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Cláusula de arbitragem, o acesso à Justiça e a visão do Código de Defesa do Consumidor

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4 CONCLUSÃO

Com base nos modelos internacionais expostos, bem sucedidos a assegurarem o acesso à justiça dos consumidores, por permitirem celeridade e efetividade nas soluções, sem descuidar da proteção necessária à parte vulnerável, pode pensar-se na construção de um sistema nacional de arbitragem de conflitos de consumo.

Cabe observar já haver, na Lei 9.099/95[70], previsão de arbitragem, integrada ao sistema dos Juizados Especiais[71].

Contudo, sua regulamentação é antiquada e ineficiente, não assegurando vantagens ao consumidor a utilização da via arbitral. Ademais, não há informação ao consumidor acerca da arbitragem, fazendo com que praticamente não seja utilizada essa possibilidade legal.

Na audiência de conciliação, não obtido acordo, as partes podem optar de comum acordo pela via arbitral, devendo escolher árbitro somente dentre os juízes leigos. Carlos Alberto Carmona critica essa limitação, a qual restringe demasiadamente a autonomia das partes e é inapta a solucionar a sobrecarga dos juízes leigos, que permanecerão incumbidos da apreciação da causa.

Outra disposição objeto de crítica de Carmona é a exigência de submissão do laudo arbitral à homologação pelo juiz togado, providência prevista na revogada disciplina do Código de Processo Civil, já superada pela Lei da Arbitragem.

Desse modo, não se garantem celeridade e informalidade ao procedimento arbitral, não o tornando atrativo ao consumidor, que sequer é adequadamente informado dessa possibilidade, conforme:

Não se pode deixar, porém, de notar que o tratamento legislativo da arbitragem na Lei nº 9.099/05 é bastante antiquado e conservador. [...] Em síntese larga, mesmo sendo um entusiasta da arbitragem, não posso deixar de reafirmar que o entrelaçamento entre o instituto da arbitragem e o microssistema dos Juizados Especiais está longe de concretizar-se. Percebe-se que a disciplina do juízo arbitral protagonizada pela Lei nº 9.099/95 limita excessivamente a liberdade das partes de escolher o árbitro que desejam para solucionar-lhes a controvérsia, de tal modo que, do ponto de vista dos litigantes, vislumbra-se pouca ou nenhuma vantagem na escolha da solução arbitral em detrimento do processo estatal. [72]

Para a formação de uma cultura de solução arbitral das demandas de consumo, a Ministra Andrighi aponta a necessidade de esclarecimento do consumidor sobre essa modalidade de solução de controvérsias pelos órgãos públicos e não governamentais pertinentes.

Quanto ao custo do juízo arbitral, propõe-se a condução estatal de um sistema arbitral (de custeio público) ou seu financiamento por associações de fornecedores, os quais, a exemplo do modelo espanhol, poderiam ter uma certificação associada à adesão à via arbitral. A contribuir para a redução das despesas, assim como para a celeridade, faz-se essencial a adoção de um procedimento informal, compatível com a usual baixa complexidade e o reduzido vulto econômico dos conflitos de consumo.

Quanto à garantia da imparcialidade, impedindo-se a “captura” da instância arbitral pelo fornecedor em detrimento do consumidor, propõe-se ou a condução estatal dos tribunais arbitrais de consumo ou a normatização e fiscalização, pelo Estado, das entidades arbitrais privadas. Devem ser determinadas medidas tendentes à tutela do consumidor enquanto parte vulnerável, como a indicação paritária dos árbitros, com obrigatória participação de profissional relacionado a entidades de defesa do consumidor, assim como a ausência de custas ao consumidor e a sede arbitral em local próximo a seu domicílio.

Sugere Zuliani e Barreiros da utilização dos órgãos públicos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, destacando o PROCON como exemplo. Tais órgãos gozam de credibilidade perante os consumidores, sendo aptos à garantia da necessária imparcialidade. Compõem-se, ademais, de pessoal especializado nas questões de consumo, preservando-se a qualidade do provimento arbitral.

Já existindo estrutura de promoção de acordos nos mencionados, a instalação do juízo arbitral seria mero prolongamento em caso de insucesso na conciliação, desde que aceitando o consumidor essa via. Ao fornecedor, mostrou-se bem sucedido na experiência européia o modelo de prévia vinculação ao juízo arbitral, agregando valor a seus produtos e serviços perante o consumidor, através da garantia de submissão a meio simplificado de solução de controvérsias.

Nesse sentido, observa Selma Lemes que:

Atualmente, muitas empresas já perceberam que resolver rapidamente este tipo de problema agrega valor aos seus produtos e atividades, tal como quando instituíram a figura do ouvidor (“ombudsman”) nas empresas. O consumidor precisa apenas estar devidamente informado de como deve proceder diante de um problema, informação esta prestada pelo fabricante ou prestador do serviço. A reclamação poderá ser efetuada na instituição indicada, que com independência, imparcialidade, lisura, transparência e profissionalismo resolverá gratuitamente a controvérsia. Não demanda cláusula arbitral tradicional no contrato, mas cláusula em que a empresa oferece a possibilidade de solucionar a questão por arbitragem, se o consumidor assim desejar, ficando livre para acorrer à instituição arbitral indicada ou ao Judiciário. É indubitável que está iniciativa insere-se no contexto da responsabilidade social da empresa. [...] Em São Paulo há arbitragens consumeristas no Conselho Arbitral de São Paulo – CAESP (www.caesp.org.br) que firmou com a empresa General Electric – GE convênio em que esta se compromete frente aos seus consumidores, nos casos indicados, a aceitar a arbitragem, se assim preferirem, em vez de dirigirem-se ao Judiciário.[73]

Portanto, a arbitragem pode revelar-se mecanismo favorável ao fornecedor, que tem valor agregado a seus produtos e serviços e potencial redução de custos em relação a um litígio judicial, mormente através da redução de formalidades. Proveitosa também ao consumidor, beneficiado pela celeridade e informalidade da via arbitral, em oposição à sobrecarga e conseqüente morosidade do aparato judicial.

Conclui Eduardo Antonio Klausner, quanto à “arbitrabilidade” dos conflitos de consumo, que:

Diante da experiência internacional bem sucedida, verifica-se que a arbitragem como meio alternativo para a solução de lides decorrentes de contratos de consumo é viável e recomendável, em especial diante de um aparato judiciário estatal insuficiente e oneroso, bastando que o Estado participe efetivamente na instituição destes organismos, regulando-os e fiscalizando-os, permitindo o acesso do consumidor a mais esta opção, sempre atento as especificidades dos seus direitos, e sem privá-lo de preferir a jurisdição estatal. No mais, o sucesso da arbitragem só se verificará se os predicados e princípios jurídicos que inspiram o instituto vicejarem plenamente, pois em caso contrário o próprio consumidor não aderirá e não buscará a solução de seu litígio através da arbitragem, e continuará a perseguir seus direitos na justiça estatal através do julgamento de seus juízes.  Para tanto, devem tais órgãos arbitrais ter uma composição de árbitros onde exista efetiva representação dos consumidores e especialistas em direito do consumidor. [74]

Diante do exposto, percebe-se a necessidade da promoção e regulamentação da solução arbitral aos conflitos de consumo, mostrando-se via frutuosa de acesso à justiça aos consumidores (célere, informal e de baixo custo), com lastro em bem sucedidas experiências internacionais.


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Sobre os autores
Antonio Aurelio Abi Ramia Duarte

Juiz de Direito do TJERJ - Membro da I Turma Recursal Cível dos JEC-TJERJ Mestrando em Processo pela UERJ Expositor/ Instrutor EMERJ/ESAJ

Marina Silva Fonseca

Bacharel em Direito pela UERJ Servidora Pública da Defensoria Pública do RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Antonio Aurelio Abi Ramia ; FONSECA, Marina Silva. Cláusula de arbitragem, o acesso à Justiça e a visão do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3664, 13 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24941. Acesso em: 5 mai. 2024.

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