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O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental

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3 ACESSO À INTERNET COMO COROLÁRIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O acadêmico de Direito deve sempre estar atento ao passado, conhecer o presente e pronto a avistar o futuro, precisa, mais do que nunca, ser fiel intérprete multidisciplinar do seu tempo. Temos que, as circunstâncias concretas do tempo atual justificam a sustentação do surgimentode mais direitos fundamentais (seria também uma nova dimensão?), qual seja, o acesso àInternetcomo Direito Fundamental.

Portanto, neste capítulo traçaremos um histórico de criação da Internet, ato contínuo, abordaremos os elementos jurídicosda cláusula de abertura ou fattispecie abertae de elementos fáticos que abonam que o acesso à rede mundial de computadores (Internet) passa a ser considerada como direito fundamental.

3.1 A rede mundial de computadores (Internet): definição e origem

Aparentemente definir a Internetpode parecer comezinho, pois é possíveldefini-la, muito embora superficialmente, em sem número de maneiras distintas, dando este ou aquele viés para cada resposta, todavia, se aprofundamos um pouco veremos que “a internet não é de modo algum uma rede, mas sim um vasto conjunto de redes diferentes que utilizam certos protocolos comuns e fornecem determinados serviços comuns.”[100]

Portanto, aInternet éuma gigantesca rede de comunicação de alcance mundial que interliga qualquer dispositivo (qualquer capacidades de processamento e armazenamento tais como desktop, notebook, PDA, smartphone, tablet, iphone, ipad,etc.) através de linhas de comunicação (telefone, canais de satélite, cabo submarino, etc.) utilizando um conjunto de regras específicas e protocolos comuns.

A rede mundial de computadores, como a concebemos hoje, tem sua gênese na década de 60 nos Estados Unidos da América, ou seja, no auge da Guerra Fria. O departamento de defesa deste país tinha o fito de desenvolver uma rede de intercâmbio de informações descentralizada e flexível, que permanecesse em operação mesmo após um ataque, pois a época havia o temor de ataque nuclear pela arquirrival União Soviética. Esta rede interligaria a inteligência militar e também seria usado por grupos de pesquisadores dasuniversidades.[101]Assim surgiu a DefenceAdvanceResearchProjectsAgencyNetwork(criado originalmente como DARPANETe, em seguida, passou a ser denominado de ARPANET).

Alguns anos adiante foi desenvolvido um conjunto de protocolos chamado TCP/IP, que pela sua eficiência é usado até hoje servindo de base para o funcionamento da atual internet. Portanto, um conjunto de protocolos não é uma linguagem, porém podemos enxergá-loscomo um modelo de camadas, onde cada camada é responsável por um grupo de tarefas, fornecendo um conjunto de serviços bem definidos para o protocolo da camada superior.[102]

Antes restrita ao uso militar e acadêmico, a Internet passou a ser usada pela iniciativa privada quando se apresentou sob um formato mais amigável, que usava uma interface gráfica de mais simples visualização e interação, a World Wide Web (www). Fator determinante foi o surgimento de provedores de acesso, empresas especializadas que possibilitam a conexão de particulares à rede.

A partir da década de 1990 muitas empresas de serviços da Internet montaram suas próprias redes e começaram a operar em bases comerciais.Foi quando a Internet cresceu rapidamente como uma rede global “de redes de computadores”. A esta altura, o projeto original da ARPANET já se encontrava obsoleta, porém, seu alicerce se faz sentir ainda hoje, pois supriu a Internet com uma arquitetura em múltiplas camadas, descentralizada, e protocolos de comunicação abertos. Nessas condições a Internet pode se expandir pela adição de novos nós e a reconfiguração infinita da rede para acomodar necessidades de comunicação.

No Brasil, em 1987 ocorreram as primeiras reuniões entre alguns órgãos públicos(Universidade de São Paulo, EMBRATEL e Governo Federal) cujo objetivo era criar uma rede que visava interligar a comunidade acadêmica e científica do Brasil com outros países com a finalidade de trocar informações.[103]

Houve diversas experiências exitosas da ainda incipiente iniciativa brasileiraentre 1987 e 1995, sendo que este último ano foi marcado pela liberação da operação comercial da internet no Brasil, muito embora, limitada a pequenasáreasnos grandescentros urbanos. Portanto, apenas nos meados da década de 1990 a Internet no Brasil [...] deixou de ser estritamente acadêmico e passou a abranger toda a sociedade.[104]

Conta o coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) Demi Getschko, que a explosão da ‘Internet comercial’ no Brasil ocorreu simultaneamente com o fenômeno mundial, a partir de 1995,[105]principalmente em decorrência da facilidade oferecida pela WWW (World Wide Web), poiso internauta deixava de ser um técnico especializado em computação e passava a ser todo e qualquer cidadão interessado em informar-se, vasculhar a rede, ou trazer conteúdo próprio, contribuindo para sua expansão.[106]

No campo normativo, a lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que trata do processo judicial eletrônico, define a Internet como uma "forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação" (artigo 1º, §2º, inc. II).[107]In fine deste mesmo dispositivo legal, o mandamento de que os atos processuais devem utilizar “preferencialmente a rede mundial de computadores” (Internet) deixa em aberto a possibilidade de (talvez um futuro distante) ser utilizado outra infraestrutura capaz de se transmitir peças processuais ou de se consultar andamentos de processos como a lei prevê. Assim, notório o cuidado do legislador com a dinamicidade da evolução das tecnologias da informação, abrangendo não só o momento atual, mas também o porvir.

Portanto, apesar de ainda ser considerado por alguns como uma simples tecnologia de comunicação (é muito mais que isso, sendo que rebateremos esta tese em tópico seguinte), consideramos que com o advento Internet, criamos novos direitos fundamentais (ela própria) e também passamos a incutir contornos diferentes aos já existentes, como o acesso a informação, a liberdade de expressão, a intimidade e privacidade, os direitos autorais, o direito de acesso ao conhecimento dentre outros.

3.2 A Abertura Constitucional do Art. 5º, § 2º, CF/88a Novos Direitos Fundamentais

O foco principal deste tópico será analisar e compreender as características dos direitos fundamentais não tipificados no catálogo constitucional (Título II – Capítulo I – Dos Direitos e Garantias Fundamentais), abrindo caminho para fundamentação do tema proposto nesta monografia.

O legislador-constituinte busca assimilar valores perenes e básicos da sociedade em determinado recorte temporal, a que Konrad Hesse chama de “GeistigeSituation”, ou seja, o estado espiritual de seu tempo.[108] Porém, a cada momento surgem novos anseios e reivindicações, com isso o legislador originário pode não captar determinados valores pelosimples fato deles somente terem surgidosa porteriori. Esta foi a opção adotada pela nossaConstituição, em não prestigiar apenas os valores postos a época da assembleia constituinte, mas também alguns outros que seguramente viriam a aflorar.

As palavras de Konrad Hesse[109] são que a força normativa da Constituição reside na positivaçãode uns poucos princípios básicos de conteúdo específico, assim, deve limitar-se, sempre que possível, estabelecer princípios fundamentaispontuais.Porém, ressalta que a constituição deve municiar os poderes constituídos de meios para adicionar ao núcleo original outros princípios que venham a surgir a cada passada histórica da sociedade.

Doutro modo, com o passar do tempo haveria o engessamento e a perda da eficácia de institutos que foram criados para proteger e servir ao cidadão, havendo assim, um distanciamento da regra normativa da realidade vivida pela sociedade, ou então, haveria uma constante revisão constitucional com a inevitável desvalorização da força normativa da constituição.

Colhemos no ordenamento jurídico norte-americanomais uma contribuição significativa para o direito constitucional (além do sistema de governo presidencial, federalismo como forma de governo, o controle difuso de constitucionalidade, mecanismo de freios e contrapesos e uma Suprema Corte que protege a Constituição, sendo sua composição uma expressão do sistema controle entre os poderes separados)[110]trata-se da IX emenda à Constituição Federal[111] daquele país, por sinal, um dos raros aditamentos ao seu texto base.

A influência desta emenda se fez sentir em diversas constituições trazendo, por conseguinte, o entendimento de que os direitos fundamentais não são restritos a um rol meramenteexemplificativo constante em uma constituição formal, além disso, consubstancia-se como um conceito que se destaca pela essencialidade. Portanto, já há muito a lei maior norte-americana reconhece direitos fundamentais que não estão inserto no texto normativo constitucional.

Assim,consideramos a existência de normas de direitos fundamentais não positivadas em nosso sistema jurídico constitucional, embora exista um catálogo extenso a exemplo dos artigos 5º, 6º e 7º, dentre outros dispersos no texto maior, o legislador constituinte original dotou a constituição de regras que abrem margem para reconhecimentos de novos direitos.

Referido fundamento advém do artigo 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988,[112]a chamada cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, que se mostra de interpretação ampla, com diversas possibilidades de tratamento, pois, não é porque um direito fundamental não está expressamente previsto que não deva ser reconhecido como tal.

A leitura do texto constitucional nós trás o entendimento de que o parágrafo supramencionadopositiva a própria abertura material dos direitos consideradosfundamentais, que podem estar expressos ou não no texto constitucional.

Atualmente parte da doutrina alberga, por exemplo, que o duplo grau de jurisdição seja direito fundamental implícito.[113]No julgamento da ADI 939/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o princípio da anterioridade [como] [...] garantia individual do contribuinte (art. 5º, § 2º, art. 60, § 4º, inciso IV, e art. 150, III, b, da Constituição)[114] mesmo não constante expressamente[115] no texto legal e do art. 227, § 6º, CF/88, que considera a igualdade dos filhos havidos ou não da relação do casamentotambém é reconhecida como direito fundamental,o que nos mostra que é possível considerar um direito como fundamental, ainda que sob o ponto de vista meramente material, valendo-se da absoluta ausência de incompatibilidade com a atual sistemática da Constituição.

Argumento sobre a fundamentalidade material do duplo grau de jurisdição, da anterioridade tributária e da isonomia dos filhos, trás à reboque o cerne do presente trabalho, qual seja, o acesso a Internetcom direito fundamental, ainda que materialmente considerado.

Esta análise, contudo, deve ser sob uma perspectiva ampliativa, sob pena de não abarcarmos corretamente o sentido e o alcance conferido pela Constituição aoseu § 2º do artigo 5º.

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Acerca da cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, pontuam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

[...] fica patente serem os direitos fundamentais uma categoria aberta, pois incessantemente completada por novos direitos; e mutável, pois os direitos que a constituem têm alcance e sentido distintos conforme a época que se leve em consideração. Com isso, a enumeração dos direitos fundamentais na Constituição da República de 1988 não é fechada, exaustiva, podendo ser estabelecidos outros direitos fundamentais no próprio texto constitucional ou em outras normas.[116]

Portanto, julgamos que os direitos fundamentais estão em constante processo de formação, conforme caminha a humanidade nas searas sociais, culturais e tecnocientíficas.

Embora a época em que a Carta Magna fora escrita não se tinha incorporada a vida cotidiana de forma tão arraigada como temos hoje as tecnologias da comunicação e informação, vislumbramos que, em decorrência das mudanças sociais, culturais, econômicas dentre outrastrazidas pelo uso principalmente da Internet, estas mutações sociaisdevem e podeminfluenciar o Direito a transformar-se à medida que vão modificando os interesses e anseios da sociedade.

Apesar de haver inclinações no sentido de que os direitos fundamentais devem ser aqueles positivados em uma ordem constitucional, a nossa Carta Maior não obsta outros direitos advindos do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário, assim, ante as constantes e rápidas mudanças das tecnologias de informação e a cada vez maior dependência da sociedade moderna, não é desmedido considerar o acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental.

3.3Jurisprudência e Doutrina internacional - Direito à informação e à Internet como fundamentais

É tendência do mundo inteiro em aceitar o acesso à Internetcomo direito fundamental,[117] fato este de pronto constatadoem recente relatório-recomendaçãopublicado em maio de 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos, órgão das Nações Unidas (ONU),[118]nele a organização enfatiza a natureza única e transformadora da Internet, assim, seu usofavorece o progresso da sociedade de modo geral e permite que os usuários exerçam direito de opinião e expressão, confiramos no original:

The Special Rapporteur underscores the unique and transformative nature of the Internet not only to enable individuals to exercise their right to freedom of opinion and expression, but also a range of other human rights, and to promote the progress of society as a whole.[119]/[120]

Lançado mão de uma leitura objetiva do relatório, saltam aos olhos a importância dada a Internet:

The Special Rapporteur believes that the Internet is one of the most powerful instruments of the 21st century for increasing transparency in the conduct of the powerful, access to information, and for facilitating active citizen participation in building democratic societies.[121]/[122]

Segundo a ONU, impedir o acesso à rede mundial de computadores, ofende o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[123] e o artigo 19, parágrafo 2, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966.[124]Em que pese o Art. 19, parágrafo 3ºdo PIDCP considerar a hipótese de aqueles que tiverem transgredido algum tipo de lei, envolvendo meios de comunicação, possam sofrer restrições específicas na forma da lei. No entanto, tais sanções não são plenas, somente aplicando-as se as transgressões colocarem em risco os direitos e reputações de outras pessoas ou a segurança nacional.

Mesmo com esta ressalva, países como a França[125] e o Reino Unido[126] foram criticados por aprovar leis que preveem aplicação de medidas restritivas e até impeditivas de acesso à Internet como forma de punição por violação de direitos autorais na rede(pirataria).

Com este posicionamento, a ONU se inclina no sentido de, ao sopesar a violação de direitos autorais ou intelectuais e o direito de acesso à informação e à Internet, estes últimos devem prevalecer, pois afinal, a grande rede é inquestionavelmente o maior meio de informação que a humanidade concebeu e esse tipo de punição é incompatível com os Direitos Humanos, além de causar um “efeito inibidor” na liberdade de expressão.

Com vinte e duas páginas, o relatório da ONU corrobora com a propensão em voga em um número cada vez maior de paísesem adotar leis que tornam o acesso à Internet um direito fundamental. Assim, confiramos excertos de julgados e interpretações jurídicas de diversos países que estão na vanguarda em considerar o acesso à rede mundial de computadorescomo Direito Fundamental. 

ASuprema Corte da Costa Rica reconheceua relevância e, por conseguinte, a fundamentalidade do acesso às tecnologias da informação e da comunicação. Segundo a corte costa-riquenha a Internet é meio facilitador para o exercício de direitos fundamentais assim com ela própria é um direito fundamental, confiramos excerto da decisão:

Sin temor a equívocos, puede afirmarse que estas tecnologías han impactado el modo en que el ser humano se comunica, facilitando la conexión entre personas e instituciones a nivel mundial y eliminando las barreras de espacio y tiempo. En este momento, el acceso a estas tecnologías se convierte en un instrumento básico para facilitar el ejercicio de derechos fundamentales como la participación democrática (democracia electrónica) y el control ciudadano, la educación, la libertad de expresión y pensamiento, el acceso a la información y los servicios públicos en línea, el derecho a relacionarse con los poderes públicos por medios electrónicos y la transparencia administrativa, entre otros. Incluso, se ha afirmado el carácter de derecho fundamental que reviste el acceso a estas tecnologías, concretamente, el derecho de acceso a la Internet o red de redes.[127]

No velho continente,o parlamento helênico recentemente revisou sua Constituição atribuindo novas interpretações a vários dispositivos, dentre os quais estão o artigo 5ºA - I e II, que afirmam que todas as pessoas tem o direito de participar na sociedade da informação e que o Estado tem a obrigação de facilitar a produção, o intercâmbio, a difusão e o acesso à informação por via eletrônica (Internet). Confiramos no texto disponibilizado em inglês no sítio do parlamento grego.

Article 5A

I. All persons have the right to information, as specified by law. Restrictions to this right may be imposed by law only insofar as they are absolutely necessary and justified for reasons of national security, of combating crime or of protecting rights and interests of third parties.

II. All persons have the right to participate in the Information Society. Facilitation of access to electronically transmitted information, as well as of the production, exchange and diffusion thereof, constitutes an obligation of the State, always in observance of the guarantees of articles 9, 9A and 19.[128]/[129]

Colhemosmatérias jornalísticas nas mídias digitaisde paísesque caminham no rumo de não só reconhecer, mas também de garantir o acesso à informação e acomunicação por meio da rede global de computadores. Citamosa Estônia,[130]a Finlândia,[131]a França,[132]e a Espanha.[133]

Portanto, a Internet é a nova fronteira na luta de um número cada vez maior de Estados e da ONU pela defesa dos direitos fundamentais de liberdade de expressão e comunicação, segundo é fixado no Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, que este direito inclui o de não ser molestado por causa de suas opiniões, o de investigar e receber informações e opiniões e o direito de difundi-las, sem limitação de fronteiras, por qualquer meio de expressão. Assim, reafirmamos a universalidade, indivisibilidade e inter-relação detodos os direitos humanos e liberdades fundamentais,[134]notadamente o acesso àInternet, a liberdade de expressão e de comunicação.

3.4 O acesso àInternet como Direito Fundamental

Neste tópico pretendemos demonstrar como e porque o acesso à Internet e as redes relacionadasdevem ser consideradas Direito Fundamental sob a égide da nova tendência doutrinária internacional e de fatos sociais.

Antes de tudo, interessantefazermos uma pergunta: afinal de contas, o que representa hoje a Internetna vida das pessoas?

Arriscamos a responder que ela [a Internet] é sobre tudo o surgimentode um novo paradigma,uma nova forma de organização da sociedade que tem por objetivo buscar o desenvolvimento a partir do processamento da informação e de comunicação de símbolos,[135]além de representar uma mudança qualitativa radical no que se refere ao acesso ao conhecimento, à cultura e à informação.

O professorCastells minuciacom as seguintes palavras as transformações na sociedade provocadas pela Internet:

A comunicação consciente (linguagem humana) é o que faz a especificidade biológica da espécie humana. Como nossa prática é baseada na comunicação, e a Internet transforma o modo como nos comunicamos, nossas vidas são profundamente afetadas por essa nova tecnologia da comunicação. Por outro lado, ao usá-la de muitas maneiras, nós transformamos a própria Internet. Um novo padrão sociotécnico emerge dessa interação.[136]

Da sua rara cátedra de cientista social, o professor Castells afirma a essencialidade da Internet na sociedade da informação a qual vivemos, no entanto, tal afirmação para os cientistas do Direito,pode ser entendida como a imbricação dos direitos fundamentais à comunicação e à informação com o do acesso à Internet.Cito-o.

A Internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana.[137]

Verificamos que adisseminação da Internet está sendo um dos maiores e mais importantes fenômenos sociais do mundo contemporâneo, quiçá de todos os tempos.

É, portanto, incontestável que vivemos em uma época onde a geração, a posse e o controle da informação e do conhecimento são fundamentais para o pleno desenvolvimento humano.[138] Não temos que estranhar, pois,o novo capital passa a ser a informação.As sociedades e/ou países que produzem informação/conhecimentoestão em condição de vantagem frente aos que não possuem,comumentequem detém informação controla os que não têm. Este domínio se dá por diversos mecanismos, dentre os quais a sujeição econômica e cultural.

Citamos como exemplo aApple, a empresa mais valiosa do mundo, em todos os tempos.[139]Notório e impressionante é a força econômica e cultural desta empresa de tecnologia da informação para criar necessidades e ditar comportamentos, contando com uma legião de fiéis usuários ao derredor do mundo.

A empresa citada tem faturamento anual superior ao PIB de muitos países da África, tamanha é a concentração de capital.[140]

No entanto,estamos no rumo certo? Afirma o professor polonês de direitos humanos e internacional Janusz Simonides que

[...] os caminhos da informação só trazem resultados positivos quando são acessíveis. Atualmente, as diferenças e as desigualdades entre os países industrializados e os países em desenvolvimento estão se aprofundando. Já se pode notar um novo tipo de exclusão e pobreza: a exclusão da informação e a pobreza de informação.[141]

Minimizaríamos ou até reverteríamos o quadro acima apontado pelo professor Janusz Simonides se consideramos a Internetnão apenas como um modismo ou mais uma forma de diversão epassatempo, mas como um dos mais importantes fenômenos sociaisa qual pode e deve ser usada para

[...] construir uma sociedade da informação centrada no ser humano, inclusiva e orientada ao desenvolvimento, em que todos possam criar, consultar, utilizar e compartilhar a informação e o conhecimento para que as pessoas, as comunidades e os povos possam desenvolver seu pleno potencial na promoção de seu desenvolvimento sustentável e melhorar sua  qualidade de vida, de acordo com os objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas e respeitando e defendendo plenamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos.[142]

Em que pese opiniões contrárias, com as de Vinton Cerf, criador do padrão TCP/IP e apontado como um dos “pais da Internet”, que em artigo[143] defende que a Internetnão deve ser considerada um direito fundamental. Para Cerf, o acesso às redes é apenas um meio para que o cidadão alcance seus direitos, mas não um direito.

Data venia, discordamos da opinião do cientista da computação, pois o seu erro está em qualificar esse “novo fenômeno social” que é a Internetcomo uma simples tecnologia.

O respeitado professor Sílvio Meira, ao contrário de Vinton Cerf, eleva a Internet da categoria de tecnologiapara um patamar de fenômeno social transformador.

[...] a internet e a web são mais do que tecnologias, são prenúncio de um ambiente global onde a terra [toda] e a humanidade [inteira] fazem muito mais sentido e são mais sustentáveis do que cada um, isolado, preso na sua vila de crenças.[144]

Portanto, consideramos errôneo o entendimento simplista do funcionamento da Internet. Pois as redes criam um mundo virtual que é, essencialmente, um novo espaço social, onde as informações circulam sem qualquer distinçãoeconômica ou hierárquica, configurando um meio de criação e disseminação de informação legitimamente democrática.

Verificamos,mormente na última década, um salto triplo dado pelas tecnologias da informação (TI´s) que têm tornado os computadores, de objetos coadjuvantes a verdadeiras peças fundamentaisà rotina das pessoas.Como mostra pesquisa[145] coordenada pelo professor Fernando Meirelles da FGV-EAESP, existe 99 milhões de computadores em uso no Brasil, isto é, 1 computador para cada 2 habitantes. O total em uso dobrou em 4 anos. Em 2012 estima vendas de 17,9 milhões de unidades: uma por segundo. Em até 6 anos teremos 1 computador por habitante.

Também vislumbramos uma ruptura de modelos de comportamento até então sólidos, quando aInternet já tem mais audiência que a televisão entre os brasileiros conectados. É o que revela um estudo que investigou como os nossos 80 milhões de internautas navegam pela web.[146]Estas modificações acontecidas em qualquer realidade social criam necessidades e adaptações que culminam como nascimento, e agora também o crescimento, dos direitos do homem [que]são estreitamente ligados à transformação da sociedade, como a relação entre proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social [...].[147]

Notamos diversos pontos relevantes que credenciam a Internetcomo Direito Fundamental, notadamente nos valores da cidadania e da dignidade da pessoa humana, dispostos no art. 1º, II e III da Carta Magna.

Percebemos estreita vinculação da Internet com o exercício da cidadania, tendo os direitos políticos, em destaque a Lei 12.527 (Lei de Acesso à Informação Pública)que garante a qualquer cidadão ter acesso a documentos e informações que estejam sob a guarda de órgãos públicos, em todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e níveis de governo (União, Estados, Municípios e Distrito Federal).Os pedidos de informação podem ser feitos diretamente nos órgãos, nos SIC´s (Serviço de Informações ao Cidadão), ou na forma eletrônica, por meio da Internetno portalwww.acessoainformacao.gov.br.

Segundo o ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, a lei de acesso à informação públicaé o primeiro passo de uma revolução na relação entre a sociedade e o setor público,[148]afirma também que,trata-se de um instrumento fundamental para a consolidação da democracia no País, pois a nova lei regulamenta princípio constitucional segundo o qual o cidadão é o verdadeiro dono da informação pública, enquanto a Administração Pública é apenas sua depositária.

Indubitável e notório é o uso da internet para acontribuição da publicidade, da transparência e da cidadania em um regime de direito, pois “[...] sãovitais para a democracia, para o controle da corrupção e para assegurar a prestação de contas na esfera pública.”[149]

Na mesma esteira dos direitos políticos, vemos que nas eleições municipais de 2012, os resultados nacionais foram conhecidos em poucas horas, tendo astelecomunicações e a Internetdesempenhado papel fundamental. Instigados ficamos em apenas suscitar, pois fogeao escopo do presente trabalho além de, faltar-nos maior arcabouço teórico e metodológico para o desenvolvimento, que éa utilização da Internetna concretização da Teledemocracia (na vertente de o voto pela Internet,[150]/[151]até mesmo para o resgate do longínquo instituto da democracia direta, tendo em vista a crescente descrença dos políticos e de suas casas legislativas)[152] e daTeleadministração (atos administrativos eletrônicos) bem comodo Governo Eletrônico (e-Gov).[153]

Vemos também que o Poder Judiciário utilizará cada vez mais a Internet,[154] tendo em vista a lei 11.491/2006 que regula indistintamente o processo eletrônico nas três esferas a civil, a penal e a trabalhista. Portanto,em muitos casos, para ter acesso à justiça, far-se-á necessário no mínimo um meio de acesso à rede mundial de computadores. Vislumbramos aqui o direito fundamentalao acesso à justiça e aprestação jurisdicional, deveraslesados, senãoinviabilizados, se aos brasileiros não forem facilitados/disponibilizadosrecursos para conectarem-se à Internet.

A Internet também propicia, de forma direta ou indireta a depender do caso concreto, a realização da dignidade da pessoa humana,quandofacilita a realização de condições básicaspara a satisfação do direito a educação, ao acesso a cultura, ao lazer, a informação, ao conhecimento, ou seja, quando ocorre a inclusão social por meio da inclusão digital.

Vemos que, sem acesso a Interneto indivíduo estará privado de usufruirdiversos serviços de informação oferecidos na web tais como,educação à distância, bibliotecas digitais, inscrição em concurso público, certidões,[155]correioeletrônico, redes sociais, banco on-line, comércio eletrônico,trabalho à distância, ou seja, uma leva cada vez maior de serviços que, como aponta o cientista Silvio Meira, nos próximos dez anos, todos os serviços que nós conhecemos vão para a internet, usando o conjunto de tecnologias que a gente chama de computação em nuvem,[156]portanto, os serviçosdisponibilizados pelas tecnologias da informação não estarão acessíveis para estas pessoas, sendo assim, alijados de participa da sociedade da informação, quando perderão também oportunidade de exercer sua cidadania.[157]

Negar ou negligenciar o acesso à rede mundial de computadores é perder a chance de enfrentar e superar, na nova sociedade,velhas e novas desigualdades, pois atualmente há o

[...] aprofundamento de desigualdades sociais, desta vez, sobre o eixo do acesso à informação. O ritmo do avanço tecnológico no alvorecer do novo paradigma tem sido, sob qualquer ótica, extraordinário. O ritmo de expansão da Internet no mundo levou apenas um terço do tempo que precisou o rádio para atingir uma audiência de 50 milhões de pessoas (Quéau, 1999). A redução dos preços dos computadores por volume de capacidade de processamento facilitou grandemente essa difusão, mas não permitiu ainda superar a relação entre nível de renda e acesso às novas tecnologias.[158]

Quanto à operacionalização do acesso àInternet, é de compreensão relativamente fácilquando cotejado com o art. 225 da Constituição que prevê “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” e do art. 5º, VI quando é assegurado o direito à liberdade de credo. Como se percebe, o direito de acesso à rede mundial de computadores se concretiza com a disponibilização de meios tecnológicos para a conexão de qualquer dispositivo, seja desktop, tablet, iphone, etc.

Portanto, a fundamentalidade do acesso à rede é de suma relevância, em razão dassatisfações oferecidas às diversas necessidades surgidas na sociedade da informação. Hoje, não há alternativa mais profícua para a potencialização dos Direitos Fundamentais do que o uso da Internet.

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Sobre o autor
José Nicodemos Vitoriano de Oliveira

Estudante de Direito no Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, José Nicodemos Vitoriano. O acesso à rede mundial de computadores como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3533, 4 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23867. Acesso em: 22 nov. 2024.

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