4 – Plano Infra-constitucional
Depois de dez anos da promulgação da Constituição de 1988 e de três projetos de regulamentação distintos, veio à lume a lei 9.605/98. Partindo da previsão do artigo 225, §3º, tal diploma normativo, no seu artigo 3º, instituiu a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em caso de crime ambiental cometido, in verbis:
"Art.3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o dispositivo nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade"
O texto acima declinado revela que o legislador infra constitucional adotou um sistema de dupla imputação, sem excluir a responsabilidade das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes. Erigiu um sistema paralelo de responsabilização do ente moral. Para tanto, exige a lei que, tal como o Código Penal Francês de 1994, que o cometimento do delito se dê por órgão ou representante da univesitas, bem como no interesse desta.
O artigo 4º consagra a teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Através dela, sempre que a personalidade do ente coletivo constituir-se em óbice ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente, está ser desconsiderada, punindo-se o indivíduo que eventualmente se esconder atrás do nomen iures. Clara foi a intenção de coibir a impunidade na seara ambiental.
Utilizando-se da técnica de redação tradicional[17], a lei dos Crimes Ambientais trouxe uma série de condutas – e não atividades - lesivas ao meio ambiente. Isto será deveras importante para uma posterior aferição do fundamento jurídico que dá lastro a responsabilidade penal da pessoa jurídica positivada neste texto legal.
No que se refere as penas, foram consagradas três modalidades de punições : multa, pena restritiva de direito e prestação de serviços a comunidade. Todas elas podem ser aplicadas isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas.
No que concerne a aplicação da multa, a lei fez remissão ao critério estabelecido no artigo 18, ou seja, a utilização do padrão dias-multa. Contudo, esta é uma regra compatível com um direito penal centrado apenas nos indivíduos. O uso deste critério pode, per se, afrontar a isonomia processual. Lege ferenda, melhor caminho seria estabelecer critérios próprios para a responsabilização criminal das pessoas jurídicas, como, por exemplo, o dia-faturamento[18].
Quanto as penas restritivas de direitos, são estas a suspensão parcial ou total de atividades, a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, proibição de contratar com o poder público e vedação de subsídeos, subvenções ou doações. O problema referente a tais penas é o quantum de aplicação. Tradicionalmente as penas restritivas de direitos são substitutivas da pena privativa de liberdade. Seu cálculo é sempre fundado na pena estabelecida pelo juiz no caso concreto. Como fazer o cálculo da restritiva de direitos para um ente que não está sujeito a privação de liberdade? Melhor teria andado o legislador estabelecendo um critério especial para aplicação desta modalidade de sanção.
Por fim, são quatro as penas de prestação de serviços à comunidade: custeio de programas ambientais, execução de obras reparatórias, manutenção de espaços públicos e contribuições para entidades ambientais e culturais. Percebe-se que nesta modalidade de pena a preocupação do legislador com o moderno princípio da proporcionalidade penal e a com a prevenção geral positiva.
5 – Conclusão
Não restam dúvidas sobre a franca adoção da Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica no Direito brasileiro, seja na seara constitucional, seja na esfera infra-constitucional. O ordenamento pátrio, em plena sintonia com o paradigma hodierno, consagrou o societas delinquere potest como meio idôneo à proteção de direitos cuja a importância está livre de qualquer polêmica.
Contudo, o sucesso deste instituto está intimamente relacionado ao seu fundamento. A mera previsão normativa não possui o condão de tornar algo uma verdade científica. Se o contrário fosse, as Ciências Penais seriam grãos de areia carregados pelo vento da vontade do legislador. O Direito Penal seria então a panecéia de todos os males, signo este próprio das construções fadadas a ineficácia.
A elaboração de um fundamento deve primar justamente por este novo papel assumido pelo Direito Penal: viabilizar a cidadania. Este deve ser o cânone máximo do arcabouço teórico que se ergue não só no tocante imputação delitiva, mas sim ao todo sistêmico abarcado na ultima ratio legis.
Neste sentido, constatação feita pelo professor Jean Pradel:
"Enfim, é necessário escolher entre a tese do ricochete da responsabilidade da pessoa jurídica e aquela da culpa distinta do ente jurídico, que teria um comportamento diverso daquele do seu dirigente."[19]
Apesar de voltado para o Direito Penal francês, o trecho in verbis, reflete exatamente qual o próximo passo dogmático sobre o tema: a escolha do fundamento. Desta forma, deve a doutrina penalista brasileira, tal como fez Dante à porta do inferno, deixar os preconceitos de lado e conhecer, de maneira profunda, a nova realidade em que vivemos.
5.Notas
1.SILVA, 2000. P.169.
2.SHECAIRA,1998.P.39.
3.SILVA,2000.169
4.SILVA,2000.P.169
5.BRUNO, 1959.P.207.
6.SALLES, 1193.P.44.
7.BITENCOURT. 1999.P.68.
8.SILVA. 2000. P.180
9.SALLES,1993.P.44.
10.SILVA, 2000.P.180.
11.ROTHEMBURG,1997. P.24.
12.SANCTIS, 1999. P.62.
13.ROCHA, 1999. P.78.
14.BASTOS, 1990. P.103.
15.SILVA, 1994. P.718.
16.SILVA, 2000. P.187.
17.ROCHA, 1999. P.86.
18.SHECAIRA, 1998. P.140.
19.PRADEL, 1998. P.53.
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