5. LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO
5.1. No momento da fiscalização
Conforme o artigo 194, §2º do ECA, o auto de infração deve ser lavrado, sempre que possível, em seguida à constatação da ocorrência de infração administrativa. A elaboração do documento, nesta hipótese, conclui-se com a intimação do autuado efetuada pelo próprio agente de fiscalização, durante a diligência, conforme artigo 195, I do ECA.
O parágrafo 1º do mesmo artigo 195 dispõe que se pode utilizar formulário impresso na lavratura dos autos de infração, devendo estar especificadas a natureza e as circunstâncias da infração, a fim de salvaguardar o direito de defesa do autuado.
Art. 194 (...)
§ 1º No procedimento iniciado com o auto de infração, poderão ser usadas fórmulas impressas, especificando-se a natureza e as circunstâncias da infração.
§ 2º Sempre que possível, à verificação da infração seguir-se-á a lavratura do auto, certificando-se, em caso contrário, dos motivos do retardamento. (BRASIL, 1990)
5.2. Lavratura a posteriori
No entanto, há casos em que é difícil identificar os organizadores de um evento. Nos eventos de carnaval e nas exposições agropecuárias, por exemplo, pela magnitude do evento, é virtualmente impossível colher a assinatura do responsável pelo evento. Tais informações serão obtidas posteriormente, possibilitando a identificação do autuado.
Também é possível que o requerido, no intuito de evitar a autuação, recuse-se a fornecer seus dados pessoais ou do estabelecimento, impossibilitando a lavratura durante a diligência fiscalizatória.
Para estas hipóteses, o ECA prevê excepcionalmente a lavratura a posteriori do auto de infração, sendo o autuado intimado por meio de oficial de justiça, por via postal ou, ainda, por edital (se incerto ou não sabido o seu paradeiro). A lei determina, todavia, que devem ser indicados os motivos que levaram o auto de infração a ser lavrado posteriormente, sob pena de ser julgado improcedente [3].
Importante frisar que o auto quando lavrado a posteriori não acarreta cerceamento de defesa do autuado, muito pelo contrário. O prazo oferecido para defesa, na hipótese de auto a posteriori, fica consideravelmente dilatado, pois a contagem se inicia com a juntada aos autos do mandado cumprido (artigo 241, II do Código de Processo Civil). Já no auto cuja lavratura se dá no calor da fiscalização, o prazo se inicia no momento em que o autuado toma ciência e assina o termo de autuação.
Ademais, para o advogado que apresentará a defesa, o auto posteriormente lavrado se apresenta de forma semelhante a uma petição inicial, com menção aos fatos, ao direito e, ao final, com os pedidos. No caso da utilização de formulários impressos, fica sensivelmente prejudicado o trabalho da defesa, pois não há descrição dos fatos, constando meramente a tipificação da conduta infracional, tornando árdua a tarefa do advogado, que tem poucos elementos a contestar.
6. PECULIARIDADES DO AUTO DE INFRAÇÃO
No auto de infração previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, a regra insculpida no artigo 36 do Código de Processo Civil, que trata da capacidade postulatória, vale dizer, da necessidade de se estar representado em juízo por advogado legalmente habilitado, é atenuada. O legislador, levando em conta a relevância dos interesses e direitos tutelados, optou por um abrandamento do formalismo processual (AMORIM, 1998). Logo, de forma peculiar, os comissários podem apresentar seus autos de infração, tanto por meio de fórmulas impressas (art. 194, §1º ECA) quanto por meio de relatórios assemelhados às petições iniciais, sem necessidade de representação por advogado.
Além disso, outros requisitos da lei processual, tais como os previstos nos incisos V a VII do artigo 282 da Lei 5869/1973 – CPC, a saber: valor da causa, especificação de provas e requerimento para citação do réu, não são considerados essenciais na estrutura do auto de infração, pois este é tido como um mero procedimento administrativo judicial e não como um processo judicial comum submetido a todos os requisitos da lei processual.
Outra situação atípica, relativamente ao auto de infração, é a condição com que os comissários figuram no procedimento de auto de infração já instaurado. Se fossem considerados partes, os comissários teriam direito de interpor recursos, participar de todos os atos processuais, manifestar-se em audiências, inquirir testemunhas, entre outras prerrogativas daqueles que ocupam um dos polos da ação judicial.
No entanto, após a apresentação em juízo do auto de infração, aos comissários não é permitida a prática de mais nenhum ato processual. Não participam obrigatoriamente da audiência de instrução e, quando o fazem, atuam como informantes, não tendo direito de inquirir o autuado ou eventuais testemunhas. Também não têm legitimidade para interpor recursos ou apresentar contrarrazões.
Portanto, por não terem outra oportunidade de se manifestar processualmente, os comissários têm o dever de lavrar um auto de infração que se aproxime da perfeição, sob pena de vê-lo indeferido, anulado ou julgado improcedente pela autoridade judiciária.
Em contrapartida, há vários registros de decisões do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhecendo a fé pública do comissário, tendo o auto de infração lavrado por este presunção de legitimidade [4].
Por fim, cabe registrar que há críticas quanto ao procedimento em tela ser iniciado por órgão do Poder Judiciário, cabendo posteriormente ao próprio Judiciário julgá-lo. Os críticos alegam que seria mais razoável que a fiscalização e a instauração de procedimentos coubessem apenas ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar, que têm prevista em lei a representação como forma de instauração de procedimento da proteção dos direitos de crianças e adolescentes.
7. REQUISITOS DO AUTO DE INFRAÇÃO
Como foi comentado anteriormente, após a apresentação do auto de infração ao juízo da infância e juventude, não há outra oportunidade processual para que os comissários emendem, corrijam, acrescentem ou direcionem o documento. Mesmo que no sistema informatizado de acompanhamento processual conste que o autor é o Comissariado de Justiça, este não é parte no feito, não podendo nele intervir em nenhuma de suas fases. Daí a importância de se elaborar um documento completo, que não precise de aditamentos, emendas ou alterações de qualquer tipo.
No intuito de suprir todos os requisitos legais e normativos, que sobreviva aos ataques porventura desferidos pelo autuado, o auto de infração, tanto lavrado no momento em que foi constatada a irregularidade, quanto aquele posteriormente lavrado, deve conter os elementos a seguir relacionados:
- Descrição da violação constatada e a tipificação nas leis, na portaria do juízo e no alvará judicial (quando houver);
- Dia, hora e local da violação constatada às normas do ECA;
- Qualificação completa do estabelecimento ou evento autuado, bem como de seu responsável, com a indicação de nomes, endereços, identidade, CPF, CNPJ e telefones;
- Assinatura de duas testemunhas, quando possível (art. 194, parte final ECA);
- Quando lavrado durante a fiscalização, indicação do prazo e do local para que o autuado apresente sua defesa;
- No auto a posteriori, enumeração dos motivos do retardamento (art. 194, §2º ECA);
- Em caso de presença de menores de 18 anos em eventos ou diversões, indicação de rol contendo nome, filiação, data de nascimento, idade, endereço, telefone dos adolescentes.
- Se possível, documentar a infração por meio de fotografia ou filmagem;
- Assinatura e matrícula do agente responsável pela autuação.
8. PROCEDIMENTO E TRAMITAÇÃO
As normas processuais acerca do desenvolvimento do procedimento de auto de infração encontram-se nos artigos 195 a 197 do ECA. Após a lavratura do documento, seja ela no momento da diligência ou a posteriori, o autuado terá prazo de 10 (dez) dias para apresentar sua defesa. Novamente, cabe observar que o prazo para defesa é contado do momento da autuação no caso de lavratura durante a diligência e, no caso de auto lavrado posteriormente, o prazo se conta conforme a lei processual, da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido. Logo, para a defesa, o auto a posteriori propicia prazo muito maior para apresentação de peça de contestação.
Em caso de inércia do autuado, não se manifestando no prazo legal, o juiz dará vista ao Ministério Público, por cinco dias e após decidirá em igual prazo. Se o autuado apresentar defesa, poderá o juiz proceder como na hipótese acima ou designar audiência de instrução e julgamento (AIJ).
Na AIJ, será colhida a prova oral (oitiva de testemunhas, agentes de fiscalização e depoimento do autuado) e, em seguida, devem se manifestar sucessivamente o Ministério Público e o advogado do autuado, por vinte minutos cada um, prorrogável pelo juiz por mais dez minutos. Ao final, o juiz proferirá sentença.
Interessante reiterar, por fim, que apesar de ser o agente instaurador do procedimento, o comissário de justiça não tem prevista em lei qualquer outra manifestação durante o trâmite do auto de infração. Não há previsão expressa de participação em audiência, de apresentação de recursos ou mesmo de manifestação após a defesa do autuado. Tal situação torna ainda mais importante o momento da lavratura do auto de infração, tendo em vista que não haverá mais oportunidade para repará-lo ou para fazer qualquer tipo de complementação ou observação.
9. CONCLUSÃO
As peculiaridades do procedimento iniciado por auto de infração, notadamente, a exceção quanto à capacidade postulatória, permitindo a lei que os comissários e colaboradores elaborem e apresentem o auto de infração sem estarem representados por advogado habilitado. Também, a situação do Comissariado após a instauração do procedimento, que não é considerado parte, não tendo, por conseguinte, legitimidade para intervir no feito de forma alguma. Tais situações, ímpares e características, transformam o momento da lavratura do auto de infração na única oportunidade de se instruir o juízo com o máximo de elementos e informações possível, formando um auto de infração robusto e tecnicamente perfeito, o que é um fator decisivo para que seja julgado procedente pela autoridade judiciária, resguardando os direitos de crianças e adolescentes.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003, Estatuto do Idoso, 2003.
BRASIL, Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil, 1973.
BRASIL, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990.
BRASIL, Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, Código de Trânsito Brasileiro, 1997.
BRASIL, Ministério da Justiça, Guia Prático da Classificação Indicativa, Disponível em: <www.portal.mj.gov.br>, acessado em: 07 dez. 2013.
BRASIL, Ministério da Justiça, Portaria nº 1.220, de 11 de julho de 2007, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Corregedoria-Geral da Justiça, Provimento nº 11 de 30 de janeiro de 2009, 2009.
Notas
[1] TJRJ, Apelação Cível nº 2008.001.00034, 19ª Câmara Cível, Relatora Des. Marilia de Castro Neves Vieira.
[2] Processo nº 0005925-42.2009.8.19.0006 - APELACAO (Barra do Piraí) DES. JOSE CARLOS PAES - Julgamento: 17/05/2011 – 14ª Câmara Cível; Processo nº 0008162-53.2009.8.19.0037 - APELACAO (Nova Friburgo) DES. MARIO ASSIS GONCALVES - Julgamento: 19/01/2011 – 3ª Câmara Cível.
[3] Processo nº 0235520-59.2005.8.19.0001 (2008.001.00208) - APELACAO (Capital) DES. JOSE GERALDO ANTONIO - Julgamento: 05/03/2008 – 7ª Câmara Cível
[4] Processo nº 0364976-52.2011.8.19.0001 – Apelação (Capital) DES. RENATA COTTA - Julgamento: 10/07/2013 – 3ª Câmara Cível; STJ Processo REsp 1059007/SC, RECURSO ESPECIAL 2008/0110077-2, Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) Órgão Julgador T1 – 1ª Turma Data do Julgamento 07/10/2008.