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O Projeto de Lei nº 58/2001 e a alegada questão da litigância de má-fé na coleta de provas testemunhais nos julgamentos na Justiça do Trabalho

01/10/2001 às 00:00
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Noticia a imprensa que o Sem. Osmar Dias apresentou o Projeto de Lei (nº 58/2001) no Senado Federal, visando a alteração da CLT na questão da produção de provas testemunhais nos julgamentos da Justiça do Trabalho.

Examinando-se o referido PLS, vemos que ele propõe acrescentar ao art. 829 da CLT, três parágrafos, seguintes:

"§ 1º O juiz indagará da testemunha, antes da prestação de compromisso legal, se ela litiga, litigou ou testemunhou em outros processos que tenham como parte o autor ou o réu na ação.

§ 2º Tendo a testemunha prestado depoimento ou participado na qualidade de parte em outra ação trabalhista, que possa estar relacionada com o processo em instrução, aos interessados será concedido prazo de cinco dias para a juntada de cópia da ata em que constem os depoimentos prestados ou de outros documentos válidos para qualificar o testemunho.

§ 3º Considera-se suspeita a testemunha que omitir informações sobre a sua participação em outras ações trabalhistas, que prestar depoimentos contraditórios ou que permitam identificar a existência de conluio entre ela e uma das partes do processo."

Extrai-se da justificativa do próprio PLS 58/2001 que o objetivo é impedir que os trabalhadores se utilizem de provas testemunhais para a comprovação de seus direitos em que as testemunhas litiguem ou tenham litigado ou testemunhado em outros processos contra o mesmo réu, tal qual se dá na questão das horas extras em que as testemunhas prestem depoimentos contraditórios o que leva a crer que estão fazendo parte de um conluio com o reclamante.

A questão do falso testemunho também já existe diciplinamento legal estabelecido pelo Código Penal que em seu artigo 342, tipifica o crime, estabelecendo as penalidades cabíveis do falso testemunho:

"Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral". Pena: "reclusão, de um a três anos e multa"

Ora, para a questão das horas extras, a CLT, também, já disciplina a questão, impondo ao empregador a obrigação prevista em seu art. 74, § 2º, ou seja, a obrigação de o empregador que possuir mais de 10 empregados adotar o sistema de controle de horário, anotando-se a entrada e saída do empregado, em registro manual, mecânico ou eletrônico.

O que ocorre na prática é que muitos empregadores não cumprem a norma legal estabelecida. Ou não adotam o sistema de controle de horário estabelecido em lei. Ou se adotam, o fraudam, não permitindo a consignação de toda a jornada efetivamente trabalhada. Ou ainda, instituem controle por sistema eletrônico, via computador, facilmente manipulável por programação previamente estabelecida, que independentemente dos horários trabalhados, consignam apenas a jornada oficial contratada.

Não obstante tudo isso, o TST não acolheu o posicionamento dos regionais no sentido da aplicação da pena de confissão ao empregador que possuindo mais de 10 empregados não adotou o sistema de controle de horário estabelecido pelo art. 74 da CLT, pacificando um entendimento diverso, no sentido de que mesmo a empresa não trazendo aos autos os controles de horários então existentes na empresa, por si só este ato não tem o condão de fazer prevalecer o horário declinado na exordial pelo reclamante, havendo necessidade de que o juiz determine a

juntada desses controles legais que então estão em poder da empresa, para que então diante da recusa, a penalidade lhe possa ser aplicável.

Nº 338 - REGISTRO DE HORÁRIO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A omissão injustificada por parte da empresa de cumprir determinação judicial de apresentação dos registros de horário (CLT art. 74 § 2º) importa em presunção de veracidade da jornada de trabalho alegada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (RA 36/94 - DJU 18.11.1994)

Na verdade, a questão é de não cumprimento legal do dever das partes estabelecidos no art. 14 do CPC, impondo como deveres das partes:

I- expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II- proceder com lealdade e boa-fé;

III-não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento.

De todos sabido que é prática corriqueira as empresas, em sua grande maioria, oferecerem defesas destituídas de qualquer fundamento, de negarem negarem a existência do óbvio, dos direitos postulados, sob a alegação do "sagrado direito de defesa".

Não rato estas mesmas peças processuais produzidas pelo empregador ao se defender acabam por ser contrariadas, ou pela própria confissão do preposto e ou mesmo pelos próprios documentos que a ela acabam por virem acostados.

Outras vezes, são as próprias empresas que se servem de seus subordinados (ainda empregados) para ir a juízo reafirmar uma alegação formal da defesa, mas que não corresponde à verdade real, com visível constrangimento. E se assim não o fizerem, se sabe já de imediato qual o seu destino – a rua – o desemprego, diante das realidades de um mercado de trabalho cada vez mais reduzido.

Mas o PL do Senador Osmar Dias, a nosso ver (com uma visão distorcida do que venha a ser o contrato realidade), não ataca essas questões.

Em nosso entender, se há muitas reclamações é porque os direitos consolidados não vem sendo cumpridos, sendo necessário autorizar-se o Poder Judiciário Trabalhista a impor pesadas multas, em acréscimo à condenação, verificado o descumprimento das obrigações legais e trabalhistas.

Não é verdadeira, portanto, a falácia de que no direito do trabalho o empregado sempre ganha, posto que temos visto muitas sentenças improcedentes, bastando que para tanto o empregador que tenha adimplido com suas obrigações legais, traga aos autos os comprovantes (recibos) dos pagamentos corretos dos direitos estabelecidos.

O PLs 58/2001 a nosso entender vê nas causas trabalhistas apenas o trabalhador como o vilão, que age em conluio com outros trabalhadores para impor prejuízo ao empregador. Na verdade tem que se utilizar da prova testemunhal já que não dispõe de outros meios de prova de suas condições reais contratuais de trabalho, até mesmo para a prova dos horários realmente cumpridos, que deveriam estar fielmente registrados nos controles de horários a teor do disposto no art. 74 da CLT. O projeto como está, a nosso ver, é impõe ao trabalhador um tratamento injusto, odioso, discriminador, não tutelado pela Carta Política vigente.

O Processo do Trabalho já foi considerado um instrumento moderno de cidadania, encontrando-se hoje ultrapassado pelo próprio ramo do direito civil, sendo que o próprio CDC em seu art. 6º já adotou o princípio democrático da inversão do ônus da prova. Em seu início, o Direito do Trabalho revolucionário, mas já suplantado de há muito até pelo ramo do direito civil. O ônus da prova das questões trabalhistas tem sido impiedosamente jogado à responsabilidade do trabalhador, quando sabido que é o empregador que detém todos os elementos do contrato de trabalho, o próprio contrato, as alterações, os recibos de pagamentos e os controles de horários trabalhados.

Necessária a adoção da inversão do ônus processual já adotado pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, eis que a inversão do ônus da prova, não se destina apenas a verificação do direito subjetivo material, mas também e, principalmente, ao perigo de não conseguir, em decorrência da fragilidade do empregado hipossuficiente provar o fato constitutivo de seu direito, o que acarreta na prática a inviabilidade do acesso ao judiciário, eis que ingressar em juízo sem ter a oportunidade de provar o fato constitutivo, não pela falta de provas, mas pelo abuso de defesa do réu, é o mesmo que não entrar.

A CLT disciplinando a questão das provas, no art. 818, dispõe:

"A prova das alegações incumbe à parte que as fizer";

E sobre a questão da prova testemunhal, também disciplina que:

a)- art. 828:

"Toda testemunha, antes de prestar o compromisso legal, será qualificada, indicando no nome, nacionalidade, profissão, idade, residência e, quando empregada, o tempo de serviço prestado ao empregador, ficando sujeita, em caso de falsidade, às leis penais".

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b)- Art. 829:

"A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso.

Por sua vez, o CPC, no art. 405, dispõe que: "Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas, sendo suspeitas as indicadas no § 3º e que são as seguintes:

I- o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença:

II- o eu, por seus costumes, não for digno de fé;

III- o inimigo capital da pare, ou seu amigo íntimo;

IV o que tiver interesse no litígio.

Quanto à suspeição da testemunha, a jurisprudência já pacificou o entendimento de que:

"não existe suspeição, o fato de a testemunha estar litigando contra a mesma empresa na Justiça".

Caso contrário, se este não fosse o entendimento, como justificar pudesse a empresa utilizar-se de seus subordinados para servirem de testemunhas, em seu favor, confirmando a tese da defesa, sendo-se de se ressaltar que em muitos casos essas mesmas testemunhas, uma vez rompido o liame empregatício vem a juízo reclamar iguais direitos, esclarecendo que o depoimento prestado foi obtido mediante constrangimento, sob risco iminente da demissão, aumentando o do exército de desempregados.

Sensível a tal realidade, nossos Pretórios Trabalhistas assim tem reiteradamente decidido:

"IMPEDIDA OU SUSPEITA – INFORMANTE – Suspeição de testemunha: O fato de a testemunha estar litigando contra a empresa nesta Justiça, não lhe retira a isenção de ânimo para depor, pois tal circunstância não figura como causa de impedimento ou suspeição, dentre as arroladas pelo art. 829 da Consolidação das Leis do Trabalho e nos parágrafos 2º e 3º do art. 405 do Código de Processo Civil. (TRT 2ª R. – Proc. 02990016869 – (19990676936) – 4ª T. – Rel. Juiz Carlos Roberto Husek – DOESP 14.02.2000)

Atendendo à sua finalidade legal de harmonizar o entendimento legal a respeito de determinado texto de lei, o Colendo TST, através do Enunciado Nº 357 pacificou o entendimento a respeito da suspeição ou não de testemunha que possui ação contra a mesma empresa:

‘TESTEMUNHA - AÇÃO CONTRA A MESMA RECLAMADA – SUSPEIÇÃO. Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador. (RA 76/97 - DJU 19.12.1997)

O renomado processualista pátrio, o paranaense Manoel Teixeira Filho em suas lições sobre o direito processual trabalhista nos ensina que o legislador trabalhista ao redigir o art. 818 da CLT, foi muito sábio em sua simplicidade, eis que com relação ao ônus da prova, estabeleceu: "A prova das alegações incumbe à parte que as fizer".

O dispositivo, por si só basta, não carecendo de importar complementações do CPC, pois que o ônus do autor em provar os fatos alegados em sua peça exordial se inverte no exato momento em que o empregador contesta a ação. Assim, ao falar por último, quando do oferecimento da contestação e sobre os fatos trazidos com a inicial, atrai para si o ônus de suas alegações, a teor do exame do que autoriza o próprio art. 818 celetário.

Este mesmo entendimento vem compartilhado pelo lúcido Edilton Meireles, Juiz Presidente da 9ª JCJ de Salvador, BA, ao concluir que com a aplicação supletiva autorizada pelos artigos 8º e 769 da CLT, serve ao Direito do Trabalho o disposto no inciso VIII do art.6º do Código de Defesa do Consumidor, que assim, dispõe:

"a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência" (Síntese Trabalhista, Ano VIII, n 93, Março de 1.997, pág. 142).


EM CONCLUSÃO.

O PL do Sen. Osmar Dias a nosso ver é equivocado. Para solucionar o volume de ações em trâmite na Justiça do Trabalho, basta que os empregadores cumpram o direito social vigente no País e não que fiquem esperando para quitar seus passivos trabalhistas a preço vil, ou na comissão de negociação prévia e ou mesmo nas conciliações que são realizadas perante a própria Justiça do Trabalho. Há que se impor ao empregador pesadas penalidades para que cumpra os direitos legais consolidados, fazendo, com isso, que diminua em muito as reclamações trabalhistas que consomem as pautas das Varas do Trabalho. Quando não, ao menos, há que ser aperfeiçoado o referido PL para que as empresas não continuem se utilizando de depoimentos de testemunhas subordinadas (ainda empregadas) e com a obrigação de confirmar a tese das respectivas defesas, mediante constrangimento visível e já habitual.

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Sobre o autor
Luiz Salvador

advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), colaborador de revistas especializadas em Direito do Trabalho (LTr, Síntese, Gênesis)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Luiz. O Projeto de Lei nº 58/2001 e a alegada questão da litigância de má-fé na coleta de provas testemunhais nos julgamentos na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2272. Acesso em: 22 dez. 2024.

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