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O indivíduo como sujeito de direito internacional penal: o caso Omar Al-Bashir

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22/04/2013 às 17:34
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2 CONSTRUÇÃO DA JUSTIÇA INTERNACIONAL PENAL

Muito embora os primeiros intentos de se realizar um julgamento criminal com base em normas internacionais datem do século XV, foi somente no século XX que se conseguiu a materialização de um tribunal internacional penal. A evolução da justiça internacional penal não se deu de forma linear, mas finalmente, já no século XXI, tem-se um tribunal permanente para julgar os chamados ‘maiores criminosos da humanidade’. 

Nesse sentido, apesar da idéia remontar de tempos anteriores, foi só após o final da II Guerra Mundial que os primeiros tribunais realmente internacionais penais foram concretizados. O mais notável foi o de Nuremberg, onde foram julgados altos oficiais e membros do governo da Alemanha considerados responsáveis por várias atrocidades cometidas antes e durante a grande guerra. No mesmo período foram realizados os julgamentos no Extremo Oriente, dos japoneses que teriam também cometidos diversos delitos condenados pelo Direito Internacional.

Em seguida houve um lapso na evolução desta justiça, em razão da Guerra Fria. Foi apenas na década de 1990 que as atividades no sentido de criação de um tribunal permanente voltaram a se realizar. Antes que os trabalhos estivessem terminados, porém, foram criados ainda dois tribunais ad hoc para julgar os crimes cometidos nos territórios da ex-Iugoslávia e de Ruanda no início daqueles anos. Mas enfim, em 1998, foi aprovado o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o qual entrou em vigor em julho de 2002.

Este tribunal tem como objetivo julgar os maiores criminosos da humanidade. Muito embora sua idealização tenha se dado no âmbito das Nações Unidas, é uma organização independente. Tendo em vista a sua natureza e a dificuldade para muitas nações soberanas aceitarem sua jurisdição, para que o Estatuto fosse aprovado, muitas concessões foram feitas durante as negociações. A sua forma final não satisfez os que esperavam uma corte com mais poderes e com competências mais abrangentes. Todavia, já é um grande passo e, apesar das limitações impostas pelo Estatuto, vem funcionando regularmente e, espera-se, que o continue fazendo, de forma a demonstrar a sua importância, agregando novos signatários, e quem sabe, chegue a ter uma jurisdição universal.   

 Assim, neste capítulo busca-se apresentar a evolução da justiça internacional penal. Em um primeiro momento trata-se das primeiras tentativas, bem como dos primeiros tribunais criados após a II Guerra. Em seguida serão tratados os tribunais ad hoc da década de 1990 e os intentos para criação de um tribunal permanente. Por fim, apresentam-se os aspectos destacados do Tribunal Penal Internacional.

2.1 PRIMEIRAS TENTATIVAS E A II GUERRA MUNDIAL

O direito internacional penal desenvolveu-se pela necessidade de se punir os exageros cometidos nas guerras. “A guerra é um status jurídico definido em evolução durante séculos” (JANKOV, 2009, p.10), e, assim sendo, deveria ser feita de acordo com as regras criadas para regulá-la. As atrocidades cometidas durante os conflitos armados, principalmente quando atingiam populações civis, passaram a ser vistos como “crimes contra as leis da humanidade” (JANKOV, 2009, p. 23), havendo, portanto, a necessidade da criação de um meio de punição destes crimes.

A primeira notícia que se tem de um julgamento militar internacional, foi o do comandante Peter von Hagenbach, em 1474, em Breisach, na Alemanha. Este cavaleiro foi julgado por uma corte composta de 28 juízes, originários de Estados aliados do Sacro Império Romano-Germânico. Ele foi considerado culpado pelo cometimento de crimes contra as leis de Deus e dos homens durante a ocupação militar da cidade, e condenado à forca. (JANKOV, 2009, p. 22; CRETELLA NETO, 2008, p. 29). No entanto, isso ocorreu antes da já citada Paz de Vestfália – a partir da qual se estabeleceu a doutrina da soberania estatal – que influenciou o posterior desenvolvimento do Direito Internacional.

Foi somente no século XIX que se falou na constituição de uma corte criminal internacional. Gustave Monnier, um dos fundadores da Cruz Vermelha, “preconizava um estatuto provisório para uma corte internacional criminal. Sua tarefa seria processar e julgar graves violações da Convenção de Genebra de 1864 e outras normas de direito humanitário.” (JANKOV, 2009, p. 22) No entanto, essa idéia não se concretizou.

Ao final da I Guerra Mundial, durante a Convenção de Paz de Paris, discutiu-se seriamente a possibilidade de punição dos responsáveis pelos crimes de guerra. No artigo 227[33] do Tratado de Paz assinado em Versalhes, em 28 de junho de 1919, restou prevista a criação de um tribunal penal internacional para julgar o imperador Guilherme II da Alemanha por ter iniciado a guerra. Contudo, ele refugiou-se na Holanda, que não aceitou extraditá-lo, e o referido artigo não pode ser aplicado. (JANKOV, 2009, p. 22-23; CRETELLA NETO, 2008, p. 29; BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p.15-16)

Os artigos seguintes, artigo 228 e 229 do Tratado de Versalhes, reconheciam o direito dos aliados para julgar quem fosse acusado de crimes contra as leis e costumes da guerra. Foram nas discussões que chegaram a estes dispositivos que se iniciou a construção do Direito Internacional Penal e do conceito de crime de guerra. Dessa forma, abriu-se uma fenda na soberania estatal, havendo a previsão explícita da possibilidade de julgamento de indivíduos por um tribunal internacional (CRETELLA NETO, 2008, p. 94)

Na seqüência, no âmbito acadêmico e também na Sociedade das Nações, iniciaram-se projetos e para a criação de uma corte penal internacional. “Durante 1º Congresso Internacional de Direito, realizado em Bruxelas, entre 26 e 29.6.1926, sob os auspícios da Association Internationale de Droit Pénal-AIDP [...] foi analisada a possibilidade de se estabelecer uma Corte Penal Internacional.” (CRETELLA NETO, 2008, p. 95) No ano seguinte a AIDP submeteu a proposta à Sociedade das Nações para “a criação de uma câmara criminal na Corte Permanente de Justiça Internacional-CPJI, que seria dotada de jurisdição universal[34].” (CRETELLA NETO, 2008, p. 95)

Houve ainda outros esforços no entre-guerras para a criação de uma justiça internacional penal. Desses esforços nasceram tratados sobre o combate à falsificação de moeda (1929), ao tráfico de mulheres e crianças (1921), ao tráfico de publicações obscenas (1923), e ao terrorismo (1937), mas esta última não entrou em vigor. Além disso, em 1938, concluiu-se uma Convenção para o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, o qual teria competência apenas para julgar os crimes previstos na convenção contra o terrorismo, mas também não entrou em vigor (CRETELLA NETO, 2008, p. 96-97).

Dessa forma, o início de uma justiça internacional penal efetiva foi adiado para o fim da II Guerra Mundial. Entretanto, estes intentos, especialmente os debates da Convenção de Paris e os efetuados no entre-guerras, foram importantes para o amadurecimento da disciplina. Um tribunal penal internacional, talvez não como imaginado por Gustave Monnier, mas efetivo, só foi criado em 1945, em Nuremberg, na Alemanha.

2.1.1 O Tribunal Internacional Militar de Nuremberg

Antes mesmo do fim da II Grande Guerra, os países aliados manifestaram sua intenção de punir os nazistas pelos crimes por eles cometidos. Foi a chamada Declaração de Moscou[35], adotada por Roosevelt, Stalin e Churchill[36], em 1º de novembro de 1943, que se considera o marco preparatório para a constituição do Tribunal de Nuremberg. (CRETELLA NETO, 2008, p. 98)

A decisão definitiva de criação do Tribunal de Nuremberg foi tomada em 08 de agosto de 1945, quando foi selado o acordo de Londres, que constituiu o Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg[37]. Estes acordos foram assinados inicialmente por EUA, URSS, Reino Unido e França, e depois por mais 19 Estados. Restou determinado que a sede permanente do Tribunal seria Berlim, desejo da URSS, mas os julgamentos ocorreriam em Nuremberg, em razão da capital alemã estar totalmente devastada, e o Palácio da Justiça de Nuremberg estar praticamente intacto. (CRETELLA NETO, 2008, p. 99)

O Estatuto do Tribunal de Nuremberg (Charter of the International Military Tribunal for the Trial of the Major War Criminals) foi aprovado em 06 de outubro de 1945 e continha 30 artigos. Estabeleceu-se que a corte seria composta por juízes dos países aliados, devendo cada país enviar um juiz titular e um suplente. Além disso, os juízes não poderiam ser recusados pelos advogados de defesa e nem pela promotoria. (CRETELLA NETO, 2008, p. 99) De acordo com o artigo 6º do Estatuto, o Tribunal tinha competência para julgar: (a) os crimes contra a paz; (b) os crimes de guerra; e, (c) os crimes contra a humanidade.

Foram feitas diversas acusações de que o Tribunal estaria punindo os criminosos por crimes tipificados após o cometimento, em desrespeito ao princípio da anterioridade penal (nullum crimen, nulla poena sine praevia lege). Em resposta a estas acusações, “o tribunal referiu-se às Convenções de Haia para os crimes de guerra e ao Tratado de Renúncia à Guerra (Pacto de Paris ou Briand-Kellog, de 1928).”[38] (JANKOV, 2009, p. 25)

O maior mérito, porém, de Nuremberg, foi a previsão da possibilidade de punição de chefes de Estado, responsáveis oficiais por departamentos governamentais. Além disso, não foi aceita a teoria do respondeat superior[39] como justificativa de isenção total de culpa pelos crimes cometidos por estes agentes.

O artigo 7º do Estatuto previa expressamente que:

A condição oficial dos acusados, seja como chefes de Estados, seja como altos funcionários, não será considerada nem como escusa absolutória, nem como motivo para diminuição da pena. (GONÇALVES, 2004, p. 81)  

Na seqüência, o artigo 8º dispunha que:

O fato de que o acusado tenha agido em conformidade com as instruções de seu governo ou de um superior hierárquico não o livrará de sua responsabilidade, mas poderá ser considerado como motivo para diminuição da pena, caso o Tribunal decida que a justiça o exija. (GONÇALVES, 2004, p. 81)

Dessa forma é que se abriram as portas para a possibilidade de punição de indivíduos pela justiça internacional penal. Mais importante, foi rejeitada teoria pela qual os Chefes de Estado, ou agentes desempenhando funções oficiais, estariam imunes perante qualquer tribunal pelos crimes cometidos em tempos de guerra ou de paz, devendo a responsabilidade ser imputada ao Estado, o qual, perante o Direito Internacional até hoje existente, só responde civilmente por qualquer ilícito praticado em seu nome. (CRETELLA NETO, 2008, p. 101).

Foram vinte e quatro os acusados no Tribunal de Nuremberg. Destes, três foram absolvidos, doze foram condenados à morte, três foram condenados à prisão perpétua, quatro condenados à prisão por tempo determinado, Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, dirigente das indústrias Friedrich Krupp AG, teve as acusações contra si retiradas devido a seu frágil estado de saúde, e Robert Ley, doutor em química e Chefe do Deutsche Arbeitsfront-DAF (Frente Alemã do Trabalho), enforcou-se após ler seu libelo acusatório. (CRETELLA NETO, 2008)

Destes, pode-se citar como exemplo paradigmático o caso de Karl Dönitz:

Karl Dönitz (1891-1980) – Almirante-chefe da Kriegsmarine (Marinha de Guerra) desde 1943, quando substituiu Albert Raeder. Sucedeu Hitler como presidente da Alemanha, após a morte do líder nazista máximo. Em sua defesa contra a acusação que ordenara a guerra marítima total, empregando técnicas irrestritas no Atlântico, inclusive sem resgatar náufragos, demonstrou, exibindo um documento do almirante Chester Nimitz (1885-1966), que os americanos haviam feito o mesmo no Pacífico. Foi julgado culpado de violação ao 2º Tratado Naval de Londres e condenado a 10 anos de prisão; foi libertado em 1956. De todos os acusados presentes em Nuremberg, entretanto, o veredito contra Dönitz foi provavelmente o mais controverso. Ele sempre manteve a posição de que jamais fez uso de quaisquer estratégias que almirantes Aliados não tivessem empregado. Ao ficarem sabendo da polêmica decisão, numerosos oficiais Aliados enviaram cartas para Dönitz, lamentando a sentença condenatória. Dönitz cumpriu integralmente a pena. No livro que publicou, Zehn Jahre und Zwanzig Tage: Errinerungen [sic] 1935-1945[40], dedicou-se a explicar a preparação da Marinha, as táticas marítimas alemãs e as batalhas travadas durante a guerra, do ponto de vista da Alemanha. (CRETELLA NETO, 2008, p. 104-105)

Este exemplo serve para verificar que, apesar de ter sido considerado Chefe de Estado por um período e ser, antes disso, um alto oficial, essas condições não serviram de diferenciação para julgá-lo perante o tribunal. Apesar de todas as polêmicas que giram em torno dos julgamentos feitos em Nuremberg, não se pode desconsiderar o valor que eles têm como sendo os primeiros julgamentos internacionais de indivíduos, imputando penalidades a estes especificamente, sem a escusa de que o faziam em nome do Estado.

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2.1.2 O Tribunal Internacional Militar para o Extremo Oriente

Enquanto o Tribunal de Nuremberg foi instituído por uma Convenção entre os países aliados, foi o General norte-americano Douglas MacArthur, comandante geral das forças aliadas na região, que anunciou a criação do Tribunal para o Extremo Oriente[41]. O Estatuto era composto por 17 artigos, e tinha previsões muito parecidas com as do Estatuto do Tribunal de Nuremberg. (CRETELLA NETO, 2008, p. 99)

O tribunal era composto por onze juízes das nações aliadas (Austrália, Canadá, China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Países Baixos, Nova Zelândia, Filipinas e União Soviética). Foram processados apenas vinte e oito dos oitenta criminosos considerados ‘classe A’ e que estavam presos. Ao final, houve vinte e cinco condenações, tendo um acusado sido liberado por problemas de saúde mental e outros dois falecido durante o processo. (BAZELAIRE; CRETIN, 2004)

São feitas duras críticas a este tribunal instalado em Tóquio. Os julgamentos ali proferidos são considerados típicos de uma justiça de vencedores contra vencidos,[42] já que nenhuma absolvição foi proferida e os americanos controlavam quase toda a corte (os recursos seriam julgados pelo General Mac Arthur, o qual também tinha o poder de escolher os juízes, e o procurador-geral era americano, sendo os outros apenas assistentes). (BAZELAIRE; CRETIN, 2004)

Apesar disso, o Tribunal também foi considerado ‘brando’ por muitos, uma vez que liberou diversos acusados e não chegou a imputar nenhuma conduta criminosa ao imperador Hirohito. Isso se justificou muito pelo momento político no pós-guerra, no qual Mao Tsé-Tung chegou ao poder na China e os EUA reforçavam os seus programas anti-comunistas. (BAZELAIRE; CRETIN, 2004) Para muitos, “o resultado dos processos de Tóquio pode ser considerado como insatisfatório em larga medida.” (BAZELAIRE; CRETIN, 2004, p. 39)

Apesar de tudo, estes dois tribunais, com destaque para Nuremberg, devem ser considerados como marcos importantes no desenvolvimento da justiça internacional penal, e na responsabilização internacional do indivíduo por crimes considerados cometidos em tal condição, e não apenas como um agente do Estado. Tanto o Estatuto da Corte de Nuremberg quanto a Carta do Tribunal de Tóquio foram explícitos em não admitir a condição oficial como excludente de responsabilidade pelas condutas a eles imputadas. Desta forma, pela primeira vez, indivíduos foram julgados criminalmente por uma corte internacional, por terem cometidos crimes que se consideram praticados contra a humanidade como um todo.

2.2 OS TRIBUNAIS AD HOC PARA EX-IUGOSLÁVIA E RUANDA

Pouco após a criação da Organização das Nações Unidas[43], em 1948 já se iniciaram os esforços para a criação de um Tribunal Penal Internacional permanente, contudo, até 1998 esses esforços ainda não haviam obtido êxito.[44] Nesse meio tempo, sob os auspícios da ONU, por resoluções do Conselho de Segurança, foram criados outros dois tribunais penais internacionais ad hoc, um para a ex-Iugoslávia e outro para Ruanda.

Ainda no âmbito da ONU, existiram várias manifestações e esforços no sentido de criar uma Corte Criminal Internacional. Todavia, pelo advento da Guerra Fria e o ‘congelamento’ de muitas relações e projetos causado por ela, durante praticamente cinqüenta anos a idéia de um tribunal que fosse julgar os maiores criminosos da humanidade não pode se concretizar.

 Foi apenas na década de 1990 que novas atitudes foram tomadas nesse sentido. Iniciaram-se novamente os debates sobre a matéria que levariam à criação do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em 1998 e, enquanto este não era concluído, com uma estratégia até hoje muito criticada, foram criados os tribunais ad hoc que, por sua importante atuação e importância para o desenvolvimento de uma justiça penal internacional, acabaram tendo sua atuação legitimada pela comunidade internacional.

2.2.1 Tribunal Penal Internacional para ex-Iugoslávia

O Tribunal Penal Internacional para ex-Iugoslávia (TPI-ex-I), que tem sede em Haia, nos Países Baixos, foi criado em 1993 pela Resolução 827 do Conselho de Segurança da ONU para apurar os crimes[45] cometidos a partir de 1991 no território da ex-Iugoslávia durante as guerras que dividiram esta região. Esse tribunal tentou sanar as principais críticas aos seus antecessores, aplicando o princípio da legalidade e da ampla defesa, mas mesmo assim não escapou de críticas (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

Questionou-se principalmente: a legitimidade do tribunal, por ele ter sido criado pelo Conselho de Segurança; o número exagerado de acusados sérvios em comparação com os de outras nacionalidades; a falta de poderes para capturar acusados; a possibilidade de fazer acusações secretas; a utilização de um idioma único; o não processamento de cidadãos de países da OTAN; a exacerbação de tensões; seu alto custo; a duração excessiva dos julgamentos; e, a falta de um resultado que de alguma forma afetasse positivamente as populações vítimas (BAZELAIRE; CRETIN, 2004).

Apesar disso, segundo Bazelaire e Cretin (2004, p. 53):

Ele é muito mais uma resposta simbólica dos membros do Conselho de Segurança diante de sua impotência em pôr um fim aos massacres na Bósnia. [...] Entretanto, o TPII não permanece apenas como um símbolo; ele conhece até mesmo um sucesso rápido cuja apoteose é a incriminação de Slobodan Milosevic e de quatro de seus próximos em plena guerra de Kosovo. O mínimo que podemos dizer é que o símbolo é a partir daí profundamente impresso na realidade da vida internacional.

Este tribunal conseguiu reconhecimento internacional e vem cumprindo seus objetivos,[46] tendo, inclusive, sido o primeiro tribunal a processar um Chefe de Estado por crimes de guerra.[47] Portanto, não obstante todas as falhas que ainda podem ser apontadas, o TPI-ex-I já se mostra uma grande evolução para a justiça penal internacional.

2.2.2 Tribunal Penal Internacional para Ruanda

Por fim, o outro tribunal penal internacional ad hoc criado antes da Corte permanente foi o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, com sede em Arusha, na Tanzânia.

Este Tribunal foi criado por causa do genocídio ocorrido durante a guerra civil entre as tribos Hutus e Tutsis, em 1994 e que, embora previsível, não foi satisfatoriamente diagnosticada pela ONU, levando a morte de mais de meio milhão de pessoas em poucos meses. Por conta disso, o próprio governo ruandense pediu que fosse tomada alguma atitude para punir os responsáveis por aqueles crimes bárbaros e, em novembro de 1994, ao adotar a Resolução 955, o Conselho de Segurança estabeleceu o TPIR. (BAZELAIRE; CRETIN, 2004)[48]

O Tribunal Internacional para Ruanda, contudo, foi logo rechaçado pelos nacionais deste país, pois eles não concordavam que a pena máxima possível para os maiores responsáveis pelos crimes, que seriam processados por este tribunal, fosse a prisão perpétua, enquanto que os julgados pelos tribunais nacionais seriam provavelmente condenados à pena capital. Porém, mesmo sem a cooperação do país, o Tribunal foi instalado e vem funcionando, não com a mesma atividade do TPI-ex-I, porém, levando-se em conta a realidade em que está inserido e as dificuldades enfrentadas, seus resultados são satisfatórios.[49]

2.3 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

Enfim, após meio século da criação do primeiro Tribunal Penal Internacional, foi aprovado, em 17 de julho de 1998, em Roma, o Estatuto da primeira Corte Internacional Criminal permanente. “A proposta do Tribunal Penal Internacional é de uma Corte permanente com jurisdição global e com objetivo de investigar e trazer a julgamento indivíduos – não Estados –, que tenham cometido os chamados grandes crimes internacionais [...]” (GONÇALVES, 2004, p. 251, grifo no original). Nesse sentido, apesar de o texto final do Estatuto não ter satisfeito grande parte dos anseios dos que esperavam uma Corte com jurisdição universal ou primazia sobre os tribunais nacionais, a sua aprovação e, posteriormente, a sua instalação e seu regular funcionamento, já são consideradas grandes vitórias para a justiça internacional penal.

Todos os Estados e instituições especializadas da ONU puderam participar da preparação deste Estatuto para a criação do TPI. Os trabalhos de elaboração do Estatuto iniciaram em 1995, com a criação de um Comitê Preparatório (PrepCom) pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O PrepCom elaborou um relatório que foi submetido à Assembléia Geral em 1996, momento em que esta estendeu seu mandato por mais dois anos, para que pudessem elaborar um texto consolidado de todas as propostas dos interessados, o que serviria de base para as discussões na Conferência Diplomática que ocorreria entre 15 de junho e 17 de julho de 1998. (CRETELLA NETO, 2008). Houve muitas questões polêmicas a serem dirimidas durante a elaboração final do Estatuto e muitas concessões foram feitas para que se chegasse a um texto aceitável para a maioria dos Estados.[50] Por isso, apesar da resolução satisfatória da maioria dos problemas, restaram ainda muitas lacunas e muitas imprecisões no texto.

Apesar disso, ainda se tem muitas expectativas com relação ao TPI. “Segundo os próprios idealizadores da Corte, ‘pela primeira vez, há uma perspectiva de criação de uma obrigação global positivada para que indivíduos respeitem a lei’.” (GONÇALVES, 2004, p. 251) Tal obrigação foi enfim criada e, a partir da entrada em vigor do Estatuto, em 1º de julho de 2002, quem cometer os crimes nele descritos poderá, ao menos em tese, ser sujeito a um julgamento criminal na esfera internacional. Sabe-se que a efetividade do TPI ainda encontra-se restringida pelos limitadores impostos no Estatuto de Roma, como o princípio da complementaridade e a limitação da competência espacial aos Estados signatários e alguns outros casos específicos. Apesar disso, “com uma Corte Internacional Criminal permanente, afirmam seus defensores, grandes ditadores poderiam ser influenciados a não cometer abusos contra seus cidadãos.” (GONÇALVES, 2004, p. 252)

Outro ponto destacado por Gonçalves (2004, p. 252) sobre a necessidade do TPI é o de que:

até sua criação, não existia qualquer mecanismo permanente que conduzisse indivíduos a prestar contas por violações de leis internacionais. Em tais casos, os recursos disponíveis à comunidade internacional eram a imposição de embargos, sanções ou o uso da força militar. Não obstante, quando são utilizados estes instrumentos, na maioria das vezes afeta-se muito mais a inocentes do que aos criminosos propriamente. Daí porque o direcionamento mais preciso das sanções tornaria o direito penal internacional mais justo e efetivo. Com o TPI, populações deixariam de ser punidas por crimes cometidos por alguns indivíduos, ao menos é esse um dos principais objetivos da Corte.

Essa observação é relevante, tendo em vista que, além de se evitar a punição indireta de inocentes, muitas vezes as próprias vítimas dos crimes cometidos, a justiça internacional penal permite que os Chefes de Estado sejam julgados como indivíduos, independente de qualquer imunidade ou justificativa, deixando-se de lado resquícios de princípios absolutistas de que a figura do soberano se confundia com a figura do próprio Estado ou com alguma divindade. Enfim, a ordem internacional passou a vincular diretamente os indivíduos como tais, e não mais indiretamente, como representante dos Estados.

2.3.1 Aspectos destacados do Tribunal Penal Internacional

Durante a Conferência de Roma foram enfim definidas as estruturas e as competências do Tribunal Penal Internacional. O Tribunal ficaria sediado em Haia, nos Países Baixos, seria composto por 18 juízes de diferentes nacionalidades eleitos para um mandato único de nove anos.[51] O Ministério Público, de acordo com o art. 42 do Estatuto, atua de forma independente e é o responsável por dar início às investigações e à ação penal perante o Tribunal. Há um Procurador-Geral[52], com um mandato único de nove anos, que pode contar com a ajuda de Procuradores adjuntos. O TPI ainda conta com uma Secretaria, que é encarregada dos assuntos administrativos e a Assembléia de Estados Parte, que toma as principais decisões relativas ao tribunal, por consenso, nos termos do art. 112 do Estatuto. (GONÇALVES, 2004)

O artigo 4º do Estatuto determinou que a Corte pudesse exercer seus poderes e funções “no território de qualquer Estado-Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado.” O art. 12, por sua vez, determina que o TPI exerça jurisdição, além dos signatários do Estatuto, também sobre o Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa, o Estado de que seja nacional a pessoa a quem é imputado um crime e os Estado submetidos pelo Conselho de Segurança. Nos dois primeiros casos, se os Estados não forem signatários do Estatuto, eles podem optar pela jurisdição do Tribunal, enquanto no último caso não há essa opção. (KAUL, 2000)

Já a competência material do TPI, delimitada no art. 5º, ficou restrita ao crime de genocídio (descrito no art. 6º), os crimes contra a humanidade (tipificado no art. 7º), crimes de guerra (delineado no art. 8º) e o crime de agressão (o qual ainda não foi descrito). Além desses, o TPI poderia julgar outros crimes internacionais (e.g. terrorismo, pirataria, etc.) desde que haja um tratado expressamente delegando esta competência para o Tribunal (GONÇALVES, 2004, p. 269).

Quanto à competência temporal, de acordo com o art. 11, o TPI só tem competência para julgar crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, o que ocorreu em 1º de julho de 2002, mas sendo garantida a aplicação da lei mais benéfica, caso haja modificações antes de proferida sentença definitiva (art. 24(2)). Também restou decidido que o Tribunal seria regido pelo princípio da complementaridade (art. 17), ou seja, ele só atuará quando o fato não for, ou não puder ser, devidamente processado na justiça nacional. Quanto às formas de requisitar a persecução de alguém (art. 13), pode o procurador começar uma investigação ex officio (art. 15), a requerimento de um Estado-parte (art. 14), ou a requerimento do Conselho de Segurança, nos termos do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas[53] (art. 13(b)).

O Estatuto trouxe também expressamente alguns dos princípios de direito penal que devem ser observados na corte de forma a isentá-la de várias das críticas que foram feitas aos tribunais anteriores. No art. 20 está previsto o princípio do non bis in idem, ou seja, nenhuma pessoa poderá ser julgada duas vezes pelo mesmo fato; no art. 22 está previsto o princípio nullum crimen sine lege, enquanto no artigo 23 está o nulla poena sine lege, os quais, em suma, determinam que só poderá ser criminalmente responsável e, por conseqüência, ser criminalmente punido pelo TPI, a pessoa que praticar uma conduta que for de sua competência no momento e no local em que ocorrer e nos termos previstos no Estatuto.

  Ainda no Capítulo III do Estatuto – Princípios Gerais de Direito Penal – encontram-se as disposições sobre a responsabilidade criminal individual (art. 25), irrelevância da qualidade de oficial (art. 27), e a responsabilidade dos chefes militares e outros superiores hierárquicos (art. 28). Sobre a responsabilidade individual, o art. 25 do Estatuto dispõe expressamente que “a Corte será competente para julgar as pessoas físicas” e que “quem cometer um crime de competência da Corte será considerado individualmente responsável e poderá ser punido”. Nesse sentido, fica claro que é a responsabilidade individual de pessoas físicas que serão objeto de investigação e que a sanção será direcionada para o indivíduo. Sobre este artigo, Gonçalves (2004, p. 278) comenta que:

Não há como contestar o fato de que a responsabilidade individual – talvez a maior contribuição da Carta de Nuremberg –, finalmente, meio século depois, passa a constituir-se norma formal do moderno Direito das Gentes. O art. 25 do Estatuto de Roma põe termo a qualquer discussão a respeito de responsabilidade penal do indivíduo no Direito Internacional.

Reforçando a noção de que qualquer pessoa física que cometer um crime sob a competência (material e territorial) da corte poderá por está se julgada, o artigo 27 dispõe que:

1.  O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade de chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá per se motivo de redução da pena.

2.   As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar que a Corte exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.[54]    

“Assim, homens de Estado, mesmo Chefes de Estado ou Governo, bem como altos oficiais das forças armadas, podem ser indiciados, independentemente do argumento de estarem agindo pela ‘razão de Estado’.” (GONÇALVES, 2004, p. 278-279) Ou seja, quando do cometimento de crimes previstos no Estatuto de Roma, estas autoridades não estarão acobertadas por qualquer imunidade decorrente de seu posto ou função, devendo ser processados da mesma forma que qualquer outro indivíduo, na medida de sua participação.

Além disso, como em Nuremberg, o fato de um crime ter sido cometido em cumprimento a uma decisão do Governo ou de um superior hierárquico, segundo o artigo 33 do Estatuto, não isenta o agente de responsabilidade, a não ser que “a) estivesse obrigado por lei a obedecer a decisões emanadas do Governo ou superior hierárquico em questão; b) não tivesse conhecimento de que a decisão era ilegal; e c) a decisão não fosse manifestamente ilegal.” É ressaltado ainda, no mesmo artigo, que qualquer decisão de cometer os crimes de genocídio ou contra a humanidade será considerada manifestamente ilegal.

  Sobre o procedimento no âmbito do TPI, ele se inicia com a abertura do inquérito pelo procurador (art. 53), o qual, para isso, analisará se há “motivo razoável” para realizar as investigações. O art. 54 dispõe sobre as funções e poderes do procurador em matéria de inquérito, dentre as quais está colher provas, interrogar pessoas, buscar a cooperação de Estados e organizações, adotar as medidas necessárias para assegurar a confidencialidade das informações, etc. O Estatuto ainda prevê o direito das pessoas no âmbito do inquérito (art. 55), as quais não poderão ser obrigadas a depor contra si mesmas e nem ser submetidas a qualquer tipo de coação, intimidação ou ameaça, deverão ser acompanhadas de um intérprete quando forem interrogadas em uma língua que não compreendam ou não falem fluentemente e não poderão ser detidas arbitrariamente.

Após a abertura do inquérito o procurador pode também requerer a expedição de mandado de detenção ou notificação para comparecimento à Câmara Preliminar (art. 58). Esta Câmara é responsável por proferir os despachos e mandados durante o curso do inquérito, procurar obter cooperação dos Estados para adoção de medidas cautelares, e zelar pela proteção do processo e das testemunhas e vítimas, dentre outras coisas (art. 57). De acordo com o art. 59, o Estado-Parte que receber o pedido de prisão ou detenção e entrega deverá adotar imediatamente as medidas necessárias (art. 59).

Com a detenção da pessoa, ou sua apresentação voluntária, inicia-se a fase instrutória (art. 60), na qual será dada ciência ao acusado de todas as imputações que lhe estão sendo feitas e este poderá requerer sua liberdade. Antes do julgamento a Câmara “realizará uma audiência para apreciar os fatos constantes da acusação com base nos quais o procurador pretende requerer o julgamento” (art. 61). Esta audiência deverá ocorrer com a presença do acusado, a menos que ele renuncie a este direito ou tenha fugido, ou ainda, não seja possível encontrá-lo, sendo, contudo, sempre garantida a presença de um defensor (art. 61(2)). Conforme a apuração dos fatos na audiência, a Câmara decidirá pela procedência ou improcedência da acusação, podendo ainda requerer que o procurador apresente novas provas ou modifique a acusação (art. 61(7)). Procedente a acusação, a Presidência do Tribunal designará uma Câmara de Primeira Instância que estará encarregada da fase seguinte do processo (art. 61(9)).

 Segundo o art. 63 do Estatuto, no julgamento o acusado deverá estar presente. A Câmara de Primeira Instância, responsável pelo julgamento, deverá conduzi-lo de forma a que seja célere e de que todos os direitos do acusado sejam respeitados, bem como que as vítimas e testemunhas estejam protegidas (art. 64). No caso de confissão, analisadas determinadas condições, a Câmara poderá condenar o acusado pelo crime, ou ainda solicitar mais informações (art. 65). É garantida ao acusado a presunção de inocência (art. 66). Além disso, ele deve ser ouvido em audiência pública, ser informado detalhadamente de todas as acusações, ter tempo suficiente para preparar a sua defesa, ser julgado sem atraso, ser assistido por um defensor, inquirir as testemunhas, entre outras garantias (art. 67).

As penas aplicáveis aos acusados, segundo o art. 77 do Estatuto são: pena por tempo determinado, por no máximo trinta anos, ou prisão perpétua, “se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem” (art. 77(1)(b)). Além dessas penas, poderá ainda ser cominada uma pena de multa, bem como “a perda de produtos, bens e haveres provenientes, direta ou indiretamente, do crime, sem prejuízo dos direitos de terceiros que tenham agido de boa-fé” (art. 77(2)(b)).

É possível ainda, no âmbito do TPI, o recurso da sentença ou da pena aplicada (art. 81) bem como de outras decisões (art. 82), que será julgado pela Câmara de Recursos que tem todos os poderes da Câmara de Primeira Instância (art. 83). Confirmada a condenação, as penas serão cumpridas em um Estado que será indicado pela Corte, que tenha se disposto a receber os condenados (art. 103).

Nestes termos é que deverão acontecer os julgamentos pelo TPI. Para seu regular funcionamento é muito importante o apoio e a cooperação da comunidade internacional, uma vez que ele não possui poderes de polícia, questão que limita, de certa forma, a sua efetividade. Apesar disso, existem hoje já alguns réus que foram detidos pelas polícias de países signatários, bem como outros que se apresentaram voluntariamente, que estão já em fase de julgamento perante o tribunal.    

2.3.3 Casos em andamento perante o Tribunal Penal Internacional[55]

Desde que iniciou o seu funcionamento, já foram abertas investigações relacionadas a sete diferentes situações e existe ainda muitas outras denúncias apresentadas frequentemente ao Procurador. Se este as entender plausíveis e de acordo com as competências do tribunal, irá iniciar novas investigações.  

A primeira situação investigada é a da República Democrática do Congo, a qual foi comunicada ao procurador pelo próprio Presidente deste país, informando que, desde a entrada em vigor do Estatuto, no seu território, estariam ocorrendo crimes de competência do TPI. Após receber outras comunicações, de indivíduos e organizações não-governamentais o procurador passou a acompanhar o caso e requereu autorização para investigá-lo ainda em 2003. Atualmente são cinco os investigados neste caso: Thomas Lubanga Dylo[56]; Germain Katanga[57] e Mathieu Ngudjolo Chui[58]; Bosco Ntaganda[59]; e Callixte Mbarushimana[60].

A segunda situação é a de Uganda. Esta situação também foi submetida ao procurador pelo próprio Presidente do país, em 2004, e se refere ao Lord’s Resistance Army. O procurador entendeu que existiam elementos suficientes para iniciar a investigação e, alguns meses depois, passou a tomar as providências cabíveis. Neste caso estão sendo investigados Joseph Kony, Vincent Otti, Okot Odhiambo,  Dominic Ongwen e Raska Lukwiya.[61]

A terceira situação é a da República Central Africana, a qual chegou a conhecimento do procurador por meio de uma carta do Governo deste país. Com base nas informações dadas, o procurador foi em busca de outras e em 2007 decidiu-se pela abertura das investigações. Até agora o único acusado é Jean-Pierre Bemba Gombo, presidente e comandante-chefe do Mouvement de Libération du Congo (MLC).[62]

A quarta situação é a do Sudão e será tratada mais detidamente no próximo capítulo. A quinta, por sua vez, é a da República do Quênia no qual estão sendo acusados William Samoei Ruto (Ministro suspenso da educação, ciência e tecnologia), Henry Kiprono Kosgey (membro do Parlamento) e Joshua Arap Sang (chefe de operações da Kass FM de Nairobi). Todos são acusados da prática de crimes contra a humanidade, tendo a audiência para confirmação das acusações se realizado em 1-8 de setembro de 2011.

A sexta situação é a da Líbia a qual foi submetida ao TPI pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas por meio da resolução nº 1970, de 2011, nos termos do art. 13(b) do Estatuto, por entenderem que neste país estão acontecendo várias violações aos direito humanos. Os principais investigados neste caso são Muammar Gaddafi[63] (comandante das Forças Armadas da Líbia e mantendo o título de líder da Revolução, agia como Chefe de Estado), Saif Al-Islam Gaddafi (agia como Primeiro Ministro), Abdullah Al-Senussi (coronel das forças armadas da Líbia e chefe da inteligência militar). Em 27 de junho de 2011 foi expedido mandado de prisão contra os três, sendo que as principais acusações concernem em crimes contra a humanidade.

A sétima situação se refere à Costa do Marfim que, em 18 de abril de 2003 enviou uma declaração ao TPI reconhecendo a sua competência para julgar os crimes em seu território, nos termos do art. 12(3) do Estatuto de Roma, e, em 14 de dezembro de 2010 enviou nova declaração confirmando o reconhecimento, após ter havido mudança no governo. Em 03 de outubro de 2011, a Câmara preliminar autorizou o procurador a iniciar as investigações sobre possíveis crimes cometidos a partir de 28 de dezembro de 2010 no território deste país.

Apesar de ainda não ter sido proferida nenhuma sentença definitiva no âmbito do TPI, este vem trabalhando incessantemente nas investigações que realiza, enfrentando diversos obstáculos que, com certeza, servirão de exemplos para eventuais futuras reformas do Estatuto que tornem o Tribunal mais efetivo, e, assim, digno de maior credibilidade pelos países que ainda não o aceitaram.

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Sobre a autora
Arisa Ribas Cardoso

Mestranda em Direito no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - PPGD/UFSC. Bacharel em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Arisa Ribas. O indivíduo como sujeito de direito internacional penal: o caso Omar Al-Bashir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3582, 22 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24245. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado como monografia de conclusão do curso de Direito em novembro de 2011 na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

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