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A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental

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5 – RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Com as modernas técnicas e os equipamentos sofisticados disponíveis, não mais se justifica a degradação ambiental além dos limites necessários ao funcionamento da atividade ou do empreendimento. Em pleno limiar do século XXI não se pode admitir o crescimento econômico à custa da depredação desenfreada do meio ambiente.

A prevenção, a reparação e a repressão são as três esferas básicas de atuação do direito ambiental. A prevenção volta-se para o momento anterior ao dano, enquanto a reparação e a repressão cuidam de dano já causado.

A reparação ambiental ocorre através das normas de responsabilidade civil. Para realizar este estudo, necessário verificar o dano ambiental.

Num primeiro momento, considera-se dano qualquer evento lesivo ao interesse alheio. De forma geral, considera-se dano a diminuição de um bem jurídico, ou seja, de qualquer bem reconhecido e protegido pela Constituição e pela Lei.

Consoante já referido inicialmente, todo dano que resulte de ato ilícito (por ação ou omissão voluntária, negligência, imprudência ou imperícia) é passível de ressarcimento (art. 159 do Código Civil), sustentando-se, em doutrina, a equiparação do fato danoso com o ato ilícito ou ilegal. Com as transformações decorrentes do progresso científico, industrial, tecnológico, da explosão demográfica, com novas exigências sociais, econômicas, urbanísticas, ambientais, observa-se a mudança da doutrina, que hoje, nega a equiparação do fato danoso com o ato ilícito. Hoje o fenômeno danoso pode originar tanto de ato ilícito como de ato lícito.

O dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais - segundo a Lei nº 6.938/81, no art. 3º, V, são "a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora" – com conseqüente degradação do equilíbrio ecológico.

5.1. CARACTERÍSTICAS DO DANO AMBIENTAL

O dano ambiental tem características próprias que orientam o tratamento de ordens jurídicas.

5.1.1. PULVERIZAÇÃO DE VÍTIMAS

A primeira característica é a pulverização de vítimas. O dano ambiental afeta, necessariamente, uma pluralidade difusa de vítimas, mesmo quando certos aspectos particulares de sua danosidade atingem individualmente determinadas pessoas. Difere, pois, do que se chama de dano tradicional, onde a regra é a lesão a uma determinada pessoa ou um grupo.

A Lei nº 6.938/81, prevê expressamente duas modalidades de dano (art. 14, § 1º[23]), o dano ambiental público e o dano ambiental privado. No primeiro caso, a indenização, quando reclamada, destina-se a um fundo (Lei nº 7.347/85, art. 13[24]) para a reconstituição dos bens lesados. No segundo, a indenização destina-se a recompor o patrimônio da(s) vítimas(s).

5.1.2. DIFÍCIL REPARAÇÃO

Outra característica do dano ambiental é a difícil reparação. Na grande maioria dos casos de dano ambiental a reparação ao status quo ante é quase impossível e a mera reparação pecuniária é sempre insuficiente e incapaz de recompor o dano. No ponto, pertinente a reflexão de Fábio Feldmann[25]: "É essa – a prevenção - a ótica que orienta todo o direito ambiental. Não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte razo? Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos?"

Não há dúvidas que nesta matéria a melhor solução é a prevenção.

5.1.3. DIFÍCIL VALORAÇÃO

Por fim, o dano ambiental é de difícil valoração. Esta característica é corolário da anterior, na medida em que há dificuldade em se estabelecer parâmetros econômicos de reparação. Nem sempre é possível fazer o cálculo do dano do ambiente. Além dos danos de ordem material, com o advento da Lei nº 8.884/94, art. 88, pode-se cobrar danos morais coletivos, através de ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais. É o que nos mostra Carlos Alberto Bittar Filho[26] que, com propriedade, refere: "(...) ora, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, por que a coletividade não pode sê-lo? (...) os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. (...) o dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos".

Essa inovação legal, que permite indenizar moralmente o dano ambiental, demonstra a dificuldade na avaliação criteriosa dos danos de ordem moral e patrimonial oriundos de um mesmo fato.

5.2. REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL

A Lei nº 7.347/85 (arts. 3º, 11 e 13) determina que a ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer; na ação que tenha por objeto obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor; havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou Conselhos Estaduais.

Duas, portanto, são as principais formas de reparação do dano ambiental: a) o retorno ao status quo ante e b) a indenização em dinheiro.

A primeira modalidade sempre deve ser tentada independentemente de ser mais onerosa que a segunda. A reversibilidade ao estado anterior ao dano se faz imperiosa, apesar de nem sempre ser possível. Mais do que nunca, nos últimos anos, a poluição do meio ambiente, como fator negativo de veloz e tumultuoso progresso vem assumindo dimensões enormes, já alarmantes e preocupantes, o que impõe a imprescindibilidade, na medida do possível, de recomposição de todo e qualquer dano.

A indenização em dinheiro, apesar de ser um modo de punir o causador do dano é uma tentativa, econômica, de recomposição ambiental, não consegue reparar o prejuízo ecológico. "Não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto"[27].

Nas duas formas de reparação o legislador busca impor um custo ao poluidor para, assim, atingir três objetivos: (a) dar uma resposta aos danos sofridos pela vítima, seja indivíduo ou coletividade, (b) evitar reiteração do comportamento do poluidor e (c) dar exemplo para terceiros.

Helita Barreira Custódio[28], classifica o dano ressarcível da seguinte forma: patrimonial e não patrimonial. O dano patrimonial ou material (também chamado dano econômico) é aquele que causa diminuição no patrimônio ou ofende interesse econômico. O dano não patrimonial ou dano moral é aquele que se refere a bens de ordem puramente moral, como a honra, a liberdade, a profissão, o respeito aos mortos. O dano moral, fundamentado em legítimo interesse moral, assume, nos dias de hoje, particular importância, notadamente diante das questões de ordem ambiental e cultural. Os notórios fenômenos da poluição ambiental ocasionam a degradação da qualidade de vida do meio ambiente, com reflexos direta e indiretamente prejudiciais à vida, à saúde, à segurança, ao trabalho, ao sossego e ao bem estar da pessoa humana individual, social ou coletivamente considerada.

Com o agravamento da problemática da degradação ambiental e cultural decorrente notadamente de agressivas tecnologias, da explosão demográfica, de ganâncias, de consumo exagerado, dos desperdícios, da contaminação de todos os elementos ambientais e culturais, de forma especial, por fontes industriais diversas, pela contaminação dos alimentos, pelo aumento de lixos inesgotáveis altamente perigosos, surge o dano público ambiental ou dano biológico, também chamado dano ecológico ou dano ambiental como tertium genus entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial (ou dano moral). Nesta ordem de observações, acrescenta a doutrina que a própria Corte Constitucional Italiana inclui o dano biológico na categoria dos danos econômicos, isto é, dos danos que seriam caracterizados por objetiva e direta avaliação em dinheiro.

Com base no princípio da ordem geral da obrigatoriedade reparatória de todo dano, em sentido jurídico, a autora supra mencionada classifica, ainda, o dano ressarcível de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em: a) Dano emergente, definido como a perda imediata, compreendendo as perdas e os danos devidos, efetivamente, ao autor da ação (CC, arts. 1.059 e 1.060); b) Dano pelo lucro cessante, definido como a perda mediata correspondente ao acréscimo patrimonial que o prejudicado (autor) teria conseguido se não tivesse ocorrido o fato danoso. Trata-se de parcela correspondente à vantagem que o autor deixou de lucrar, devendo ser razoavelmente avaliada na liquidação de sentença (CC, arts. 1.059 e 1.060); c) Dano verificado no momento da liquidação, direta ou indiretamente relacionada com o fato danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante (CPC, arts. 18, § 2º, 606 e 607); d) Dano futuro, em decorrência da alegação e prova de fato novo, direta ou indiretamente relacionado com as conseqüências do fato danoso, mas inconfundível com o dano pelo lucro cessante e com o dano verificado no momento da liquidação (CPC, arts. 608, 609).

Evidencia-se que todos os danos aos elementos integrantes do patrimônio ambiental e cultural, bem como às pessoas (individual, social e coletivamente consideradas) e ao seu patrimônio, como valores constitucional e legalmente protegidos, são passíveis de avaliação e de ressarcimento, perfeitamente enquadráveis tanto na categoria do dano patrimonial (material ou econômico) como na categoria do dano não patrimonial (pessoal ou moral), tudo dependendo das circunstâncias de fato de cada caso concreto.

5.3. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL – REGRA DA OBJETIVIDADE

Nos casos de dano ao meio ambiente a regra é a da responsabilidade civil objetiva, independentemente da existência de culpa. Isto é o que dispõe a lei nº 6.938/81, no art. 14, § 1º: "Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". Em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral.

Este o entendimento de Sérgio Ferraz[29] que entende insuficiente a responsabilidade subjetiva para regular a questão: "em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha, que não seja a malha realmente bem apertada, que possa, na primeira jogada da rede, colher todo e qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental. É importante que, pelo simples fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares, todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para a coletividade."

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A Lei mencionada estabelece a responsabilidade objetiva em matéria de dano ambiental, afastando qualquer perquirição e discussão de culpa, mas não se prescinde do nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano. Para se pleitear reparação há necessidade da demonstração do nexo causal entre a conduta e a lesão ao meio ambiente. Assim, para haver a responsabilização imprescindível ação ou omissão, evento danoso e relação de causalidade.

Consoante já referido alhures, a responsabilidade civil objetiva lastreia-se em princípio de equidade e que quem colhe benefícios com determinada atividade, responde pelos riscos daí decorrentes. É obrigação de reparar determinados danos, acontecidos durante atividades realizadas no interesse ou sob o domínio de alguém que por isso seja responsável, independentemente da culpa.

Mesmo com as críticas que recebe, não se pode deixar de considerar a teoria da responsabilidade objetiva, ou do risco como uma evolução. Uma série de novas situações criadas pela civilização moderna não foram resolvidas, entre elas muitas questões ambientais. A teoria do risco baseia-se exclusivamente em que o dano tenha sido produzido. Não é a conduta, ou a culpa, a fonte da responsabilidade. È apenas o fato de haver-se criado um risco de que determinado dano se produza.

No direito brasileiro a responsabilidade civil pelo dano ambiental não é típica, independe da ofensa a standard legal ou regulamento específico. É irrelevante a licitude da atividade. Pouco importa que determinado ato tenha sido devidamente autorizado por autoridade competente ou que esteja de acordo com normas de segurança exigidas, ou que as medidas de precaução tenham sido devidamente adotadas. Se houve dano ambiental, resultante da atividade do poluidor, há nexo causal que faz surgir o dever indenizatório.

A legalidade do ato desimporta, basta a simples potencialidade de dano para que a responsabilidade civil seja objetiva.

No ponto também desimporta e é irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes da responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral onde o dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, desimportando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força da natureza. O Direito do ambiente tem como fim último o interesse público e que justifica a responsabilidade objetiva. No ponto, a máxima Latina: Propter privatorum commodum non debet communis utilitas praeiudicari[30] (a utilidade dos particulares não pode prejudicar a utilidade comum).

Há uma corrente mencionada por William Freire[31] que reclama a existência de três requisitos, além do dano ao meio ambiente e nexo causal, necessários à configuração do dever indenizatório: a anormalidade, a peridiocidade e a gravidade do prejuízo.

Para verificação da anormalidade deve-se considerar a normalidade que decorre da atividade do pretenso responsável. A anormalidade se verifica quando há uma modificação das propriedades físicas e químicas dos elementos naturais de tal grandeza que estes percam, parcial ou totalmente, sua propriedade ao uso. Gravidade é quando se transpõe o limite máximo de absorção de agressões que possuem os seres humanos e os elementos naturais. Deve ser periódico, não bastando a eventual emissão poluidora.

Por certo que a multiplicidade de situações, aconselha que se examine cada caso frente às peculiaridades apresentadas. No conceito de dano já estão implícitas a anormalidade e a gravidade. O direito nada mais é do que a realização do razoável, do lógico, do justo. No caso específico da poluição industrial, a compatibilização da evolução econômica e social com a preservação da qualidade ambiental constitui princípio constitucional.

Impossível imaginar, no atual estágio da evolução humana, um Estado e uma sociedade sem fábricas, sem indústrias, sem atividade mineral, sem atividade agropecuária, sem abertura de novos loteamentos, sem abertura de estradas, sem veículos automotores. Desse modo, a fumaça das chaminés e dos veículos e as escavações para aproveitamento das jazidas minerais devem ser consideradas como elementos normais e circunstanciais do processo econômico. Não se cogita em indenizar pela simples instalação de uma fábrica com seu chaminé, nem a construção de uma barragem de rejeitos, por si só, constituirá fator de indenização. São atividades normais e, como tais, devem ser toleradas pela sociedade. Dentro de uma visão racional, não se pode negar a utilidade dessas atividades e os benefícios econômicos e sociais que proporcionam.

Avaliar se uma atividade causa ou não poluição ou transtorno além da suportabilidade parte do art. 8º da Lei nº 6.938/81, que dá competência ao Conselho Nacional do Meio Ambiente para estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente.

Os parâmetros de conduta do particular estão previstos no art. 14 da lei supracitada, que limita o art. 3º da lei nº 7.347/85, dando-lhe foros de legalidade. Não é qualquer alteração das condições ambientais que pode ser considerada poluição.

Em se tratando de questões ambientais, não se pode formular um modelo único, aplicável a todas as situações, visto que a diversidade de possibilidades impõe ao julgador análise das particularidades de cada caso concreto. A questão é complexa porque envolve vários elementos, que se entrelaçam e integram, provocando o resultado final.

No ponto, William Freire[32] menciona alguns casos práticos que devem ser considerados na verificação da efetivação ou não do dano ambiental.

Casos: a) uma pedreira que, mesmo utilizando quantidade de explosivos aprovada pelo órgão ambiental, após estudos sismográficos, provoca, com sua atividade, rachaduras em edificações vizinhas; b) uma indústria que, mesmo lançando fumaça dentro dos limites de tolerabilidade legalmente previstos, causa doenças pulmonares aos integrantes da comunidade local". Para estes casos, devem ser examinados fatores tais como: a) se o dano decorre da atividade normal da empresa, ou decorre de ato imprevisto (estouro de barragem, danificação inesperada de um filtro, etc); b) a pré-ocupação da indústria; c) a adequação da norma ambiental; d) a regularidade da empresa sob o aspecto administrativo; e) a correta implementação dos projetos ambientais." Para o autor, são fatores que fazem diferencial para a averiguação de cada caso concreto.

Mesmo em se tratando de empresas que exerçam atividade efetiva ou potencialmente poluidora, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva só terá lugar em se tratando de dano ambiental. Outras hipóteses de lesão terão sede no art. 159 do Código Civil. Temos como exemplo o indivíduo que, apesar dos avisos, morre afogado em uma barragem de captação de águas de uma mineradora; ou que inadvertidamente resolve, por conta própria subir em chaminé e acidenta-se.

O causador do dano ambiental é obrigado, independentemente da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua conduta.

5.4. DANO E PROVA

Mesmo no âmbito da responsabilidade objetiva, prevalecem as regras do Código de Processo Civil. Então, incumbe ao autor provar o dano sofrido e a relação de causalidade com a atividade do réu. Não se cogita de culpa presumida em face da norma expressa do § 1º do art. 14 da Lei Nacional de Política Ambiental. Nas questões envolvendo direitos difusos, como as que decorrem do meio ambiente, o princípio do ônus da prova e da igualdade processual entre os litigantes não fica derrogado.

A produção da prova dos fatos alegados pelas partes se erige em direito-dever de cada uma delas. Essa obrigação está ínsita no princípio de igualdade que deve ser assegurada pelo juiz aos litigantes, por ser um desdobramento do princípio do contraditório.

A prova do dano ambiental é eminentemente objetiva e técnica. Se se alega lançamento de partículas sólidas no ar em limite maior do que o tolerável, haverá necessidade de medição para confrontar os resultados com os parâmetros legalmente fixados. Em se tratando de atuação da Administração, esta somente é admissível dentro dos estritos critérios da legalidade, o que impede avaliações subjetivas ou superficiais, sem critérios técnicos; se a alegação for contra o nível de ruído, igualmente haverá necessidade de medições; se a dúvida for quanto aos efeitos de denotações, o uso de sismógrafo é necessário.

5.5. QUANTUM INDENIZATÓRIO

Verificado o dano, a indenização deverá ser a mais ampla possível que puder ser provada, aí se incluindo os lucros cessantes. Entretanto, tal não pode constituir motivo para enriquecimento ilícito ou sem causa, à custa do empreendedor. O melhor parâmetro para a indenização será o equivalente à diminuição do patrimônio que o prejudicado venha a sofrer.

Nos casos de danos cuja definição não se possa avaliar quantitativamente ou pecuniariamente com previsão, como o lançamento de poluentes nos rios ou na atmosfera, a dificuldade é maior, devendo o juiz redobrar-se de cautela e bom senso. A questão se agrava quando o lançamento de poluentes ocorre isoladamente, sem continuidade. Há situações em que o dano somente se manifestará visivelmente com o decorrer do tempo.

Não sendo possível fixar-se um valor absoluto dos prejuízos, há que ocorrer uma estimativa.

Relativamente à extensão do dano, não há necessidade de que sejam avaliados já no processo principal, podendo ser relegados para a liquidação de sentença. Mas não basta provar a iminência ou potencialidade do dano para que obtenha a indenização. Para que haja pagamento é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direitos subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica.

A avaliação de custos ambientais em ações jurídicas de lesão ao meio ambiente deve compreender não o dano sofrido, mas sim o dano produzido em conseqüência do fato danoso, ou seja, o dano deve ser globalmente avaliado para fins de justo ressarcimento.

Nas condenações em ações judiciais de lesão ao meio ambiente não basta ressarcir os danos ambientais em sua totalidade (abrangendo as perdas humanas, sociais, materiais), mas também modificar a técnica de produção, eliminando ou reduzindo a poluição decorrente das atividades correlatas.

Helita Barreira Custódio[33] cita exemplos de casos concretos contendo providências oportunas ou critérios ajustáveis à razoável avaliação dos custos ambientais em liquidação de sentença proferida em ação jurídica de lesão ao meio ambiente. Entre eles:

a) decisão proferida pelo Tribunal de Treviso (Itália), em ação indenizatória referente à poluição das águas do rio Limbraga, que matou grande quantidade de trutas. De acordo com as provas testemunhais e os laudos técnicos, a morte dos peixes se verificou em decorrência da poluição das águas com o lançamento dos dejetos provenientes da Indústria de Laticínios. Para a extensão do prejuízo e a determinação ou avaliação do dano ressarcível, adotou-se critério estimativo de acordo com o peso das trutas e a perda de lucros diversos: L. 1.861.500 pelas trutas de 75g; L. 2.171.750 pelas trutas de 175g; L. 3.102,500 pelas trutas de 250g; L. 290.000 para os peixes reprodutores; L. 4.000.000 para os pequenos peixes; L. 624.475 pelos danos com a interrupção da produção (valor médio); L. 3.830.600 pela perda relativa à venda de uma das partes das trutas; L. 208.000 pelas despesas com a limpeza do local, totalizando o dano correspondente à reparação no valor de L. 16.088.825.

b) decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Passarinhada do Embu – Ação civil pública ambiental por danos à fauna silvestre. Festa promovida pelo prefeito de Embu, na qual 5.000 aves (entre rolinhas, sabiás, tico-ticos) foram transformadas em churrasco, com a denominação de "passarinhada da confraternização". Com base no laudo pericial e no preço fornecido pela Casa Orestes, para cada pássaro, o critério razoável encontrado foi o da fixação do valor de Cr$ 5.000,00 (da época) para cada ave abatida, totalizando o valor indenizatório em Cr$ 25.000.000,00.

c) decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo – Lançamento de resíduos industriais tóxicos ao solo e aos cursos d’água – Ação civil pública ambiental por danos ao meio ambiente. A indenização devida pelo dano ambiental irreversível será calculada em execução, com a inclusão das verbas necessárias para a recomposição da área, para instalação de sistema de abastecimento de água e para a devolução de condições mínimas de higidez aos moradores e trabalhadores da região. Exigível, ainda a obrigação de fazer o que for necessário para evitar a continuação do mal, inclusive a remoção urgente dos resíduos do solo contaminado e do sedimento do fundo dos rios (ação movida contra Rhodia S/A pelo Ministério Público).

d) decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Ecossistema da Serra do Mar (região de Cubatão) - Ação civil pública ambiental por danos ao meio ambiente contra diversas empresas da região de Cubatão. O custo da recomposição dos danos ao ecossistema da Serra do Mar pela poluição compreenderá, dentre as medidas previstas no pedido e indispensáveis à reparação total dos prejuízos, necessariamente: a) Restauração da cobertura vegetal, incluindo: a descontaminação do solo e a estabilização das encostas; o restabelecimento do equilíbrio da rede de drenagem natural; a revegetação com espécies nativas e típicas da Mata Atlântica, obedecendo a fluxograma racional; b) reintrodução das espécies endêmicas de todos os gêneros da fauna silvestre; c) desassoreamento dos cursos d’água comprometidos.

Com estas genéricas observações aplicáveis ao importante tema, evidencia-se que nosso direito positivo fornece normas básicas à formulação de critérios ajustáveis à avaliação de custos ambientais em ações de lesão ao meio ambiente, compreendendo parcelas reparatórias tanto de danos patrimoniais (perdas materiais ou econômicas) como de danos não patrimoniais (perdas pessoais ou de ordem moral), tanto de forma efetiva e atualmente demonstrada (dano emergente) como de forma potencial e razoavelmente estimada (lucros cessantes), sem prejuízo de outras parcelas relativas a outros danos apurados em liquidação da sentença, danos estes decorrentes do próprio fato danoso da ação ressarcitória.

5.6. SUJEITO RESPONSÁVEL

Nos termos da lei brasileira, responsável principal é o poluidor. Poluidor é "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental"[34].

O legislador não limita o perfil do poluidor, estendendo o conceito a quem degrada ou altera desfavoravelmente a qualidade do ambiente.

A Lei ambiental[35] prevê a possibilidade de condenação do diretor, do administrador, membro de conselho e órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica que, sabendo da conduta criminosa de outrem prevista na lei, deixar de impedir sua prática, quando podia agir para evitá-la (art. 2º). E ainda a possibilidade de responsabilização administrativa, civil e penal das pessoas jurídicas por infrações cometidas por decisão do seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade (art. 3º). Já o art. 4º diz que poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A responsabilidade primeira, mas não exclusiva é do empreendedor que é o titular do dever principal de zelar pelo meio ambiente. É ele quem aproveita direta e economicamente a atividade lesiva.

Havendo mais de um empreendedor a responsabilidade é solidária. Ao que pagar pela integralidade do dano, caberá ação de regresso contra os demais co-responsáveis, pela via da responsabilização subjetiva, procedimento este que permite discutir a parcela de responsabilidade de cada um.

As pessoas jurídicas de direito público interno podem ser responsabilizadas pelas lesões que causarem ao meio ambiente. O Estado também pode ser solidariamente responsabilizado por danos ambientais provocados por terceiros, uma vez que tem o dever de fiscalizar e impedir que tais danos aconteçam. Pode, posteriormente, demandar regressivamente contra o direto causador do dano.

Consoante dispõe Édis Milaré [36], "na prática, para não penalizar a própria sociedade, que teria, em última análise, de indenizar os prejuízos decorrentes do dano ambiental, convém, diante das regras da solidariedade entre os responsáveis, só acionar o Estado quando demonstrado o nexo de causalidade entre um ato seu e o dano. Afinal, se é possível escolher um dos responsáveis, por que não se valer da opção mais conveniente aos interesses da comunidade?!

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Sobre os autores
Paulo Sérgio de Moura Franco

advogado em Porto Alegre, especializando em Direito Internacional pela UFRGS, membro da Comissão de Biodireito da OAB/RS

Ana Paula Dalbosco

advogada em Porto Alegre, especialista em Direito Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Paulo Sérgio Moura ; DALBOSCO, Ana Paula. A tutela do meio ambiente e responsabilidade civil ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2357. Acesso em: 29 mar. 2024.

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