele método de ensino. E isso tem sido até bastante gratificante, porque eu tenho tido um feedback até bastante positivo dos alunos."

Apesar de afirmar que não aplica outra avaliação que não a prova, em sua fala, percebe-se que o docente informa, ainda que de forma irreflexiva, que promove o que se pode denominar de início de avaliação formativa. Assim, dá abertura ao aluno para que ele próprio se avalie. Mas, não acrescenta maiores rigores técnicos sobre os resultados dessa avaliação.

Nesse ponto, aflora a situação descrita por Miguel Zabalza (2004), relativa aos aspectos da formação individual, mas com enfoques equivocados. Por conseguinte, parece que o docente ignora o que significa exercer a docência na universidade, desconhecendo que a avaliação é um ato em que professor e aluno avaliam junto a prática, o seu desenvolvimento, para a correção dos erros e equívocos porventura cometidos (FREIRE, 1977).

Já a docente a da instituição C apresenta uma reflexão sobre essa prática de avaliação ao criticar o formato das avaliações tradicionais a que estão submetidos os alunos (e os professores). Esse formato se relaciona à rigidez do modelo preestabelecido, que não possibilita a evolução do processo de verificação da aprendizagem. Eis o seu depoimento:

"Quanto à forma de avaliação, o professor não tem muita liberdade não. As instituições ainda adotam o sistema de avaliação por meio de provas e todas as instituições, inclusive a "C", existe lá regras estabelecidas, a pontuação das provas. Eu costumo separar algum, um percentual de 10% a 20%, para seminários, mas, em regra, a avaliação, ela é feita de forma tradicional, em forma de provas e provas escritas e abertas. Considero mais, demonstram com mais clareza o conhecimento."

Pode-se observar, ainda, nesse relato, a critica à ausência da autonomia dos professores ao estabelecer os critérios de avaliação. Contudo, mesmo com toda a rigidez do sistema, ainda faz uso de um percentual da pontuação distribuída durante o semestre letivo, numa tentativa de se desvencilhar das amarras impostas pelo sistema e promover uma avaliação tendente a privilegiar a dinâmica da relação ensino-aprendizagem que se estabelece ao longo do tempo.

Também em seu discurso, como no do docente a da instituição D, percebem-se indicativos de preocupação sobre o processo que envolve a relação ensino-aprendizagem. Este não pode se restringir à medição do volume de informações memorizadas, característica da avaliação tradicional.

Por outro lado, o depoimento do seu colega na instituição C, soma-se àqueles em que se depara com a associação da avaliação às provas para medir essa quantidade de informações retidas sobre os conteúdos:

"Bom, eu sigo aquela orientação da diretoria, a instituição, por exemplo, ela pede que se faça provas dissertativas, para que o aluno aprenda a escrever. Então a gente faz a pergunta, o conteúdo, ele é, as questões são feitas com base no conteúdo da matéria, mas na forma dissertativa. Eu peço que o aluno responda dissertando, não é se é verdadeiro ou falso. Eu não uso aquele sistema de quadrinhos. Eu acho que o Direito – eu estou de pleno acordo com a direção da Faculdade –, o Direito deve ser respondido em forma de parecer. Então eu uso esse sistema, eu corrijo o conteúdo, corrijo o erro de português e corrijo também o estilo. Eu faço isso também.

Para o efeito de notas, para aprovação ou reprovação eu uso o sistema que a escola adota, né? Provas escritas e algumas faculdades em que eu trabalho, que eu trabalhei e que eu trabalho, tinha, tem também trabalhos em sala ou fora de sala. Então eu uso o que a instituição pede. Agora, eu faço uma avaliação minha ao ministrar as aulas, fazer perguntas aos alunos e obter as respostas eu já estou avaliando." (docente b da instituição C)

Esse docente acrescenta à avaliação características pessoais, sem relação com os objetivos traçados ou com a avaliação institucional. Dessa forma, não se vislumbra a finalidade desse método adotado nem das provas que afirma aplicar.

Não é diferente o depoimento da docente b da instituição D, que assim descreve o seu ponto de vista sobre as avaliações:

"Gostaria de não ter nenhuma, mas acontece que o aluno só consegue comprometer com o estudo quando é cobrado, então hoje eu não posso fazer uma prova de raciocínio fechada, que me facilitaria a correção, porque tem a questão da cola. Então eu faço sempre provas abertas, faço que elas sejam sempre abertas e busco o raciocínio dele lógico, conto uma determinada história, eles fazem a prova com o código, mas eles têm que entender primeiro o que estou perguntando. A pergunta nunca é direta, no campo conceitual. Ela é de raciocínio. Então, nesse sentido é a minha forma de avaliar. Além disso eu dou trabalho para eles e, para falar a verdade, minha primeira meta é que a primeira prova assuste, aterrorize, porque se a primeira prova for fácil, eles esquecem de estudar a matéria. Porque, se a primeira prova for difícil, eles dão valor à sua matéria. Se a primeira prova for fácil e eles obtiverem os pontos, eles ficam tranqüilos, porque é muito fácil passar, né? Então você tem que dificultar na primeira, botar pedra no caminho, a pedra no sapato; é isso."

No relato dessa docente, percebe-se, a exemplo de outros colegas, o aspecto já mencionado da ausência de formação pedagógica, cujas práticas se dão mediante processos intuitivos, autodidatas e balizados nas rotinas dos outros, (BENEDITO). Aliás, chega até a demonstrar o desejo de não ter avaliação. Isso leva a pensar, que não vê relação entre processo avaliação e verificação do ensino-aprendizagem.

E ao considerar sobre as avaliações em sentido estrito, ainda que essa docente estabeleça alguma relação com os objetivos traçados ou com a proposição institucional, percebe-se que ela associa a avaliação à punição para amedrontar o aluno. Desse modo, descaracteriza o processo dialógico da verificação da aprendizagem descrito por Paulo Freire (1997). Assim, o resultado da avaliação é condicionado ao terror que causa. Nessa medida, o trabalho conjunto e contínuo em que o aluno e o professor compartilham, para subsidiar a prática cotidiana, com regras claras e previamente estabelecidas, com a repartição das responsabilidades, desaparece.

Em resumo, com relação à avaliação, a maioria dos docentes adotam a avaliação tradicional, demonstrando, muitos deles, tendência a restringi-la à aferição do volume de informações retidas pelo aluno acerca de determinado conteúdo. Ademais, não se preocupam em promover diagnóstico dos avanços e das dificuldades tanto deles quanto dos discentes, nem verificam se os objetivos propostos para o processo ensino-aprendizagem são alcançados. Dessa forma, o aluno não conta com dados para avaliar o seu desempenho, nem o docente aperfeiçoa a sua prática pedagógica.

Isso posto, as respostas dos entrevistados revelam, de modo geral, a predominância de práticas caracterizadas pela transmissão e memorização de conteúdos, ainda calcadas em princípios tradicionalistas da educação bancária conforme denunciada por Paulo Freire (1985). Essa prática, segundo a professora Magda Chamon (2006), não comunga com a perspectiva interacionista do conhecimento. Em outras palavras, não encara o processo de ensino e aprendizagem como processo dialético e interativo entre aquele que aprende e o objeto a ser aprendido. Ainda na visão dessa autora, o processo de verificação da aprendizagem não pode prescindir do componente social, pois o sujeito só aprende e assimila novo conhecimento, a partir do processo de troca de informações do contexto das suas relações.

Dada a importância dessa colocação, optou-se por finalizar este tópico, reproduzindo, aqui, este trecho de Chamon:

Dessa forma, quanto mais rica for a interação entre pares e professores a partir da realidade viva e dinâmica, mais se amplia o processo de socialização do saber (pelo compartilhamento de experiências de idéias, de hipóteses, de crenças, de dúvidas, etc.), mais e melhor se prepara cada sujeito para que elabore sua própria aprendizagem. Nesse processo, o detonador da complexificaçao dos conceitos é o processo de análise reflexiva de suas idéias e de sua experiência (seus conhecimentos prévios) em relação às experiências alheias. Mas, deve-se considerar que, embora o conhecimento se mantenha como uma aquisição pessoal, ele é modificado, também, pelas contribuições de outros sujeitos e do confronto entre as próprias idéias (se já existentes) e as dos outros. (CHAMON, 2006, p. 122-123)

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Sobre o autor
Sidnei Justino dos Santos

Advogado, mestre em Direito e membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sidnei Justino. Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20822. Acesso em: 25 dez. 2024.

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