Aspectos fundamentais da Interpretação da Norma Jurídica

17/03/2014 às 16:18
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O tema da Interpretação da norma está diretamente ligado as transformações e evolução do Direito ao longo da história. O presente artigo aborda alguns aspectos de fundamental importância no procedimento de interpretação da norma jurídica na atualidade.

A Interpretação da Norma

Autora: Veronica Beer

O tema da Interpretação da norma está diretamente ligado as transformações e evolução do Direito ao longo da história. A elasticidade da norma e a aplicação efetuada pelos juristas, seja pelos advogados como pelos julgadores, trazem uma série de questões polemicas que refletem os valores de uma sociedade em determinado período da história.

Dentro do Direito Civil Constitucional, observamos que interpretação de uma determinada norma infraconstitucional deve sempre ser efetuada de maneira coerente com a norma constitucional. Isto porque devemos ver o Direito como um todo, e cada uma de suas “partes” deve estar em harmonia com a demais. A dicotomia Direito Privado e Direito Público não deve distanciar o Direito Civil do Direito Constitucional. Dentro deste quadro, os juristas têm a difícil tarefa de trazer uma interpretação coerente com todo o sistema jurídico e que reflita os valores fundamentais da sociedade atual.

Conforme mencionado por Renan Lotufo[1], hoje, no mundo dos sistemas jurídicos legislados, as constituições passaram a ter significado mais relevante com a constitucionalização do direito civil, decorre a migração, para o âmbito privado, de valores constitucionais, o que leva a uma despatrimonialização do Direito Civil.

Segundo Eugenio Facchini Neto[2], esta releitura do Direito Civil à luz das normas constitucionais decorre da necessidade de se recolocar no centro do direito civil o ser humano e tirar do centro das preocupações o patrimônio.

Quando se trata a constitucionalização do direito civil, não se está apenas fazendo referencia a institutos de direito privado que forma integrados no texto da Constituição, mas sim uma mudança de todo o direito privado em vista dos princípios e valores contidos na Lei Maior, via processo hermenêutico.

Conforme ensina o Pietro Perlingieri[3], é imprescindível a utilização de uma teoria da interpretação única e não formalista, em que cada norma infraconstitucional  há de ser aplicada juntamente com os princípios constitucionais. Esta técnica hermenêutica mostra-se como a única capaz de fazer prevalecer os valores do ordenamento em cada decisão judicial.

A Jurisprudência está em constante evolução, pois ela reflete as transformações que acontecem diariamente em nossa sociedade.  O fato social é complexo e está inserido dentro de um contexto cultural. Portanto, não podemos ter a pretensão de aplicar diretamente uma norma ao fato concreto, sem passar por um processo hermenêutico, que irá permitir uma aplicação justa e em conformidade com os princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

A flexibilidade dada ao ato de interpretar também precisa ser balanceada com a segurança jurídica almejada pela sociedade. A incerteza de como será a interpretação não pode chegar ao extremo de provocar decisões contraditórias e a liberdade dada ao julgador deve sempre estar limitada à coerência do sistema jurídico como um todo. O magistrado deve buscar a justiça e aplicar a norma levando em consideração aspectos peculiares do caso concreto e as características únicas de cada situação, mas não pode deixar de aplicar a lei de norma harmônica com todo o sistema normativo, em particular com a Constituição Federal, que deverá sempre ser respeitada.

As cláusulas gerais presentes em nossa Constituição como também em nosso Código Civil representam uma tendência atual, pois geram um ordenamento jurídico mais flexível e com possibilidades de adaptação à evolução constante das relações. Ao contrario de um sistema fechado, nosso sistema atual permite que o julgador tenha a liberdade necessária para exercer sua função e buscar a aplicação justa da norma em cada caso concreto.

O sistema jurídico dotado de cláusulas gerais caracteriza-se como um sistema aberto, uma ordenação axiológica ou teleológica, uma adequação valorativa de princípios gerais de Direito, que lhe dão unidade interna. As características principais de um sistema são a unidade e a ordenação.

Segundo Perlingieri[4], a clareza de uma disposição normativa é uma qualificação relativa, não sendo possível um alcance objetivo absoluto válido para todas as situações.  Em cada caso concreto, levando-se em consideração o contexto da situação, será buscada a clareza.

O princípio da legalidade não se reduz ao respeito aos preceitos individuais, implicado, ao contrario, de um lado a coordenação entre eles e, de outro, o confronto e o conhecimento do problema concreto a ser regulado, ou seja, do fato individualizado no âmbito do inteiro ordenamento, de modo a individualizar a normativa mais adequada e mais compatível com os interesses em jogo.

“A interpretação é, portanto, por definição, lógico-sistemática e teleológica-axiológica, isto é, finalizada à realização dos valores constitucionais.”[5]

O Direito está em constante movimentação e evolução. Os fatos sociais são complexos e exigem grande esforço do intérprete no momento de aplicação de uma lei abstrata e geral a um fato concreto.

O momento histórico, o contexto cultural, os anseios da sociedade e a busca pela justiça devem estar presentes no momento da aplicação da norma e, mesmo dentro do âmbito privado, como é o caso do Direito Civil, não podemos deixar de observar as normas constitucionais.

O Direito Civil Constitucional trouxe a ideia de que os normais de Direito Civil devem ser vistas à luz da Constituição Federal. Princípios fundamentais como o da dignidade humana devem, portanto, ser respeitados sempre, inclusive nas relações privadas.

A visão atual de que a intepretação é fundamental para aplicação da norma e que tal interpretação deve necessariamente levar em consideração os princípios constitucionais e as circunstâncias específicas de cada caso concreto representa uma avanço da Ciência do Direito.

Se pensarmos na teoria da incidência de Pontes de Miranda, segunda a qual a norma já contem todas as especificações e sua incidência é automática e infalível e independe de qualquer intérprete, podemos perceber que a visão atual do Direito é muito mais flexível e atenta as peculiaridades do caso concreto.

Além disso, a presença de clausulas gerais em nosso Código Civil requer cada vez mais do aplicador da norma uma trabalho de intepretação apurado que permita um resultado justo e em harmonia com todo o sistema jurídico.

O legislador do Código Civil de 2002, ao trazer cláusulas gerais atendeu a tendência mundial e representa um avanço (soft law). Não houve a pretensão de trazer em seu texto a exaustão de todas as matérias com mínimos detalhes. Por exemplo questões de biodireito foram propositalmente deixadas de fora, para serem reguladas por leis especificas sobre o assunto.

Podemos dizer que o Código Civil está de acordo com as tendências contemporâneas de legislação como um todo. Um Código aberto, com clausulas gerais e conceitos indeterminados e princípios de Direito, que permite concretude no caso específico, levando em consideração também princípios constitucionais

As principais características da cláusula geral são a adoção da técnica legislativa da não-casuística, a abertura semântica (linguagem aberta, fluída ou vaga), a possibilidade de emprestar mobilidade ao sistema, a criação de normas jurídicas voltadas para casos concretos e ressistematização com elementos internos e externos do sistema jurídico.

 

            As cláusulas gerais permitem a mobilidade externa do sistema pois o  juiz deve concretizar a norma de forma generalizante, isto é, com função de uma tipologia social. Ao mesmo tempo, permitem a mobilidade interna do sistema, uma vez que viabiliza a integração intra-sistemática, facilitando a migração de conceitos e valores entre o Código, a Constituição e as leis especiais.

Contudo, é preciso tomar os devidos cuidados para que o Direito Civil Constitucional não seja interpretado de maneira totalmente livre, de modo a desrespeitar princípios civis como o da autonomia privada. As consequências do ato interpretativo também deverão ser consideradas pelo julgador, de modo a evitar consequências negativas para a sociedade.

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Princípios como o da dignidade humana devem sim ser observados e respeitados, mas dentro do seu âmbito de aplicação. Além disso devem ser direcionados apenas aos seus legítimos titulares, quais sejam, as pessoas humanas.

A extensão de tais princípios também a pessoas jurídicas seria, portanto, uma distorção e um exagero, pois o direito que se visa proteger é o direito de personalidade, que é uma atribuição própria e exclusiva do ser humano.

Infelizmente, em alguns casos tem ocorrido um exagero na utilização dos princípios no Direito Privado e tal pratica pode prejudicar o próprio desenvolvimento do Direito Civil, pois haverá uma banalização de conceitos que deveriam ser preservados e utilizados somente em ocasiões onde realmente ocorre o risco de desrespeito a valores importantes e que devem ser protegidos pela sociedade.

Segundo Perlingieri[6], a norma nunca está sozinha, mas existe e exerce sua função dentro de um ordenamento e o seu significado muda com o dinamismo e a complexidade do próprio ordenamento, de forma que torna-se necessária uma interpretação evolutiva da lei.

Bibliografia

FACCHINI NETO, Eugenio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET Ingo Wolfgang (Org.). Constiuição, direitos fundamentais e direito privado. Port Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

LOTUFO, Renan. Apresentação. In: Direito civil constitucional: caderno 1. São Paulo: Max Limonad, 1999.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito PRivado. Parte Geral – Tomo I. Introducao. Pessoas físicas e jurídicas. Rio de Janeiro. Editora Borsoi, 1954.

NANNI Giovanni Ettore,  Interpretação: uma visão entre o passado e o futuro. Texto elaborado para participação do evento Conversa sobre a interpretacao no Direito: estudos em homenagem ao centenário de Miguel Reale, promovido pelo Instituto de Estudos Culturalistas, em Canela, 17 de semebro de 2011, organziado por Judith Martins-Costa e Miguel Reale Jr.

PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.


(1)  LOTUFO, Renan. Apresebtação. In: Direito civil constitucional: caderno 1. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 7-12

(2) FACCHINI NETO, Eugenio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado. In: SARLET Ingo Wolfgang (Org.). Constiuição, direitos fundamentais e direito privado. Port Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 11-60.

(3) PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria de Cicco. Rio de Janeiro: REnovar, 2008, p. 73-86.

(4) PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 618.

(5) PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, op cit p. 618.

(6) PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 617.

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Sobre o autor
Veronica Beer

Advogada, Mediadora e Professora de Mediação, Arbitragem e Direito Internacional Público e Privado da ESAMC Campinas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

CONDIÇÃO PARCIAL DE CUMPRIMENTO DA DISCIPLINA “FUNDAMENTOS GERAIS DO DIREITO CIVIL E DIGNIDADE HUMANA: CODIFICAÇÃO E DIREITO DAS PESSOAS”, MINISTRADA PELO PROFESSOR DR. GIOVANNI ETTORE NANNI, DO CURSO DE MESTRADO NO NÚCLEO DE DIREITO CÍVEL DA PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP.

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