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Excludentes de ilicitude civil: legítima defesa, exercício e abuso do direito, estado de necessidade

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10/12/2013 às 12:25
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CAPÍTULO V - REFLEXO DA COISA JULGADA PENAL NA JURISDIÇÃO CIVIL E SUSPENSÃO DO PROCESSO CIVIL

Art. 935 do Código Civil brasileiro: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar  mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas  no juízo criminal”.

Por sua vez, o CPP, dispõe, ao cuidar da ação civil:

“Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único.  Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.  (Vide Lei nº 5.970, de 1973)

Parágrafo único.  Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Art. 65.  Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

 Art. 66.  Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”.  

A responsabilidade civil e criminal diferem-se em seus fundamentos e objetivos e, de um mesmo fato, surtirão consequências diversas nas duas jurisdições; ambas estabelecem o princípio da pré-exclusão de contrariedade a direito do ato praticado em legítima defesa, no exercício regular de um direito reconhecido e no estado de necessidade e aqui há igual fundamento.

A controvérsia que sempre houve dá-se quanto aos efeitos do reconhecimento da excludente penal no juízo cível, diante do art. 65 do Código de Processo Penal, que  estabelece como coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido praticado o ato com exclusão de ilicitude. Segundo AGUIAR DIAS, o sistema do CPP aberra da tradição do direito brasileiro, além de fugir ao critério moderno da reparação do dano. Entende que ele isentou, em qualquer caso de reparação, o prejuízo causado, e o terceiro inocente atingido pelo ato, não pode, à luz daquele diploma, voltar-se contra o agente do estado de necessidade, mas apenas recorrer à responsabilidade de quem criou o perigo. É uma doutrina que não merece aplauso .(Cf. Op. Cit., 1983, v. II, p. 421, 472).

A divergência foi apontada, igualmente, no direito francês, conforme assentaram  PLANIOL et RIPERT: “Para defender la tesis de que la responsabilidad civil no queda necesariamente excluida por la irresponsabilidad penal, pudiera hallarse con apoyo en la jurisprudencia que admite la condena civil después de la absolución en lo criminal. Pero el alcance de ésta es algo incierto.”( Op. Cit., p. 780).

Se, no que toca aos efeitos da sentença penal condenatória, não existem dificuldades  na instância  privada, diversa é a situação quando a justiça penal decide pela absolvição do culpado e como será sua eficácia no cível. Tal como vige em outros sistemas, prevalece no nosso que, se a discussão da matéria em instância civil não ofereça risco de contradizer a instância penal, seja porque a questão a ser examinada na esfera privada não foi objeto de exame na instância penal,  ou, tendo-o sido, apenas no que foi peculiar ao campo penal, poderá ser revista na jurisdição civil.

A opinião da doutrina oscila entre a adoção da autonomia, interdependência e acumulação das duas ações. As legislações, igualmente, não seguem um mesmo sistema : umas adotam o da acumulação das ações, outras o da separação, como fez nossa legislação penal desde a Lei n. 261, de 03/12/1841 e tal como dispõem o atual Código Civil brasileiro, BGB, Holandês e o direito anglo-americano. No nosso direito, a sentença penal absolutória não produz efeito reparatório, mesmo que dela se possa extrair, de forma inconteste, um dano material ou extrapatrimonial a ser ressarcido. Só produzirá coisa julgada no cível, quando exclua a existência material do fato - art. 66 do atual Código de Processo Penal - ou reconhecer que o ato foi praticado  em estado de necessidade, legítima defesa, no estrito cumprimento do dever legal, ou no exercício regular do direito (art. 65). Isto porque o art. 23 do Código Penal determina essas mesmas hipóteses como excluídas de ilicitude e o próprio Código Civil as contempla em seu art. 188.  No exercício regular do direito estaria  abrangido o estrito cumprimento de dever legal, mas não em decorrência do preceito penal.

(Alguns autores preferem a expressão preclusão, por não reputarem tecnicamente correto  atribuir efeito de  coisa julgada, no cível, da sentença penal. Neste sentido é a lição de AGUIAR DIAS - Cf. Op. Cit., 1983, v II,  p. 916). 

A conjugação daqueles indigitados dispositivos com o princípio da independência das jurisdições, reconhecido textualmente, porém, não se apresenta de forma translúcida e a questão é tormentosa. O próprio art. 65 da codificação processual penal tem sido arduamente criticado por conter disposições retrógradas às novas concepções da  responsabilidade civil de que todo dano injusto deve ser reparado e por demonstrar contradição com o art. 66, trazendo maior confusão ao problema.  Ademais, dá maior elastério ao efeito preclusivo da decisão penal do que o próprio art. 935 do Código Civil, que reconhece a eficácia daquela sentença somente quanto à  existência do fato ou quem seja seu autor.

AGUIAR DIAS aponta as falhas da previsão do art. 65, destacando que o nosso direito privado não isenta de reparação o ocasionador do dano no caso de excludentes e o obriga a indenizar, mesmo sem culpa, quando pratica o ato em estado de necessidade  (art. 1520 – atual 930).

Em resumo, a doutrina declara que as sentenças criminais absolutórias só repercutem na instância civil,  no que for comum às duas jurisdições.

O mestre citado indaga em quais casos ocorrerá o efeito preclusivo da sentença criminal sobre a jurisdição civil. Preliminarmente, destaca ser o fato gerador de ambas as responsabilidades único e a verdade sobre ele uma só, variando apenas o critério com que cada jurisdição encara o fato, sendo que o direito penal exige para sancionar o ilícito, integração de condições mais rigorosas e compreendidas em padrões taxativos (nulla poena sine lege),  enquanto o direito civil “ Considera precipuamente o dano, e aquele estado de espírito apriorístico se volta em favor da vítima do prejuízo”.

Só admite, como consequência do julgado criminal no cível, o disposto no art. 1525  (atual 935): reconhecimento do fato e da autoria, porque o Estatuo Civil não autoriza entendimento diverso. Aponta como razões  :  a responsabilidade em nossa lei não é inteiramente calcada na culpa (arts. 160, II, 1519, 1520 – atuais: 188,II, 929, 930), como no caso de estado de necessidade, mesmo quando a culpa do perigo seja imputada a terceiro.  Conclui, como  Didonet Neto, que  “ A regra, em face do art. 1525 (935) do Cód. Civil, é a ineficácia da sentença absolutória criminal no juízo cível”. E “Quando o Código Civil assenta a eficácia da sentença criminal no juízo cível só estabelece em dois casos : a existência do fato e a sua autoria”. Sustenta que a exclusão de responsabilidade, seja decorrente da   “Legítima defesa ou da perturbação de sentidos provocada pela vítima, não se prende, na realidade, à questão da eficácia do julgado criminal na parte em que declarou a dirimente ou a justificativa, mas quando proclamou o que geralmente se esquece : a culpa da vítima”. Não é suficiente ter o autor agido sem culpa para isentar-se de responsabilidade; nosso Código manda indenizar, ainda quando infligido em estado de necessidade (Op. Cit., 1983, v. II, p. 918 et seq.). Por outro lado, a culpa da vítima (como na legítima defesa) pulveriza a obrigação de indenizar, ou seja, suprime a causalidade imprescindível para haver responsabilidade. ( Id. Ibid., p. 918, et seq.).

Dentre as normas resultantes do art. 1525 (935) citado, inclui o autor :

“d - a sentença penal, fundada em dirimente ou justificativa, não influi no juízo civil senão quando estabeleça a  culpa do ofendido, que, nesse caso, sofre as consequências do seu procedimento. Não é, portanto, o ato do autor do dano em si, que, coberto por dirimente ou justificativa, desautoriza a obrigação de reparar : é a culpa do ofendido que,  conjugada àquele, determina a irresponsabilidade”. (Op. Cit. P. 920).

O Código de Processo Penal é criticado por trazer controvérsia à matéria. Qual seria o alcance da expressão  coisa julgada que o legislador quis dar no art. 65, indaga AGUIAR DIAS. Admitindo-se que a expressão opera preclusão da decisão penal no cível, a fórmula estaria convertida em linguagem mais simples : aquelas excludentes reconhecidas no crime, não podem ser contraditadas em instância civil. Se tomamos à letra a fórmula empregada o que temos resolvido? Nada que já não estivesse previsto no art. 1525 (935) do Código Civil.

Se o que quis o legislador foi apenas dar como irrefragavelmente provadas, para efeitos civis, as excludentes em debate, tal fato não impede a reparação  do dano realizado em tais condições. Quando se afirma que a decisão criminal não pode ser contrariada no juízo cível,  “Não se pode deduzir, só por aí, que fiquem impossibilitados os efeitos peculiares à última jurisdição”. (Op. Cit. 1983, v.II, p. 921).

 Reconhece o autor que a interpretação  exata é a concluída por Câmara Leal, quando diz dever a sentença penal absolutória prevalecer no cível como presunção absoluta, devendo o juiz não afastar-se daquela conclusão e isentar o réu com fundamento no art. 160 (188) do Código Civil. Refuta a orientação seguida pelo Código Processual Penal, ao derrogar princípios salutares, em que o Código Civil estabelecia excepcionalmente a reparação de danos, em situações que excluem o elemento culpa e considera retrógrada a concepção do CPP, no campo da responsabilidade civil. Entende, para remediar o defeito, que se promova sua revisão, mesmo porque contradiz o art. 66, ou deverá a jurisprudência interpretar superficialmente o texto do art. 65. Por essa interpretação não se vai negar que o fato dado como justificado (excludente) na sentença penal, não seja do mesmo modo praticado nessas condições no juízo cível. Porém, restringindo  “O seu efeito à preclusão sobre as circunstâncias e não sobre a irresponsabilidade, não lhe repugnará conceder indenização à vítima do delito”. Seria uma solução mais digna de acatamento do que a resultante do texto do art. 65.

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Por fim, firma que o art. 65 não tem qualquer utilidade. “As isenções que a justo título consigna já estão estabelecidas na lei civil, e as que constituem novidade derrogam princípios dignos dos mais fervorosos aplausos”. (Op. Cit., p. 922).

Na linha sustentada pelo autor,  acabada de ver, ao comentar o art. 65 do Código de Processo Penal, SERPA LOPES exorta que esse deve ser entendido em seus devidos termos. Sobre o reconhecimento, em decisão penal, da legítima defesa, do estado de necessidade e do exercício regular de um direito reconhecido, nada pode mudar na ação civil, pois são atingidos pela eficácia da  res judicata penal,  porém as consequências jurídicas que dele  decorrem não são alcançadas pela coisa julgada, e continuam regidas pelo Código Civil.

“Assim sendo, se a legítima defesa, e se o exercício regular de um direito reconhecido não dão lugar, a não ser  excepcionalmente, a qualquer indenização, o mesmo já não sucede em relação ao estado de necessidade, o qual, de um modo geral, sempre pode dar lugar à indenização, à composição do dano”- art. 1520 (930). (Curso de direito  civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, v. V., p. 411, 412).       

O art. 65 enfocado não derroga os arts. 1519 e 1520 (929 e 930) do Código Civil. Portanto, embora reconhecida a excludente do estado de necessidade em instância penal, prevalece o dever indenizatório, no cível, fundado na responsabilidade sem culpa. Na mesma linha de raciocínio, prossegue BASILEU GARCIA:

“O  legislador processual penal não dispôs - nem era sua missão fazê-lo - acerca de não caber ou caber, sempre ou às vezes, a indenização, em havendo alguma daquelas justificativas. A tal respeito, o Código de Processo pressupôs o Direito Civil e todas as duas distinções, como aliás, é normal entender sempre que o antagonismo não seja indubitável”. (GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. S. Paulo: Max Limonad, 1952, V I , t. II, p. 584).

A  sustentação prevalece para a legítima defesa, o estado de necessidade  e o exercício regular do direito.

PONTES argumenta ser o art. 65 CPP um Plus em relação ao art.1525  (935) do Código Civil, com supedâneo em jurisprudência (Op. Cit. V. 53, p. 187). Acredita ser a crítica aos arts. 63 a 67 do Código citado sem razão. O art. 65 tem redação diversa da do 1525  (930) do Código Civil, que reconhece a preclusão somente quanto à existência do fato e à sua autoria. O Estatuto Processual Penal considerou que tudo se passa no mundo fático e que as disposições do art. 160, I e II (188) são regras jurídicas pré-excludentes, isto é, não houve o ilícito, porque o fato não entrou para o mundo jurídico. “O art. 65 do Código de Processo Penal não exclui a reparação segundo os artigos 1 519 e 1 520 (929 e 930), porque tal reparação não é  ex delicto : é reparação por ato não contrário a direito. Mudou-se, portanto, o art. 1525, 2a. parte,( 935) quanto à legítima defesa, ao estado de necessidade e ao exercício regular de direito, porque se permitiu mais do que o enunciado existencial sobre o fato ou relação causal : permitiu-se o enunciado existencial  mais o enunciado sobre a não contrariedade a direito. Nesses pontos é que se há de firmar a decisão no cível, porém de modo nenhum se pré-elimina a discussão sobre a responsabilidade segundo os arts. 1519 e 1520  (929, 930), que tem outro fundamento que a não-contrariedade a direito”. (Tratado...V. 53, § 506, p. 187, 191).

DA SUSPENSÃO DO PROCESSO CIVIL. Ponto não pacífico é o saber se, diante da existência de ação penal em curso, é necessária a suspensão do processo civil, dúvida procedente, porquanto ter adotado o direito pátrio o princípio da independência de jurisdições, como fez a legislação penal desde a Lei n. 261, de 3/dezembro/1841 e tal como dispuseram o Código Civil de 1916 (art.1525 ) e o de 2002 (art. 935).

 Não há impedimento a que se proponha, no juízo cível, ação indenizatória, antes de encerrado o processo criminal ou, havendo este chegado ao término, não tenha a decisão condenado o réu à reparação.

Expressam os dispositivos infra do Código de Processo Penal :

“Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único.  Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.  (Vide Lei nº 5.970, de 1973)

Parágrafo único.  Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela”.

Fundamentando-se nesse art. 64 e seu parágrafo, bem  como no art. 1525 ( 935) do Código civil ( que reconhece não caber mais discussão sobre a existência do fato, ou de quem seja seu autor se estes forem decididos em instância criminal), alguns julgados admitem o curso normal do processo civil, antes do encerramento da ação penal.

Ementou, na forma abaixo,  antigo julgado de 11/maio/1994 (Agravo de Instrumento n. 584.923-8) o Tribunal de Alçada Cível de São Paulo:

“A existência de processo crime não justifica a decisão de suspender o curso da ação  civil  de reparação contra o responsável pelo dano”.

O agravo tinha como objetivo reformar a decisão que suspendeu o curso da ação indenizatória, até desfecho do processo criminal sobre o mesmo fato. O recorrente argumentou que dita suspensão não se incluía entre as hipóteses previstas no Código de Processo Civil (arts. 265-266  ) e que apenas se cogita de suspensão, quando existe possibilidade de repercussão no cível e que haveria prejuízo em virtude da não oitiva de testemunhas.

Ao relator, prof. Carlos Bittar, assistia  razão ao recorrente, aos seguintes fundamentos:

Há  independência das jurisdições e a exceção é feita a questionamentos posteriores, declarados no Código Civil, quais sejam, existência do fato ou quem seja seu autor; é  a doutrina universal, ressalta. Os casos de suspensão do processo estão elencados no Código de Processo Civil. Reafirma que a jurisprudência imperante é no sentido de que a existência de processo criminal não dá justificativa para a suspensão da ação civil em curso, conforme acórdãos publicados na RT 506, p. 106, RT 620, p. 83 e RF 298, p. 206.

O Tribunal deu provimento ao Agravo, para o prosseguimento da  ação civil em curso. (Cf. REVISTA DOS TRIBUNAIS. S. Paulo, 712, p. 179-81, fev./1995).

Esse posicionamento mantém-se atualmente, conforme ementado pelo TJMG:

1 - Processo: Agravo de Instrumento Cv

1.0687.11.008417-9/001

0871159-16.2012.8.13.0000 (1)

Relator(a): Des.(a) Cláudia Maia

Data de Julgamento: 08/11/2012

Data da publicação da súmula: 14/11/2012

Ementa:“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SUSPENSÃO DO FEITO. DESCABIMENTO. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE.- A norma contida no parágrafo único do art. 64 do Código de Processo Penal coloca à disposição do julgador a mera faculdade de suspender a marcha da ação de reparação civil, não estando compelido a determinar seja ela suspensa, mormente nas situações em que, devido à presença da prova da materialidade e autoria, a possibilidade de decisões contraditórias torna-se remota.- Deve-se manter a decisão por meio da qual foi indeferida a realização de prova pericial, vez que inócua para definir a questão controvertida nos autos.”

Posição idêntica adotou o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, também em decisão mais antiga, conforme sumulado:

“ Não se dá a suspensão do processo cível para aguardar que se decida em ação penal se houve ou não culpa do agente, mas somente quando se questiona a respeito da existência do fato ou sua autoria, pois, além de ser a responsabilidade civil independente da criminal, também em extensão diverso é o grau de culpa exigido”. (Ag. de Instr. N. 4.645. Jorge Luiz de Lima versus Cia. Açucareira Riobranquense. Relator: Juiz Corrêa de Marins. Acórdão de 7/março/1986. Revista Forense. Rio Janeiro, v. 298, p. 206).

O caso vertente cuidava de ação de indenização por morte em acidente de trânsito, processo sobre o qual o Juiz de primeiro grau ordenou  suspensão até decisão criminal sobre o mesmo fato, a saber se houve ou não culpa do preposto da ré pelo eventus damni.

Para o Tribunal,  não se questionava a existência do fato em si ou sua autoria, não havendo motivo para suspensão do feito. Invocou o acórdão julgado anterior em que fora relator o Juiz Xavier Ferreira: “Somente quando existe a possibilidade de repercussão da decisão proferida na área penal, pelos limites subjetivos da coisa julgada, é que se deve decretar a suspensão da ação civil, numa harmônica interpretação do disposto  nos arts. 64, § único e 65 do C. Processo  Penal, e 1525 (935), do C. Civil, pelo prazo de um ano e não até que seja definitivamente julgada a ação penal. (RJTAMG, vol. 19, p. 364)”.

A despeito da referência ao art. 64, § único do Código de  Processo Penal, o ponto de vista manifestado não se coadunava com esse artigo, que estipula uma faculdade ao juiz de suspensão do feito civil até ocorrer a decisão criminal : “até o julgamento definitivo daquela” e não  por  prazo fixo, o que poderá tornar inócua a suspensão. Ademais,  igual faculdade de suspensão está prevista no artigo 110 do Código de Processo Civil até o pronunciamento da justiça penal,  quando se tratar de questão prejudicial.

“Art. 110 - Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência de fato delituoso, pode o juiz mandar sobrestar no andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

Parágrafo único - Se a ação penal não for exercida dentro de trinta (30) dias, contados da intimação do despacho de sobrestamento, cessará o efeito deste, decidindo o juiz cível a questão prejudicial”.

O artigo 64 do Código de Processo Penal expressa que o juiz da ação civil  poderá suspender seu curso. Desse  dispositivo infere PONTES ser esta uma regra jurídica de processo civil inserida no Código de Processo Penal e não está o juiz  obrigado a suspender o feito : “Há arbítrio, posto que não seja arbítrio puro”. Não se trata, outrossim, de existência de litispendência entre os juízos das duas esferas de jurisdição. O autor pode intentar a ação antes ou depois da ação penal, salvo se já existe coisa julgada material sobre o ponto da reparação. “A influência somente se dá com o trânsito em julgado; não há exceção de litispendência, nem eficácia de preclusão”. (Op. Cit., V. 53, § 5.506, p. 192). Alinha-se nesses princípios o art. 66 do Estatuto Processual Penal (Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato);  categoricamente quer dizer decisivamente, ou seja, quando a sentença penal negar que o fato material tenha ocorrido.

Por fim, o art. 67 declara expressamente, incisos  I, II, III, os casos em que não fica impedida a propositura da ação civil (como arquivamento do inquérito ou das peças de informação; a extinção da punibilidade; a decisão absolutória considerando que o fato não constitui crime).

A  PONTES esses enunciados e os dos art. 65 e 66 “Deixam incólume o art. 1.525 (935) do Código Civil, regra de direito civil, ao passo que são regras de direito processual civil as dos arts. 65 a 67 do  Código de Processo Penal (heterotopia)”, quer dizer, encontram-se em lugar em que não se costumam situar.

Propôs o  mestre as seguintes diretrizes :

- Atribuir-se apenas ao juízo criminal a competência para a ação de indenização decorrente do delito;

- Separar a ação (criminal) de condenação e a actio iudicati, civil (ação de coisa julgada), caso em que  a satisfação do julgado somente ocorreria após a condenação no juízo criminal, passada em julgado;

- Reconhecer a competência cumulativa do juízo civil, somente para a  actio iudicati (arts. 63 a 68 Código Processo Penal); (posição esta preferida pelo autor);

- Excluir a competência criminal para a condenação na indenização, tal como existia na Lei n. 261/1841, art. 68, para a qual a indenização só era possível em via cível, para todos os casos. (Cf.  Ibidem, p. 192-194).

A Lei n. 11.719, de 20.6.2008, acresceu parágrafo único ao art. 63 do Código de Processo Penal, " in verbis":

"Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput de art. 387 deste Código, sem prejuízo da liquidação para apuração do dano efetivamente sofrido."

E diz esse último artigo :

"O juiz ao proferir a sentença condenatória:

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido". (Redação da Lei 11.719/2008).

Houve, por certo uma inovação, um acréscimo quanto à concretização dos efeitos  da sentença penal condenatória, na própria instância penal. Mas teve o legislador o cuidado de não deixar ao julgador, de modo definitivo, a fixação do montante integral da indenização; esse fixará um "mínimo" indenizatório, conforme aquilo que for possível extrair dos autos, sem grandes delongas, objetivando-se a prestação jurisdicional satisfatória, ou seja, maior brevidade e eficiência na solução da lide. Pode ser que o valor fixado seja realmente correspondente ao dano sofrido ou que a parte lesada se satisfaça com esse valor mínimo, notadamente em caso de dano moral, e dispense o recurso à jurisdição civil, porquanto esta não foi eliminada. Não se adotou o instituto da Constituição Especial de Parte Civil, conforme preconiza o art. 64, do Estatuto:

" Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil".

Da forma posta no art. 387, IV, há uma determinação para o julgador cumprir, se houver pedido para tal, porquanto a quantia destina-se ao lesado. Independentemente da liquidação da sentença penal no cível, será fixado um valor mínimo indenizatório. Todavia, deve-se observar a inadmissibilidade do adiamento probatório no tocante ao prejuízo/dano em questão; também, em muitos casos, conforme o tipo penal, ficará impossível ao juiz fixá-lo, restando-lhe justificar a razão dessa não fixação. Por outro lado, o réu deverá ser ouvido no julgamento dessa indenização (princípios do contraditório e ampla defesa). Reconhecemos que a inovação trazida tem ainda aspectos suscetíveis de controvérsias. O Projeto-Lei n.1655/83, do CPP, teve minuciosa abordagem da matéria.


CAPÍTULO VII – JURISPRUDÊNCIA                                                             

Na primeira edição desta obra, elaboramos um capítulo destacado de  pronunciamentos judiciais, específicos sobre cada uma das espécies de excludentes de ilicitude civil, extraídos de Revistas Jurídicas. Em cada julgado, narramos os fatos e fizemos constar os fundamentos jurídicos das decisões, para melhor compreensão da aplicação concreta das teorias abordadas. Como, atualmente, há fácil acessibilidade aos  “sites” oficiais e a outros “sites” jurídicos, descipiendo  se torna   constar uma nova pesquisa .            

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Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Excludentes de ilicitude civil: legítima defesa, exercício e abuso do direito, estado de necessidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3814, 10 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25864. Acesso em: 19 abr. 2024.

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