A liberdade religiosa e a imunidade tributária no julgamento do RE 578.562/BA

27/03/2014 às 23:19
Leia nesta página:

Versa o presente trabalho sobre uma singela análise do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 578.562/BA, o qual teve por objeto questão relativa à liberdade religiosa e a imunidade tributária.

A LIBERDADE RELIGIOSA E A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO JULGAMENTO DO RE 578.562/BA

  1. RELATO SOBRE O JULGAMENTO DO RE N° 578.562/BA

 

A liberdade religiosa constitui-se em direito fundamental de primeira geração. Direitos desta espécie são conquistas originadas no século XVIII, inspiradas pelo liberalismo político e individualismo jurídico, as quais postulam um ambiente de mínima intervenção estatal, consentâneo com o paradigma de Estado Liberal de Direito. O valor liberdade os impregna, obstando uma ação discricionária e arbitrária do governo em face das pessoas.

São verdadeiros direitos públicos subjetivos oponíveis não apenas em face do Estado, mas também do particular. Por meio deles exige-se uma postura absenteísta, com uma interferência mínima por parte do Poder Público na esfera privada, o que realça seu caráter negativo. São direitos de liberdade e defesa.

Na liberdade religiosa está incluída a liberdade de crença, de aderir a alguma religião e o exercício do culto respectivo.  As liturgias e os templos onde são praticados os cultos devem ser protegidos nos termos da lei.

O art. 5°, VI da CF plasmou dispositivo referente à mencionada liberdade ao dispor que: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

A fim de resguardá-la, a Constituição da República, em outro momento, mais precisamente em seu art. 150, VI, “b” estabeleceu a imunidade de impostos sobre templos de qualquer culto. E esta foi a questão analisada pelo STF no julgamento do RE 578.562/BA, definir a amplitude da não incidência qualificada, de forma a preservar o direito fundamental em comento.

Estabelece o referido artigo que: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI - instituir impostos sobre:  b) templos de qualquer culto”.

Segundo o relatório do julgado, o Município de Salvador havia executado a Colônia Inglesa, cobrando o IPTU relativo ao ano de 1997, que recaía sobre o Cemitério Britânico. A Sociedade da Igreja de São Jorge opôs embargos à execução e alegou ser titular do domínio útil do imóvel, e que estaria protegida pela imunidade estabelecida no art. 150, VI, “b”, uma vez que no terreno estava localizado o templo e o cemitério onde eram sepultados os corpos dos fiéis.

A decisão do apelo extremo foi favorável à sociedade religiosa e estabeleceu que os cemitérios que constituem extensões de entidades confessionais estão abrangidos pela imunidade constitucional. Sobre eles não pode incidir, portanto, o IPTU.

Foi acordado que a questão relativa à amplitude das imunidades aos tributos deve ser elucidada a partir da compreensão da totalidade do texto da Constituição e não de dispositivos esparsos, lidos isoladamente. Neste sentido foi o julgamento proferido pelo tribunal pleno.

O Min. Eros Grau, relator, em seu voto, chamou a atenção para o mecanismo de decisão. Esclareceu que a interpretação da norma deve ser conjugada com os fatos, a realidade, e que dessa conjugação seriam extraídas normas gerais. Tais normas aplicadas aos casos concretos formulariam a norma de decisão.

Tal distinção foi feita para evidenciar que a norma de decisão aplicada aos cemitérios que são extensões de sociedades de cunho religioso não é a mesma a ser aplicada a cemitérios administrados por empresas cujo objeto social seja a locação ou venda de jazigo. À evidência, estes últimos não gozam da imunidade prevista constitucionalmente, ainda que parentes e amigos dos defuntos neles sepultados compareçam para cultuar sua memória.

Segundo o Ministro, é entendimento do STF que a imunidade prevista no art. 150, VI, “b” deve ser amplamente considerada, abrangendo várias manifestações religiosas como culto. Além do mais, não abarca apenas os prédios destinados ao culto, mas o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas. E mais, a regra insculpida no § 4° do mesmo art. 150 serve de vetor interpretativo para as alíneas “b” e “c” do inciso VI.

Como o cemitério discutido no RE N° 578.562/BA estava localizado no mesmo terreno da capela do culto da religião da sociedade recorrente era parcela de seu patrimônio, estando abrangido pela regra imunizadora. Tal garantia seria necessária para assegurar o bem maior, que é a liberdade de crença e culto.

Continuou o voto dizendo que a imunidade aos tributos fruída pelos templos de qualquer culto decorre da proteção aos locais onde são realizados e suas liturgias, bem como da salvaguarda contra qualquer embaraço ao seu funcionamento. Deve haver uma interpretação conjugada dos artigos 150, VI, “b”, 5°, VI e 19, I, todos da Constituição da República Federativa do Brasil.

O Min. Ricardo Lewandowski destacou tratar-se de local de culto de religião secular, instituída há mais de quatro séculos pelo Rei Henrique VIII, na Inglaterra, e acompanhou integralmente o voto do relator.

O Min. Carlos Britto esclareceu que a regra prevista no art. 150 VI, “b” densifica aquela estampada no art. 5°, VI da CF.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Compreendeu os cemitérios como templos heterodoxos, onde, mesmo a céu aberto, é constituído local de culto aos mortos, ambiente onde ocorrem várias manifestações religiosas. Além do mais, a ausência de tributação dos cemitérios teria um viés social já que amenizaria o preço dos aluguéis de jazigos para as famílias que sofreram a perda de um ente querido.

Concluiu dizendo que a última morada do indivíduo deve ser subtraída à longa manus fiscal, acompanhando o relator.

O Min. Marco Aurélio, por sua vez, afirmou interpretar os dispositivos do art. 150 da CF de forma sistemática e teleológica, e para concluir pela imunidade do cemitério que representa extensão às sociedades religiosas enfatizou ser necessária a conjugação da alínea “c” do mesmo dispositivo, que diz respeito às entidades de assistência social-gênero.

Por fim, acompanhou o relator.

REFERÊNCIA

 

RE 578.562/BA. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 21/05/2008, publicado no DJe nº 172, de 12-09-2008, p. 1070. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=547393. Acesso em 15-05-2013.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eduardo Xavier de Souza

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;<br>Pós-Graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Cândido Mendes;<br>Pós-Graduando em Direito Aplicado ao Ministério Público pela Escola Superior do Ministério Público da União - ESMPU;<br>Analista Processual do Ministério Público da União;<br>Tutor Presencial das Disciplinas Jurídicas do Curso de Administração do Consórcio CEDERJ - Polo de Itaperuna;<br>Ex-servidor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos