Artigo Destaque dos editores

A pessoa jurídica não pode ser destinatária das normas criminais

Exibindo página 2 de 2
03/03/2013 às 09:57
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

As pessoas jurídicas não podem ser destinatárias de normas criminais, seja em virtude das incompatibilidades existentes entre as garantias simples e suficientes às pessoas jurídicas e os princípios basilares do direito criminal (estes sim, necessários a impor limites ao Estado em face das garantias destinadas à pessoa humana); seja em virtude da desnecessidade de mobilização do aparato repressivo a aplicar sanções às pessoas jurídicas, mesmo em se tratando se severas sanções.

As pessoas jurídicas prescindem de demasiadas cautelas e de fortes garantias quando da aplicação de sanção por parte do Estado Democrático de Direito, mesmo que estas sanções sejam severas em virtude da gravidade do ataque ou da importância do bem jurídico protegido, a exemplo do meio ambiente, ordem econômica, etc., do contrário resultará, desnecessariamente, o enfraquecimento da tutela ao bem da vida, seja pela lentidão, seja pela debilidade na eficácia.

A necessária repressão à pessoa jurídica pode se efetivar em seara administrativa disciplinadora ou mesmo civil, com ganho na celeridade e efetividade da tutela que se deseja, proporcionando uma melhor e mais adequada proteção ao bem da vida. Mesmo em juízo criminal, a sanção possuiria um efeito secundário da condenação imposta ao agente da pessoa jurídica.

Mesmo ausente um micro sistema intermediário, nos moldes propostos por Hassemer, mesmo diante das incongruências do sistema brasileiro ( exemplo, Art.225, § 3º da CR88 e Art.3º da Lei 9605/98), cabe ao aplicador do direito posto, proceder a correta interpretação no sentido de impor maior eficácia à proteção do direito em questão, podendo afastar em relação às pessoas jurídicas as garantias dispensadas às pessoas naturais.

Como já fora demonstrado, a caracterização da norma penal não se encontra na qualidade da pena, nem na advertência legislativa de que aquele ilícito se trata de crime ou mesmo na determinação de que se processe no juízo criminal,[26] mas tão-somente em função dos princípios básicos fundamentadores do direito criminal que se reflete em fortes garantias à pessoa humana.

Afirmar a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é, em última consequência, remeter a responsabilização da mesma a um sistema de fortes garantias que torna dificultosa a aplicação e execução das sanções aplicadas, sem, contudo, o estigma advindo da origem da penalidade, se fixar na personalidade do ente, da forma com que ocorre em relação à pessoa humana.

Portanto, na aplicação das normas que impõe sanções à pessoa jurídica por ilícito criminal, há que se interpretá-las no sentido de lhe dispensar, mesmo em sede de persecução criminal, somente as garantias suficientes aos indivíduos em geral e típicas do direito administrativo disciplinador ou do direito civil, mesmo que se trata de sanções mais severas, tal como a extinção[27] da própria pessoa jurídica.

Enfim, fica a expectativa da criação de um sistema intermediário de direito sancionador mais adequado ao enfrentamento dos riscos e danos de bens jurídicos, imputados à decisão ou benefício da pessoa jurídica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, João de. Teses do XIX Congresso Nacional do Ministério Público. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris – 2011.

ANDRADE MOREIRA, Rômulo de. “Responsabilidade penal da pessoa jurídica e o sistema processual penal” (2001) in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

BATISTA, Nilo, Introdução crítica ao direito penal brasileiro, 5ª edição, Rio de Janeiro, Editora Revan – 2001.

BITENCOURT, Cézar Roberto, Manual de Direito Penal: parte geral, 7ª edição, São Paulo, Saraiva – 2002.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis, A racionalidade das leis penais: Teoria e Prática (2002), Tradução de Luiz Regis Prado, São Paulo, RT – 2005.

DOTTI, René Ariel. “A incapacidade criminal da pessoa jurídica: uma perspectiva do direito brasileiro” in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

FIGUEIREDO DIAS, Jorge de, Direito penal, parte geral, questões fundamentais, a doutrina geral do crime, tomo I, 1ª edição brasileira 2ª edição portuguesa, São Paulo, Coimbra Editora/Editora Revista dos Tribunais – 2007.

JAKOBS, Günther, Derecho Penal, Parte General – Fundamentos y teoría de la imputación (1991), Traducción de Joaquin Cuello Contreras y Jose Luis Serrano Gonzalez de Murillo, 2ª Edición, corrigida, Madrid, Marcial Pons -1997.

JESCHECK, Hans-Heinrich; WEIGEND, Thomas, Tratado de derecho penal, parte general, Traducción de Miguel Olmedo Cardenete, 5ª edición, corregida y ampliada, Granada, Comares Editorial – 2002.

HASSEMER, Winfried, Introdução aos Fundamentos do Direito Penal (1989), Tradução da 2a. edição alemã revista e ampliada, de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, Porto Alegre, SAFE – 2005.

_________________, Direito Penal – Fundamentos, Estrutura, Política, Organização e revisão Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, tradução Adriana Beckman Meirelles ...[et. al.], Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris Ed. – 2008.

LUISI, Luiz. “Notas sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas” (2001) in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

MENDES DE CARVALHO, Érika e MENDES DE CARVALHO, Gisele. “Direito penal de risco e responsabilidade penal das pessoas jurídicas: a propósito da orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça.” in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

MORAES PITOMBRO, Antônio Sérgio Altieri de. “Denúncia em face da pessoa jurídica, na perspectiva do direito brasileiro” in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

MIR PUIG, Santiago. Direito penal – Fundamentos e Teoria do Delito (2004), Tradução Cláudia Viana Garcia e José Carlos Nobre Porciúncula Neto, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais – 2007.

MÜLLER, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. Tradução Peter Naumann. 3ª edição, revisada e ampliada. Rio de Janeiro, Renovar – 2005.

PIERANGELI, José Henrique. “A Constituição e a responsabilidade penal das pessoas jurídicas” in PIERANGELI, José Henrique, Escritos jurídico-penais, 3ª edição, São Paulo, RT – 2006.

PRADO, Luiz Regis. “Responsabilidade penal da pessoa jurídica: fundamentos e implicações” (2001) in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

REALE JÚNIOR, Miguel. “Ilícito administrativo e o jus puniendi em geral”, in  AAVV. Direito penal contemporâneo, Coordenação Luiz Regis Prado. São Paulo: RT, 2007.

ROXIN, Claus. Derecho Penal, Parte General, Tomo I - Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito, Tradução da 2ª edición alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remesal, Reimpresión 1ª Edición (1997), Madrid, Civitas Ediciones SL – 2006.

SANTOS, Juarez Cirino dos. “Responsabilidade penal da pessoa jurídica” in AAVV. Responsabilidade penal da pessoa jurídica: em defesa do princípio da imputação penal subjetiva. Coordenação Luiz Regis Prado, René Ariel Dotti. 3ª edição revisada, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2011.

SILVA, Germano Marques da, Direito Penal Português - Parte geral II: teoria do crime, 2ª edição revista e actualizada, Lisboa, Editoria Verbo – 2005.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique, Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral, 5ª Edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais – 2004.                 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Marcondes Pereira de Oliveira

Promotor de Justiça do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcondes Pereira. A pessoa jurídica não pode ser destinatária das normas criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3532, 3 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23860. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos