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"Segura e feliz, pendurada no vazio".

Em busca de um novo jeito de ensinar e aprender Direito

15/05/2012 às 08:43
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Nos momentos mais importantes da história, com ampla e multifacetada leitura da sociedade, cabe ao Direito se apresentar com um novo paradigma de convivência nestes tempos de cruel descaso e de profunda indiferença!

Há vinte anos, os cursos de Direito eram ministrados integralmente nas salas de aula. Os Núcleos de Prática Jurídica não eram obrigatórios. Um estudante podia concluir o curso, em cinco anos, sem jamais ter tomado contato com um processo ou com uma situação real de conflito de interesses. Também não havia trabalho de conclusão de curso e eram escassas as atividades de extensão.

Os profissionais do Direito foram, por exemplo, os últimos a enfrentar a questão da nova consciência planetária em relação ao meio-ambiente.  Diversos profissionais se engajaram nas discussões sobre a sustentabilidade da vida na terra, porém no Direito, na década de 90, ainda não havia debate sério sobre ecologia.

Anos depois de realizada a paradigmática conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento no Rio de Janeiro – Rio/92, os cursos de Direito ainda não contam, em regra, com o Direito Ambiental em suas matrizes curriculares.

Assim, ao lado de formar profissionais com bons discursos técnicos, formaram-se muitas pessoas “desligadas” da realidade, afastadas das grandes questões do seu tempo. As disciplinas de fundamento, com especial inclinação para desenvolver consciência crítica, sempre foram colocadas num viés de secundariedade em relação às disciplinas dogmáticas do Direito. Algumas escolas chegam a oferecer, ainda hoje, tais conteúdos compartilhados entre vários cursos, visando otimizar custos, pagando apenas um professor para alunos de Direito, Administração, Economia, Jornalismo etc., fazendo com que todos assistam a mesma aula de sociologia ou ética, por exemplo, de maneira descontextualizada.

É certo que o ensino dogmático e conservador do Direito tem suas vantagens práticas: os concursos públicos, os exames de Ordem, os testes de admissão aplicados por grandes escritórios de Direito, por exemplo, exigem apenas tais conhecimentos dos candidatos. Nenhum senso crítico, nenhuma postura propositiva se espera. Espera-se que o candidato conheça os dispositivos dos Códigos e saiba produzir um texto ornamentado com as súmulas do STF, STJ ou TST.

Entretanto, os tempos mudaram e como disse Abraham Lincoln, “os dogmas do passado tranqüilo são inadequados para o presente turbulento”.

Nestes tempos, a mudança de atitude no ensino do Direito se faz urgente e pouca coisa do passado pode nos socorrer, porque vivemos um presente pendurado em novos paradigmas, inaugurando uma nova equação para a humanidade.

Para Boff, “Um manto de injustiça e de violência pesa sobre dois terços da humanidade” (1999, p. 35) e só esse dado é suficiente para que abandonemos a pretensão de ensinar um Direito asséptico, separado dos seus destinatários.

Precisamos saltar em direção a um futuro em perspectiva, acreditando na possibilidade de alinhavar, no presente, a sociedade livre e justa, com todos os riscos que daí possam emergir.

Rubem Alves, criando a metáfora da aranha dá algumas dicas para esta tarefa. Ele conta que viu uma aranha em seu escritório e ficou fascinado que ela estivesse lá “segura e feliz, pendurada no vazio” e se pôs a imaginar o movimento inicial do salto da aranha sobre o nada:

 Ela vê as outras paredes, tão distantes, e mede os espaços vazios... e só pode contar com uma coisa para o trabalho incrível que está para ser iniciado: um fio, ainda escondido dentro do seu corpo. E, então, repentinamente, um salto sobre o abismo, e um universo começa a ser criado... (ALVES, 2003, p. 42)

A busca de um novo jeito de ensinar e aprender direito exige este salto, baseado apenas na compreensão atávica de que é possível construir algo mais adequado a estes tempos, a partir da formação jurídica consciente e contextual.

Entre outras coisas, são necessários atributos como confiança, crença e um feliz concerto entre desejo e boa-vontade, além de algum repertório baseado tanto no passado inspirador como no material dos sonhos, na linha do que propôs Gandhi: “Precisamos nos tornar a mudança que pretendemos para o mundo.”

Em momentos graves como este, é preciso acreditar no futuro apenas intuído, desdobrado dos anseios mais profundos que animam aqueles que se decidem pelo estudo do Direito, e encarar a tarefa da mudança, lançando a teia no abismo.

As exigências destes tempos não podem passar despercebidas.

Todo o aparato cultural gerado em prol da construção de uma sociedade baseada nos elevados ideais da convivência pacífica, da igualdade de oportunidades e do bem-viver, deve ser utilizado como ferramenta.

Como sempre fez, nos momentos mais importantes da história, com ampla e multifacetada leitura da sociedade, cabe ao Direito se apresentar com um novo paradigma de convivência nestes tempos de cruel descaso e de profunda indiferença!

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Sobre a autora
Marilene de Souza Polastro

Mestre em Direito. Coordenadora do Curso de Direito da União Pioneira de Integração Social - UPis, em Brasília (DF). Assessora-Chefe do Conselho Nacional de Justiça.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLASTRO, Marilene Souza. "Segura e feliz, pendurada no vazio".: Em busca de um novo jeito de ensinar e aprender Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3240, 15 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21764. Acesso em: 23 dez. 2024.

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