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Conversão de multa administrativa ambiental em prestação de serviço.

Inexistência de direito subjetivo do autuado

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5. DO PROCEDIMENTO A SER SEGUIDO NO PEDIDO DE CONVERSÃO: PRAZOS, EXIGÊNCIAS E VEDAÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS

O pedido de conversão de multa em prestação de serviço, além de discricionário, deve obedecer a uma série de requisitos, alguns próprios da admissibilidade da análise, outros aplicáveis ao seu deferimento. O descumprimento do procedimento a seguir delineado e/ou das exigências legais próprias acarretam o não conhecimento ou indeferimento do pedido, em âmbito administrativo.

O primeiro requisito de admissibilidade do pedido diz respeito ao prazo em que ele deve ser apresentado. Como se sabe, o decurso do tempo faz decair direitos da Administração e do Administrado, o que implica, no caso, a necessidade de obediência do momento oportuno para apresentação do pleito. Nesse sentido, estabelece o Decreto nº 6.514/08:

 Art. 142.  O autuado poderá requerer a conversão de multa de que trata esta Seção por ocasião da apresentação da defesa. 

(...)

Art. 145.  Por ocasião do julgamento da defesa, a autoridade julgadora deverá, numa única decisão, julgar o auto de infração e o pedido de conversão da multa.

 § 1º  A decisão sobre o pedido de conversão é discricionária, podendo a administração, em decisão motivada, deferir ou não o pedido formulado, observado o que dispõe o art. 141. 

§ 2º  Em caso de acatamento do pedido de conversão, deverá a autoridade julgadora notificar o autuado para que compareça à sede da respectiva unidade administrativa para a assinatura de termo de compromisso. 

 § 3º  O deferimento do pedido de conversão suspende o prazo para a interposição de recurso durante o prazo definido pelo órgão ou entidade ambiental para a celebração do termo de compromisso de que trata o art. 146.  

Assim, o momento adequado e único possível para manifestação de interesse pela conversão é na ocasião da apresentação da defesa ao auto de infração, que aplicou ao administrado a penalidade de multa a ser possivelmente convertida. O rito do processo administrativo aplicável não permite outra fase para manifestação de vontade do autuado, tendo em vista que isso implicaria necessário tumulto processual e desrespeito ao procedimento legal a ser seguido. Assim, a apresentação do pedido em ocasião diversa a da realização da defesa administrativa acarreta, motivadamente, o seu não conhecimento e conseqüente indeferimento.

Ademais, nenhum sentido teria a norma se interpretada de forma diversa. As duas manifestações devem ser apresentadas tempestivamente, ou seja, no prazo legal concedido para defesa administrativa, que, segundo a Lei nº 9.605/1998, é de 20 (vinte) dias (art. 71, inciso I). Do mesmo modo, entende a doutrina pátria:

O requerimento da conversão de multa deverá ser protocolado por ocasião da apresentação da defesa, portanto no prazo de vinte dias após a ciência da autuação. Temos, assim, que qualquer processo em tramitação em que não tenha sido requerida a conversão neste prazo, o pedido deve ser indeferido de plano, por intempestivo[4].

Com efeito, se o próprio legislador estabeleceu prazo para apresentação de defesa ao auto de infração e se há também norma estabelecendo a necessidade de apresentação concomitante das duas manifestações, a interpretação sistemática dos dispositivos traz a conclusão de que o pedido de conversão de multa há de ser, necessariamente, apresentado no mesmo prazo de 20 (vinte) dias a contar do recebimento da notificação para defesa.

Quanto aos critérios de apreciação do pedido, para os casos em que positivo o juízo de admissibilidade, deve-se observar, de início, que o Decreto nº 6.514/08, com muita razão, definiu casos em que a conversão não poderá ser concedida, quando se tratar de projeto que vise à recuperação de danos da própria infração. Parece óbvio que o intuito do legislador, ao prever essa espécie de conversão, foi estimular medidas reparatórias do dano ambiental efetivamente causado, em detrimento do recolhimento de penalidade pecuniária, que muitas vezes, não se reverte ao meio ambiente. Assim, sem nenhuma razão autorizar a dita conversão em prestação de serviço para recuperar o dano causado pela própria infração, quando esta não tiver causado, diretamente, dano ao meio ambiente ou nas hipóteses em que a recuperação da área ocorrer naturalmente, não demandando execução de nenhum projeto humano específico. Nesse sentido, o citado Decreto estabeleceu, de forma objetiva, que:

Art. 141.  Não será concedida a conversão de multa para reparação de danos de que trata o inciso I do art. 140, quando:

I - não se caracterizar dano direto ao meio ambiente; e

II - a recuperação da área degradada puder ser realizada pela simples regeneração natural. 

Parágrafo único.  Na hipótese do caput, a multa poderá ser convertida nos serviços descritos nos incisos II, III e IV do art. 140, sem prejuízo da reparação dos danos praticados pelo infrator. 

Assim, em se tratando de pedido de conversão que esbarre nas objeções acima, o ato administrativo encontra impedimento legal para ser realizado, sendo vedado o deferimento do pedido.

De igual forma, o pleito de conversão só poder ser atendido se, após cumpridos todos os demais requisitos e mostrando-se a medida oportuna, por ser favorável ao meio ambiente, o valor dos custos envolvidos no projeto sejam, comprovadamente, igual ou superior ao valor da multa convertida, a qual poderá corresponder a 60% do valor da multa consolidada. É que o Decreto nº 6.514/08 estabelece:

Art. 143.  O valor dos custos dos serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente não poderá ser inferior ao valor da multa convertida. 

§ 1º  Na hipótese de a recuperação dos danos ambientais de que trata do inciso I do art. 140 importar recursos inferiores ao valor da multa convertida, a diferença será aplicada nos outros serviços descritos no art. 140. 

§ 2º  Independentemente do valor da multa aplicada, fica o autuado obrigado a reparar integralmente o dano que tenha causado. 

§ 3º  A autoridade ambiental aplicará o desconto de quarenta por cento sobre o valor da multa consolidada. (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).

Conclui-se que, se o projeto apresentado à Administração, com o fim de conversão de multa, não especificar o valor dos custos dos serviços, ou se tal custo for inferior ao mínimo legal, não haverá cumprimento de requisito exigível, o que constitui mais uma fundamentação válida para a negativa do pedido de conversão, por parte do órgão ambiental.

Ademais, o pedido de conversão deve se fazer acompanhar de pré-projeto, especificando o serviço de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente a ser executado, com exceção de casos em que a recuperação ambiental for de menor complexidade, o que deve ser avaliado pela autoridade ambiental. Portanto, a dispensa de pré-projeto ou a sua substituição por projeto simplificado constitui exceção, cuja avaliação é de competência exclusiva do órgão ambiental e não do administrado. É o que estabelece o Decreto nº 6.514/08:

Art. 144.  A conversão de multa destinada à reparação de danos ou recuperação da áreas degradadas pressupõe que o autuado apresente pré-projeto acompanhando o requerimento.  

§ 1º  Caso o autuado ainda não disponha de pré-projeto na data de apresentação do requerimento, a autoridade ambiental, se provocada, poderá conceder o prazo de até trinta dias para que ele proceda à juntada aos autos do referido documento.  

§ 2º  A autoridade ambiental poderá dispensar o projeto de recuperação ambiental ou  autorizar a substituição por projeto simplificado quando a recuperação ambiental for de menor complexidade. 

§ 3º  Antes de decidir o pedido de conversão da multa, a autoridade ambiental poderá determinar ao autuado que proceda a emendas, revisões e ajustes no pré-projeto. 

§ 4º  O não-atendimento por parte do autuado de qualquer das situações previstas neste artigo importará no pronto indeferimento do pedido de conversão de multa. 

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Vê-se, assim, que a norma é expressa ao dispor que será indeferido o pedido se não atendida qualquer das situações dispostas no artigo transcrito, sendo certo que a não apresentação de projeto que demonstre o objeto da medida de recuperação e as suas vantagens para o meio ambiente impossibilita o deferimento do pedido, por falta de elementos mínimos que subsidiem a decisão administrativa.

Por fim, há que se reconhecer uma hipótese objetiva de indeferimento do pedido de conversão, previsto no art. 148 do Decreto nº 6.514/08, segundo o qual:

Art. 148.  A conversão da multa não poderá ser concedida novamente ao mesmo infrator durante o período de cinco anos, contados da data da assinatura do termo de compromisso.

Na opinião do já citado e respeitável doutrinador Curt Trennepohl:

O mesmo infrator não poderá pactuar nova conversão de multa num período de cinco anos. Por conseguinte, resta claro que também não poderá ser objeto de conversão mais de um auto de infração num mesmo acordo[5].

Assim, o descumprimento de qualquer das condicionantes aqui expostas, seja no tange ao prazo, seja em relação ao procedimento e aos requisitos mínimos aplicáveis, enseja a decisão administrativa de indeferimento, a qual, estando definitivamente motivada e de acordo com os parâmetros legais, não admite revisão pelo Poder Judiciário.


6. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

O espírito do legislador, ao confeccionar as normas legais e infra-legais, deve ser objeto de análise do intérprete, na aplicação dos comandos postos. As razões que justificaram a previsão de conversão da multa administrativa ambiental, certamente, não buscaram concretizar o interesse particular do infrator, mas sim a necessidade de tornar efetivo o direito de todos ao meio ambiente sadio.

Somente o interesse público, envolvido na consecução de projeto ambiental, conveniente e oportuno na avaliação do órgão competente, pode justificar o ato administrativo de deixar de recolher aos cofres públicos penas pecuniárias devidamente aplicadas, em razão do cometimento de infração administrativa ambiental.

Por tais razões, enxergar um direito subjetivo do autuado na aplicação da conversão de multa ambiental em prestação de serviço significaria um verdadeiro retrocesso na defesa do meio ambiente, o que é inadmissível nesta seara do Direito.

 


7. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 17. Ed. 2007.

MILARÉ. Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7.ed. ver., atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente: multas, sanções e processo administrativo. Comentários ao Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 


Notas

[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 17. Ed. 2007. p. 114.

[2]TRENNEPOHL, Curt. Infrações contra o meio ambiente: multas, sanções e processo administrativo. Comentários ao Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008. 2. Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. pp. 463/464.

[3]MILARÉ. Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 7.ed. ver., atual. e reform. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.1174.

[4] TRENNEPOHL, Curt. Ob. Cit., p. 459.

[5] TRENNEPOHL, Curt. Ob. Cit., p. 466.

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Sobre a autora
Karla Virgínia Bezerra Caribé

Procuradora Federal, atuante no Ibama.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARIBÉ, Karla Virgínia Bezerra. Conversão de multa administrativa ambiental em prestação de serviço.: Inexistência de direito subjetivo do autuado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3505, 4 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23633. Acesso em: 25 abr. 2024.

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