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Da (ir)recorribilidade imediata das decisões interlocutórias nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais

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Resumo:


  • A Lei n. 9.099/95, que regulamenta os Juizados Especiais Cíveis Estaduais, adotou o princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, visando à celeridade e simplicidade processual.

  • Apesar do princípio da irrecorribilidade, algumas decisões interlocutórias podem ser impugnadas imediatamente, como as que deferem ou indeferem antecipação de tutela e as que negam seguimento ao recurso inominado.

  • Existe divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o meio adequado para impugnar tais decisões, sendo discutido o uso de agravo de instrumento, mandado de segurança e reclamação regimental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO 2 PRINCIPIOLOGIA, SISTEMA RECURSAL E AÇÃO RESCISÓRIA

2.1 Princípios

Os princípios norteadores dos Juizados Especiais encontram-se disciplinados no art. 2º da Lei n. 9.099/95, o qual estatui que:

Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. (Destacou-se).

Frise-se que, embora o legislador tenha se utilizado da expressão “critérios”, estes são verdadeiros princípios gerais, cuja finalidade é alicerçar toda e qualquer atuação relativa ao procedimento instituído, a fim de que seu objetivo principal, qual seja a ampliação do acesso ao Judiciário, seja alcançado. Assim, tais princípios funcionam tanto como vetores hermenêuticos, pois guiam a atividade interpretativa relativa às normas aplicáveis aos Juizados, tanto como fonte de integração, visto que, ao se deparar com uma lacuna na Lei n. 9.099/95, deve o intérprete verificar se a norma que pretende utilizar para suprir determinada omissão é compatível com os postulados supracitados, sob pena de desvirtuar o microssistema em estudo.

A seguir, far-se-á a análise individual de cada um desses princípios e de suas implicações, com a ressalva de que, na prática, sua aplicação está sempre interligada.

2.1.1 Oralidade

Nos processos deflagrados perante os Juizados Especiais, a palavra falada prevalece sobre a escrita, o que confere maior celeridade e simplicidade ao procedimento, bem como contribui para a obtenção de uma resposta jurisdicional mais fiel à realidade.  Cumpre destacar que o princípio da oralidade não importa a exclusão por completo da palavra escrita, o que, aliás, seria impossível, devido à necessidade de se documentar a marcha da causa em juízo, mas significa que tão somente os atos reputados essenciais serão reduzidos a termo. Não se deve confundir, portanto, processo oral, hipótese dos Juizados, com processo verbal, o qual, na atualidade, só é encontrado em tribos e sociedades mais primitivas.

São decorrências práticas do postulado da oralidade, dentre outras: a possibilidade de proposição da demanda e do oferecimento de contestação de forma oral; a faculdade que detém a parte de opor embargos de declaração oralmente, bem como de instaurar a fase de cumprimento de sentença mediante simples requerimento; o fato de o mandato conferido verbalmente outorgar poderes para o foro em geral (procuração ad judicia); e a previsão de que a prova oral (depoimentos das partes e testemunhas) não será reduzida a termo, mas apenas gravada em sistemas de áudio, devendo a sentença mencionar, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos[14].

A doutrina, valendo-se dos ensinamentos de Giuseppe Chiovenda[15], costuma associar quatro aspectos ao processo oral. Trata-se, na realidade, de verdadeiros subprincípios do postulado da oralidade, quais sejam imediatismo, identidade física do juiz, concentração dos atos processuais e irrecorribilidade das decisões interlocutórias.

Pelo imediatismo, tem-se que o magistrado deve coletar diretamente as provas, em contato imediato com as partes, seus representantes e testemunhas.

Já a identidade física do juiz preconiza que o feito deve ser sentenciado pelo magistrado que procedeu à colheita da prova, o qual fica vinculado à causa. O subprincípio em exame parte do pressuposto de que o juiz que esteve em contato direto com as partes terá melhores condições de proferir uma decisão mais justa, pois, desse contato direto, poderá mais facilmente apreender a realidade fática que ensejou o litígio.

A concentração dos atos processuais, por sua vez, impõe que os atos processuais sejam concentrados em um único momento ou, pelo menos, em poucos momentos, próximos uns dos outros. Nesse ponto, é preciso esclarecer que os Juizados Especiais foram concebidos sob a premissa de que todo o procedimento, em regra, concentrar-se-ia numa única audiência (audiência una de conciliação, instrução e julgamento), em que o insucesso da conciliação conduziria à imediata instrução e julgamento do feito, conforme dicção do caput do art. 27[16] da Lei n. 9.099/95. No entanto, a prática revelou realidade bastante distinta, de modo que, não obtida a conciliação, duas costumam ser as soluções apresentadas: a) o juiz designa audiência de instrução e julgamento para uma data futura, ou seja, atribui-se à exceção prevista no parágrafo único[17] do art. 27 o status de regra, fragmentando-se a audiência, sem se atentar, no entanto, para o prazo (impróprio) previsto no aludido dispositivo legal, que estabelece um intervalo máximo de 15 (quinze) dias entre a audiência de conciliação e a de instrução e julgamento, não sendo raros os casos em que esse intervalo supera anos; ou b) procede-se ao julgamento antecipado da lide (que, data maxima venia, nada tem de antecipado), conferindo-se prazo de 10 (dez) dias para o réu oferecer contestação e, sucessivamente, mais 10 (dez) dias para o autor apresentar réplica, o que transforma os Juizados em “mini Varas Cíveis” e, por conseguinte, desvirtua, por completo, a mens legis.

Por fim, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, tema do presente estudo, impede que o procedimento seja a todo o momento interrompido pelos recursos interpostos em desfavor das decisões interlocutórias, o que significa que as interlocutórias oriundas dos Juizados não se sujeitam aos efeitos da preclusão, porquanto o recurso inominado é o remédio processual adequado não só para provocar o reexame da sentença, como também para devolver à Turma Recursal a análise do acerto/desacerto das decisões proferidas incidentalmente no processo. Mais adiante, por ocasião da análise do sistema recursal dos Juizados e no terceiro capítulo, o qual é dedicado, na íntegra, ao referido princípio, a questão será apreciada com maiores detalhes.

2.1.2 Simplicidade

O princípio da simplicidade visa aproximar o cidadão da Justiça, por meio da instituição de procedimentos simplificados, notadamente no que tange ao aspecto linguístico, com o propósito de afastar a utilização de termos rebuscados ou técnicos.

Não se pode olvidar que, nos Juizados, muitas vezes, as partes litigam sem o patrocínio de um advogado. Trata-se do jus postulandi, o qual, conforme previsão do art. 9º da Lei n. 9.099/95, é permitido nas causas de valor até 20 (vinte) salários mínimos, em sede de primeira instância. Assim, os juízes, ao proferirem despachos, decisões interlocutórias e sentenças, deverão se valer de linguagem que seja compreensível pelas partes, pois uma decisão em linguagem complexa pode não só prejudicar o direito do litigante (que não consegue atender à determinação do Juízo), como, em última análise, afastar o cidadão do Judiciário, dando azo à chamada litigiosidade contida, o que se contrapõe à razão de existência dos Juizados.

2.1.3 Informalidade

Pelo princípio da informalidade, busca-se romper com o rigorismo formal, que tanto atravanca a prestação da tutela jurisdicional, de modo que os atos processuais devem ser praticados com o mínimo de formalidade possível. Nesse sentido, a forma deve ser encarada apenas como um instrumento destinado a assegurar a obtenção do resultado a que se dirige o ato jurídico, o que, em linhas transversas, significa dizer que o ato processual será válido, ainda que praticado de forma diversa da prevista em lei, desde que atinja a sua finalidade. Cuida-se, portanto, do princípio da instrumentalidade das formas, que, nas palavras de Alexandre Freitas Câmara[18], “é a norma fundamental desse moderno sistema de processo deformalizado” e cuja previsão legal encontra-se disciplinada nos arts. 244 do CPC e 13 da Lei n. 9.099/95.

Representam algumas implicações práticas do princípio da informalidade, no âmbito dos Juizados, a possibilidade de ajuizamento da demanda ou oferecimento da contestação de forma verbal, a realização das intimações por qualquer meio idôneo de comunicação e a possibilidade de oposição de aclaratórios oralmente[19].

2.1.4 Economia processual

O princípio da economia processual objetiva à máxima efetividade da lei com a prática do menor número de atos processuais possíveis, de forma a garantir um processo de resultados. Também está relacionado com a menor onerosidade da prestação jurisdicional.

São exemplos de aplicação do mencionado princípio a dispensa de relatório na sentença; a dispensa de elaboração de acórdão quando a sentença recorrida for mantida pelos seus próprios fundamentos (nesse caso, a súmula de julgamento substituirá o acórdão); a possibilidade de conversão da sessão de conciliação em audiência de instrução e julgamento; o fato de as partes, em regra, já saírem intimadas do ato processual subsequente que será praticado; e a possibilidade de formulação de pedido contraposto na própria contestação[20].

2.1.5 Celeridade

O princípio da duração razoável implica que o processo nos Juizados Especiais deve demorar o mínimo de tempo possível, a fim de que se evitem dilações indevidas e se garanta a efetividade da prestação da tutela jurisdicional. Tal princípio não é uma exclusividade dos Juizados, visto que a Emenda Constitucional n. 45/2004 (emenda da reforma do Poder Judiciário), ao incluir o inciso LXXVIII[21] ao art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), erigiu a duração razoável a princípio de envergadura constitucional, de forma que todo e qualquer processo, no âmbito judicial e administrativo, deve observar o referido postulado.

Nesse aspecto, é interessante pontuar, conforme lição de José Rogério Cruz e Tucci[22], que existe um inevitável tempo do processo. Assim, cada processo, observadas as suas peculiaridades, tais como a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores, e a atuação do órgão jurisdicional, tem o seu próprio tempo, o qual, repita-se, em obediência ao comando constitucional, deve ser o mínimo possível.

No entanto, esclareça-se que o princípio da duração razoável deve ser sempre conjugado com outro princípio, também de quilate constitucional, que é o devido processo legal, pois, se de um lado, um processo moroso não garante a efetividade da prestação jurisdicional, por outro, um processo extremamente célere, em que não seja respeitado o conteúdo mínimo do devido processo legal, é arbitrário e inconstitucional.

Outro ponto importante é que muitos doutrinadores, dentre eles Fredie Didier JR., negam a existência do princípio da celeridade. Confira-se o interessante ensinamento do renomado professor[23] acerca do assunto: “Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional”.

Feitas essas ponderações, podem ser apontados como desdobramentos do princípio da duração razoável as seguintes previsões da Lei n. 9.099/95: o sistema recursal reduzido (em regra, só são admitidos o recurso inominado e os embargos de declaração); a regra de que o recurso inominado só é recebido no efeito meramente devolutivo; a diminuição de alguns prazos processuais (como exemplo, pode-se citar o prazo para interposição de recurso inominado, que é de dez dias); a vedação à intervenção de terceiros e à assistência; a possibilidade de conversão da sessão de conciliação em audiência de instrução e julgamento; e a proibição à citação editalícia[24].

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2.2 Do sistema recursal

O presente tópico é destinado à análise do enxuto sistema recursal instituído pela Lei n. 9.099/95, bem como da compatibilidade dos recursos constitucionais (recurso especial e recurso extraordinário) com o microssistema em questão. Antes, porém, proceder-se-á ao estudo das Turmas Recursais, órgão para o qual foi conferida a competência para o reexame de mérito das decisões oriundas dos Juizados.

2.2.1 O duplo juízo de mérito e as Turmas Recursais

Nos Juizados Especiais, a competência recursal é exercida pelo próprio juizado, que, para julgar em grau de recurso, passa a atuar por meio de uma turma[25] formada por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição[26], a teor do que dispõe o § 1º do art. 41 da Lei n. 9.099/95, verbis:

Art. 41. Da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o próprio Juizado.

§ 1º O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado (Sem destaque no original).

Trata-se de mais uma particularidade desse microssistema, uma vez que, no processo tradicional, o duplo juízo de mérito é exercido pelo tribunal local, órgão ad quem diferenciado e destacado do que já julgou a causa, diversamente do que ocorre nos Juizados, em que a função revisora é exercida em um mesmo grau de jurisdição, porquanto são os próprios juízes de direito de primeira instância que, em turma, reexaminam as decisões do juiz singular.

Essa opção do legislador de conferir o juízo recursal a um órgão integrante da própria estrutura do Juizado foi essencial para manter a coerência do sistema, pois seria em vão prezar pela celeridade e simplicidade na instância primeva para que, posteriormente, em sede de recurso, os autos fossem encaminhados aos abalroados Tribunais de Justiça, compostos por desembargadores que, com a mais respeitosa vênia, não estão habituados com os informalismos dos Juizados. Roberto Portugal Bacellar[27], juiz de direito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Curitiba, ressalta que:

[...] O reexame da causa em um mesmo grau de jurisdição objetivou propiciar, nos Juizados Especiais, um maior acesso à justiça. Não basta só o acesso à decisão em primeira instância. A facilitação da procura de direitos junto aos Juizados Especiais deve englobar o acesso às turmas recursais [...].

Convém esclarecer que não há hierarquia entre o Tribunal de Justiça e as Turmas Recursais, de sorte que, do acórdão proferido por esta, não cabe recurso àquele, mas somente o manejo de aclaratórios dirigidos à própria Turma, na hipótese em que o decisum padeça de obscuridade, contradição, omissão ou dúvida, ou recuso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, desde que, é claro, se discuta questão constitucional.

Também merece menção o fato de não ter a Lei estabelecido critérios para a composição das Turmas Recursais. Assim, coube aos Tribunais, por meio de seus Regimentos Internos, a tarefa de disciplinar a matéria, sendo que, em regra, com o fito de garantir que os recursos fossem apreciados por juízes mais experientes, prezou-se pela antiguidade. Nesse sentido, confira-se o exemplo do Regimento Interno das Turmas Recursais dos Juizados Especiais do Distrito Federal[28], o qual, ao tratar da composição das Turmas[29], estabeleceu que: a) a escolha dos membros obedecerá aos critérios de antiguidade e merecimento, alternadamente; b) serão escolhidos, preferencialmente, juízes com experiência em Juizados Especiais ou em Turmas Recursais; c) um terço dos membros das Turmas Recursais será escolhido entre juízes de direito titulares dos Juizados Especiais da Circunscrição Judiciária de Brasília ou com competência em todo o Distrito Federal, exceto quando não houver juiz que preencha tal requisito.

Noutro giro, não se pode avançar sem uma importante ponderação: há prejuízo ao princípio do duplo grau de jurisdição pelo fato de, nos Juizados, o reexame da causa ser exercido em um mesmo grau de jurisdição?

Primeiramente, é preciso esclarecer que o princípio do duplo grau não está previsto expressamente no texto constitucional. No entanto, a doutrina majoritária encampou o entendimento de que o referido princípio decorre da própria organização dos Órgãos do Poder Judiciário, a exemplo dos arts. 102, II, 105, II, e 108, II, todos da CRFB, razão pela qual prepondera o posicionamento de que se trata de uma garantia constitucional implícita, que, frise-se, como qualquer outro princípio constitucional, não é absoluta, podendo ser excepcionada pela própria Carta Magna.

Em segundo lugar, conforme magistério de Ada Pellegrini Grinover e outros[30], o duplo grau de jurisdição é resguardado ainda que a revisão da decisão não seja desempenhada por órgãos da denominada “jurisdição superior”. Em outras palavras, significa dizer que o princípio se satisfaz pelo controle interno exercido por outros órgãos do Poder Judiciário, diversos do órgão a quo. E é exatamente isso que ocorre nos Juizados Especiais, visto que as decisões impugnadas são reexaminadas por um órgão distinto, denominado Turma Recursal, o qual é composto por juízes que atuam no mesmo grau de jurisdição do prolator da decisão.

Já Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[31], em linha ligeiramente diversa, adotando a perspectiva do duplo grau de jurisdição como a revisão da decisão por um órgão de grau superior, e considerando a possibilidade de revisão da sentença pelo mesmo juiz que proferiu a decisão impugnada (embargos infringentes previstos no art. 34[32] da Lei n. 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal) ou por juízes do mesmo grau de jurisdição daquele que proferiu a sentença (Recurso Inominado para a Turma Recursal: art. 41, § 1º, da Lei n. 9.099/95), concluem que “o denominado duplo grau de jurisdição poderia ser mais bem definido como um duplo juízo sobre o mérito”.

Note-se que os posicionamentos supracitados são muito semelhantes, limitando-se a divergência a uma questão de cunho meramente terminológico: duplo grau de jurisdição versus duplo juízo de mérito.

Por último, encerra-se este tópico com a fundamentada crítica de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[33] acerca da previsão do juízo recursal na Lei dos Juizados. Trata-se de posicionamento isolado, mas que se colaciona, a fim de provocar, ao menos, uma reflexão:

[...] Se o legislador estava ciente da “menor complexidade das causas” sujeitas ao procedimento que estava sendo traçado, dos benefícios da oralidade e da necessidade de maior celeridade na prestação jurisdicional, é difícil entender o motivo que o levou a escrever o art. 41 da Lei dos Juizados Especiais...

A Lei dos Juizados Especiais, ao mesmo tempo que exalta a oralidade, privilegia de forma ilógica a “segurança jurídica”, através da instituição de um juízo repetitivo sobre o mérito. Note-se que o julgador tem contato direto com as partes e a prova, e isto lhe permite formar um “juízo” mais preciso sobre os fatos, não há como imaginar que um “colegiado” composto por juízes que não participaram da instrução possa estar em condições mais favoráveis para apreciar o mérito [...].

Ressalte-se que, para os renomados doutrinadores, a Constituição Federal não garante um duplo juízo de mérito (posicionamento doutrinário minoritário, conforme já exposto), razão pela qual não haveria que se cogitar em inconstitucionalidade se a Lei n. 9.099/95 negasse o juízo recursal.

2.2.2 Dos recursos previstos na Lei n. 9.099/95

A Lei n. 9.099/95, com o desiderato de promover uma prestação jurisdicional célere e efetiva, adotou, de forma inovadora na esfera cível, o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, um dos consectários do postulado da oralidade, conforme já exposto alhures. Oportuno esclarecer que a irrecorribilidade já havia sido encampada por outro ramo do Direito Processual, qual seja o Trabalhista, como se pode depreender da leitura do art. 893, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho[34] (CLT). No entanto, diferentemente do que ocorreu na seara do Direito do Trabalho, em que a irrecorribilidade foi consagrada de forma expressa pelo diploma consolidado, a Lei de Regência dos Juizados Especiais Cíveis adotou o referido princípio de forma implícita.

Com efeito, a Lei n. 9.099/95 prevê e admite apenas duas espécies recursais: o recurso inominado e os embargos declaratórios, previstos nos arts. 41 e 48, respectivamente. Assim, conjugando-se o sistema recursal dos Juizados, que não previu qualquer recurso para atacar as decisões interlocutórias, com a sua principiologia, notadamente a oralidade e a celeridade, chega-se a inarredável conclusão de que as decisões interlocutórias oriundas dos Juizados são irrecorríveis, o que não significa que elas não estejam sujeitas a um duplo juízo de mérito, mas tão somente que não podem ser impugnadas de plano e em separado.

A seguir, estudar-se-á o reduzido sistema recursal instituído pela Lei n. 9.099/95, formado apenas, repita-se, pelo recurso inominado e pelos embargos de declaração, realizando-se uma análise comparativa entre esses recursos e aqueles que desempenham função semelhante no diploma processual civil.

2.2.2.1 Recurso inominado

O recurso inominado, previsto no art. 41 da Lei de Regência dos Juizados, é o remédio processual adequado para impugnar as sentenças, sejam elas terminativas (art. 267 do CPC) ou definitivas (art. 269 do CPC). Assim, em uma análise comparativa com o art. 513 do CPC, constata-se que o recurso inominado desempenha função semelhante à exercida pela apelação no procedimento comum.

Trata-se de função semelhante, mas não idêntica, visto que, além de ser o meio de impugnação das sentenças, tal qual a apelação, o recurso inominado comporta a devolução ao colegiado de todas as decisões interlocutórias anteriores à sentença. É a lição de Roberto Portugal Bacellar[35], que, ao discorrer sobre a não-preclusão das interlocutórias e o seu possível reexame pela via do recurso inominado, ressalta o conteúdo mais amplo e genérico do inominado frente aos recursos tradicionais previstos no Código de Processo Civil.

Somente dois tipos de sentença, por expressa vedação legal, não comportam revisão pela via do recurso inominado, a saber: sentença homologatória de conciliação e sentença homologatória de laudo arbitral. Nessas hipóteses, a sentença já nasce transitada em julgado, já que é irrecorrível desde a sua prolação.

Diferentemente do que ocorre na instância ordinária, o acesso à instância recursal depende do atendimento a certas exigências. Destarte, as partes deverão obrigatoriamente estar representadas por advogado, bem como efetuar o pagamento das despesas respectivas, inclusive daquelas atinentes à instância ordinária, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita. Ademais, conforme preceito do art. 55 da Lei n. 9.099/95, o recorrente vencido será condenado ao pagamento de honorários advocatícios, salvo se for beneficiário da gratuidade de Justiça.

O recurso inominado deve ser interposto no prazo de 10 (dez) dias, contados da ciência da sentença, em petição escrita[36], que deve conter as razões do recurso e o pedido de revisão ou de cassação. A parte dispõe do prazo de 48 (quarenta e oito) horas, após a interposição do inominado, para efetuar o preparo, independentemente de intimação, sob pena de deserção. Registre-se que o prazo em horas é contado minuto a minuto, a teor do que disciplina o § 4º do art. 132 do Código Civil. A consequência prática disso é que se a parte apresentou o recurso numa sexta-feira às 15h30min, por exemplo, não terá até as 15h30min da segunda-feira subsquente para comprovar o preparo, mas apenas até o primeiro minuto do dia útil subsequente. Assim, imaginando-se que um órgão jurisdicional funcionasse das 12h00 até as 19h00, a parte deveria comprovar o preparo até as 12h01 da segunda-feira seguinte. Efetuado o preparo, o recorrido é intimado para oferecer contrarrazões em 10 (dez) dias, devendo, para tanto, estar representado por advogado, sob pena de não-conhecimento da reposta escrita.

Com o fito de preservar a celeridade, segundo dicção do art. 43 da Lei n. 9.099/95, o recurso inominado comumente só é recebido no efeito devolutivo (efeito devolutivo ex lege), podendo o juiz, excepcionalmente, conceder-lhe efeito suspensivo para evitar lesão irreparável para a parte (efeito suspensivo ope iudicis). Isso significa que, em regra, a sentença emanada do Juizado, ainda que pendente de análise de recurso inominado pela Turma Recursal, pode ser executada provisoriamente, já que o recurso não tem o condão de suspender os efeitos da sentença recorrida, mas apenas de devolver a matéria impugnada para revisão do colegiado.

Quanto à possibilidade de oferecimento de recurso adesivo[37], ou seja, interposição de recurso inominado quando da intimação para apresentação de contrarrazões ao recurso interposto pela parte adversária, a jurisprudência majoritária tem-se filiado à tese de não-cabimento, sob o fundamento de que essa via quase “reconvencional” não se coaduna com a celeridade almejada pelos Juizados Especiais. Ricardo Cunha Chimenti e Marisa Ferreira dos Santos[38] acrescentam que o recurso adesivo não é admitido ante a ausência de previsão legal, entendimento encampado pelo enunciado n. 88 do FONAJE, ipsis verbis: “Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa previsão legal”.

Ante o exposto, verifica-se que as diferenças entre a apelação e o recurso inominado não se restringem ao conteúdo da matéria devolvida a reexame, que neste é mais amplo, englobando outros aspectos importantes, tais como: prazo, que, na apelação, é de 15 (quinze) dias, enquanto que, no inominado, é de 10 (dez) dias; momento para comprovação do preparo, que, na apelação, deve ser feito no ato da interposição, enquanto que, nos Juizados, a parte dispõe de 48 (quarenta e oito) horas; efeitos em que o recurso é recebido, visto que, em regra, a apelação é recebida em seu duplo efeito (efeito devolutivo e suspensivo), ao passo que, nos Juizados, vigora a regra do efeito meramente devolutivo; e (im)possibilidade de recurso adesivo, já que a apelação, diversamente do que ocorre com o recurso inominado, pode ser interposta adesivamente.

2.2.2.2 Embargos de declaração

O art. 48 da Lei n. 9.099/95, em previsão análoga à contida no art. 535 do CPC, admite a oposição de embargos de declaração quando a sentença ou acórdão estiver eivado de obscuridade, contradição ou omissão. Contudo, nos Juizados, ainda há um plus, porquanto se admitem os aclaratórios fundados em dúvida, situação que não encontra respaldo jurídico no processo tradicional. Confira-se a redação do dispositivo que arrola as hipóteses de cabimento dos embargos nos Juizados:

Art. 48. Caberão embargos de declaração quando, na sentença ou acórdão, houver obscuridade, contradição, omissão ou dúvida (Grifou-se).

Na realidade, conforme pontuam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[39], a dúvida também era contemplada pela redação original do Código de Processo Civil; porém, a edição da Lei n. 8.950/94 promoveu a sua exclusão, sob o argumento de que, por ser ela um estado subjetivo, difícil seria a sua comprovação, razão pela qual não deveria viabilizar embargos de declaração. No entanto, em que pese a crítica pertinente, o fundamento da dúvida continua apto a ensejar a oposição de aclaratórios nos Juizados.

Cumpre salientar que, apesar de o CPC e a Lei n. 9.099/95 somente disporem acerca da oposição de embargos de declaração contra sentença ou acórdão, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em admitir o manejo do referido recurso quando se está diante de decisões interlocutórias e até mesmo de despachos que contenham conteúdo decisório (ou seja, atos equivocadamente denominados de despachos), desde que presentes quaisquer dos vícios supracitados.

Quanto à forma de oposição, em consonância com o princípio da oralidade, a Lei dos Juizados faculta o manejo dos embargos na forma escrita ou oral, diferentemente do processo comum, no qual necessariamente devem ser opostos por escrito.

No que tange ao prazo, não há maiores digressões a fazer, visto que, tal como no CPC, esse foi fixado em 5 (cinco) dias a contar da ciência da decisão que se pretende embargar.

Esclareça-se, por oportuno, que, em função do jus postulandi dos Juizados, a parte não precisa estar representada por advogado para oferecer aclaratórios em sede de primeira instância. Situação distinta, contudo, se opera quando a decisão embargada for proveniente da Turma Recursal, porque não se pode atuar sem advogado na segunda instância desse microssistema.

Por fim, não se pode deixar de mencionar que a oposição de embargos declaratórios, no âmbito dos Juizados, tem o efeito de suspender o prazo para interposição de recurso, ao passo que, no processo tradicional, ocorre a interrupção[40] desse prazo. Por essa razão, nos Juizados, em sendo julgados os embargos, o prazo para interposição de eventual recurso continuará a correr de onde parou, enquanto que, nas Varas Cíveis, o prazo será devolvido na íntegra (o prazo “zera”). Essa diferença, pouco lembrada pelos advogados desabituados a atuarem no microssistema dos Juizados, acarreta a intempestividade de muitos recursos inominados, o que, consequentemente, aniquila o direito de a parte obter o reexame de mérito da decisão que lhe foi desfavorável.

2.2.3 Recurso especial

Não se admite recurso especial contra os acórdãos proferidos pelas Turmas Recursais, com fulcro no art. 105, III, da Constituição da República, que dispõe, ad litteram:

Art. 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios [...] (Destacou-se).

Dessa feita, considerando que as Turmas Recursais, como já salientado, não são órgãos genuinamente de segunda instância, é descabido o recurso especial em sede de Juizados.

Esse entendimento encontra-se sumulado pelo c. STJ, no verbete n. 203, o qual estabelece que: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.

2.2.4 Recurso extraordinário

Diferentemente do que ocorre com o recurso especial, em que a Constituição Federal especifica os órgãos dos quais deve provir a decisão recorrida (tribunal estadual ou federal), a redação do art. 102, III, da Carta Magna não o faz, o que autoriza o manejo do recurso extraordinário no microssistema dos Juizados, desde que presentes os requisitos constitucionais. Confira-se a previsão do referido dispositivo legal, in verbis:

Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a)   contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

(Sem grifo no original).

Nesse sentido, oportuna é a transcrição do enunciado n. 640 do STF, o qual sedimenta o entendimento sufragado em inúmeros julgados anteriores, com o seguinte teor: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.

Portanto, o recurso extraordinário é cabível contra todas as decisões proferidas pela Turma Recursal que contrariem a Lei Maior, desde que preenchidos outros requisitos específicos de admissibilidade, quais sejam: prequestionamento[41], pois é imprescindível o prévio debate e a decisão sobre a matéria constitucional na instância inferior; e repercussão geral, de modo que a questão deve transcender os interesses meramente particulares e individuais em discussão na causa, surtindo efeitos sobre o panorama político, jurídico e social da coletividade.

Enfatize-se, conforme pertinente lição de Bernardo Pimentel Souza[42], que a sentença oriunda dos Juizados Especiais não pode ser impugnada diretamente pela via do recurso extraordinário, estando o acesso à Suprema Corte condicionado ao prévio oferecimento de recurso inominado para a Turma Recursal. Desse modo, só o acórdão proferido pelo colegiado admite recurso extraordinário. Com isso, evita-se a denominada supressão de instância.

Também convém esclarecer que, por ser um recurso constitucional, cujo objetivo central é garantir a supremacia da constituição, não há que se falar em reexame de provas em sede de recurso extraordinário, como prevê a Súmula 279[43] do STF. Ademais, não se pode olvidar que o caso concreto levado à apreciação do Judiciário passa de questão principal (papel exercido na primeira e segunda instância) para mera questão de fundo (papel exercido no STF), sendo que eventual reforma da decisão impugnada só ocorrerá em virtude da inadequada aplicação da lei, e não em decorrência da análise dos fatos em si.

2.3 Da ação rescisória

O legislador, com o fito de promover a pacificação social definitiva dos conflitos submetidos ao procedimento sumaríssimo, vedou expressamente o manejo de ação rescisória no âmbito dos Juizados. Com efeito, o art. 59 da Lei n. 9.099/95 estabelece que:

Art. 59. Não se admitirá ação rescisória nas causas sujeitas ao procedimento instituído por esta Lei.

Assim, vindo a ser ajuizada ação rescisória nos Juizados Especiais Cíveis, tal demanda, inevitavelmente, estará fadada ao indeferimento de plano de sua inicial, visto que a ação carece de uma de suas condições, qual seja a possibilidade jurídica do pedido.

Essa vedação está calcada nos princípios da celeridade e da simplicidade. Ademais, o contato direto das partes com o magistrado reduz consideravelmente as hipóteses de erros nos julgamentos. Nesse sentido confira-se a lição de Fátima Nancy Andrighi[44]:

[...] Muito embora o procedimento perante os Juizados Especiais Cíveis seja sumaríssimo, a cognição dessas ações é plena, dando maior segurança tanto ao Juiz, na formação do seu convencimento, quanto aos litigantes [...]

Outro fator que comumente costuma ser apontado pela doutrina como hábil a justificar tal proibição relaciona-se com a competência para o julgamento da ação rescisória. Consabido que os Tribunais detêm a competência originária para processar e julgar as rescisórias contra os seus próprios julgados. Além disso, no caso de a ação rescisória impugnar sentença prolatada em primeiro grau de jurisdição, a competência é conferida ao Tribunal que teria sido competente para conhecer de eventual apelação contra a sentença que se pretende desconstituir. No entanto, nos Juizados, as causas, exceto na hipótese de recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, não passam por Tribunais, mas pelas Turmas Recursais dos Juizados, que, conforme já salientado, embora atuem em segundo grau de jurisdição, são órgãos de primeira instância. Assim, a supressão da rescisória dos Juizados também se respaldaria no fato de os Tribunais, em regra, não atuarem no microssistema em questão.

É oportuno salientar que a doutrina majoritária admite a via da ação declaratória (querella nullitatis) quando presentes qualquer dos vícios elencados no rol exaustivo art. 485 do CPC, o que afastaria eventual prejuízo às partes frente à lacuna deixada pela não admissão da rescisória.

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Sobre a autora
Vanessa Rossi Rosa Galli Manso

Servidora Pública do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANSO, Vanessa Rossi Rosa Galli. Da (ir)recorribilidade imediata das decisões interlocutórias nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3773, 30 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25626. Acesso em: 22 dez. 2024.

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