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Eutanásia.

Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais

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01/10/2001 às 00:00
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9. A EUTANÁSIA EM ALGUNS PAÍSES

9.1 No Brasil

A Eutanásia não é aceita em nosso ordenamento jurídico, face a proteção ao mais valioso dos bens - a vida - pois a Eutanásia é vista como um homicídio. Entretanto, existe no Senado o projeto de lei nº 125/96, que visa a disciplinação da Eutanásia, conscienciosa e racional, de uma prática humanitária, cujas origens remotas se encontram na sabedoria instintiva dos seres humanos primitivos, da época tribal.

Apesar de ausência de legislação específica sobre a matéria, o Judiciário poderá se deparar com casos desse tipo e não poderá se escusar em decidir qual o melhor caminho.

Por isso, na opinião de Ivair Nogueira Itagiba, compete ao intérprete e ao aplicador da lei extrair o direito compatível com a objetividade e a evolução.

A principal finalidade de uma Constituição é a garantia das liberdades e dos direitos individuais e coletivos, sem que isso implique numa negativa ao direito de morrer. Segundo preceitua o Código de Malines no art. 66, as pessoas têm direitos anteriores e superiores a toda lei positiva". Estes direitos derivam da natureza humana racional e livre, portanto, se necessário for, tem o paciente e/ou os seus, o direito de recorrer ao Judiciário para ver garantido o seu direito de morrer. (Itagiba, et al. 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

9.2 Na Austrália.

Nos territórios do Norte da Austrália, esteve em vigor de 1º de julho de 1996 a março de 1998, a prática da Eutanásia, ocasião que oportunizou a morte de quatro pessoas[5]. Tal lei recebeu o nome de "Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais" (Carneiro, et al, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

Porém, para utilizar-se da lei, era necessário seguir o seguinte roteiro:

1.Paciente faz a solicitação a um médico;

2.O médico aceita ser seu assistente;

3.O paciente deve ter 18 anos, no mínimo;

4.O paciente deve ter uma doença que, no seu curso normal, ou sem a utilização de medidas extraordinárias, acarretará sua morte.

5.Não deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente;

6.Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, sofrimento ou desconforto;

7.Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista;

8.Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável;

9.A doença deve causar dor ou sofrimento;

10.O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos;

11.As informações sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado na área;

12.O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida;

13.O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família;

14.O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livres e voluntariamente;

15.Deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer;

16.O paciente deve preencher o certificado de solicitação;

17.O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação;

18.Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar a decisão;

19.Um interprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente não tenha o mesmo idioma e origem dos médicos;

20.Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente;

21.Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do certificado;

22.O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer;

23.A assistência ao término voluntário da vida pode ser dada. (Carneiro, 1999, In: <https://jus.com.br/artigos/1835/etica-moral-e-bioetica>).

Verificou-se que além do roteiro a ser seguido, a lei determinava três requisitos essenciais para que o interessado pudesse utilizar-se da Eutanásia:

1º. O estado de saúde do paciente deveria ser crítico e atestado por três médicos;

2º. Os períodos de tempo devem ser extremamente respeitados;

3º. Após esse período, o paciente teria acesso a um equipamento, operado por computador, que consiste em um tubo que é ligado à veia do paciente e uma tecla "SIM". Se o paciente pressionasse a tecla, recebia uma injeção letal. (Alves, 1999, p. 15)

9.3 Na Holanda.

Na Holanda, a Eutanásia é regulada, mas continua ilegal.

Desde 1990, o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de Eutanásia. Desta forma, o médico fica imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal.

A Lei Funeral (Burial Act) de 1993 incorporou os cinco critérios para Eutanásia e os três elementos de notificação do procedimento. Isto tornou a Eutanásia um procedimento aceito, porém não legal. Estas condições eximem o médico da acusação de homicídio.

Os cinco critérios estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para a ajuda à morte não criminalizável:

  • 1) A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado;

  • 2) A solicitação deve ser considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal ponderação;

  • 3) O desejo de morrer deve ter alguma duração;

  • 4) Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável;

  • 5) A consultoria com um colega é obrigatória.

O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece três elementos para notificação:

  • 1) O médico que realizar a Eutanásia ou suicídio assistido, não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário;

  • 2) A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito;

  • 3) O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico.

Se o médico seguir as cinco recomendações, o promotor não fará a acusação.

Em 1990, na Holanda, ocorreram 11.800 mortes por Eutanásia, suicídio assistido e overdose de morfina, perfazendo uma participação de 9% na mortalidade do país. Consultar anexo A

Em 1990, foram feitas 9000 solicitações de eutanásia ativa, mas somente 2300 foram atendidas por preencherem os critérios estabelecidos.

9.4 No Uruguai

Esse país foi o primeiro a ter legislação sobre a possibilidade da realização da Eutanásia, quando em 1º de agosto de 1934, na entrada do Código Penal Uruguaio foi caracterizado o "Homicídio Piedoso", no art. 37 do capítulo III, que abordou a questão da impunidade.

De acordo com a legislação uruguaia, é facultado ao juiz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo, desde que preencha três condições básicas:

  • 1º. Ter antecedentes honráveis;

  • 2º. Ser realizado por motivo piedoso;

  • 3º A vítima ter feito reiteradas súplicas.

A proposta uruguaia, elaborada em 1933, é muito semelhante a utilizado na Holanda. Em ambos os casos, não há uma autorização para a realização da Eutanásia, mas sim, uma possibilidade do indivíduo que for o agente do procedimento, ficar impune, desde que cumpridas as condições básicas estabelecidas. Esta legislação foi baseada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa.

9.5 Na Colômbia

A Corte Constitucional da Colômbia autorizou a Eutanásia em casos de doentes terminais e com o consentimento prévio do envolvido.

Segundo pesquisa publicada pelo Jornal "El Tiempo", de Bogotá(capital colombiana), 84% dos entrevistados apoiam a legalização da Eutanásia. (A Folha de São Paulo, 1997. In: http://www.fsp.com.br).

9.6 Nos Estados Unidos

Segundo nota publicada no jornal A Folha de São Paulo 1999 (http://www.fsp.com.br), recentes pesquisas levadas a efeito na América têm dado conta de que a maioria dos americanos apóiam as idéias do movimento "Morte com dignidade" para paciente com doenças terminais, que provocam grande sofrimento físico. Mas a Suprema Corte, ao examinar dois casos nos Estados de Washington (Costa Oeste) e Nova Iorque (Costa Leste), decidiu que a dificuldade para se definir "doença terminal," e o risco de o desejo do paciente morrer, não ser voluntário, justificam e mantém a proibição do suicídio assistido.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se afirmar, sem receio algum, que a Eutanásia é tão antiga como a vida em sociedade, que ela nasce do primado de que a vida em seu término, deve ser cercada de cuidados e amenizações.

O homem, questiona sobre a sua finitude, mas nega-se a aceitar a forma e quando ela ocorrerá, tentando abrandá-la o máximo possível, uma vez que a característica da Vida é nascer, viver e conseqüêntemente, morrer.

Quanto as religiões, analisadas no presente trabalho, consagram a aceitação de algum tipo de Eutanásia. E entende-se que, um dos fatores da não positivação da Eutanásia, implica em posturas religiosas. Essa não pode ser aceita, devido estar claro em nossa Carta Magna a liberdade ao culto, subentendendo-se que o não culto, também é um direito. Nesse caso, não pode nossa constituição excluir as pessoas sem credo.

Algumas, principalmente as cristãs, entendem que a vida é um dom divino, que Deus a deu e somente Ele tem o direito de tirá-la. Posição esta, no mínimo, contraditória, uma vez que o término natural da vida ocorre em função de alguma enfermidade, e, dessa forma, a pessoa doente não poderia sofrer nenhum tipo de intervenção humana – tecno-científicas -, pois estaria indo contra a vontade de Deus. Aceitar a um tratamento, seria o mesmo que rejeitar o chamado divino.

A propositura da Eutanásia não visa exterminar humanos, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial - Eutanásia Eugênica - onde quem não fosse da raça Ariana, não merecia viver, era impuro e inferior. A Eutanásia visa o respeito ao ser humano, evitando sofrimento e tortura ao seu término.

Freqüentemente, estamos diante de notícias externando a falta de leitos hospitalares, sendo que muitos estão ocupados por pacientes terminais, onde o Estado continua a fazer investimento, mantendo vivas, verdadeiras carcaças humanas em decomposição, em estado agonizante e terminal. E, em alguns casos, constata-se que a sociedade que negou dignidade a esse paciente, quando em condições de efetivamente viver, hoje oferece-lhe tecnologia de última geração para mantê-lo vivo.

Não pode, também, de forma alguma, ser argüido de que as descobertas da ciência estão ocorrendo a todo instante pelo mundo, e que, a qualquer momento, poderá descobrir-se a cura para determinada enfermidade, que hoje é incurável. Haja vista que os meios de comunicação, nos dias de hoje, são extremamente ágeis. Uma rápida consulta através de Internet, ou um e-mail, e a dúvida já estaria sanada. Além do mais, qualquer que fosse a descoberta, dependeria de tempo para a sua infiltração no mercado mundial de medicamentos e/ou procedimentos médicos. Isso tudo sem abordarmos custos.

Outro problema existente é a obstinação terapêutica. Médicos costumam esquecer o prognóstico dos pacientes, quando se empolgam na sua missão de salvadores, e vão desde logo conectando-os a fios e tubos, iniciando um processo de desencargo de consciência, preferindo o tratamento desnecessário, frente ao quadro clínico irreversível. Fortunas são gastas com esses pacientes, quando que os recursos poderiam ser empregados de maneira muito mais efetiva, principalmente em um país pobre como é o caso do Brasil. É importante destacar que a vida humana não merece economia, mas ao invés de gastar quantias altíssimas em casos irrecuperáveis, o dinheiro poderia ser investido em outros ramos da saúde pública.

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Nota-se a preocupação quanto a possíveis questões que envolvam as sucessões de bens e direitos onde familiares, interessados na herança, ocasionariam, conjuntamente com profissionais da área da saúde, a morte de alguém em benefício próprio. Tal afirmação não merece consideração, uma vez que mesmo não estando positivada a Eutanásia, nada impede que profissionais e familiares, em comunhão de esforços, obtenham tal resultado, sem deixar qualquer resquício do crime praticado. Além do mais, tal ato seria crime, pois estaria contra os princípios da prática da Eutanásia.

As descobertas inovadores devem ser utilizadas, sem dúvida alguma, em prol da vida, e essa, em toda as suas peculiaridades.

O conhecimento tecnológico não pode interferir na intimidade do próprio Homem, de forma a ser imposta, sem consultá-lo, e, além do mais, ninguém é obrigado a fazer algo não prescrito em lei. Nesse caso, ninguém é obrigado a receber tais tratamentos médicos, e, na sua impossibilidade de manifestação, que seja analisada a sua vontade, tácita ou expressa, externada no decorrer de sua vida.

Com que direito um médico pode impor um tratamento, que pode em certos casos ser comparado como uma forma de tortura, alegando estar preservando a vida? Importante entendermos que vida combina com dignidade e essa deve ser respeitada em qualquer instância da vida.

Não se verificou, em momento algum, um subsídio para que não fosse possível a positivação da Eutanásia. A proposta visa que se tenha o direito de resguardar determinados valores. Assim como se escolhe a casa para morar, o carro para andar, se possa, também, escolher uma morte para a despedida da vida. E, essa proposta, pode ser almejada com a positivação de uma lei que faculte ao paciente, e não que o obrigue a uma escolha. Ninguém será submetido a tratamento que não queira, mesmo poque os critérios para a adoção de tal prática já tramitam no mundo, sem causar danos a sociedade.

Atualmente, estamos diante do processo da morte, em passar por situações indignas para o ser humano, que, ironicamente, possui o direito à vida digna e à morte indigna.

Reafirmando, em último momento, que não foram encontrados subsídios para que a Eutanásia não passe a ser um direito do Homem, apoiado no princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, tal normatização merece atenção, uma vez que não será imposta, mas, sim, possibilitada a quem tiver interesse, contribuindo, dessa forma, para a aplicabilidade da Constituição Federal, que deve ser vista a partir de um novo paradigma - o da vida com bem individual e por cada um possível de disponibilidade - e não mais sob o paradigma da vida como bem divino e indisponível, como o trato a constituição pátria.

Frente as questões, da dignidade e Direito à vida, cabe destacar que o Direito à vida é, sem dúvida alguma, uma obrigação do Estado, porém sua interpretação não deve ser estendida com uma imposição legal do Estado, cabendo, a esse, o dever de proporcionar dignidade ao ser humano, e viabilizar todos os mecanismos que impeçam qualquer ato que afronte a Vida. Sendo que essa leitura deve limitar-se a vontade do ser humano, no tocante do seu direito individual, apoiado ao direito à liberdade e à dignidade.

O estado deve proporcionar o Direito a vida, no tocante do viver digno, não podendo o Estado omitir-se.

A dignidade deve ser proposta pelo Estado no sentido de proporcionar Vida e garanti-la.

Entretanto, a vida indigna é fato de total responsabilidade do Estado, nesse caso, o estado omisso.

Em casos de paciente terminais, o estado não tem o Direito de impor uma condição indigna ao paciente e/ou familiares, responsáveis, decidirem no tocante de seu término, resguardando-se ao direito de continuar a usufruir da Vida digna, proporcionada pelo Estado.

O Estado, enquanto provedor de Dignidade da Vida, deve direcionar todo os esforços no combate a mazelas humanas, como é o caso de milhões de famintos, moradores de rua e outros miseráveis em condições que atentam contra a Vida digna.

O simples fato de o ser humano querer poupar-se de sofrimento, fente à morte inevitável, não deve ser visto como afronte a Constituição Federal, no tocante do direito à Vida.

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Sobre o autor
Milton Schmitt Coelho

bacharel em Direito em Santa Cruz do Sul (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Milton Schmitt. Eutanásia.: Uma análise a partir de princípios éticos e constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -639, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2412. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, para a obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Ms. Hugo Thamir Rodrigues.

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