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O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal

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01/02/2002 às 01:00
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12. DO ENCERRAMENTO DA TCE POR PERDA DE OBJETO

O art. 13 da Resolução n.º 102/98-TCDF prevê o encerramento da tomada de contas especial em 4 (quatro) hipóteses:

"Art. 13. Não se dará prosseguimento à tomada de contas especial, encerrando-se os procedimentos em qualquer fase do processo, quando houver:

I - ressarcimento integral do dano ou reposição do bem pelos responsáveis;

II - reaparecimento ou recuperação do bem extraviado ou danificado;

III - ausência de prejuízo.

§ 1º Também serão consideradas encerradas, independentemente do valor envolvido, as tomadas de contas especiais cujas apurações concluírem ser a responsabilidade pelo ressarcimento exclusivamente de terceiros, não vinculados à Administração Pública, devendo o órgão ou entidade adotar as providências administrativas ou judiciais cabíveis, fazendo-se o devido registro nos autos e no demonstrativo previsto no art. 14.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplicará no caso de o material reposto, apreendido ou recuperado não apresentar condições de uso."

A primeira decorre do efetivo cumprimento da obrigação pecuniária de reparar o dano havido, obrigação essa derivada da prática de um ato ilícito, nos termos do art. 159 do CC, aqui consubstanciado nos denominados fatos ensejadores. Veja, exempli gratia, a Decisão n.º 9878/98-TCDF:

"(...) II) considerar encerrada, por perda de seu objeto, a TCE de que trata o Processo n.º 030.001.826/97, nos termos do art. 2º, § 7º, da Emenda Regimental nº 02/98 e 13, I, da Resolução/TCDF n.º 102/98; III) informar a Secretaria de Comunicação Social da desnecessidade de incluir, no demonstrativo a que se refere o art. 14 da Resolução/TCDF n.º 102/98, a TCE; IV) autorizar o arquivamento dos autos, sem prejuízo de futuras averiguações, bem como a devolução do apenso à origem."

A Segunda tem origem composta. Ao suscitar o "reaparecimento", afasta o próprio fato ensejador. Em princípio, o próprio ato ilícito, pois a palavra aparecimento, segundo De Plácido e Silva significa: "ato de surgir alguém ou alguma coisa, ou de vir algum acontecimento, que não se esperava, capaz de modificar uma situação jurídica. Tem assim, o mesmo sentido de visibilidade ou evidência. Pelo aparecimento, a coisa, a pessoa, ou fato, torna-se visível ou evidente."(122). Reaparecimento, portanto, significa tornar a aparecer, voltar a ser visível, o que outrora não era. A localização de um bem móvel dado como desaparecido por ocasião do inventário é o exemplo mais comum. Ao referir-se à "recuperação do bem extraviado ou danificado", faz exsurgir uma forma de retornar ao statu quo ante, devolvendo as características originais antes da ocorrência do ato ilícito, uma espécie ressarcimento, porém sem o recolhimento pecuniário direto. Corriqueiro, exempli gratia, é a reparação de veículos acidentados a expensas do próprio causador do dano.

"A ausência do prejuízo", terceira hipótese, extirpa a própria existência da responsabilidade civil. Não afasta, porém, como foi defendido, determinados fatos ensejadores.(123) Por isso, verifica-se temerária a regra aqui estabelecida. Pugnar pelo encerramento da tomada de contas especial, no caso, por exemplo, de omissão no dever de prestar contas, sem exame do Controle Interno e do Tribunal de Contas, prejudica a ação do controle e pode fragilizar a Administração Pública no que concerne à finalidade a que se deve ater.

O quarto e último caso é o mais interessante. Diz respeito à competência da Corte de Contas. Walton Alencar Rodrigues, em trabalho publicado na Revista do TCU esclarece:

"Temos defendido, em oportunidades várias, que o particular, pessoa estranha ao serviço público, ainda que dolosamente cause dano ao Erário, não está sujeita a figurar como sujeito passivo do processo de Tomada de Contas Especial, a menos que tenha agido em conluio com algum agente público.

(...........................................................................................................................)

A competência de julgar contas, previstas no inciso II do art. 71 da CF, há de ser interpretada em consonância com o disposto no art. 70 e seu parágrafo único da Constituição, segundo o qual presta contas qualquer pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.(...)" (124)

E conclui:

" (...) a jurisdição do Tribunal de Contas da União concernente à competência para instaurar processos de Tomada de Contas Especial não abrange todo o universo de possibilidades de dano ao Erário. Há de existir sempre a condição de agente público no causador do dano à Administração Pública, ou sua ação em conluio com algum agente público, para justificar a intervenção do Tribunal de Contas da União, tese que, a nosso ver, melhor atende os interesses da Administração Pública e da coletividade em geral."(125)

Por intermédio da Decisão n.º 2693/99, a Corte de Contas do Distrito Federal acenou diligentemente:

"a) observando o disposto no artigo 70, parágrafo único, da Constituição Federal, com a redação conferida pela Emenda Constitucional n.º 19/98, firmar entendimento segundo o qual a jurisdição desta Corte de Contas alcança qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada – inclusive terceiro sem vínculo com a Administração – desde que jungida ao dever de prestar contas, ou seja, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais o Poder Público responda, ou que em nome dele assuma obrigações de natureza pecuniária. Nos casos específicos da apuração de responsabilidade por dano causado ao Erário, em processos de tomadas de contas especiais, a jurisdição do Tribunal alcança o terceiro sem vínculo com a Administração Pública se configurada a responsabilidade solidária com um agente público. Decidiu, mais, mandar publicar, em anexo à presente ata, o Relatório/Voto da Relatora." (destacou-se).

Logo, fica cristalino que não cabe às Cortes de Contas o julgamento das contas de particulares sem vínculo com a Administração Pública, ou, mesmo vinculados, mediante contrato ou outros instrumentos, não estejam obrigados ao dever de prestar contas. Exceção faz-se no caso de conluio com servidor público, hipótese em que poderá ser erigida a solidariedade. Afora isso, deve ser encerrada a tomada de contas especial, independentemente do valor do dano. Aliás, também nesse caso seria razoável que, diante de indícios da responsabilidade exclusiva de terceiros não vinculados à Administração Pública, não jungidos ao dever de prestar contas, as apurações fossem procedidas de forma sumária, de maneira que, apenas, fosse confirmada a hipótese. Em face da notoriedade dessa responsabilidade exclusiva, entretanto, à luz do princípio da economicidade, sequer há de se proceder à instauração do procedimento.

A conclusão aqui posta reforça a tese de que os Tribunais de Contas julgam contas de pessoas e não de órgãos ou entidades. Por que julgam contas de pessoas, não tem competência para julgar contas de terceiros sem vínculo com a Administração Pública, não jungidos ao dever de prestar contas. Se contrário fosse, ainda que houvesse responsabilidade exclusiva de terceiro, as contas do órgão ou entidade permaneceriam em aberto e o Tribunal teria a obrigação de julgá-las.

Em referência a esse dispositivo, a regra proposta no art. 14 da Resolução n.º 102/98-TCDF traz embutida a aplicação prática dos princípios da economicidade e da razão suficiente ab-rogável, além de consolidar a inteligência do parágrafo 1º do art. 13, afastando a apreciação dos Órgãos de Controle, nesse caso; e estabelecendo mecanismo para monitoramento das ações do gestor. As informações requeridas deverão ser anexadas à respectiva Tomada ou Prestação de Contas Anuais para as verificações pertinentes e, se for o caso, visando à aplicação do § 3º, art. 9º da Lei Complementar n.º 1/94 que especifica:

"§ 3º. Se o dano for de valor inferior à quantia referida no parágrafo anterior, a tomada de contas especial será anexada ao processo da respectiva tomada ou prestação de contas anual do administrador ou ordenador de despesa, para julgamento em conjunto.". (destacou-se).

Assim, tem-se:

"Art. 14. As disposições contidas nos arts. 8º a 11 não se aplicam às tomadas de contas especiais encerradas na forma do art. 13 e às de valores apurados inferiores à quantia fixada conforme o § 2º do art. 9º da Lei Complementar n.º 1/94, as quais serão registradas em demonstrativo contendo as seguintes informações:

I - identificação do órgão ou entidade e número do processo;

II - nome, filiação e CPF ou CGC do responsável;

III - identificação do objeto;

IV - valor original do débito;

V - data ou período da ocorrência;

VI - data e forma da reparação do dano (reposição, ressarcimento, recuperação ou reaparecimento), ou a justificativa da não-regularização da situação e recuperação do prejuízo;

VII - valor recolhido e critério de atualização, no caso de ressarcimento;

VIII - indicação dos documentos comprobatórios da reparação do dano e regularização patrimonial.

§ 1º O demonstrativo a que se refere este artigo, contendo as tomadas de contas especiais encerradas, instauradas ou em andamento no trimestre, deve ser anexado às respectivas Tomadas e Prestações de Contas Anuais."

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O Tribunal de Contas do Distrito Federal, em diversas ocasiões manifestou-se ratificando a regra:

"(...) III) alertar todas as jurisdicionadas no sentido de que, de acordo com a Lei Complementar nº 01/94 (art. 9º, § 3º), a Emenda Regimental nº 01/98 (art. 2º, § 8º) e a Resolução nº 102/98 (arts. 13 e 14), as tomadas de contas especiais de valor inferior ao de alçada (3300 UFIRs), bem assim as encerradas por ausência de prejuízo, ressarcimento integral do dano, reposição do bem pelo responsável, reaparecimento ou recuperação dos bens extraviados/danificados, como também aquelas cujas apurações concluírem que a responsabilidade pela reparação do dano deve recair exclusivamente sobre terceiros (não vinculados à Administração Pública), passaram a ser registradas em demonstrativos que, por sua vez, deverão ser anexados à correspondente tomada ou prestação de contas anual, não sendo cabível, portanto, o encaminhamento dessas contas especiais em processos apartados; (...)" (Decisão n.º 9013/98).


13.DAS PROVIDÊNCIAS DERRADEIRAS REQUERIDAS PELA NORMA

São os artigos 16 a 19 da Resolução n.º 102/98-TCDF que estabelecem as regras de transição dos dispositivos da norma remota para a atual. Inicialmente as Inspetorias de Controle Externo foram autorizadas a proceder à devolução dos autos que não estivessem de acordo com a regra novel.

O art. 17, por sua vez, visando a tornar eficaz a providência requerida no art. 16, cunhou o entendimento de que a norma deveria ser aplicada imediatamente, alçando, inclusive, os procedimentos em andamento. Com isso, entrando em vigor a Resolução n.º 102/98-TCDF, o que se deu 30 (trinta) dias após a sua publicação, autorizou-se a utilização das regras nela fixadas, notadamente as de natureza processual. Assim, passou-se a aplicar as hipóteses de encerramento contidas no art. 13 e o novo valor de alçada, hoje fixado pela Resolução n.º 126/2001-TCDF em R$ 4.500,00 (quatro mil e quinhentos reais).

"Art. 16. As Inspetorias de Controle Externo ficam autorizadas a devolver aos órgãos e entidades jurisdicionados os processos ou informações de tomada de contas especiais que vierem a ser encaminhados em desacordo com o estabelecido nesta Resolução.

Art. 17. Os processos de tomadas de contas especiais em andamento serão regulados, no que couber, pelas disposições contidas nesta Resolução."

Art. 18. Esta Resolução entra em vigor 30 dias após a data de sua publicação.

Art. 19. Ficam revogadas as disposições em contrário."


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face de tudo que foi dito, é espontânea a dedução acerca da importância do procedimento de tomada de contas especial para a Administração Pública do Distrito Federal. É, sem dúvidas, um poderoso instrumento de controle dos atos de gestão que, dinamizado pelas normas aplicáveis, especialmente a Resolução n.º 102/98-TCDF, alia a eficiência da prevenção geral e específica à eficácia da reparação dos danos causados ao erário.

Sem dúvidas insere-se nos meandros da responsabilidade civil, mas não somente isso, vez que desencadeia apurações em todos as hipóteses que a lei enumera.

Embora por muitos ainda seja tratada como instituto de mera vocação sancionadora, tendente a proporcionar a atuação sentilela das Cortes de Contas, o procedimento de tomada de conta especial soergue-se a grande distância desse patamar. Assim, além de proporcionar ao Controle Interno e Externo o monitoramento constante dos eventos ensejadores, culminando com as providências que cada caso requer, oferece ao Gestor Público um proeminente diagnóstico de sua administração, dando-lhe a oportunidade de adotar as medidas necessárias para correção das falhas detectadas.

As regras inovadoras introduzidas pela Resolução n.º 102/98-TCDF, especialmente aquelas relacionadas ao prazo concedido à autoridade competente para buscar o ressarcimento e regularizar a situação; bem como as que principiam as apurações de caráter sumário em razão do valor de alçada e as que requerem encerramento do procedimento em qualquer fase; deram à tomada de contas especial o efeito prático necessário para afastar qualquer sopro de oposição a sua eficácia.

Ao diligente Administrador Público, pois, que compreende a necessidade de sua atuação pontual em face das irregularidades havidas e conhece o verdadeiro objetivo de sua atuação em prol da sociedade, presta serviço o procedimento de tomada de contas especial. Aos não tão diligentes assim, de qualquer forma, dá oportunidade de redirecionamento das ações à luz da legalidade e da finalidade pública. Finalmente, em combate aos pouco afeiçoados à função pública, exerce ação profilática e coercitiva em benefício do erário, obstaculizando a reiteração dos eventos danosos.

Finalmente, é necessário afirmar que nada disso será possível, porém, se às instituições e à sociedade não for revelada a importância da atuação dos Órgãos Controle e dos instrumentos por eles utilizados para consolidação dos objetivos do Estado, pois: "O controle, como função do Estado, exige, como o regime democrático, um grau de desenvolvimento da sociedade e dos agentes da Administração para alcançar seu escopo, evoluindo de modo permanente, como num ciclo de realimentação constante: democracia – controle – democracia."(126)

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Sobre o autor
Luciano Wagner Firme

Auditor de Controle Interno do Distrito Federal; Advogado; Administrador de Sistemas de Informações; Especialista em Controle da Gestão Pública pela Universidade de Brasília, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Assessor do Ministério Público de Contas do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIRME, Luciano Wagner. O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2618. Acesso em: 23 nov. 2024.

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