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Cartórios eletrônicos e o exercício ilegal de profissão

01/11/2001 às 01:00
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Como de praxe, o Governo mete as mãos pelos pés e edita, a toque de caixa, mais um "Frankstein" tecnológico. Ainda sob a inevitável suspeita de manipulação dos resultados eleitorais por meio da tal Urna Eletrônica de Votação, aquela a cuja programação nem os Partidos Políticos tem acesso, agora é a vez da Infra-Estrutura de Chaves Públicas, ou simplesmente ICP-BRASIL, reguladora da tecnologia de assinaturas digitais e objeto da Medida Provisória 2200.

Oportuno lembrar que a conceituação legal de uma assinatura eletrônica é assunto tão delicado, seja pela dificuldade das metodologias atualmente disponíveis em garantir sua infalibilidade, seja pelo impacto que causará sobre os Negócios e Instituições de um País, que é assunto debatido há mais de 20 anos nos Estados Unidos, e que lá eles ainda não conseguiram se aproximar sequer de um consenso sobre o assunto.

Apesar disso, temeroso de que a discussão sobre a Lei do Comércio Eletrônico se arraste, no Congresso Nacional, por mais tempo que os 2 anos (1/10 do tempo do debate norte-americano) já passados, necessitando de confiabilidade jurídica imediata para avançar na Lei Postal e, especialmente, na implantação do SPB – Sistema de Pagamentos Brasileiro, o qual irá alterar completamente nosso Sistema Bancário, o Poder Executivo, de forma açodada e temerária, lançou mão de um projeto específico para a validação de documentos eletrônicos em seu próprio meio, chamado ICP-GOV, rebatizou-o ICP-BRASIL e agora tenta enfiá-lo garganta abaixo de seus cidadãos, através da Medida Provisória 2200.

Esqueceu-se, entretanto, de que Governo e Sociedade têm diferenças fundamentais de funcionamento. A exclusividade, prevista na ICP-GOV, da centralização na geração de senhas dos usuários na ABIN – Agência Brasileira de Informações, órgão de assessoramento direto da Presidência da República, é natural naquela, mas intolerável em uma ICP-BRASIL, pela agressão explícita à privacidade do usuário, o qual passaria a ser obrigado, por lei, a partilhar sua chave de acesso individual com o Serviço Secreto do Governo Federal.

Isso sem falar na da ironia de uma proposta tão estatizante feita por um Governo absolutamente obcecado em privatizar, a qualquer custo, toda propriedade, produto ou serviço ainda público no País...

Além de monopolizar e inibir a oferta de serviços, a MP 2200, não por outros motivos já em sua terceira edição, prevê ainda o conceito de não-repúdio, ou seja, a negação do cancelamento, pelo usuário, de uma operação, ainda que ilegal, realizada com sua assinatura digital. É mais ou menos como fazer uma lei proibindo a sustação de cheques roubados, e certamente dará tão certo quanto.

Porém, o que chama mais a atenção, em todo este lamentável episódio, menos que a trapalhada em si, é a nítida falta de assessoramento tecnológico aos idealizadores, ou responsáveis, o que nos remete a um fenômeno infelizmente cada vez mais comum: advogados, formados e experimentados como assessores legais, tentando assumir o papel de técnicos em informática, quem sabe na expectativa de, com os conhecimentos mínimos obtidos em algum renomado cursinho-relâmpago, serem reconhecidos e posteriormente contratados, a peso de ouro, como "advogados especialistas em informática".

Curioso como a OAB, sempre tão ciosa de suas responsabilidades, inclusive, da forma mais louvável, questionando a MP 2200 de forma judicial e pública, placidamente tolere que seus membros apresentem-se, com tanta desenvoltura, como "especialistas" nisso ou naquilo. Permitiria a OAB, com a mesma serenidade, que um profissional de outra área atuasse como advogado apenas por ter adquirido e lido a íntegra do Código de Processo Civil?

Seria interessante que os tais "advogados especializados" dissessem em qual instituição brasileira de ensino superior fizeram a tal "especialização", dando nome e titulação do curso, ou fossem mais honestos, passando a assinar "advogado AUTO-especializado na matéria x", por exemplo. Isso provavelmente nos poupasse de tanta exposição barata de advogados cujo conhecimento técnico é absolutamente nulo, e certamente, além de ampliar o campo de trabalho para os profissionais com formação escolar específica, diminuiria sensivelmente a possibilidade de que aberrações como a tal ICP-BRASIL nos assombrassem no futuro.

Independente das críticas serem específicas aos rábulas relacionados com os fatos mencionados, temos certeza que muitos outros, ávidos por explorar este novo filão, "vestirão a carapuça" e começarão a espernear, ofendidos em seus egos e interesses financeiros. Se assim o desejam, bom proveito, mas, por favor, não nos amolem com suas lamúrias: afinal, ainda que a informática não seja nem deva ser uma profissão formalmente regulamentada, falsidade ideológica nunca foi mesmo um bom negócio...

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Sobre o autor
Cláudio Andrade Rêgo

perito judicial em Informática

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Cláudio Andrade. Cartórios eletrônicos e o exercício ilegal de profissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2420. Acesso em: 22 dez. 2024.

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