A maioridade Penal. Um desafio a ser estudado.

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As manchetes estampam dia sim dia não uma ocorrência envolvendo menor.

Introdução: As manchetes estampam dia sim dia não uma ocorrência envolvendo menor. Em 2013, sem dúvidas, a mais marcante foi a do estudante universitário Victor Hugo Deppman, de 19 anos, morto com um tiro na cabeça na noite de 09 de abril, em frente ao portão de entrada do prédio onde morava, na rua Herval, no Belenzinho – São Paulo. Ele foi vítima de um latrocínio – assalto seguido de morte – cometido por um menor de 17 anos, que no dia seguinte se entregou à Justiça e completaria 18 anos na sexta-feira, dia 12. As soluções são diversas diante de uma barbárie como esta, mas que se resumem em apenas duas:

  1. Diminuição imediata da menoridade penal para 16 anos, com a justificativa de que se pode eleger o presidente da república pode ser punido;
  2. Não diminuição por que o jovem está em processo de desenvolvimento e não tem ainda o seu discernimento fechado.

Análise histórica do Estatuto da Criança e Adolescente: A Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. O ECA, como é conhecido, representa um verdadeiro “divisor de águas” no que se refere ao trato da matéria relacionada à infância e juventude. Amparado na Constituição Federal, o Estatuto modificou completamente o tratamento legal da matéria, substituindo a ultrapassada Doutrina da Situação Irregular pela Doutrina da Proteção Integral.

Pela Doutrina da Situação Irregular havia duas infâncias no Brasil: uma relativa aos menores, pessoas em situação irregular, e outra relativa às crianças e adolescentes, a quem os direitos eram assegurados. Com a Doutrina da Proteção Integral, foi concebida uma única infância, no sentido de que todas as crianças e adolescentes são tidas como sujeitos de direitos, pessoas em peculiar condição de desenvolvimento, com a introdução de conceitos que permitem abordar essa questão sob a ótica dos direitos humanos.

Os direitos da criança e do adolescente e a doutrina constitucional da Proteção Integral: O Estatuto da Criança e do Adolescente, reflexo de uma Constituição Federal que valoriza profundamente a infância e a juventude, visa proteger integralmente a criança e o adolescente. Sendo, a proteção à infância, no seu sentido lato, direito social amparado pelo art. 6º da Constituição Federal. A Constituição atribuiu à infância e a juventude um momento especial na vida do ser humano e, por isso, conferiu-lhe no seu artigo 227 uma proteção jurídica específica, assegurando: o status de pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, a titularidade de direitos fundamentais e determinou ao Estado que estes direitos sociais fossem promovidos por meio de políticas públicas.

(CF/88) Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)

(ECA) Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. (É o caso da medida de internação, que pode ser prolongada até os vinte e um anos de idade)

(CF/88) Art. 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Com isso, as crianças e os adolescentes são sujeitos de direitos, em posição de igualdade com os adultos.

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Nesse contexto, esses direitos devem ser solidariamente assegurados pela família, comunidade, sociedade em geral e Poder Público, consoante prevê o ECA no artigo 4º, in

verbis:

“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

Análise histórica da maioridade penal no Brasil:

  1. Código Filipino, maioridade penal aos 21 anos;
  2. Código Criminal do Império, maioridade aos 14 anos, sendo possível limitar a liberdade até mesmo antes da idade de 14 anos, por imperar a idade razão, capacidade de discernimento;
  3. Código Penal da República, maioridade dos 9 aos 14 anos, entendia-se que havia o discernimento;
  4. Código de Menores de 1927, responsabilidade penal aos 14 anos;
  5. Código Penal vigente de 1940, responsabilidade penal aos 18 anos.

Verifica-se que desde a sua concepção o atual Código Penal sempre teve preocupação com a criança e com o adolescente, mas nunca frente à família ou frente ao Estado.

Garantia constitucional da inimputabilidade: O artigo 228 da CF estabelece a garantia da inimputabilidade aos menores de dezoito anos, assegurando à criança e ao adolescente o direito de ser submetido a um tribunal especial, regido por uma legislação especial e presidido por um juiz especial, o Juiz da Infância e da Juventude. Desta feita, por se tratar de direito fundamental, muitos autores entendem que não pode ser alterado, nem mesmo por Emenda Constitucional.

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Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.

Os menores de dezoito anos ficam sujeitos às medidas da norma especial, pois não possuem aptidão para suportar as consequências do crime. Ficam excluídos das consequências jurídicas penais quando da prática de infração penal.

Menores de 18 anos, para o saudoso mestre Nelson Hungria, é a imaturidade uma causa biológica, desenvolvimento mental incompleto que é suficiente para excluir as consequências penais.

O grande problema que se enfrenta atualmente está na opção da idade para considerar imputável, frise-se que no passado, adotava-se a idade penal por uma questão de Política Criminal, no entanto, o Brasil adota um sistema misto.

Vejamos em separado os três sistemas da imputabilidade penal ao adolescente e a criança.

Sistema da Idade Absoluta: Adotado pelo Código Penal, ou seja, a partir de 18 anos é considerado imputável antes da maioridade não existe nada.

Sistema do discernimento: Adotado pelo Chile e já adotado pelo Brasil e ainda em vigor em algumas legislações pelo mundo. Consiste no fato de não existir uma idade penal, analisa-se o caso em concreto e havendo discernimento aplica-se o Direito Penal de forma mitigada. O juiz é substituído pelo psiquiatra, o que acaba por ser um sistema muito fluido, pois em analisar o caso concreto, demora-se muito para realizar o laudo, p.ex. 6 meses, ou seja, na época da conduta possuía discernimento, mas agora não possui mais e vice-versa. Acaba por não ser uma alternativa barata, portanto, os países que adotam tal sistema estão procurando um substituto.

Sistema misto: É o adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que constitui numa responsabilidade socioeducativa.

A partir de 12 anos, já há uma consciência da ilicitude e, portanto, já há a possibilidade de uma responsabilidade socioeducativa. Depreende-se do fato que se impõe a mesma consequência no Direito Penal e o próprio legislador acabou por não atribuir qualquer vedação.

Conclusão: Percebe-se que o assunto não se esgota em si mesmo, mas entendo com este breve ensaio, que vivemos em um mundo dominado pela tecnologia e de intensa informação, portanto, é evidente que o “tabu” da maioridade penal deve ser encarado com os seus efeitos e suas causas. Não se pode imaginar um jovem de 12 anos em 2013 como um em 1940. Insistir no fato que não podemos mudar apenas pelo fato que nosso sistema carcerário é caótico e que ao invés de ressocializar apenas promove o infrator a “graduações criminosas” maiores é ignorar que pessoas estão morrendo vítimas de menores de 18 anos, que estão vivenciando uma espécie de “glamour da impunidade”.

Também entendo que não devemos mudar as leis pela comoção social, muito mais uma lei penal, pois as chances de criarmos “monstros” neste já marcado cipoal legislativo penal é grande. Mas há sim necessidade de enfrentarmos o problema. Portanto, poderíamos sim reduzir a maioridade penal para os 12 anos, sendo que entre 12 e 18 anos, adotaríamos o sistema misto de análise da culpabilidade do agente e o seu discernimento. Sendo a pena proporcional à conduta e a sua idade.

Referências bibliográficas

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

ARAÚJO, Temístocles Telmo Ferreira. Material do 5º CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PENAL, MÓDULO III – DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS. ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Professor Dr Paulo Afonso Garrido. 22 e 29SET03.

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Sobre o autor
Temístocles Telmo Ferreira Araújo

Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Comandante do Policiamento de Área Metropolitana U - Área Central de São Paulo. Doutor, Mestre e Bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública junto ao Centro de Altos Estudos de Segurança na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pós graduado lato senso em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público, São Paulo. Professor de Direito Processual Penal, Direito Penal e Prática Jurídica do Centro Universitário Assunção. Professor Conteudista do Portal Atualidades do Direito. Foi Professor de Procedimentos Operacionais e Legislação Especial da Academia de Polícia Militar do Barro Branco nos de 2008, 2009 e 2013. Professor de Direito Penal e Processo penal - no Curso Êxito Proordem Cursos Jurídicos (de 2004 a 2009). Professor Tutor da Pós-graduação de Direito Militar e Ciências Penais na rede de ensino Luiz Flávio Gomes - LFG (De 2007 a 2010). Professor Tutor de Prática Penal na Universidade Cruzeiro do Sul em 2009. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Direito Penal Militar e Processo Penal Militar, Direito Administrativo Militar e Legislação Penal Especial. Foi membro nato do Conselho Comunitário de Segurança Santo André Centro de 2007 a 2012.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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