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Especialização ou alienação jurídica?

01/10/2001 às 00:00
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Não se pretende neste modesto artigo exercitar a defesa aos aspectos positivos da especialização e, conseqüente, condenação aos aspectos negativos da mesma. O objetivo destas linhas é somente analisar tais aspectos, bem como as influências da modernidade sobre ambos.

A dedicação, o aperfeiçoamento e o domínio sobre determinada área do Direito é indiscutivelmente um dos pontos positivos da especialização jurídica.

Desta forma, diversos fatores contribuem significativamente para a implementação da especialização na área científica do Direito, por seus próprios profissionais, no presente, ou então, num futuro bem próximo.

Segundo ordem obrigatoriamente imposta pelo Ministério da Educação, com relação aos ensinos superiores, os discentes do curso de Direito, ao iniciarem a busca pela graduação em bacharel em Direito, embora não percebam, já dão início à especialização.

É indiscutível o "alívio" destes jovens, tanto por serem aprovados em dificílimo concurso vestibular, quanto por não mais serem obrigados a dominar matérias tão desgastantes do ensino médio, como física, matemática ou química; estas, então, as verdadeiras "vilãs" de qualquer vestibulando para o curso de Direito.

A especialização, portanto, inicia-se de pronto. Quais acadêmicos de Direito (a não ser aqueles que continuam sendo professores particulares de matérias do ensino médio) permanecem estudando as referidas matérias escolares? Aliás, nem mesmo outras relevantemente pertinentes, como história, língua inglesa ou espanhola, são objetos de contínuo estudo por estes novos discentes, agora em curso superior.

O "destino" trilhado a caminho da especialização não pára por aí. Surge uma nova fase da especialização, a jurídica.

Uma matéria obrigatória, pelo MEC, na grade curricular do curso de Direito é a chamada Prática Jurídica, geralmente incentivada pelas Faculdades de Direito através dos escritórios experimentais do Núcleo de Prática Jurídica.

Por fornecer atendimento jurídico gratuito à comunidade carente, verifica-se grande demanda nas áreas cíveis, especialmente Direito de Família e Direito das Sucessões, trabalhistas, previdenciárias e do Direito do Consumidor.

Por mais que os Coordenadores dos Núcleos de Prática Jurídica tentem direcionar os alunos a um mínimo de experiência em todos os ramos do Direito, percebe-se, novamente, a tendência à especialização jurídica.

A solução seria a criação de subnúcleos para dividir o alunado em áreas específicas? O lado positivo deste método seria o oferecimento de alunos cada vez mais capacitados em áreas específicas de atendimento, eis que os mesmos reforçariam seus estudos nas áreas que mais lhes agradam. Porém, o reverso consistiria na apresentação de profissionais incapacitados em áreas jurídicas diversas daquelas em que foram os mesmos atuantes.

Ao atingir a condição de "formandos", amigos, parentes e até mesmo profissionais do Direito, ao parabenizá-los pela grande conquista, não obstam em perguntar quais serão as áreas de atuação dos jovens bacharelandos.

Como responder tal pergunta? Aqueles que foram estagiários em escritórios de advocacia, geralmente familiares, continuam seguindo a área de atuação de tal escritório, que geralmente, já se encontra especializado em alguma área jurídica.

Os "marinheiros de primeira viagem na prática do Direito", um tanto embaraçados, reforçam-se a explicar que no início da carreira de todo profissional do Direito é preciso atuar em todas as áreas para adquirir experiência, sendo impossível escolher uma determinada área para atuar.

Ao proferirem tal afirmativa, têm, os novos profissionais, receio de parecerem modestos, como se fossem profundos conhecedores de quaisquer ramos do Direito, ou, ao contrário, de serem vistos como péssimos profissionais, haja vista que ninguém consegue ser expert em todas as áreas alcançadas pela ciência jurídica.

Como inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, a pressão da especialização aumenta, devido à concorrência no mercado de trabalho, à "corrida" contra os prazos processuais, às primeiras consultas aos primeiros clientes, bem como às primeiras audiências, principalmente as de instrução e julgamento. Os novos profissionais sentem a necessidade de melhor organizarem seus próprios horários, objetivando condições para melhor estudo, não resumindo, este, aos casos a serem defendidos.

Ocorre, portanto, o incontrolável desejo de especializar-se. Primeiramente, percebe-se a especialização gradativa em seus escritórios, pois já não militam em todas as áreas do Direito, e sim, restringem-se a certas áreas para melhor defendê-las, com dedicação, conhecimento e melhores probabilidades de êxito.

Mesmo os que não optaram pela advocacia, assim se sentem, ao escolherem a carreira pública, como por exemplo os Promotores de Justiça e os Juízes de Direito.

Os representantes destas Classes são unânimes quando revelam que os trabalhos realizados no interior do Estado servem como espécie de "laboratório", onde há a necessidade de estudar todos os institutos jurídicos, para que possam opinar ou julgar sobre quaisquer assuntos. Ao se tornarem titulares, já se dão ao "luxo" de aprofundarem seus estudos a limitados institutos, pertinentes à área jurídica de atuação.

Torna-se clara, neste instante, a dimensão da especialização jurídica. Qual advogado militante na área tributária se permite a estudar com afinco as nulidades do processo penal? Qual magistrado titular da Vara de Órfãos e Sucessões sentir-se-á confortável para proferir palestra sobre Ação de Cumprimento?

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O avanço tecnológico também contribui bastante para o avanço da especialização jurídica, pois permite o acesso a milhares de informações, em espaço mínimo de tempo, sendo praticamente impossível o acompanhamento de todas as novidades que surgem no campo das ciências jurídicas.

Vale ressaltar, ainda, que vivemos num País muito rico, porém, habitado por muitos economicamente desfavorecidos, tornando, todavia, o aspecto financeiro igualmente favorável à especialização, porque é ainda raro o cidadão que tenha condições de matricular-se em vários cursos de pós-graduação, em áreas não semelhantes, ou mesmo de adquirir bons livros jurídicos, sobre diversos temas do Direito, embora qualquer curso de graduação de qualidade instrua todos seus alunos a estudarem o mesmo instituto jurídico por, no mínimo, três autores diferentes.

A pretensão, de inquestionável boa fé, destes estudiosos em especializar-se em uma área jurídica, quando isto se torna possível, para destacar-se como um dos melhores conhecedores daquele ramo é aspecto a ser aclamado, eis que só com o aprofundamento científico podem ser revelados juristas de qualidade.

Porém, parece-me, também, incontroversa a afirmação de que quanto mais especialista for a comunidade jurídica, por outro lado, mais distantes estarão estes profissionais da cultura como um todo, tornando-se, paradoxalmente, especialistas e alienados jurídicos.

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Sobre a autora
Danielle Lorencini Gazoni

advogada no Espírito Santo, professora de Direito das Faculdades Integradas de Vitória (FDV), pós-graduanda em Direito Processual Civil pela FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAZONI, Danielle Lorencini. Especialização ou alienação jurídica?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2238. Acesso em: 23 nov. 2024.

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