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O desenvolvimento na Constituição Federal e sua qualificação como direito fundamental

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24/04/2013 às 11:08

Resumo:


  • O direito ao desenvolvimento é discutido como um possível direito fundamental, abordando suas várias concepções desde o pós-guerra até a definição de Amartya Sen.

  • A relação entre desenvolvimento e constituição é analisada, destacando a presença do desenvolvimento nas constituições contemporâneas, como a brasileira de 1988.

  • O desenvolvimento é tratado como um direito fundamental complexo, envolvendo diferentes concepções econômicas e sociais, e a delimitação de seu âmbito de proteção apresenta desafios teóricos e práticos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. Estrutura e natureza do direito ao desenvolvimento

Entre as possíveis classificações e categorizações a que o direito ao desenvolvimento pode se sujeitar, a primeira que merece referência seria quanto às gerações dos direitos. Trata-se de um direito fundamental de terceira geração25, que se destacam por possuírem uma titularidade difusa, de natureza coletiva, tais como o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. Em direitos desta geração, o Estado possui um importante papel para sua efetivação e expansão.

Ainda, esse direito, na nomenclatura adotada por Robert ALEXY, corresponde a um direito a prestação, pois demanda uma atuação ativa do Estado, em oposição aos direitos de defesa, que impõe ao poder público um dever de abstenção, de não atuação. Tais direitos a prestação podem ser divididos em três grupos distintos: (a) direitos de proteção; (b) direitos a organização e procedimento; e (c) direitos a prestação em sentido estrito. Marcando as principais características de cada grupo, conforme ALEXY, poder-se-ia afirmar que os direitos de proteção são aqueles direitos fundamentais em face do Estado a que este o proteja contra intervenções de terceiros; que os direitos à organização e procedimento traduzem os meios capazes de produzir um resultado conforme os direitos fundamentais; e que os direitos a prestação em sentido estrito refletem o direito a algo que, se o indivíduo dispusesse de meios financeiros suficientes e se houvesse oferta no mercado, poderia obter de particulares.

A categorização dos direitos a prestação em sentido amplo apresentada em resumo acima tem por finalidade demonstrar a dificuldade de enquadramento do direito fundamental ao desenvolvimento. Como demonstrado acima, a concepção de desenvolvimento e, por conseguinte, de direito ao desenvolvimento é variável no tempo e conforme a orientação teórico-política26.

O mesmo Robert ALEXY apresenta, uma possível solução para direitos desse tipo, ao mencionar a existência de “direitos fundamentais completos”, em cuja efetivação estão envolvidos uma liberdade jurídica, um direito de abstenção e um direito a ação positiva27. Essa categoria de direitos é definida como um feixe de posições definitivas e prima facie, relacionadas entre si por meio de uma relação de especificação, uma relação meio-fim e uma relação de sopesamento, e que são atribuídas a uma disposição de direito fundamental.

Exemplo trazido pelo autor é o direito ao meio ambiente, segundo o qual pode incorporar, em um mesmo feixe, um direito a que o Estado se abstenha de determinadas intervenções no meio ambiente (direito de defesa), um direito a que o Estado proteja o titular do direito fundamental contra intervenções de terceiros que sejam lesivas ao meio ambiente (direito a proteção), um direito a que o Estado inclua o titular do direito fundamento nos procedimentos relevantes para o meio ambiente (direito a procedimentos) e um direito a que o próprio Estado tome medidas fáticas benéficas ao meio ambiente (direito a prestação em sentido estrito). Outros exemplos são o direito à vida e o da liberdade de expressão.

Nessa linha de raciocínio, o direito ao desenvolvimento também deve ser considerado como um direito fundamental completo, pois seus reflexos podem ser encontrados em diversos desdobramentos da atuação estatal, incluindo obrigações de não intervenção do Estado28. Assim, desde a garantia da propriedade privada, a liberdade de trocas em um ambiente livre, até a garantia da igualdade material mediante atos de redistribuição de renda poderiam ser abrangidos por esse direito fundamental completo ao desenvolvimento.


6. Delimitação problemática do âmbito de proteção do direito fundamental ao desenvolvimento

Apesar de sua alta complexidade, ALEXY defende que a categoria de direitos fundamentais completos, no qual podemos encontrar o direito ao desenvolvimento, não seria inescrutável. Contudo, somando-se ao fato do direito ao desenvolvimento configurar-se, conforme a doutrina mencionada, um direito fundamento completo as diferentes concepções político-econômicas sobre essa questão, não é difícil perceber que alguns problemas poderão surgir para a jurista tanto na análise teórica quanto na efetivação em concreto.

O principal desses problemas, que abordaremos neste artigo, é quanto à delimitação do âmbito de proteção do direito ao desenvolvimento. PIEROTH e SCHLINK29, de forma lapidar, definem âmbito de proteção como o domínio da vida protegido pelos direitos fundamentos, refletido na formação de direitos subjetivos e também na concessão de significado jurídico-objetivo.

No caso do direito ao desenvolvimento, podemos perceber que, a depender da concepção político-econômica de desenvolvimento, o suporte fático do referido direito torna-se de difícil apreensão e, consequentemente, de difícil efetivação. Mesmo de natureza ampla e complexa, é possível verificar a existência e a estrutura do direito ao desenvolvimento, bem como de outros direitos econômicos, sociais e culturais. A discussão, assim, girará em torno da justiciabilidade de tais direitos e dos limites da apreciação judicial desses direitos.

Não se discorda da doutrina que esse tipo de direito fundamental é plenamente justiciável, apesar de suas características especiais que fogem aos contornos de direitos fundamentais de natureza liberal30, sob a possível consequência de se desprezar o conteúdo das Constituições.

Contudo, a delimitação desse direito será de tal maneira ampla que não será possível perceber se o que foi levado a juízo é o próprio direito ao desenvolvimento ou alguma posição fundamental acessória igualmente protegida31, dada a alta complexidade de sua estrutura. A essa mesma conclusão chegam ABRAMOVICH e COURTIS, sobre a exigibilidade judicial de direitos econômicos, sociais e culturais, partindo inicialmente da tese oposta (a não exigibilidade desses direitos):

“En sínteses, si bienpuedeconcederse que existenlimitaciones a lajusticiabilidad de losderechos económicos, sociales y culturales, cabe concluir em el sentido exatamente inverso: dada sucompleja estrutura, no existe derechoeconómico, social o cultural que no presente al menos alguna característica o faceta que permite suexigibilidad em caso de violación.”32 (grifos no original)


7. Conclusão

A essa possibilidade de sempre haver “alguma característica” do direito ao desenvolvimento que pode ser demanda perante o Poder Judiciário, deve-se aliar o risco de que, com a intenção de possibilitar uma maior definição ao direito ao desenvolvimento, sejam adotadas concepções político-econômicas mais restritivas e universais, tal como a de matiz neoclássico, com fundamento no aumento de utilidade individual ou na busca incessante de eficiência, sem preocupações distributivas.

Esse é, como conclusão, um dos principais problemas de se trabalhar o desenvolvimento com as categorias de direitos fundamentais. Não se está aqui a negar que, de fato, o direito ao desenvolvimento é um direito fundamental existente na ordem jurídica brasileira. Contudo, ou o referido direito apresentará contornos muito amplos e gerais e pouca operabilidade pelo jurista e pelos poderes constituídos (em função das diversas concepções de desenvolvimento e de sua natureza de direito fundamental completo), ou corre-se o risco de, na tentativa de conferir maior efetivação a esse direito, seja adotada alguma concepção de desenvolvimento demasiada restritiva.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ABRAMOVICH, Víctor, COURTIS, Christian. Los derechossociales como derechosexigibles. Madrid: Ed. Trotta, 2002.

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HOLMES, Stephen, SUNSTEIN, Cass R. The Cost of Rights.Nova York: Norton, 1999.

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SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 10ª ed., 2011.

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TRUBEK, David M.; SANTOS, Alvaro (orgs.). The New Law and Economic Development.Cambridge: Cambridge University Press, 2006.


Notas

1 VIEIRA, Oscar Vilhena, DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. IN: Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 45. e ss.

2 TRUBEK, David M.; SANTOS, Alvaro (orgs.). The New Law and Economic Development.Cambridge: Cambridge University Press, 2006.

3 VIEIRA, Oscar Vilhena, DIMOULIS, Dimitri. Constituição e desenvolvimento. In: Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 46.

4Id., ibidem, p. 47.

5VIEIRA, Oscar Vilhena, DIMOULIS, Dimitri, Op. cit., p. 50.

6 Exemplos são a Constituição indiana de 1950, a Lei Fundamental alemã de 1949, a constituição portuguesa de 1975, a constituição brasileira de 1988 e a constituição sul-africana de 1993.

7 Essa contagem é feita por VIEIRA e DIMOULIS (2011): constituição da Índia de 1950 (22 vezes), de Portugal de 1975 (28 vezes), do Brasil de 1988 (28 vezes), da Colômbia de 1991 (58 vezes), da África do Sul de 1996 (10 vezes) e da Venezuela de 1999 (39 vezes).

8 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Desenvolvimento. In: Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 17-29.

9 CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento. In: BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 26.

10 EVANS, Peter. Challenges of the ‘Institutional Turn': New Interdisciplinary Opportunities in Development Theory. In: NEE, Victor, SWEDBERG, Richard (org.). The Economic Sociology of Capitalism.Princeton: Princeton University Press, 2005, pp. 90-116.

11 Entre eles se destacam Karla Hoff e Joseph Stiglitz.

12 EVANS, Peter. Op.cit.

13 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia de bolso, 2010, p. 25.

14 SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002.

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15Obviamente, quando a cooperação existir somente para a manutenção do status quo, deve ser severamente perseguida e punida pelo Direito, como no caso dos cartéis.

16 SALOMÃO FILHO, Calixto. Op. cit.

17 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 1988, t. 4, p. 7-9.

18 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2011, p. 446.

19 PIEROTH, Bodo, SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011.

20 Essa linha de raciocínio é relevante na medida em que, como no caso brasileiro, o Estado é chamado a desenvolver o papel de propulsor do desenvolvimento.

21 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 10ª ed.,2011.

22 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2011, 211 e ss.

23 ALEXY, Robert. Op.cit., p. 203.

24 Art. 5º (...)§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

25 A divisão dos direitos fundamentais em diferente gerações é uma posição metodológica adotadas por diversos autores nacionais e estrangeiros. Ressalte-se que a teoria das “Gerações de Direitos” foi desenvolvida pelo jurista francês KarelVasak em Conferência proferida no Instituto Internacional de Direitos Humanos, no ano de 1979. Vasak classificou em três gerações os Direitos Humanos e fundou o seu pensamento em um dos dísticos da Revolução Francesa de 1789 (liberté, egalité et fraternité), qual seja, a solidariedade.

26Assim, ao se adotar uma concepção neoliberal do direito ao desenvolvimento, por exemplo, sequer um direito a prestação em sentido amplo ele seria.

27 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2011, p. 248.

28 Semelhante conclusão atingem ABRAMOVICH e COURTIS, com relação aos DESCs – direitos econômico, sociais e culturais, outra classificação cabível ao direito ao desenvolvimento. Segundo esses autores, esses direitos impõem a obrigação o Estado (i) a estabelecer algum tipo de regulação, (ii) a limitar ou restringir a faculdade dos indivíduos ou impor obrigações de algum tipo, e (iii) a cumprir sua obrigação de prover serviços à população, seja de forma mista ou exclusiva.V. ABRAMOVICH, Víctor, COURTIS, Christian. Los derechossociales como derechosexigibles. Madrid: Ed. Trotta, 2002.

29 PIEROTH, Bodo, SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 114.

30Ver ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2ª ed., 2011, eABRAMOVICH, Víctor, COURTIS, Christian. Los derechossociales como derechosexigibles. Madrid: Ed. Trotta, 2002.

31 Veja-se que Amartya SEN, Op. cit., fala sobre liberdades instrumentais.

32 ABRAMOVICH, Víctor, COURTIS, Christian. Los derechossociales como derechosexigibles. Madrid: Ed. Trotta, 2002.

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Sobre o autor
José Flávio Bianchi

Procurador Federal, graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, mestrando da Faculdade de Direito da Universidade de Brasilia - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIANCHI, José Flávio. O desenvolvimento na Constituição Federal e sua qualificação como direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3584, 24 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24249. Acesso em: 22 dez. 2024.

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