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Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988

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10/01/2012 às 10:13
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6 CONSIDERAÇOES FINAIS

O estudo sobre a formação histórica do ensino do Direito no Brasil demonstra que especialistas de todos os matizes têm apontado deficiências nos cursos jurídicos, desde a sua criação, em 1.827. São dificuldades encontradas no aparelhamento físico das faculdades, na sua administração, no investimento estatal, na formação docente, como também, na discente. A palavra crise tem acompanhado a trajetória do ensino jurídico. Mas também a criação desmedida de novos cursos jurídicos tem sido alvo de críticas recorrentes, recrudescidas atualmente, fazendo com que sejam fatores indicativos da necessidade constante de reflexão sobre esse tema.

De outro lado, a conformação ideológica do contexto liberal em que foram criados esses cursos jurídicos, aliada à necessidade da formação da burocracia encarregada de operacionalizá-la, também é indicativo da relevância da investigação aqui promovida, uma vez que a qualidade da formação dos operadores do Direito decorre da qualidade da educação promovida nas faculdades.

O período inaugurado com a Constituição da República de 1988, estabelecido para o aprofundamento dessa investigação foi fundamental para propiciar um recorte, tanto do conhecimento sobre o estágio em que se encontra esse processo de qualificação do ensino jurídico, como também o do próprio docente jurídico, que constitui o foco central do objeto deste estudo.

Essa delimitação possibilitou o aprofundamento da investigação das razões das constantes críticas à qualidade da formação dos egressos dos cursos jurídicos no Brasil, bem como permitiu averiguar a parcela de contribuição dos programas de formação pedagógica de uma amostragem de docentes dos cursos jurídicos na cidade de Belo Horizonte.

Dessa investigação foi possível identificar, pela abordagem histórica, a insuficiência da defesa de tese de doutorado, já prevista nos Estatutos do Visconde da Cachoeira, de 1.825, como o único requisito para o preenchimento da vaga de professor titular dos cursos jurídicos.

Por outro lado, não se pode negar que houve significativo progresso no aprofundamento do estudo científico do Direito desde a sua criação, não obstante a cultura isolacionista presente nos cursos jurídicos, mesmo nos pertencentes a faculdades, centros universitários ou universidades. O fato é que a resistência às mudanças vem sendo rompida, porém, com grande dificuldade ainda.

Também pôde ser constatado que a formação para a docência jurídica não tem acompanhado o progresso verificado no âmbito científico. Tal fato se deve, em primeiro lugar, por constituir o magistério jurídico uma das opções de profissões exercidas pelos egressos dos cursos de Direito, mesmo não havendo, nos programas de graduação, qualquer disciplina de formação nos saberes didático-pedagógicos. Em segundo lugar, somente a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 é que se iniciou a exigência de titulação em nível de pós-graduação stricto sensu para o exercício da docência, ainda que como preparação científica e não como formação nos saberes didático-pedagógicos. E, por último, esse requisito da formação em programas de mestrado e doutorado para a docência ser exigência em caráter prioritário e não exclusivo (art. 66 da Lei 9.394/96).

Associada a esses fatores, a continuidade da expansão desmedida de instituições superiores, entre as quais as de Direito, tem produzido muitas críticas sobre a qualidade do ensino propiciado. Na perspectiva do presente estudo, dir-se-ia que expansão tem ocorrido sem preocupação com as demandas sociais, maximizadas nos dias atuais.

Com efeito, as análises empreendidas demonstram, que, apesar da expansão continuada, sobretudo das Faculdades de Direito, não há programas de preparação para o exercício profissional da docência, que conjuguem os saberes científicos com os pedagógicos. Esse quadro dá lugar à reprodução de práticas adquiridas desde a criação dos cursos jurídicos. Ademais, sugere a inexistência de estudos que relacionem a produção acadêmica do saber às atividades de pesquisa no campo jurídico. Não obstante a constatação de que todos os entrevistados possuem publicações de trabalhos científicos relativos às respectivas áreas de conhecimento, não há nenhum registro sobre essa questão.

Por outro lado, constata-se que as exigências demandadas não somente pelo Estado como também pelas mudanças ocorridas na sociedade contemporânea, não têm encontrado eco nos próprios programas de mestrado e doutorado na cidade de Belo Horizonte, dos quais participaram os entrevistados. Verifica-se, nos depoimentos, que esses programas não têm contemplado a formação sobre os saberes pedagógicos, constituindo programas de especialização aprofundada nos conteúdos científicos da área do Direito. Ressalte-se, porém, que essa análise não decorre da situação atual dos programas de mestrado e doutorado, haja vista que o entrevistado que obteve a titulação mais recentemente, o fez há mais de três anos.

De fato, os dados coletados a partir das entrevistas reforçam a necessidade da formação da identidade profissional dos docentes. Assim, confrontando as informações sobre os programas de pós-graduação stricto sensu dos quais participaram os entrevistados, com a formação dos docentes ao longo da história brasileira, percebe-se que as atividades docentes desenvolvidas sofreram poucas modificações. Considerando-se que os saberes pedagógicos são fundamentais à preparação para o magistério superior, a carência deles torna pouco eficiente a conformação do caráter epistemológico de uma formação pedagógica consistente.

Também mascara esse quadro, a visão de alguns docentes de que o exercício do magistério está ligado à vocação. Nesse caso, a aquisição das competências e habilidades imprescindíveis à conformação do ambiente no qual as práticas docentes ocorrem não são consideradas importantes. Tal situação interfere no aspecto trabalhista em que deve ser encarada a docência e impacta o seu processo de desenvolvimento profissional. E assim transfere-se o problema da formação pedagógica para o campo da missão, retirando-lhe o caráter de profissão que é. A questão torna-se, portanto, além de epistemológica, também um campo específico de intervenção na prática social.

Deve-se salientar que, do universo dos três doutores e cinco mestres entrevistados, apenas um mestre teve contato com disciplinas relacionadas aos saberes didático-pedagógicos; e, somente dois mestres e um doutor, realizaram algum tipo de formação continuada nesse sentido, nos últimos dez anos.

Essa situação gerou práticas docentes calcadas ns experiência acumulada ao longo dos anos, dissociada dos objetivos institucionais, conforme já analisado por Zabalza (2004). Não incluem nesse grupo, os dois docentes da instituição C, que declararam ter realizado programas de capacitação, e o docente a da instituição "D" que, realizara o programa de mestrado em Educação. Este docente, apesar de não ter cursado qualquer disciplina relacionada à metodologia do ensino, o fez como processo de educação continuada.

Constatou-se, ainda, formação diferenciada dos docentes a da instituição C e a da instituição D. Ambos possuem formação mais consentânea com as práticas educativas mais modernas e voltadas para o aspecto da profissionalização do magistério, desvinculado das idéias de magistério por vocação, de reprodução de práticas, de visão bancária da educação, da verificação do processo ensino-aprendizagem no formato tradicionalista e aferidor da quantidade de memorização.

Isso posto, o desvelamento das condições concretas dos processos de formação dos entrevistados pode dar a conhecer uma das facetas relacionadas ao complexo mundo que encerra o ensino jurídico. Diante dessas evidências, acredita-se que outras questões também devam ser investigadas, contribuindo, efetivamente, para que a carreira do profissional docente adquira o status condizente com a sua importância no contexto em que se encontra inserida.

Dessa forma, percebe-se que o foco das análises, desde a criação dos cursos jurídicos e, com maior ênfase, na atualidade, recaiu, sobretudo, na preocupação com os currículos e o conteúdo dos cursos jurídicos. Sugere-se, conforme já advertido por Junqueira (1999, p. 39), que também focalizem o processo. Nas palavras dessa autora: "Todas as reformas do ensino atacam os conteúdos, quando talvez seja mais importante atacar a forma pela qual o conhecimento é transmitido em sala de aula."

Diante do exposto, conclui-se que é necessária uma mudança paradigmática quanto à formação didático-pedagógica dos docentes dos cursos jurídicos. Para isso, é preciso que se dê maior relevância à implementação de cursos de apoio didático-pedagógico promovidos pelas instituições e não somente por iniciativas de ordem pessoal e individualizada, muitas vezes, descontextualizadas, alheias às finalidades das próprias instituições ou dos objetivos educacionais pretendidos.

Cumpre ressaltar, contudo, que os saberes experienciais (TARDIF, 2002), são importantes, mas não se apresentam suficientes para o desempenho profissional da docência. Exemplos desses saberes foram vistos nas entrevistas. Por conseguinte, reforça-se, aqui, que, assim como as profissões das carreiras jurídicas, nos programas de graduação, recebem formação profissional, também a profissão do docente deve ser enriquecida com a inclusão das disciplinas Didática ou Metodologia do Ensino Superior.

Ademais, prescreve o artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96 que os programas de mestrado e doutorado devem ser preferenciais para o exercício da docência no ensino superior. Desse modo, deve ser ofertado um programa de formação didático-pedagógica que estabeleça, realmente, a formação inicial para a docência, conforme preconiza a própria legislação.

Em última análise, a presente pesquisa mostrou que os programas de pós-graduação stricto sensu não têm desenvolvido as competências necessárias à atuação do docente do ensino superior. Ao contrário, esses programas têm distanciado os seus egressos do processo de interação necessária à realização do binômio ensino-aprendizagem. E não seria esse o objetivo da educação formal: preparar o cidadão para a trajetória social?


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Sobre o autor
Sidnei Justino dos Santos

Advogado, mestre em Direito e membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sidnei Justino. Os docentes do Direito e seu processo de formação em face dos novos paradigmas jurídico-democráticos decorrentes da Constituição da República de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3114, 10 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20822. Acesso em: 26 dez. 2024.

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