Responsabilidades do setor de produtos tecnológicos

06/04/2014 às 22:39
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A velocidade do avanço tecnológico requer uma reflexão sobre o assunto. Necessita-se, assim, discutir sobre as responsabilidades das empresas que compõem a cadeia produtiva dos eletrônicos.

Trata o presente artigo sobre breve considerações acerca das responsabilidades cíveis, administrativas e penais referentes aos atores do ciclo de vida dos produtos eletrônicos devem ser discutidas. No mundo contemporâneo, a velocidade do avanço tecnológico torna a cada dia os aparelhos mais obsoletos, o que demanda maior atenção sobre a adequada destinação ambiental dos resíduos decorrentes deste processo produtivo e, para tanto, sólido e extenso arcabouço legislativo vêm sendo construído para regulamentar as atividades produtivas nesse quesito.

De plano, cumpre esclarecer que o art. 225, § 3° da Constituição da República Brasileira impõe a tríplice responsabilização para as condutas e atividades praticadas por pessoas físicas ou jurídicas que, por ventura, sejam consideradas lesivas ao meio ambiente[1]. Fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico e dotado de força normativa, o diploma constitucional no Brasil detém alto grau de proteção ambiental, tendo, inclusive, capítulo próprio.

No campo dos resíduos sólidos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS, Lei n°. 12.305/2010, estrutura as normas gerais sobre o assunto e implementa como princípios básicos, dentre outros,  o usuário pagador (art. 6°, II), o desenvolvimento sustentável (art. 6°, IV), a cooperação entre os agentes públicos e privados (art. 6°, VI) e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (art. 6°, VII).

A PNRS conceitua a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como sendo o “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental” decorrentes desse processo (art. 3°, XVII). Não inova, nesse tanto, no plano jurídico, mas apenas ratifica o mandamento constitucional do art. 225, caput, quando atribui ao Poder Público e a coletividade o dever de preservação ao meio ambiente.

Por oportuno, faz-se imperiosa a compreensão do alcance do termo consumidor. De acordo com o art. 2°, caput do Código de Defesa do Consumidor, a Lei Federal n°. 8.078/90, significa toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou serviço como destinatário final. Inclui, portanto, os chamados consumidores corporativos de produtos eletrônicos, os quais estão compreendidos na responsabilidade compartilhada da PNRS.

Incentivam-se boas práticas de sustentabilidade em todas as suas esferas, fomenta-se o mercado de produtos reciclados ou recicláveis, além de direcionar o mercado para ações menos poluentes. Dentre as medidas impostas, o sistema de logística reversa, ou seja, a delegação ao setor empresarial do encargo, independente do serviço público de limpeza, de viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos para reaproveitamento ou destinação final ambientalmente adequada, foi trazida ao modelo a ser adotado. Nesse ponto, cabe mencionar que o art. 33, VI da PNRS insere os agentes do setor produtivo dos produtos eletrônicos como obrigados a implantar e estruturar o sistema mencionado e proíbe qualquer forma de destinação dos resíduos sólidos vedadas pelo Poder Público (art. 47 e 48 PNRS).

A PNRS, no entanto, não esgota o assunto, na medida em que tratam-se de parâmetros gerais para os entes federativos legislarem e/ou elaborarem seus próprios mecanismos de gestão dos resíduos sólidos. Mediante sua importância, o constituinte de 1988 considerou no art. 24, VI e VIII que a matéria fosse compartilhada dentre todos os membros da Federação, no intuito de abarcar maior proteção, o que por vezes são responsáveis por conflitos[2].

No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual n°. 9.491/2003 previu a Política Estadual de Resíduos Sólidos e ratifica a ideia do plano nacional quanto ao compartilhamento de responsabilidades (art. 3°).  Como sanção administrativa, determina que “as atividades geradoras, transportadoras e executoras de acondicionamento, de tratamento e/ou de disposição final de resíduos sólidos” ficam sujeitas às seguintes penalidades (art. 19): (i) multa simples ou diária correspondente no mínimo a 5.000 (cinco mil) UFIR’s e no máximo, a 5.000.000 (cinco milhões) UFIR’s[3], agravada no caso de reincidência específica. (II) perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público; (III) perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimento oficial de crédito e (IV) suspensão da atividade.

Faz-se, aqui, importante mencionar o adendo do art. 18 da Política Estadual de Resíduos Sólidos (Lei Estadual RJ n°. 9.491/2003), quando não descarta as infrações administrativas já previstas pela Lei Estadual (RJ) n°. 3.467/2000. Nestas, cumpre citar para o lançamento de resíduos sólidos os dispositivos infra:

Art. 61 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), ou multa diária.

§ 1º - Incorre nas mesmas multas quem:

V – lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos;

Art. 92 - Poluir o solo por lançamento de resíduos sólidos ou líquidos:

Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

O Decreto Federal n°. 6.514/2008 reproduz de forma quase idêntica o art. 61 mencionado na norma estadual[4] e, ainda, adiciona que também se sujeitarão a tais penas aqueles que descumprirem a obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos termos da Lei no 12.305 de 2010. Em síntese, a empresa abarcada pela cadeia produtiva (ex. consumidora corporativa) de “lixo” tecnológico poderá sofrer sanção administrativa no valor até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) ou multa diária, caso seja compreendido que contribui direta ou indiretamente para causar poluição que possa resultar em danos para saúde humana, fauna ou flora, nos moldes do art. 225, caput CF/88 e do art. 3°, III da Lei Federal n°. 6.938/1981 conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente ou no valor de até R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando se restringir a degradação do solo. Salienta-se que tais valores serão arbitrados pela Administração Pública competente de acordo com o caso e possui uma ampla margem de definição e, tal fato, causa alto índice de incerteza.

No que tange especificamente ao setor tecnológico, vislumbra-se uma tendência de crescimento legislativo sobre o tema. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, tramita o Projeto de Lei nº. 2.045/2011, referente à coleta e a destinação ambientalmente adequada de resíduos tecnológicos. De igual modo, o Projeto de Lei n°. 1.937/2004, de autoria do Dep. Est. Carlos Minc, relativo ao tema se encontra atualmente na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Na propositura estadual considera-se lixo tecnológico os “componentes e periféricos de computadores, inclusive monitores e televisores (que contenham tubos de raio catódicos), lâmpadas de mercúrio e componentes de equipamentos eletroeletrônicos e de uso pessoal, que contenham metais pesados ou outras substâncias tóxicas”.

Noutros membros da Federação, a regulamentação do objeto de análise na presente opinião jurídica já é uma realidade. Numa rápida pesquisa, é possível compilar uma série de normas promulgadas nos últimos anos, o que, mais uma vez, demonstra a importância que deve ser dado ao mesmo. Os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba e o Município de Guarulhos possuem leis específicas que tratam de resíduos sólidos tecnológicos[5].

Mediante análise comparativa, é curioso observar que nem todas as leis estudadas possuem dispositivos sobre as sanções a serem adotadas nos casos de descumprimento, o que se pressupõe a delegação desta função para o poder regulamentar do Poder Executivo. A Lei n°. 9.441/2012 do Espírito Santo, no entanto, estabelece expressamente no art. 14, II, b que as multas podem “variar de 10 (dez) a 1.000 (mil) salários mínimos, dependendo da reincidência do fato ou gravidade do dano causado pelo descarte inadequado, inclusive podendo gerar a suspensão do alvará de funcionamento pela reincidência”.

Noutro plano, é importante relacionar práticas da atividade produtiva do setor tecnológico com a esfera criminal. De acordo com a Lei Federal n°. 9.605/1998, constitui crime:

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:   

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

Como dito, as obrigações impostas para o setor de “lixo” tecnológico constam em legislações esparsas, mas devem ser sempre pautadas pela logística reversa e responsabilidade compartilhada da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Desde que comprovada a poluição, qualquer membro da cadeia produtiva, pessoa física ou jurídica (art. 225, § 3° CF/1988 e art. 3° Lei Federal n°. 9.605/1998), poderá sofrer tais sanções penais.

Por último, a reponsabilidade de reparar os danos ambientais[6] também pode atingir as empresas concernentes ao ciclo de vida do produto tecnológico (ex. fabricantes, comerciantes, consumidores pessoas físicas e consumidores corporativos). No Brasil, a responsabilidade objetiva, solidária e integral é defendida por doutrina e jurisprudência majoritárias, dotando, inclusive, o nexo de causalidade de uma considerável elasticidade para abarcar os poluidores diretos e indiretos mencionados pelo texto constitucional (art. 225, § 3° e art. 14, § 1° da Lei Federal n°. 6.938/1981). Em inúmeros julgados, o Superior Tribunal de Justiça ratifica tais entendimentos, como se infere do trecho abaixo do REsp nº. 1374342/MG, relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão:

“É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que, nos danos ambientais, incide a teoria do risco integral, advindo daí o caráter objetivo da responsabilidade, com expressa previsão constitucional (art. 225, § 3º, da CF) e legal (art.14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981), sendo, por conseguinte, descabida a alegação de excludentes de responsabilidade, bastando, para tanto, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao ambiente advinda de uma ação ou omissão do responsável”.

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Na esfera cível, os efetivos ou potenciais danos ao meio ambiente serão arbitrados pelo Poder Judiciário na modalidade de danos materiais ou morais, conforme o caso, o que, mais uma vez, demonstra o alto índice de imprecisão.

Constata-se a importância das medidas preventivas e mitigadoras de eventuais problemas futuros para as empresas que tratam dos produtos tecnológicos, sejam elas fabricantes, comerciantes ou consumidoras no sentido apresentado.

Amparado por amplo sistema legislativo, cresce a atuação do Ministério Público em todos os entes da federação, no intuito de buscar cada vez mais diversas formas de responsabilização por danos efetivos ou potenciais na área ambiental. Prova disso, é o suporte técnico realizado pelo GATE ao MP-RJ que permite estender as atividades fiscalizatórias.

O “risco” de eventuais despesas e encargos futuros deve ser considerado nas políticas empresariais, na medida em que um inadequado planejamento poderá ocasionar sanções cíveis, administrativas e penais e, por consequência, afetar reflexamente a imagem perante o consumidor, aumentar os gastos no processo produtivo, demandar esforços em processos administrativos e judiciais sem previsão dos valores a serem desembolsados ou, até mesmo, figurar numa ação criminal.


[1] Segue abaixo a íntegra do dispositivo constitucional. “Art. 225 § 3º - CF/88 - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” Considero importante também a menção, aqui, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, a qual, de certa forma, amplia e especifica melhor o sistema de responsabilidades ambientais. “Art. 261 § 2º - Constituição do Estado do Rio de Janeiro - As condutas e atividades comprovadamente lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções administrativas, com a aplicação de multas diárias e progressivas nos casos de continuidade da infração ou reincidência, incluídas a redução do nível de atividade e a interdição, além da obrigação de reparar, mediante restauração os danos causados.”

[2] Durante décadas, a repartição de competências em matéria ambiental foi objeto de conflitos federativos. No intuito de solucionar o problema, a Lei Complementar n°. 140/2011, que fixou os termos de cooperação demandado pelo art. 23, parágrafo único CF/88, delimita o campo de atuação de cada um.

[3] Nesse Sentido. Resolução SEFAZ N.º 700 /2013 - Art. 1.º O valor da Unidade Fiscal de Referência do Estado do Rio de Janeiro (UFIR-RJ), instituída pelo Decreto n.º 27.518, de 28 de novembro de 2000, para o exercício de 2014, será de R$ 2,5473 (dois reais, cinco mil quatrocentos e setenta e três décimos de milésimos).

[4] Realça-se, contudo, que o valor inicial mínimo da esfera federal é maior que o do Estado do Rio de Janeiro. Art. 61.  Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade:

Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais). 

Art. 62 - Decreto Federal n°. 6514/2008 -  Incorre nas mesmas multas do art. 61 quem:

V - lançar resíduos sólidos, líquidos ou gasosos ou detritos, óleos ou substâncias oleosas em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou atos normativos;

VI - deixar, aquele que tem obrigação, de dar destinação ambientalmente adequada a produtos, subprodutos, embalagens, resíduos ou substâncias quando assim determinar a lei ou ato normativo;

XII - descumprir obrigação prevista no sistema de logística reversa implantado nos termos da Lei no 12.305, de 2010, consoante as responsabilidades específicas estabelecidas para o referido sistema; (Incluído pelo Decreto nº 7.404, de 2010).

[5]Rio Grande do Sul - Lei n°. 13.533/2010; Paraná - Lei n°. 15851/2008; Espírito Santo - Lei n°. 9.941/2012; São Paulo - Lei n°. 13.576/2009- Mato Grosso - Lei n°. 8.876/2008; Mato Grosso do Sul - Lei n°. 3.970/2010; Paraíba - Lei n°. 9.129/2010 e Guarulhos - Lei n° 6.663/2010.

[6] Termo utilizado pelo art. 225, § 3°da Constituição Federal de 1988. 

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Sobre o autor
Felipe Pires Muniz de Brito

Assessor Jurídico INEA-RJ. Advogado Ambiental. Pós Graduação em Dir. Ambiental - PUC-RJ

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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