Globalização econômica e sua estrutura jurídica - democracia organizacional, exclusão e direito social na ótica de José Eduardo Faria

Leia nesta página:

Exploram-se os reflexos do fenômeno da globalização sobre a ciência jurídica, em especial sobre direitos fundamentais (individuais e sociais), em suas vertentes econômicas, políticas, culturais e políticas.

1. Introdução.

Nos capítulos 5 e 6 de sua obra: “O Direito na Economia Globalizada”, José Eduardo Faria mostra as implicações jurídicas decorrentes da implantação, consolidação e expansão do fenômeno sócio-econômico-cultural da globalização no mundo contemporâneo, e o ataque a direitos fundamentais dos cidadãos conquistados ao longo de séculos.

Este autor ressalta que neste mundo globalizado, a estrutura jurídica reveste-se de um caráter pluralista e ao mesmo tempo autônomo, fragmentado e ao mesmo tempo harmônico, descentralizado e ao mesmo tempo auto-regulador, formando em sua essência um paroxismo próprio da “miscelânea” cultural, organizacional presente em diversos Estados-Nações.

No contexto atual de substituição do modelo de produção “fordista” pelo modelo da “especialização flexível da produção”, também denominado de “pós-fordista”, surge uma corrente de juristas que defendem a aplicação do “Direito Reflexivo” como uma forma de acompanhar as evoluções trazidas com a expansão do fenômeno da globalização.

2. Teóricos do Direito Reflexivo, Democracia Organizacional, Exclusão e Direito Social.

Neste contexto, José Eduardo Faria ressalta que os teóricos do direito reflexivo ressaltam que a desterritorialização da produção industrial, a produção de cadeias produtivas controladas em escala mundial por instituições financeiras internacionais e por conglomerados internacionais ou companhias globais, a proliferação de subsistemas econômicos auto-regulados e a perda tanto da centralidade quanto da exclusividade do Estado-nação acabaram trazendo consigo um novo tipo de democracia: a organizacional.

Sobre a Democracia Organizacional, esclarece ainda este autor que:

“Em termos de configuração estrutural e de alcance, ela tem sido apresentada como uma alternativa ao tradicional modelo de democracia representativa. Esta, como se pode inferir a partir da argumentação dos teóricos do “direito reflexivo”, teria chegado a sua exaustão paradigmática no momento em que a “sociedade de homens” foi substituída por uma societas mercatorum, mais precisamente por uma “sociedade de organizações”, e em que a economia passou a ser praticamente autogerida em âmbito transnacional. Na medida em que a “jurisdição” da democracia representativa se circunscreve exclusivamente aos limites territoriais do Estado-nação, como já foi dito anteriormente, a desterritorialização das decisões em matérias de investimentos e localização de unidades produtivas advinda com a globalização produz um drástico encurtamento de seu campo de ação” (Farias, 2004).

 

Este autor expõe de forma bastante nítida que com o advento da globalização, está havendo um maior “pressionamento” por parte dos Estados desenvolvidos em relação aos Estados do mundo subdesenvolvido, para que estes procedam a alterações constitucionais e legislativas com vistas à flexibilização dos direitos fundamentais e sociais.

A este fenômeno de flexibilização dos direitos legais e constitucionais chama o autor de “desconstitucionalização” e “deslegalização”, o que leva ao enfraquecimento dos direitos fundamentais.

Segundo os interesses das corporações internacionais, os encargos sociais e ambientais são extremamente onerosos em relação aos custos de produção. Por esta razão tentam convencer os governantes e a classe política nacional da necessidade desta flexibilização, dando como “recompensa” os investimentos do capital internacional, o que certamente não é interessante para as categorias mais carentes da sociedade que adquiriram direitos ao longo de décadas, porque não dizer, de séculos.

Em face deste preocupante cenário, propõe o autor ora tratado a resposta de uma série de questionamentos:

“como preservar o “conteúdo essencial” do ato de votar? Qual o sentido prático de votar e  em ser votado, uma vez que a representação baseada em regra de maioria já não mais se converte necessariamente em poder substantivo? Porque militar em partidos, disputar eleições e atuar no parlamento, se o alcance do controle da esfera pública sobre a economia foi drasticamente reduzido pela revogação dos monopólios estatais, pelos programas de privatizações e pelas delegações de competência ao setor público à iniciativa privada? Pode a regra de maioria resistir ao movimento de transnacionalização das fontes do direito? (Farias, 2004).

Um exemplo prático destes acontecimentos ora discorridos em cenário nacional foi a medida adotada pelo Governo Lula para conceder autorização, através de Medida Provisória[1], dispensando o trâmite legislativo, de modo a atender aos interesses da corporação internacional que vende sementes de soja transgênica: “Monsanto”, para que os compradores da mesmo (grandes produtores rurais dos Estados do RS e PR) pudessem utilizá-las, ou seja, realizarem o plantio da mesmo, mesmo que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) solicitado pelo IBAMA não tenha deixado claro os riscos (indeterminados por ausência de conhecimento científico da comunidade nacional e internacional) possíveis ao meio ambiente a e saúde de milhares ou milhões de seres humanos.

No exemplo suso narrado verifica-se que o governo tem à sua disposição, mecanismo político com força de lei, editado em caso de relevância e urgência, para que possa atender aos anseios, sempre urgentes, (visto a dinâmica do fenômeno da globalização) da comunidade internacional.

Em relação à perda da soberania nacional e da necessidade de se combatê-la, em razão do fenômeno da globalização, José Eduardo Farias faz uma referência a uma decisão do Tribunal Constitucional Federal Alemão, que foram resposta a dois recursos judiciais impetrados por políticos e professores de direito contra a assinatura e posterior ratificação, pelo governo desse país, do Tratado da União Européia, a qual serviu de modelo para a França, Inglaterra e outros países. Vejamos a seguir:

“Preocupados em preservar a autonomia dos poderes locais e em salvaguardar as prerrogativas dos Lander, os litigantes questionaram a validade da adesão e da ratificação da República Federal Alemã no acordo de Maastricht. Basicamente eles alegaram que a delegação para um governo “supranacional” da responsabilidade pelas decisões em matéria de moeda, , comércio, relações exteriores, imigração, segurança e defesa, por um lado, e o direito concedido a cidadãos de qualquer Estado-membro residentes em outro Estado-membro de votar e de se apresentar como candidatos em eleições locais e ao Parlamento Europeu, por outro lado, esvaziaram o significado do voto, provocaram uma capitis diminutio nos direitos fundamentais, comprometeriam o sentido da representação parlamentar e, por fim, reduziriam o alcance da democracia, desfigurando-a. (...) Sua sentença (...) enfatiza que a soberania continua pertencendo ao povo alemão, o que implica em restrição aos poderes dos órgãos supranacionais da União Européia.” (Farias, 2004).

 

O tratado autor recorda que os teóricos do Direito Reflexivo entendem que a democracia organizacional seria a nova forma de se “reconstruir”, de “restabelecer” um regime democrático, em face da crise da democracia representativa. E para tanto, se posicionam quanto às questões aqui já levantadas, tais como perda da autonomia dos Estados, flexibilização dos direitos trabalhistas, sociais e ambientais, sejam eles decorrentes de normas constitucionais ou legais, entre outros.

No sentido do parágrafo anterior, mister se faz considerar os argumentos defendidos pelos teóricos do Direito Reflexivo, nas lições de José Eduardo Faria:

“Todas essas questões, para os teóricos do “Direito Reflexivo’, não conduzem à negação da democracia e da própria política, mas, isto sim, ao desafio de sua reconceituação, requalificação ou reorganização, a partir de uma nova realidade. Se é certo é a política não é mais a instância central da sociedade, porém, apenas um de seus sistemas e “discursos” entre tantos outros, e que as sociedades se auto-regulam pelo exercício consciente e contínuo de cooperação, reconhecendo como inevitáveis e legítimas a pluralidade de interesses e a diversidade de valores, somente uma democracia organizacional, afirmam eles, teria condições de assegurar esse exercício e de viabilizar a canalização de toda essa diversidade em direções construtivas. Como transcende o campo estrito da política tradicional, sugerem estes teóricos, a democracia organizacional preencheria o vácuo deixado por essa inexorável relativização da democracia representativa, desde o advento da globalização. ” (Farias, 2004).

 

Nas lições de José Eduardo de Farias, este explica que o eixo central da democracia organizacional não esta situado no espaço da cidadania, mas sim no espaço da produção, e que a partir desta, seria irradiada sobre os demais espaços, inclusive o da cidadania.

Verifica-se, portanto, que com o fortalecimento da democracia organizacional esta se preterindo, ou colocando em segundo plano, os direitos oriundos da prática da cidadania, o que por sua vez, constitui fator extremamente negativo, sob o ponto de vista da sociedade dos homens do mundo explorado, ou subdesenvolvido, que perdem espaço conquistado ao longo de séculos de lutas e discursos das legítimas autoridades legislativas da democracia representativa.

Ademais, seguindo o entendimento do Tribunal Constitucional Federal Alemão, não se deve permitir a ingerência de organismos internacionais na economia local, de modo que permita um desenvolvimento econômico às custas da redução da qualidade de vida dos trabalhadores, da economia local e das sociedades que se concentram às margens das áreas de produção, principalmente industriais, em decorrência da poluição, em quaisquer de suas formas.

Em relação à importância no trato da questão ecológica pelas corporações internacionais, o autor em tela ressalta que: “o risco de ruptura do “equilíbrio ecológico” do sistema econômico acabaria funcionando, desta maneira, como uma espécie de “horizonte de sentido” para as corporações.”

Ainda sobre a importância da consideração da questão ambiental, esta deve ser encarada de forma estratégica, visando a construção de um diferencial que será indispensável para a sobrevivência e crescimento da corporação no mercado consumidor nacional e internacional.

O texto infra transcrito revela a relevância da neutralização do passivo ambiental e da transformação dos resultados em diferenciais a serem explorados através de campanhas de marketing verde.

“A neutralização desse risco está, portanto, na dependência da capacidade de cada uma delas de promover uma permanente avaliação das conseqüências de suas decisões e de suas formas de atuação. E nessa avaliação, tendem, por um lado, a se abrir ao meio ambiente com o objetivo de extrair todas as informações necessárias à maximização de seus objetivos, e, por outro, a escondê-las o máximo possível de seus rivais para não correr o risco de revelar segredos estratégicos. Da dinâmica desse processo acaba emergindo uma consciência global, com relação às situações e conflitos-limites” (Farias, 2004).

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Após todas essas considerações feitas até então, é de finalizar o entendimento do autor sobre a consciência global como o elemento-chave da democracia organizacional, quando este dispõe que “Elemento-chave da democracia organizacional, essa idéia da “consciência global” espontaneamente gerada pela capacidade de ponderação ou reflexão das “organizações complexas” é fator decisivo para a efetividade das instituições jurídicas até aqui examinadas”.

O Próprio autor também considera problemática essa “reflexão” imposta ao Direito, pois em suas palavras:

“Além da implausibilidade desse tipo de “reflexão”, e agora levando a discussão para o plano empírico, essa condição peculiar de democracia e o próprio modelo de “Direito Reflexivo’ a ela subjacente, também são problemáticos porque enfatizam  demasiadamente uma “integração descentralizada” no âmbito de uma “economia-mundo” altamente estigmatizada pela estratificação e pela desigualdade. Como já foi dito anteriormente, as sucessivas ondas de transformações tecnológicas responsáveis pelo declínio do “fordismo” e pelo advento do paradigma da “especialização flexível” ou “pós-fordista”, ao deslocar o eixo da competição internacional do eixo da competição internacional do controle das matérias-primas, da abundância dos recursos naturais e do tamanho geográfico para o controle dos novos processos de informação, gestão e produção, alteraram profundamente a divisão do trabalho em escala mundial”. (Farias, 2004).

 

Nos séculos XV e XVI observou uma “corrida” ao descobrimento de novas terras, de modo que pudessem ser exploradas, visando atender as necessidades de acumulação de riquezas da metrópole, em um período conhecido como mercantilismo. Naquela época, a conquista de novos territórios era essencial para que pudessem ser exploradas uma quantidade e diversidade maior de recursos naturais, que seriam convertidos em moedas e riquezas no mundo velho.

Com a evolução da comunicação, dos meios de transporte, e de outros mecanismos tecnológicos que foram surgindo até a presente data, os povos do mundo se uniram criando uma teia global de inter-relações, que, aos poucos, foram diminuindo a necessidade de uma expansão territorial e da exploração direta destes novos territórios, criando-se uma nova forma de dominação, através do poderio econômico e tecnológico.

O autor desta magnífica obra frisa que, com as desigualdades existentes entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, criou-se um quadro de procura das grandes corporações internacionais em instalarem suas unidades de produção nestes países, basicamente por dois motivos: pelo custo reduzido da mão-de-obra local, pelos incentivos fiscais e para se verem livres dos passivos ambientais.

Em relação a disposto no parágrafo anterior, vejamos o que o autor nos fala, ipisis litteris:

“Sobre a crescente transferência para os países periféricos ou em desenvolvimento das atividades industriais mais poluentes, é ilustrativa e importante a seguinte descrição do “Survey” de “The Economist” sobre a situação de Taiwan, um dos mais bem-sucedidos entre os “new industrialized countries”. Entre 1950 e 1980, o número de fábricas em Taiwan aumentou de 5.623 para 62.474. O mais rápido ritmo de crescimento verificou-se nas fábricas que produzem resíduos danosos: plásticos, químicos, derivados de petróleo, pesticidas, couros curtidos. Seu crescimento foi acelerado por incentivos governamentais de exportação: abatimentos de impostos e tarifas; taxas sobre vendas internas para subsidiar exportações e taxas cambiais subvalorizadas. Era um magnífico clima de investimentos e funcionou. (...) Nos EUA e na Europa Ocidental, as companhias são obrigadas a evitar que seus resíduos escureçam os céus e envenenem as águas. Em Taiwan, essas onerosas obrigações ou não existem ou são convenientemente desrespeitadas”. (Farias, 2004).

O autor deste texto ressalta também que com a globalização das economias mundiais surge a necessidade de qualificação profissional em diversas áreas, exigindo-se especialização e qualificação constante, de modo que este seja absorvido e dê suporte a operação do novo modelo de sistema produtivo.

No entanto, não existe, no caso específico do Brasil, um sistema técnico-educacional adequado que possa preparar esse profissional para atender a demanda das grandes corporações internacionais e das corporações nacionais com porte e estrutura internacional.

Diante dessa situação, verificou-se um aumento gradativo do desemprego dos trabalhadores menos qualificados, esvaziando-se ainda as proteções jurídicas contra, por exemplo, o uso indiscriminado de horas extras, a “modulação” da jornada de trabalho e a dispensa imotivada, a redução do número de assalariados beneficiados por algum tipo de direito social, como assistência médica, aposentadoria por tempo de serviço e seguro desemprego.

Extraindo a essência do pensamento do investidor internacional, José Eduardo Farias retrata sua atuação, dentro do modelo “Pós-fordista”, o que é possível observar diante da transcrição abaixo realizada:

“(...) conforme já foi anteriormente dito, o paradigma “pós-fordista” ou da especialização flexível da produção” estimula as empresas a fechar fábricas convencionais,a fundir outras para maximizar suas vantagens, a promover a transferência de suas unidades para a vizinhança de instituições públicas ou provadas geradoras de tecnologia e a efetuar, pelo recurso da automoção e à informatização, a eliminação dos postos de trabalho de menor qualificação, para os quais o computador é mais eficiente e implica menor custo”. (Farias, 2004).

Ainda sobre a conseqüência do novo paradigma de produção “Pós-fordista”, o referido autor ressalta que esta traz conseqüências intensas, radicais e avassaladoras, pois tais mudanças nas condições técnicas de organização do trabalho e nas formas de contratação de pessoal acabam por fragmentar o operariado, além de minar sua identidade ocupacional, o que leva ao enfraquecimento político do mesmo e a redução da capacidade de resistência dos sindicatos, ao fecharem os postos de trabalho.

Ocorre ainda a “flexibilização” da legislação laboral , e a transformação da terceirização em uma poderosa técnica de controle social, num eficiente mecanismo para facilitar a própria implementação do modelo da “especialização flexível da produção” e numa sutil estratégia de conversão dos trabalhadores em empregados em si mesmos, alienando sua força de trabalho não pelo que precisam para viver, no entanto, competindo com os próprios meios de produção.

Ressalta o autor que com esse modelo, o que vai resultar a partir de então:

“(...) é um dualismo altamente perverso. Por um lado, os trabalhadores poliqualificados, multiespecializados e versáteis passam a dispor de condições para desenvolver fórmulas de procedimentos bem mais confrontacionais e muito mais cooperativos de relacionamento profissional com os empregadores, mesmo diante de situações de divergência ou conflito, aceitando como “imperativo categórico” o princípio de que a manutenção de seus postos de trabalho depende, basicamente, do poder de competitividade e de ganhos sucessivos de produtividade das empresas. Por outro lado, os trabalhadores menos qualificados, ou seja, aqueles com baixo grau de escolaridade, curta experiência de ensinamento, de aprendizagem e treinamento e absoluta incapacidade tanto de operar sistemas produtivos informatizados quanto de supervisionar conjunto de equipamentos integrados, cada vez mais vêem layoff (demissão) converter-se em cast-off (expulsão), na medida em que tendem a ser jogados para fora do sistema produtivo, banidos da economia formal e inexoravelmente condenados ao desemprego crônico ou “estrutural”” (Farias, 2004).

 

 

Cada vez mais excluídos deste sistema de produção, os trabalhadores menos qualificados acabam gerando uma demanda crescente por serviços de assistência social, uma vez que estes são desprovidos de qualquer condição financeira e física, em virtude das fragilidades e eles impostas.

Em face destas peculiaridades sócio-econômicas, os Estados-nações devem apresentar uma nova agenda jurídica para que se possa haver um controle destes excluídos e a formulação de políticas públicas de inclusão, pois segundo o autor, vivemos em uma sociedade de risco. Segue abaixo, parte deste capítulo, onde o autor afirma sua compreensão sobre a matéria:

“O que realmente importa é verificar como todas elas, convergindo para problemas concretos de segurança, acelerando o exaurimento das técnicas jurídicas de controle social propiciadas pelo arsenal preventivo clássico do direito positivo’ e alimentando contínuas demandas em favor de políticas públicas de inclusão, convertem a sociedade contemporânea numa sociedade de risco. Esta expressão, afirmam alguns analistas do declínio do modelo “fordista” de produção e massa, do advento do paradigma da “especialização flexível” ou “pós-fordista” e da transnacionalização dos diferentes mercados, representa a secularização do que as sociedades tradicionais atribuíam à fortuna, isto é, a uma vontade metassocial ou ao “destino”” (Farias, 2004).

 

 

Em face da exclusão crescente daqueles trabalhadores menos qualificados, observou-se uma relação com o aumento da criminalidade, uma vez que esses cidadãos excluídos do processo de produção, acabaram por buscar alternativas de prover o sustento de suas famílias, inclinando-se para uma fraqueza culturalmente receptora de excluídos: a criminalidade.

Em relação à exposição acima, José Eduardo Faria complementa de forma magistral que:

“Sem qualquer proteção legal, destituído de prerrogativas, privados de necessidades básicas e submetidos a toda sorte de violência, eles, para serem formalmente reconhecidos como “sujeitos de direitos’, não tinham outra alternativa a não ser transgredir a ordem legal, cometendo pequenos delitos apenas para alcançar o direito de cidadãos (no sentido de pertencimento a uma comunidade política). Isto porque na qualidade de infratores gozavam de um mínimo de tratamento jurídico e, a partir daí, podiam reunir condições para se tornarem “pessoas respeitáveis”. Ou seja, adquiriram o direito o direito de ser protegidos pelo Estado e de contar com alguns benefícios – alimentação regular, um teto, uma assistência judiciária, por exemplo – enquanto durassem o julgamento e a pronúncia de sua sentença, ficando desta maneira a salvo de arbitrariedade policial e das ameaças de detenção e posterior expulsão, contra as quais, como afirmava Hannah Arendt em texto clássico, “não existem advogados nem apelações”. Sem direito a um visto de permanência e direito ao trabalho, dizia ela, os apátridas viviam fora da jurisdição – e, portanto – de qualquer lei, estando sujeitos a acabar na cadeira sem jamais ter cometido um crime”. (Farias, 2004).

Visando corrigir, ou ao menos atenuar esta distorções fartamente listadas em linhas acima, surge a necessidade do fortalecimento do Direito Social. O autor deste texto ressalta que:

“A principal justificativa desse direito “social” parte da premissa de que, se por um lado, atualmente é impossível negar a existência dos conflitos coletivos inéditos decorrentes da exclusão social gerada pela transnacionalização da economia, por outro seria possível desenvolver determinados mecanismos jurídico-institucionais para tentar amortecer ou desarmar essa “explosividade”; para tentar neutralizá-la ou dispersá-la mediante uma estratégia político-normativa concebida em termos de um “cálculo do dissenso tolerável”; mais precisamente pela “magnitude dos recursos que se podem subtrair à cumulação em favor da equidade , sem prejuízo catastrófico para o processo ampliado de reprodução” (Farias, 2004).

 

O autor ressalta que uma das principais características desse “direito social” reside no fato de que muitos dos seus princípios e normas tratam de valores metafisicamente incomensuráveis (como aqueles presentes em conflitos entre o direito à vida, o direito à moradia, o direito ambienta, o direito à seguridade social, e os imperativos categóricos de maximização da eficiência e da acumulação, no âmbito econômico).

O autor ressalta ainda uma outra característica fundamental do Direito Social, que está intimamente associada a anterior, que reside no fato de que as suas normas e princípios são dirigidos a todos, menos aos indivíduos “robsonianos”, ou seja, aqueles cidadãos indiferenciados, livres e anônimos, e mais na perspectiva dos grupos, coletividades, comunidades, regiões, corporações, setores e classes a que pertencem.

Este autor considera que ao contrário dos direitos individuais, civis e políticos e das garantias fundamentais desenvolvidos pelo liberalismo burguês com base no positivismo normativista, cuja eficácia requer apenas que o Estado jamais permita sua violação, os “direitos sociais” não podem simplesmente ser “atribuídos” aos cidadãos, pois necessitam de uma ampla e complexa gama de programas governamentais e de políticas públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade; políticas e programas especialmente formulados, implementados e executados com o objetivo de concretizar tais direitos e atender às expectativas gerados pelo mesmo com a sua positivação.

No entanto, apesar de se apresentar como uma solução para os problemas acoplados e oriundos do fenômeno da globalização e implantação do paradigma “pós-fordista” de produção, o direito social impõe uma inversão do raciocínio jurídico, conforme explica o autor:

“Por causa desses objetivos compensatórios, redistributivistas, integracionistas e niveladores, com a finalidade de tornar controláveis os riscos de explosão de litigiosidade e anomia da sociedade contemporânea, as leis “sociais”, uma vez promulgadas, exigem uma inversão do raciocínio jurídico. Para os operadores do direito, este já não é apenas e tão somente a regra geral e abstrata no marco da qual as forças sociais podem confrontar-se livremente. Ele atua, também, como instrumento de consecução de equilíbrios e de mudanças sociais.” (Farias, 2004).

Outro ponto importante a se considerar, é que o autor do presente livro não esqueceu de considerar que para atender aos anseios da “democracia organizacional” o Brasil “desconstitucionalizou” e “deslegalizou” muitos aspectos da seu ordenamento jurídico de modo a permitir delegações legislativas de competência do setor público à iniciativa privada, permitindo o serviço de saúde particular, o ensino privado, a segurança privada, a exploração de recurso energético estratégico, a exploração de recursos naturais, enfim, o desenvolvimento e exploração de atividades que antes eram tipicamente próprias do Estado, e que agora estão sendo desenvolvidos pela iniciativa privada.

Além das concessões, permissões e autorizações, houve ainda, principalmente nos países em desenvolvimento, a venda de empresas públicas para a iniciativa privada, em um processo conhecido por “privatização”.

Por fim o autor faz uma série de questionamentos, os quais são considerados por este como o propósito deste trabalho, o que o levou a profunda investigação da questão ora posta. E finaliza este capítulo com os seguintes questionamentos:

“se é certo que, quanto maior é a complexidade social mais a idéia de “interesse comum, geral e universal” cede lugar a idéia do “interesse social”, vista pelos teóricos deste modelo como um procedimento por meio do qual se torna possível obter a mediação, a arbitragem e o equilíbrio dos diferentes interesses coletivos em confronto, dispõe atualmente o Estado-nação de condições substantivas para executar essas tarefas? Mais precisamente, e aqui retomando novamente o problema central desse trabalho, até que ponto ele realmente está apto a fazer essa mediação, a promover essa arbitragem e a assegurar esse equilíbrio num contexto econômico em que as instituições financeiras internacionais e as grandes corporações contam com uma rede transnacional de pequenas e médias empresas sob sua dependência e influência, selecionando os países para receber seus investimentos com base num quadro geral de vantagens comparativas que eles oferecem? Pondo-se esta indagação em outros termos, qual é a viabilidade do “direito social” num período histórico em que a maioria dos países, principalmente os em desenvolvimento,vêm competindo acirradamente entre si para oferecer um ambiente interno “atraente” para esses investimentos? Em suma, que nível de efetividade poderá esse tipo de direito realmente alcançar numa societas mercatorum e numa “economia-mundo”, em cujo âmbito os homens estão deixando de ser “sujeitos de direito” para se converterem em “sujeitos organizacionais”; onde o “trabalho formal” parece estar definitivamente perdendo o seu papel como centro de organização da produção e das referências sociais; onde cada vez mais se indaga como um valor, tal como concebida em termos formais e materiais sob a égide dos Estados liberal e “providenciário”, tem ainda futuro; e por fim, onde o sentido de público e social cada vez mais transcende os projetos particulares de qualquer nação, isoladamente considerada?” (Farias, 2004).

3.  Conclusão

O autor conclui seu pensamento sobre os reflexos do fenômeno da globalização sobre a economia e ainda sobre a relativização dos direitos individuais ressaltando que este produz mudanças na competitividade, na produtividade e na integração, no plano econômico, produzindo ainda a fragmentação, exclusão e marginalidade no plano social.

Aduz ainda o citado autor, quanto ao caráter “pré-paradigmático” do “direito social” e do “direito reflexivo”, que:

“examinado menos do ângulo de sua estrutura interna e mais no da perspectiva de sua função social à luz dos desdobramentos institucionais do fenômeno da globalização e das feições inéditas assumidas pela “economia-mundo”, ao modelo do “direito social” parece faltar uma condição fundamental para sua implementação: uma economia sob a intervenção regulatória de um Estado dotado de enforcement powers e de steering capacity; mais precisamente, uma economia submetida a um “estado “forte”, seja frente às distintas unidades políticas locais ou a qualquer grupo social particular localizado dentro de seus limites territoriais, seja frente a outros Estados no contexto internacional”.

 

Este autor considera que no cenário da globalização, este fenômeno pôs em xeque a eficiência da intervenção governamental, um vez que com o advento do estado Neoliberal, o Estado se afasta cada vez mais da interferência na economia, largando mão do controle de preços e levou ao prevalecimento da visão seletiva da agenda contemporânea pelas instituições financeiras internacionais, pelos conglomerados transnacionais e pelos organismos multilaterais, impondo temas recorrentes como desregulamentação dos mercados, unificação e estabilização monetária, cortes significativos de gastos públicos, flexibilização das leis trabalhistas, privatização dos monopólios estatais e deslegalização.

Em relação ao direito reflexivo conclui o autor que o direito reflexivo apresenta dificuldades naturais, e que algumas são bastante óbvias. São elas:

“A primeira delas diz respeito a própria noção de complexidade. Na visão dos teóricos deste modelo, este conceito parece entreabrir, por um lado a consciência de uma certa debilidade da razão diante de uma transformação contínua de horizontes e universos; e por outro, o questionamento dos saberes positivos e presidem a organização das esferas de ações individuais e coletivas. O aparente realismo dessa consciência de desse questionamento, no entanto, acaba subestimando ou mesmo invalidando toda tentativa de compreensão do processo social como constituído de dinâmicas contraditórias. (...) Uma segunda ordem de dificuldades diz respeito ao alcance da compreensão, pelos teóricos do “direito reflexivo”, das transformações institucionais, organizacionais e jurídicas do Estado contemporâneo, especialmente daquelas decorrentes de tentativas de enfrentar o desafio da inflação legislativa, da juridificação e da “ingovernabilidade sistêmica” mediante o desvio, para o mercado,  do “excesso” de funções e responsabilidades do setor público. Em suas análises sobre a substituições dos tradicionais mecanismos jurídicos-estatais de controle sócio-econômico pela auto-organização e pela auto-regulação, por exemplo, até que ponto os teóricos deste modelo estão realmente conscientes de que os processos de desformalização, desestatização, descentralização, privatização, desregulamentação, deslegalização e desconstitucionalização, por eles tão valorizados em tese, na prática costumam exigir, como condição necessária para sua eficácia, uma sucessão de novas normas, novos procedimentos e novas regulações, por parte do Estado?” .

Em relação à globalização econômica e seus desdobramentos institucionais José Eduardo Faria frisa que a globalização exige um novo comportamento das instituições públicas e privadas, uma vez que houve mudança em todo o sistema de produção e consumo.

Este cenário teve um aceleramento maior de suas causas e conseqüência quando do fim da bipolarização existente entre oriente e ocidente, através dos EUA e da Ex-União Soviética. Hoje este fenômeno se caracteriza pelo conseqüente descongelamento hegemônico, pela distensão ideológica, pelo fim dos alinhamentos permanentes, pelo reaparecimento dos debates sobre a efetividade dos organismos multilaterais, em matéria de produção e imposição de normas e de implementação de ações geradoras de ordem política, pelas dúvidas quanto à capacidade das grandes potências – especialmente a “tríade representada pelos EUA, Japão e pela Alemanha reunificada – de viabilizar uma estratégia capaz de sustentar as estruturas econômicas e as instituições  políticas supranacionais, pelos riscos de uma multiplicação dos conflitos comerciais até o limite de um conflito de natureza “neomercantilista”, pela dramática implosão de nações deflagrada por conflitos raciais ou religiosos decorrentes da aspiração de cada facção a uma nacionalidade autônoma, pela emergência de unidades políticas cuja história enquanto nação, em termos políticos, éticos ou lingüísticos, é muito recente ou quase nula, pela ressurgência de localismos, provincianismos, nacionalismos, fundamentalismos, etc.

O livro ora tratado é muito rico em detalhes, No entanto, em linhas gerais, pode-se afirmar que o fenômeno da globalização é uma conseqüência do desenvolvimento humano, da capacidade criativa e transformadora do homem. O fenômeno em si não é um vilão, mas uma condição inevitável do desenvolvimento tecnológico.

Esta condição, por sua natureza primeira é salutar. Ocorre que, devido aos interesses cada vez mais “mercantilistas” dos países desenvolvidos, estes querem implantar nos países em desenvolvimento um sistema de produção que chega a ser atentatório aos direitos humanos fundamentais e direitos sociais, colocando em primeiro lugar a necessidade de reprodução do capital, em detrimento da conquista de direitos sociais.

4.  Bibliografia.

FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004 (capítulos 5 e 6).


[1] Medida Provisória nº 131, de 25 de Setembro de 2003, a qual foi convertida na Lei nº 10.814, de 2003.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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