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Os 30 anos da Estação Antártica Comandante Ferraz e a importância da proteção do continente antártico

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9. O Tratado da Antártida

Após a Segunda Guerra Mundial, ressaltou-se a posição estratégica da Antártida em relação aos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico.

Durante a Guerra Fria, o acirramento das tensões entre as nações fez com que se buscasse uma forma de defender o continente antártico de possíveis usos militares. Dessa forma foi instituído o Ano Geofísico Internacional, no biênio 1957/1958, que foi o passo inicial para a preservação do território para a paz, para a ciência e para a cooperação internacional.

Surge então, em 1959, o Tratado da Antártida, firmado pelos países participantes do primeiro Ano Geofísico Internacional (Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido e Estados Unidos), e que entra em vigor em 1961..

Foi somente em 1975, através do Decreto nº. 56/1975, que o Brasil aderiu ao Tratado da Antártida. Hoje são 45 os países pactuantes.

Em plena Guerra Fria o Tratado da Antártida inova ao desmilitarizar a região, trazendo logo em seu artigo I a proibição de qualquer tipo de atividade militar (inclusive nuclear), proclamando a paz e a cooperação internacional.

Ao mesmo tempo em que o Tratado propaga a paz, a união e a cooperação entre os povos, seu artigo IV impede a apresentação de qualquer outra reivindicação territorial além das que já foram apresentadas, porém não desqualifica e preserva os direitos previamente invocados, bem como as pretensões de soberania territorial sobre o continente.

O artigo VI reserva os direitos de todos os Estados (e não somente àqueles pactuantes do Tratado) sobre o alto mar nessa área.

O Artigo VII do Tratado é reservado à garantia dos direitos dos Estados membros de designarem observadores e destes atuarem livremente no território antártico, inclusive no interior de bases, navios e aeronaves, para trabalhos de inspeção, bem como de receber informações sobre pessoal e equipamento militar lá introduzidos.

Um equívoco comum que observamos é no que diz respeito à duração do Tratado, onde se tem entendido que ele extinguiu-se em 1991 a alínea a do parágrafo 2º do artigo XII do Tratado deixa claro que, decorridos trinta anos da data de vigência (ou seja, em 1991), haverá uma reabertura de conversações entre os membros para a revisão do Tratado, onde qualquer modificação ou emenda deverá ser aprovada pela maioria dos representantes.

9.1. O Protocolo de Madri

Da mesma sorte que Tratado, usaremos a definição aplicada pelo Itamaraty, sendo que Protocolo significa “acordos menos formais que os tratados, ou acordos complementares ou interpretativos de tratados ou convenções anteriores. É utilizado ainda para designar a ata final de uma conferência internacional”[44].

O Protocolo de Madri (ou o Protocolo de Proteção Ambiental do Tratado da Antártica) é um documento assinado pelos países participantes do Tratado da Antártida, visando assegurar uma proteção mais abrangente ao meio ambiente antártico e aos ecossistemas dependentes e associados e, por este Protocolo, designam a Antártida como reserva natural, consagrada à paz e à ciência. “O Protocolo de Madri, na verdade, ao ter expressamente designado a Antártica como “reserva natural, consagrada à paz e à ciência” (art. 2º), fecha o ciclo iniciado com o Tratado da Antártica feito em Washington, a 1º-12-1959, que já havia considerado aquele continente como Área de Conservação Especial, digna de medidas excepcionais, no que diz respeito a uma política conservacionista global”[45].

Foi assinado a 4 de outubro de 1991, entrando em vigor em 14 de janeiro de 1998, cujos termos são válidos por 50 anos[46]. Dessa forma, em 2048 o Protocolo de Madri pode ser revisto, se alguma das partes consultivas do Tratado da Antártica se manifestar.

O Protocolo de Madri começou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro através do Decreto nº. 2742/98.

O Protocolo recomenda que todas as atividades na Antártica sejam realizadas de maneira a reduzir ao mínimo o impacto da presença humana na região. Para atingir esse objetivo, estabeleceu princípios, procedimentos e obrigações que devem ser seguidos na execução de pesquisas científicas, no apoio logístico às estações antárticas, e nas atividades de turismo, visando à proteção da flora e da fauna da região.

Determina também a proibição de qualquer atividade relacionada com recursos minerais, exceto a de pesquisa científica.

Impõe também regras e limitações em relação à eliminação de resíduos e medidas preventivas contra a poluição marinha. Requer a aplicação de procedimentos para avaliação do impacto ambiental das atividades desenvolvidas na região, inclusive aquelas não-governamentais.

O protocolo é acompanhado de cinco anexos que especificam as normas de proteção ambiental. O anexo I, sobre avaliação de impacto ambiental, estabelece que atividades com impacto ambiental pequeno ou transitório podem ser realizadas livremente na Antártica, desde que propriamente avaliadas pelos procedimentos específicos de cada país. Se o impacto não for considerado pequeno ou transitório, o anexo estabelece uma série de procedimentos para a avaliação do impacto ambiental da atividade.

O anexo II estabelece normas de proteção a fauna e flora antárticas. Proíbe a "apanha" ou qualquer interferência nociva, salvo quando objeto de licença, assim como retirar plantas em grandes quantidades; perturbar a concentração de animais com máquinas e equipamentos; introduzir espécies não-nativas, salvo em situações de emergência ou explicitamente permitidas por autoridade competente. O anexo estende sua proteção a invertebrados e restringe a importação de animais vivos para consumo.

O anexo III dispõe sobre a disposição e o manejo de dejetos, estabelecendo procedimentos para disposição, armazenamento e remoção de dejetos de forma a minimizar o impacto ambiental das atividades humanas no continente. Proíbe também, dentro da área protegida pelo Tratado da Antártida, a introdução de resíduos como os difenis policlorados (PCBs), os solos não estéreis, as partículas e lascas de poliestireno ou tipos de embalagem similares, ou os pesticidas (exceto os destinados a finalidades científicas, médicas ou higiênicas).

Permite a eliminação de resíduos no mar, desde que respeitada as regras de: a descarga ocorrer, sempre que possível, em zonas que ofereçam condições propícias a uma diluição inicial e a uma rápida dispersão; e que as grandes quantidades de tais resíduos (gerados em uma estação cuja ocupação semanal média durante o verão austral seja de aproximadamente 30 pessoas ou mais) sejam tratadas, pelo menos, por maceração.

O anexo IV estabelece normas para a prevenção de poluição marítima, sendo aplicada “com respeito a cada Parte, aos navios autorizados a hastear seu pavilhão e, enquanto operar na área do Tratado da Antártida, a qualquer outro navio que participar em suas operações na Antártida ou que as apóie”[47].

Proíbe qualquer descarga de óleo ou misturas oleosas no mar, enquanto estiverem operando na área do Tratado da Antártida, os navios deverão conservar a bordo toda a borra, lastro sujo, água de lavagem dos tanques e outros resíduos de óleo e misturas oleosas que não puderem ser descarregados no mar. Os navios só descarregarão fora da área do Tratado da Antártida, em instalações de recebimento ou em outra forma autorizada. Porém essa regra não será aplicada: à descarga no mar de óleo ou de misturas oleosas provenientes de uma avaria sofrida por um navio ou por seu equipamento e à descarga ao mar de substâncias que contenham óleo e que estiverem sendo utilizadas para combater casos concretos de poluição a fim de reduzir o dano resultante de tal poluição. Proíbe também a descarga no mar de toda substância líquida nociva e de qualquer outra substância química ou outra substância em quantidade ou concentração que seja prejudicial para o meio ambiente marinho antártico.

O artigo 11 aduz que este Anexo não será aplicado aos navios de guerra, nem às unidades navais auxiliares, nem a outros navios que, pertencentes a um Estado ou por ele operados e enquanto em serviço governamental, de caráter não comercial. Não obstante, cada Parte deverá, mediante a adoção de medidas oportunas mas sem prejuízo das operações ou da capacidade operativa dos navios desse tipo que lhe pertencerem ou forem por ela explorados, assegurar que, na medida em que for razoável e possível, tais navios atuem de maneira compatível com este Anexo.

O anexo V estabelece o regime de áreas protegidas da Antártica, dividindo as áreas protegidas em duas categorias: Áreas Antárticas Especialmente Protegidas, onde é proibida a entrada, salvo permissão especial, e Áreas Antárticas Especialmente Gerenciadas, locais de interesse histórico ou impacto ambiental acumulativo, onde é permitida a entrada, respeitando o estabelecido pelo anexo.

Pode ser qualquer uma área, inclusive marinha, que seja designada como Área Antártica Especialmente Protegida para proteger valores ambientais, científicos, históricos, estético ou naturais notáveis, qualquer combinação desses valores ou pesquisa científica em curso ou planejada, enquanto que qualquer área, inclusive marinha, onde atividades estiverem sendo efetuadas ou puderem sê-lo no futuro, poderão ser designadas como Área Antártica Especialmente Gerenciada para assistir no planejamento e coordenação, de atividades, evitar possíveis conflitos, melhorar a cooperação entre as Partes ou minimizar o impacto ambiental.

9.2. Convenção de Camberra

Usaremos para Convenção a denominação empregada pelo Itamaraty. Portanto Convenção “atos multilaterais, oriundos de conferências internacionais e que versem assunto de interesse geral, como por exemplo, as convenções de Viena sobre relações diplomáticas, relações consulares e direito dos tratados; as convenções sobre aviação civil, sobre segurança no mar, sobre questões trabalhistas. É um tipo de instrumento internacional destinado em geral a estabelecer normas para o comportamento dos Estados em uma gama cada vez mais ampla de setores”[48].

A Convenção de Camberra é a Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos, concluída em 1980 e presente no ordenamento jurídico nacional através do Decreto nº. 93935/87.

Mostrando que a tônica do Tratado da Antártida, além da cooperação científica é a proteção ambiental da região, as nações signatárias do Tratado Antártico assinaram essa Convenção, que se aplica aos recursos vivos marinhos da área ao Sul de 60° de Latitude Sul, além dos recursos vivos marinhos da área que compreendida entre aquela latitude e a Convergência Antártica[49], que faz parte do ecossistema marinho da região.

“Peixes com nadadeiras, moluscos, crustáceos e todas as demais espécies de organismos vivos incluindo pássaros, encontrados ao sul da Convergência Antártica”, como dispõe o parágrafo 2º do artigo I estão protegidas.

O artigo II diz que o objetivo dessa Convenção é o da conservação desses recursos vivos marinhos, dando algumas diretrizes sobre a captura e atividades conexas dentro de sua área de atuação, como a prevenção da diminuição do volume de qualquer população explorada a níveis inferiores àqueles que garantam a manutenção de sua capacidade de renovação; a manutenção das relações ecológicas entre as populações capturadas, dependentes e associadas dos recursos vivos marinhos antárticos e a restauração das populações reduzidas ao nível daquele que garanta o máximo crescimento líquido anual e a prevenção de modificações ou minimização do risco de modificações no ecossistema marinho que não sejam potencialmente reversíveis sobre o impacto direto e indireto da captura, sobre o efeito da introdução de espécies exógenas, sobre os efeitos de atividades conexas no ecossistema marinho e sobre os efeitos das alterações ambientais, com o objetivo de possibilitar a conservação continuada dos recursos vivos marinhos antárticos.

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O artigo V da Convenção aduz que as partes contratantes que não participem do Tratado da Antártida se comprometem a cumprir o que estabelece a Convenção no que tange à conservação da Fauna e Flora antárticas.

Qualquer Estado pode aderir a esta Convenção, desde que esteja interessado em atividades de pesquisa ou de captura com relação aos recursos vivos marinhos aos quais se aplica a presente Convenção.

Se não é perfeita, a Convenção de Camberra é um grande passo para a proteção dos seres vivos marinhos antárticos, pois a exploração desenfreada desses recursos marinhos poderia afetar negativamente o ecossistema e o meio ambiente antárticos.

9.3. Convenção para a Conservação das Focas Antárticas

A caça a focas e baleias foi a primeira atividade humana na Antártica. Muito provavelmente foi graças a essas ações que o continente antártico foi desvendado. Ainda no século XIX, as focas antárticas chegaram à beira da extinção devido à matança indiscriminada. Os próprios caçadores alertavam para o fato, constatando que pontos de caça outrora abundantes escasseavam quase por completo em questão de poucos anos.

Nesse diapasão, foi assinada a Convenção para a Conservação das Focas Antárticas em Londres no ano de 1972, e que entrou no ordenamento jurídico pátrio através do Decreto nº. 66/91.

Essa convenção se aplica às seguintes espécies: Elefante marinho austral (Mirounga leonina), Foca leopardo (Hydrurga leptonyx), Foca de Weddell (Leptonychotes weddelli), Foca caranguejeira (Labodon carcinophagus) Foca de Ross (Ommatophoca Rossi) Foca de pelagem austral (Arctocephalus sp.).

O anexo dessa convenção permite a captura, que deverá ser controlada, só podendo, de 1º de junho a 30 de julho inclusive, ser capturadas: a foca caranguejeira (Lobodon carcinophags), em número máximo de 175.000; no caso da foca leopardo (Hydrurga leptonyx), 12.000 espécies; e no caso da foca de Wenddell (Leptomychotes weddelli), 5.000 espécies. Esses números estão sujeitos a revisão à luz de avaliações científicas.

Fica proibido abater ou capturar a foca de Ross (Ommatophoca Rossi), o elefante marinho austral (Mirounga leonina) ou a foca de pelagem austral do gênero Arctocephalus. Fica também proibido abater ou capturar qualquer foca de Weddell (Leptonychotes weddelli) com um ano de idade ou mais entre 1º de setembro e 31 de janeiro inclusive, período de reprodução da espécie.

O anexo também prevê um período de caça, que será de 1º de setembro até o último dia de fevereiro. No restante do tempo, a caça estará proibida. É estabelecido também zonas de caça (Zona 1 - entre 60º e 120º longitude Oeste; Zona 2 - entre 0º e 60º longitude Oeste, juntamente com a parte do mar de Weddell a Oeste de 60° longitude Oeste; Zona 3 - entre 0º e 70º longitude Leste; Zona 4 - entre 70º e 130º longitude Leste; Zona 5 - entre 130º longitude Leste e 170º longitude Oeste; e Zona 6 - entre 120º e 170º longitude Oeste), porém cada uma das zonas de caça relacionadas será fechada em seqüência numérica a todas as operações de caça para as espécies de foca relacionadas acima, durante o período de 1º de setembro ao último dia de fevereiro inclusive.

É estabelecido também algumas áreas de reservas de focas (que são áreas de reprodução de focas ou sítios de pesquisa científica de longo prazo), onde é proibido abater ou capturar animais focas nas seguintes reservas: a área em torno das Ilhas Orçadas do Sul (entre 60º 20º' e 60º 56' latitude Sul e 44º 5' longitude Oeste); a área do Sudoeste do Mar de Ross ao Sul (de 76º de latitude Sul e a oeste de 170º de longitude Leste); a área de Enseada Edisto, a sul e a oeste de uma linha traçada entre o Cabo Hallet (72º 19' de latitude Sul e 170º 18' de longitude Leste) e a ponta Helm, a 72º 11'de latitude Sul e 170 00' de longitude Leste.

9.4. A proteção às baleias

Tanto no Brasil como no mundo, as baleias foram intensamente caçadas, entre os séculos XVI e XX, seja através da caça ou do “aumento do tráfego de embarcações, aumento do número de embarcações e redes de pesca, poluição, atividades off shore como exploração de petróleo e sísmica, entre outros”[50].

A caça comercial de baleias, foi então objeto de moratória adotada pela Comissão Baleeira Internacional (CBI), em 1982, e implementada a partir de 1985.

Em reunião da CBI, em Puerto Vallarta, no México, a comissão aprovou o estabelecimento de um santuário austral de baleias, para proteção dos grandes cetáceos na Antártica, que foi criado em 1994, e abrange todas as águas que cercam a Antártica e protege cerca de três quartos das populações de baleias em suas áreas de alimentação. O santuário protege as populações mais reduzidas como as baleias azul, fin, sei e a jubarte, e também a única população de baleias que não foi seriamente afetada pela caça (as baleias-minke), que vivem na Antártica.

Atualmente, existem outros santuários sendo planejados que poderão ampliar a área de proteção do Santuário Antártico por incluir áreas de reprodução e as rotas de migração, protegendo todo o ciclo de vida das populações de baleias que vivem no Hemisfério Sul.

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Sobre o autor
Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Especialista em Direito Ambiental – FMU. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável – PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. Os 30 anos da Estação Antártica Comandante Ferraz e a importância da proteção do continente antártico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3904, 10 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26858. Acesso em: 24 abr. 2024.

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