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A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional:

fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (Tratado de Roma, 1998)

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01/03/2002 às 00:00
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Capítulo IV: O Tratado de Roma de 1998 e a Corte Penal Internacional

1. Introdução à história de estabelecimento de uma corte penal internacional.

Ao final do século XIX, um período coroado de revoluções econômicas, sociais e políticas, a solução de conflitos internacionais já chamava a atenção da comunidade internacional.

Dentre os textos oficiais que narram as tentativas de estabelecimento de uma corte penal internacional, destaca-se a Convenção para Solução Pacífica de Disputas, assinada na Haia em 19 de julho de 1899, a qual jamais entrou em vigor, a exemplo dos diversos projetos com idêntico fim elaborados ao longo deste século, a exemplo da Convenção relativa ao Estabelecimento de uma Corte Internacional de Presas, assinada na Haia ,em 1907, entre outras que se cuidará oportunamente de mencionar.

Com a rendição da Alemanha ao final da Primeira Guerra Mundial, em 28 de junho de 1919, assinou-se o Tratado de Versailles (Tratado de Paz entre os Aliados e Forças Associadas e Alemanha), o qual entrou em vigor em 10 de janeiro de 1920 e previu a punição de crimes cometidos no período de guerra.

Ultrapasado o período de guerra, mas não os efeitos da convulsão política que desta se originou (e que derrocaria na Segunda Guerra anos mais tarde), em 16 de novembro de 1937, às portas da Segunda Grande Guerra, a insípida Liga das Nações propunha o estabelecimento de uma Convenção para a Criação de uma Corte Internacional Penal, a qual sequer chegou a vigorar. Em 1939 mais uma Grande Guerra espoucava na Europa, ganhando em poucos anos proporções mundiais, seja em termos territoriais, seja em atrocidades, crimes bárbaros, praticados contra seres humanos.

Em 08 de agosto de 1945 e 19 de janeiro de 1946, terminada a Segunda Guerra Mundial, assinaram-se e entraram em vigor, respectivamente, o Acordo para Persecução e Punição dos Principais Criminosos de Guerra do Eixo Europeu (Carta de Londres), que teve como anexo a carta do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, e o acordo para instalação do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente, o qual teve como anexo a Carta do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (Tóquio) [49], considerados os dois primeros tribunais especiais da História para conhecimento, processo e punição a criminosos de Guerra.

Ainda em 1945, a Lei nº 10 do Conselho do Controle Aliado, para dar efeitos à Declaração de Moscou de 30 de outubro de 1943 e ao Acordo de Londres de 08 de agosto de 1945, estabeleceu uma base legal uniforme na Alemanha para a persecução dos criminosos de Guerra. O artigo segundo desta lei expresamente tipifica os crimes contra a paz, contra a humanidade e de guerra como atrocidades a serem punidas, independentemente de nacionalidade ou capacidade [50].

Ultrapassado o período de Guerra, teve-se a redação do Modelo de Estatuto para a Corte Internacional Penal, uma anexo ao relatório do Comitê sobre Jurisdição Penal Internacional da ONU, de 31 de agosto de 1951 e a Revisão deste Modelo, em 20 de agosto de 1953, pela mesma Comissão [51]. Em 1980, a Assembléia Geral das Nações Unidas propõe um Modelo de Estatuto para a criação de uma jurisdição penal internacional concernente à implementação de uma Convenção Internacional sobre Supressão e Punição do Crime de Apartheid [52]. Infelizmente, nenhuma destas Convenções chegou a entrar em vigor.

Anos mais tarde, a Assembléia Geral da ONU retomou esta antiga iniciativa através da Resolução 44/39, de 04 de dezembro de 1989, requerendo à Comissão de Direito Internacional a análise da questão sobre o estabelecimento de uma corte penal internacional. Em 28 de novembro de 1990, A Assembléia Geral, através da Resolução 45/41 convidou a Comissão de Direito Internacional a considerar as consequências de fixação de uma jurisdição penal internacional e do estabelecimento de uma corte penal internacional, pedido renovado através da Resolução 46/54 de 09 de dezembro de 1991.

Nesta época, ainda no ano de 1991, explodia na Europa, após quase cinquenta anos sem guerras, os violentos conflitos separatistas na Iugoslávia. Naquele ano, a Iugoslávia, reconhecida historicamente como um reduto de resistências políticas e de conflitos étnicos desde a assunção do Marechal Tito em 1948, iniciava seu violento processo de fragmentação. Eslovênia e Croácia proclamaram sua independência em 25 de junho de 1991, Bósnia-Herzegovina, em 6 de abril de 1992; e a remanescente República Federal da Iugoslávia (Sérvia e Montenegro), sua nova constituição em 27 de abril daquele mesmo ano, todos processos calcados em violentos conflitos armados internos.

Estes conflitos internos, cujos efeitos já se podiam sentir nos Estados vizinhos, a exemplo da instável Albânia, chamaram a atenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que ainda em setembro de 1991 declarou completo embargo internacional de armas e equipamentos militares para a Iugoslávia, seguindo-se uma série de medidas de intervenção até que, finalmente, em 22 de fevereiro de 1993, o Conselho de Segurança decide estabelecer um tribunal penal internacional para processar indivíduos responsáveis por sérias violações ao direito humanitário internacional cometidas no território da Iugoslávia. Estabelecia-se, então, o primeiro tribunal especial penal não-militar da história para conhecer, processar e julgar os crimes cometidos no território da ex-Iugoslávia a partir de 1º de janeiro de 1991 [53].

Ao mesmo tempo que o Conselho de Segurança preocupava-se com a ameaça à segurança internacional provocada pelos conflitos internos na ex-Iugoslávia e com o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional, a Assembléia Geral das Nações Unidas, através das Resoluções 43/33, de 25 de dezembro de 1992 e 48/31, de 09 de dezembro de 1993, requereu à Comissão de Direito Internacional a elaboração de uma projeto de estatuto para uma futura corte penal internacional. . Desde a Segunda Guerra, era a primeira vez que se teria um tribunal especial da ONU para julgamento de crimes internacionais.

Entre os anos de 1992 e 1994, os estudos sobre o estabelecimento de uma corte penal internacional desenvolveram-se no âmbito da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, mais especificamente entre as 42ª e 46ª sessões da Comissão, até nesta última sessão se concluiu o projeto de estatuto para uma corte penal internacional, que foi o último e mais importante projeto sobre o qual comitês especializados da ONU viriam a trabalhar, discutir e posteriormente consolidar no Estatuto de Roma.

No entanto, ainda em 1994, o Conselho de Segurança da ONU criava, através da Resolução 955 de 08 de novembro de 1994 mais um tribunal especial para conhecer, processar e julgar crime de genocídio e outras graves violações em conflito internos de um Estado: estabeleceu-se o Tribunal Penal Internacional para Ruanda [54].

Em resumo, pode-se dizer que a experiência de duas guerras mundiais, as decepções acerca de convenções internacionais que não passaram de projetos e modelos, as constatações de que violações às mais elementares regra de direito internacional positivas (especialmente de direitos humanos e genocídio) continuaram a ser praticadas, muitas vezes por ação direta dos Estados, todos elementos considerados diante das experiências relativamente eficazes de persecução e punição de crimes internacionais (crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade e genocídio) verificadas nos tribunais especiais criados em Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda, levaram à consolidação de um ideal maior para estabelecimento de uma corte penal internacional permanente para conhecer, processar e julgar crimes internacionalmente relevantes. Neste espírito, estabeleceu-se em 1998, através do Tratado de Roma, a Corte Penal Internacional, objeto de estudo de nosso próximo título.

2. O Tratado de Roma de 1998.

Os violentas conflitos que surgiram desde a independência da Croácia e da Eslovênia, na ex-Iugoslávia, em 1991 e em Ruanda, em 1994, que tiveram a intervenção do Conselho de Segurnaça das Nações Unidas, levaram a ONU, através de seu órgão máximo - a Assembléia Geral - a baixar a Resolução 43/53, de 09 de dezembro de 1994, a qual constituiu um Comitê ad hoc para o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional. O Comitê ad hoc reuniu-se, então, em abril e agosto de 1995 para examinar o modelo de estatuto para uma Corte Penal Internacional produzido pela Comissão de Direito Internacional em 1994 [55].

Acompanhando os avanços dos trabalhos do Comitê ad hoc, a Assembléia Geral, através da Resolução 50/46 de 11 de dezembro de 1995, decidiu criar um Comitê Preparatório para analisar os resultados e os diferentes pontos de vista discutidos nas reuniões do Comitê ad hoc. Assim, nesta resolução decidiu-se que em abril e agosto de 1996 estabelecer-se-ia um Comitê Preparatório das Nações Unidas sobre o estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, de tal sorte que na mesma oportunidade realizar-se-iam suas duas primeiras sessões [56].

Na primeira sessão, entre 25 de março e 12 de abril de 1996, foram consideradas questões de escopo de jurisdição e definição de crimes, princípios gerais de direito penal, complementariedade (entre a Corte e os Tribunais nacionais), quais os casos que poderiam ser submetidos à Corte, cooperação estatal com a Corte. Na segunda sessão, instalada entre 12 e 30 de agosto de 1996, observaram–se as seguintes matérias: questões procedimentais, julgamento justo e direitos de suspeitos e acusados, penalidades, organização administrativa da Corte, método de estabelecimento da Corte, e relacionamento entre a Corte e as Nações Unidas [57].

Após a segunda sessão, em 16 de dezembro de 1996, a Assembléia Geral da ONU (Resolução 51/207), reafirmando o mandato do Comitê, decidiu que este se reuniria por mais quatro sessões, sendo que as duas últimas sessões se dariam entre 01 e 12 de dezembro de 1997 e 16 de março a 03 de abril de 1998, a fim de completar o projeto de um texto consolidado, apreciável e amplo de uma convenção para submissão a uma conferência diplomática de plenipotenciários [58]. Também se decidiu que a Conferência Diplomática de Plenipotenciários para adoção e finalização de uma convenção teria lugar em Roma, a partir de 15 de julho de 1998 [59], com duração de cinco semanas. Assim, durante a terceira e quartas sessões [60], o Comitê avançou sobre a discussão acerca do projeto da Comissão de Direito Internacional de 1994, retomando os trabalhos de estudo iniciados nas duas primeiras sessões. Ao final da quarta sessão, a Assembléia Geral baixou a Resolução 52/160 requerendo ao Comitê o prosseguimento dos trabalhos determinados na Resolução 51/207, de 17 de dezembro de 1996 e o fim das sessões com a redação final de um estatuto.

Assim, na quinta sessão [61], cuidou-se da preparação do texto do Estatuto da Corte a ser remetido à aprovação na Conferência de Plenipotenciários, bem como dos últimos debates acerca de temas como definição de crimes de guerra, princípios gerais de direito penal, penalidades, questões procedimentais e cooperação entre Estados.

Finalmente, em 17 de julho de 1998, em Roma, na sede da FAO (Food and Agriculture Organization) foi adotada a Conferência Diplomática das Nações Unidas de Plenipotenciários sobre o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional.

Foram convidados para a Conferência todos os membros das Nações Unidas e de suas agências especializadas, a Agência Internacional de Energia Atômica, organizações intergovernamentais credenciadas que participaram como observadores das sessões do Comitê Preparatório, a o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e organizações não-govenamentais credenciadas pelo Comitê.

Assinaram o Estatuto, ainda em 1998, setenta e um (71) Estados; até 23 de abril de 1999, outros onze (11) Estados cuidaram também de assiná-lo [62]. Ratificaram o Estatuto somente o Senegal (02 de fevereiro de 1999) e Trinidad e Tobago (06 de abril de 1999), restando outros cinquenta e oito (58) depósitos de instrumento de retificação, aceitação, aprovação ou acessão para que o Estatuto de Roma, de acordo com seu artigo 126, entre em vigor.

O Brasil participou da Conferência Diplomática das Nações Unidas de Plenipotenciários para o Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional - Conferência de Roma, mas não assinou o Estatuto alegando flagrante incompatibilidade entre alguns dispositivos do Estatuto a Constituição Federal de 1988, a exemplo da previsão estatutária de pena de prisão perpétua (art. 77, 1, b contra o art. 5º, XLVIII, b, da Constituição Federal de 1988) aos condenados pela Corte. Como o Estatuto não admite reservas (art. 120), o Brasil, em consonância com o aberto apoio que dispensou à iniciativa do Estatuto e seu estabelecimento na Conferência, muito provavelmenteo assinará, mas dificilmente deverá ratificá-lo, pois depende este último ato, exclusivamente, de decisão do Congresso Nacional (art. 49, I, da Constituição Federal de 1988), Casa na qual provavelmente se obstará a ratificação de convenção internacional em flagrante atentado à Constituição Federal vigente, especialmente em suas disposições pétreas.

3. O Estatuto da Corte Penal Internacional de Roma.

Os debates entre os negociadores dos Estados durante as cinco sessões preparatórias do Comitê da ONU para o estabelecimento de uma corte penal internacional, ganharam destaque na redação do Estatuto de Roma: jurisdição; lei aplicável; admissibilidade; definições de crimes internacionais como genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão; elementos do crime; princípios gerais de direito penal; organização administrativa; procedimentos processuais; penalidades; cooperação e assistência judicial entre os Estados; e execução.

O Estatuto de Roma comporta 128 artigos divididos em 13 partes: 1. Estabelecimento da Corte; 2. Jurisdição, admissibilidade e lei aplicável; 3. Princípios gerais de direito penal; 4. Composição e administração da Corte; 5. Investigação e persecução; 6. O julgamento; 7. Penalidades; 8. Apelação e revisão; 9. Cooperação internacional e assistência judicial; 10. Execução; 11.Assembléia dos Estados Parte; 12. Financiamento; e 13. Cláusulas finais.

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3.1. Características gerais da Corte.

Diferentemente das experiências anteriores em Nuremberg, Tóquio, ex-Iugoslávia e Ruanda, conhecidos tribunais internacionais especiais, a Corte Penal Internacional foi criada como uma instituição permanente, com limites bastantes claros de jurisdição sobre pessoas que cometam o que se convencionou denominar no Estatuto de "mais sérios crimes internacionais" [63], jurisdição que será exercida de forma complementar à jurisdição penal interna dos Estados Parte, pois, conforme prevê o próprio Estatuto, a jurisdição da Corte não inibe os Estados de aplicarem ao mesmo caso sua própria lei interna [64].

De fato, a função principal da Corte é a persecução e punição de crimes internacionais nos casos em que os Estados, no exercício de sua soberania interna, falham ou são omissos no devido tratamento de graves e extremas violações a direitos fundamentais do Homem resguardados pelo direito internacional [65], tais como o genocídio, os crimes de guerra, os crimes contra a humanidade, o crime de agressão, tipos penais internacionais expressamente abrangidos pelo Estatuto de Roma em seu artigo 5º [66], com a devida ressalva quanto à fixação da definição, aos elementos do crime e condições de exercício de jurisdição da Corte quanto ao crime de agressão, os quais serão objeto de proposta de emenda ou de revisão ao texto do Estatuto, a ser submetidas ao Secretariado Geral das Nações Unidas, nos termos dos artigos 121 e 123 do Estatuto.

Órgão independente, a relação da Corte com as Nações Unidas será objeto de acordo a ser firmado pela Assembléia de Estados Parte e a ONU, devendo ser concluído pelo Presidente da Corte. A despeito deste relacionamento formal a ser estabelecido, o Estatuto remete desde logo à apreciação da Secretaria-Geral da ONU questões sobre ratificação, aceitação e aprovação dos Estatuto pelos Estados [67], bem como referentes a solução de controvérsias [68], reservas [69], emendas [70], revisão [71] e denúncia [72] do Estatuto.

A princípio, a Corte permanente terá sua sede estabelecida na Haia, Holanda [73], personalidade legal internacional, além de capacidade necessária ao exercício de suas funções e cumprimento de seus propósitos. Nos termos do Estatuto, a jurisdição da Corte será exercida sobre o território dos Estados Parte e somente por acordo especial sobre territórios de outros Estados [74].

3.2. Vítimas e acusados.

No que se refere à nacionalidade dos criminosos, das vítimas e da relação destes com os Estados Parte, o Estatuto de Roma tratou da matéria de forma indireta. O artigo 1º fala em "jurisdição sobre pessoas em relação aos mais sérios cimes internacionais previstos no Estatuto" [75], de forma ampla, sem qualquer indicação sobre qualidades especiais exigidas dos sujeitos cujos direitos se pretende abrigar sob a jurisdição da Corte. O artigo 13, de sua vez, dispõe sobre as formas de acesso à Corte - comunicação de um Estado Parte ao Promotor, comunicação do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao Promotor e por iniciativa proprio muto do promotor [76] , cuja interpretação deixa claro a impossibilidade de acesso direto das vítimas à Corte. Na declaração da competência internacional - ratione loci (art. 4º), ratione materiae (arts. 5º, 6º, 7º e 8º), ratione temporis (art. 11º) - não se trata da competência ratione personae. Em resumo, em momento algum o Estatuto faz qualquer referência à nacionalidade de acusados e vítimas.

Imagine-se, então, o seguinte problema: num futuro bastante incerto, o Estatuto de Roma vigora entre seus mais de 100 Estados Parte. Um indivíduo nacional do Estado A, que não faz parte do Estatuto nem tem qualquer tipo de acordo com a Corte, passa a cometer uma série de atos criminosos no território do Estado B, onde já vigora o Estatuto há alguns anos. Fixada a competência da Corte ratione loci e ratione materiae, o Promotor decide indiciar o indivíduo do Estado A como um violador dos artigos 5º, 1, b e 7º, 1, b do Estatuto - crime de extermínio. O Estado A decide intervir no processo instaurado perante a Corte, em representação de seu nacional, alegando que a este não se aplica o Estatuto, pois é nacional de Estado que não reconhece a jurisdição internacional da Corte, tampouco jurisdição de qualquer corte internacional sob seus nacionais. Do problema surge a pergunta: como a Corte decidiria esta questão prejudicial?

Se se recorrer a uma interpretação sistemática do Estatuto verificar-se-á, como já asseverado, que nada se fala sobre exceções de nacionalidades. Assim, uma vez cometido um ato criminoso em território de jurisdição da Corte, independentemente da nacionalidade do acusado, será competente a Corte para conhecer, processar e julgar o caso. O indivíduo do Estado A, em que pese a representação diplomática de seu Estado nacional, estaria sujeito à jurisdição, enfim, à lei aplicável pela Corte. Se este indivíduo foragir-se em território de estranho à jurisdição da Corte, o que pode se dar, inclusive, em seu próprio Estado nacional, por certo estará à salvo da ordem de prisão que a Corte eventualmente expedirá contra ele, pois somente poderá ser processado se comparecer pessoalmente perante a Câmara de pré-julgamento. Contudo, se adentrar desavisadamente em teritório de jurisdição da Corte, poderá ser preso e levado a julgamento, sem que seu Estado nacional possa, de forma direta perante a Corte, obstar seu julgamento e eventual condenação [77].

Noutra vertente do crime estão as vítimas. Para que se considere a tutela dos interesses de uma "vítima", basta que a violação ao estatuto (a um dos tipos penais) tenha se dado em respeito à competência ratione loci e ratione temporis, independentemente de sua nacionalidade.

Deve-se destacar, contudo, em relação às vítimas a diferença de tratamento de sua personalidade jurídica na esfera internacional em relação à de direito interno. No direito interno, a tutela de interesses dá-se de forma direta, por provocação direta da vítima ou do lesado; no direito penal internacional, esta tutela dá-se de forma indireta, através da intervenção de entes distintos da pessoa da vítima. No caso do Estatuto de Roma, tal como asseverado, a iniciativa, o poder de "representação" de reparação de direito perante a Corte dá-se somente através de Esrtados Parte, do Promotor ou do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Isto significa, em controvertida síntese, que o indivíduo para como vítima de um crime previsto no Estatuto de Roma, não deve ser considerado como sujeito de direito penal internacional, pois o Estatuto não o considera como destinatário direto da norma internacional.

Assim, pode-se dizer que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma atingem o interesse do indivíduo, seja no pólo ativo, seja no passivo, de forma indireta. A satisfação do interesse dos indivíduos no âmbito do direito penal internacional dá-se através do concurso de terceiros, mesmo porque ao indivíduo é negado o direito de representação ou queixa diretamente perante a Corte.

Deve-se lembrar, também, que todos os quatro tipos de crime previstos no Estatuto se referem a crimes coletivos, "em massa", onde a identificação do sujeito passivo ou do direito individual afetado é irrelevante. Importa, sim, a preservação e a recomposição de um direito coletivo, apesar de o Estatuto prever no artigo 75 o direito de reparação às vítimas, pagamento que será efetuado a partir de um Trust Fund (art.79) composto de capital dos Estados Parte, das Nações Unidas e de colaboradores individuais. A tutela de interesses coletivos, difusos, cabe ao Estado (in casu, à Corte), tocando ao indivíduo somente de forma indireta.

3.3. Crimes internacionais objetos de jurisdição da Corte.

O referido artigo 5º do Estatuto de Roma limita a jurisdição da Corte sobre quatro tipos penais eleitos entre os mais sérios que acometem a comunidade internacional: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, destacando-se, como condição para apreciação pela Corte do crime, a constatação de um dos elementos subjetivos do tipo: o dolo direto ou o dolo eventual do agressor, denominado no Estatuto de mental element [78].

Para efeitos do Estatuto, genocídio é crime caracterizado no artigo 6º, entre outras disposições ali encerradas, pela intenção de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, através de: assassinato de seus membros, produção de sérios danos corporais e mentais a seus membros, imposição de condições de vida que provoquem, total ou parcialmente, sua destruição física; imposição de medidas de controle de natalidade a estes grupos, transferência forçada de crianças deste grupo a outros grupos.

Os crimes contra a humanidade, previstos no artigo 7º, caracterizam-se pelo ataque direto contra qualquer população civil, com intenção de assassinato, extermínio, escravização, deportação ou transferência forçada; aprisionamento ou outra severa privação do direito de liberdade em violação a regras fundamentais de direito internacional; tortura; rapto, escravização sexual, prostituição forçada, esterilização forçada e demais graves violências sexuais; perseguição política, racial, étnica, nacional, cultural ou religiosa contra grupos ou a coletividade; desaparecimento de pessoas; crime de segregação racial (apartheid) e outros crimes intencionais que causem grande sofrimento, danos coporais, mentais ou à saúde física das vítimas.

Aos crimes de guerra foi dedicado o mais extenso dos artigos do Estatuto (art. 8º), cujos fundametos expressamente se encontram na Convencão de Genebra de 12 de agosto de 1949 e no próprio corpo do Estatuto, distinguindo entre os conflitos armados de caráter internacional dos não-internacionais [79].

A interpretação e aplicação dos artigos 6º, 7º, e 8º pela Corte, cujas modificações serão adotadas por votação de dois terços dos Estados Parte [80], serão auxiliadas pelos elementos dos crimes [81] referidos nestes artigos.

3.4. Jurisdição ratione temporis. A regra do ne bis in idem e os princípios gerais de direito penal.

A Corte exercerá sua jurisdição ratione temporis, ou seja, somente apreciará crimes cometidos após seu estabelecimento e, no caso de Estado que vier a esta aderir, somente após o decurso de prazo estipulado no instrumento de ratificação, aceitação, adoção ou acessão [82], em respeito aos princípios de direito penal reconhecidos nos artigos 22 e 23 do Estatuto, muitas vezes referidos nos casos das tribunais militares especiais de Nuremberg e Tóquio, do nullum crime sine lege e da nulla pena sine lege.

A comunicação à Corte sobre atos supostamente criminosos (art. 5º do Estatuto) cabe somente aos Estados Parte e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas [83], devendo ser dirigidas ao Promotor [84] da Corte, que cuidará das investigações sobre as pessoas envolvidas e os fatos criminosos. Se o Promotor concluir que há razoáveis bases para se proseguir na investigação, submeterá o caso à Câmara de Pré-Julgamento [85].

Na Câmara de Pré-Julgamento analisar-se-ão os requisitos de admissibilidade do caso [86], entre os quais se destaca a omissão ou falha do Estado no cumprimento da obrigação de investigação e persecução de crimes previstos no Estatuto. À Corte, como já se asseverou, cumpre esta função de realização do direito internacional e das normas previstas no tratado para prevenção, julgamento e punição dos crimes internacionais. Esta regra se faz necessária, pois nada impede que os Estados julguem e punam os criminosos que pratiquem atos previstos no Estatuto.

Para se evitar o Ne bis in idem [87], ou seja, que uma pessoa seja julgada e condenada duas vezes pelos mesmos crimes, o Estatuto prevê que: 1. Nenhuma pessoa será processada perante a Corte por crimes previstos no Estatuto se esta já se pronunciou a respeito deles, absolvendo-a ou condenando-a; 2. Nenhuma pessoa será processada diante de qualquer outro tribunal por crimes previstos no Estatuto (art.5º) se já processado diante da Corte; 3. Nenhuma pessoa que já tenha sido processada por crimes previstos no Estatuto tornará a ser processada pela Corte pelas mesmas condutas, exceção feita a julgamento de outro tribunal com o propósito de proteger o criminoso da responsabilidade por crimes abrangidos pela jurisdição da Corte, ou que tenha sido conduzido ao arrepio das regras de conduta regidas pela impacialidade e independência, de acordo com as normas do devido processo legal reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de maneira inconsistente com a devida aplicação da justiça.

Analisando cada um destes dispositivos, verifica-se que a regra do ne bis in idem conflita com o disposto no artigo 80 do Estatuto, o qual prevê que a execução da decisão da Corte e a aplicação da pena ao condenado não prejudicará a punição deste pelo Estado Parte, de acordo com seu direito interno. Esta última regra admite, portanto, que haja dois julgamentos e, por conseguinte, a possibilidade de dois resultados conflitantes: absolvição e condenação. Problema que não se resolve nas regras do Estatuto.

Se entendermos as duas esferas como independentes, o conflito torna-se aparente; contudo, ocorrendo decisões conflitantes entre o Estado e a Corte, surje a responsabilidade e obrigação do Estado Parte com relação à decisão da Corte, tornando-se mais uma vez bastante flagrante o conflito, especialmente em relação ao artigo 80 do Estatuto de Roma.

A solução para este conflito pode ser encontrada nas regras que estabelecem a lei aplicável [88] nos julgamentos da Corte, se não no Estatuto, nas normas interpretativas subsidiárias previstas no artigo 21, 1, "b": tratados internacionais e princípios e regras de direito internacional.

Diferentemente da "não-hierarquia" atribuída as fontes de direito internacional elencadas no conhecido artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, as fontes de interpretação e aplicação do Estatuto de Roma são apresentadas de forma taxativa e hierarquicamente organizada. Em primeiro lugar devem ser aplicados o Estatuto, os elementos dos crimes e regras de procedimento e prova; em segundo lugar, se possível, tratados aplicáveis e princípios e regras de direito internacional, entre os quais se incluem os princípios gerais de direito sobre conflitos armados; em terceiro lugar, os princípios gerais de direito derivado da Corte a partir da investigação do sistema legal de direito interno dos Estados, entre as quais se incluem a lei interna do Estado que regularmente teria jurisdição sobre o caso. Far-se-á a aplicação deste princípios desde que não violem o Estatuto, o direito internacional nem os padrões e normas internacionalmente reconhecidas.

Os princípios gerais de direito penal a que se refere o Estatuto, exaustivamente estudados e discutidos nas sessões preparatórias da Conferência para Estabelecimento de uma Corte Penal Internacional, reconhecidos universalmente, foram identificados e apresentados em número de nove: 1. Nullun crime sine lege [89]; 2. Nulla pena sine lege [90]; 3. Não retroatividade da lei ratione persona [91]; 4. Responsabilidade penal individual [92](ii) Be made in the knowledge of the intention of the group to commit the crime; (e) In respect of the crime of genocide, directly and publicly incites others to commit genocide; (f) Attempts to commit such a crime by taking action that commences its execution by means of a substantial step, but the crime does not occur because of circumstances independent of the person´s intentions. However, a person who abandons the effort to commit the crime or otherwise prevents the completion of the crime shall not be liable for punishment under this Statute for the attempt to commit that crime if that person completely and voluntarily gave up the criminal purpose. 4. No provision in this Statute relating to individual criminal responsibility shall affect the responsibility of States under international law."; 5. Exclusão de jurisdição da Corte sobre menores de 18 anos [93]; 6. Irrelevância de capacidade jurídica oficial para julgamento perante a Corte [94]; 7. Responsabilidade de comandantes e superiores por ordens à subordinados [95]2. With respect to superior and subordinate relationships not described in paragraph 1, a superior shall be criminally responsible for crimes within the jurisdiction of the Court committed by subordinates under his or her effective authority and control, as a result of his or her failure to exercise control properly over such subordinates, where: (a) The superior either knew, or consciously disregarded information which clearly indicated, that the subordinates were committing or about to commit such crimes; (b) The crimes concerned activities that were within the effective responsibility and control of the superior; and (c) The superior failed to take all necessary and reasonable measures within his or her power to prevent or repress their commission or to submit the matter to the competent authorities for investigation and prosecution."; 8. Não aplicabilidade de estatuto de limitações criados por Estados a crimes sob jurisdição da Corte [96]; 9. Elemento mental (somente se submeterá à Corte os crimes previstos no art. 5º, intencionalmente praticados ou cujo resultado criminoso e lesivo se admitia - art. 30) [97].

3.5. Excludentes de responsabilidade penal. Erro de fato e erro de direito. Cumprimento de ordens de governo e de superiores.

Também cuidou o Estatuto das excludentes de responsabilidade penal [98], a exemplo da ocorrência doença mental ou doença que diminua a capacidade de discernimento da pessoa sobre a natureza ilegal de sua conduta; legítima defesa própria ou de outrem; pessoa em Estado de intoxicação que afete o discernimento sobre a legalidade e natureza de seus atos; pessoa que pratique atos necessários e razoáveis a se evitar a morte ou sérios danos físicos a si a outrem, desde que a pessoa não cause danos maiores que aqueles que pretende evitar.

Outro dispositivo do Estatuto que merece destaque é o tratamento dado ao erro de fato e erro de direito [99]. O erro de fato pode ser arguído como excludente da responsabilidade criminal somente se negar o elemento mental exigido para o crime (dolo direito ou dolo eventual); o erro de direito, assim como qualquer outra espécie de conduta particular, é crime dentro da Jurisdição da Corte e não será excludente da responsabilidade criminal senão se negar o elemento mental exigido para o crime.

No que se refere ao cumprimento de ordens superiores e de prescrições legais [100], seja por civis, seja por militares, haverá responsabilidade criminal do agressor, exceto se a pessoa estiver sob obrigação legal de obediência a ordem de Governo ou de superior hierárquico; ou se a pessoa não souber que a ordem é ilegal ou se a ordem não for manifestamente ilegal. Contudo, para efeito do Estatuto, qualquer ordem para se cometer genocídio ou crimes contra a humanidade são consideradas (iure et de iure) como manifestamente ilegais e, portanto, não têm o condão de afastar a responsabilidade criminal do sujeito.

3.6. Administração.

Administrativamente, a Corte se divide em quatro órgãos (art. 44), cada qual com funções minunciosamente determinadas: Presidência (art. 38); Divisão de apelação, divisão de julgamento e divisão de pré-julgamento (art. 39); gabinete do Promotor (art. 41) e Registro (art. 34).

3.7. Pré-julgamento, prisão preventiva e julgamento perante a Câmara de Julgamento.

Para que o acusado possa ser julgado, o caso deve ser admitido pela Corte na Câmara de pré-julgamento, segundo as regras estabelecidas nos artigos 62 a 76 do Estatuto, entre as quais se destacam: a presença física do acusado durante todo o julgamento (art. 63), exigência que afasta a possibilidade de julgamento à revelia) [101]; o dever da Câmara julgadora de exercer suas funções e poderes de acordo com o Estatuto e as regras de julgamento e provas (lei aplicável), garantir um justo e rápido julgamento, respeitando os direitos do acusado e o dever de proteção às vítimas, às testemunhas; a regra de presunção de inocência até prova em contrário; e o ônus do promotor de provar a culpa do acusado (presunção de inocência) [102]; além de garantias expressas sobre direitos do acusado, tias como: dever de ser prontamente informado em detalhes sobre a natureza, causa e conteúdo das acusões que contra ele pesam, em sua língua de compreensão e fala; tempo adequado para preparação de sua defesa; direito de ser julgado sem atrasos indevidos; direito a ter um assistente legal entre outros elencados no artigo 67.

Admitido o caso pela Câmara de Pré-Julgamento, proceder-se-á às formalidades para detenção do acusado e sua apresentação perante a Câmara de Julgamento. Neste passo, necessário se faz a renovação de alguns cometários sobre os sujeitos passíveis de serem julgados pela Corte. Inicialmente disse-se que, em princípio, o Estatuto de Roma se aplica a toda e qualquer pessoa que incorra nos crimes ali tipificados, independentemente de sua nacionalidade, protegendo somente direitos de vítimas de Estados Parte. Mas como se dará a detenção do acusado para sua necessária apresentação perante a Corte? Dentre as obrigações assumidas pelos Estados Parte está o dever de cooperação, seja quanto a informações, seja quanto a atitudes diretas para tornar as decisões da Corte efetivas. A detenção de acusados insere-se exatamente neste dever de cooperar, obrigação que se limita aos Estados Parte [103]. Para os demais Estados, há a possibilidade de estabelecimento de acordos de cooperação judicial para com a Corte, os chamados "acordo ad hoc" (art. 87, 5).

3.8. Penas e execução.

Ao acusado perante a Câmara de Julgamento poderão se aplicadas qualquer uma das duas penas previstas no Estatuto [104]2. In addition to imprisonment, the Court may order: (a) A fine under the criteria provided for in the Rules of Procedure and Evidence; (b) A forfeiture of proceeds, property and assets derived directly or indirectly from that crime, without prejudice to the rights of bona fide third parties.": prisão por certo período de tempo não superior a 30 anos e prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias individuais do condenado; excluída, portanto, a pena de morte prevista nos tribunais militares de Nuremberg e Tóquio.

A sentença da Corte, seja na dosimetria da pena de prisão ou na determinação da prisão perpétua, deverá consignar os fundamentos de uma e outra pena, considerando expressamente sobre a gravidade do crime e a pessoa do acusado, conforme prevê o artigo 78. Se a pessoa for condenada por mais de um crime, a Corte julgará cada um dos crimes especificando o tempo total de prisão, o qual não poderá exceder a 30 anos ou à prisão perpétua.

No entanto, conforme já destacado, a punição a condenados prevista no Estatuto não prejudicará a aplicação da lei nacional pelos Estados nem o direito destes em não aplicar as penalidades impostas pela Corte em razão da contrariedade à disposições de direito interno (art. 80), tal como ocorre no Brasil com a pena de prisão perpétua, vedada expressamente no texto Constitucional [105]. A pena será cumprida num Estado a ser designado pela Corte, escolhido a partir de uma lista de Estados que tenham indicado à Corte sua disposição em aceitar condenados. O Estado de execução, de sua vez, deverá informar à Corte qualquer circunstância ou condição de seu direito interno que possa afetar materialmente a execução da pena.

3.9. Solução de controvérsias no âmbito da Corte.

Se reconhecermos que um dos objetivos da Corte é a solução de controvérsias internacionais acerca da aplicação do direito penal, também não podemos negar que sua atividade jurisdicional provoque novos conflitos. Para solucioná-los, o Estatuto prevê um sistema de solução de disputas sobre função jurisdicional da Corte, interpretação e aplicação do Estatuto. Assim, qualquer disputa sobre função jurisdicional da Corte será objeto de apreciação e decisão pela própria Corte; ainda, qualquer outra disputa entre Estados relativa à interpretação ou aplicação do Estatuto que não se resolver mediante negociações a serem concluídas num prazo máximo de três meses, deverá ser apresentada à Assembléia de Estados Parte. A Assembléia deverá solucionar a disputa ou indicar os meios alternativos para sua solução, entre os quais expressamente se inclui a alternativa de submissão do conflito à jurisdição da Corte Internacional de Justiça [106].

Nas disposições sobre o suporte financeiro da Corte [107], diz-se que as despesas serão pagas pelo Fundo da Corte, a ser criado a partir da contribuição de Estados Parte, das Nações Unidas (mediante decisão da Assembléia Geral) e de voluntários, cuja escala de valores será baseada na escala de contribuições aplicada no âmbito das Nações Unidas (art. 107).

3.10. Disposições gerais atinentes ao processo de conclusão dos tratados internacionais.

No que se refere às formalidades intrínsecas às convenções internacionais, próprias do processo de conclusão de tratados, não são permitidas reservas ao Estatuto (art. 120); emendas (art. 121), somente poderão ser oferecidas após sete anos da entrada em vigor do Estatuto, devendo as mesmas serem submetidas ao Secretário Geral da ONU, que prontamente fará a circulação do texto proposto a todos os Estados Parte [108].

Como regra geral, a emenda ou revisão entrará em vigor para os Estados Parte um ano após o depósito dos instrumentos de ratificação ou aceitação junto à Secretaria Geral da ONU por parte de sete oitavos dos Estados parte. Exceção feita às emendas ao artigo 5º (que prevê os crimes objeto do Estatuto), as quais entrarão em vigor para os Estados Parte imediatamente com o depósito do instrumento de ratificação ou aceitação, proibida a Corte de exercer sua jurisdição, nos termos da emenda, com relação ao Estado Parte que não a ratificou ou aprovou.

Após a ratificação ou aceitação da emenda por sete oitavos dos Estados Parte, aqueles Estados que não o fizeram podem denunciar o tratado, com efeitos imediatos, notificando os primeiros em prazo que não exceda a um ano da entrada em vigor da emenda. Para as emendas de natureza institucional (art. 108) que não puderem ser aprovadas por consenso, estas deverão ser submetidas e aprovadas por um quorum de dois terços dos Estados Parte e entrarão em vigor após seis meses de sua adoção pela Assembléia ou, se for o caso, pela Conferência.

Note-se que o processo de revisão do tratado não se confunde com o processo de emendas. A revisão do Estatuto é imperativo previsto no art. 123. Para tanto, a Secretaria Geral das Nações Unidas, após sete anos de vigência do Estatuto, proporá uma Conferência para revisão do Estatuto, de poderá incluir, além de outras matérias, a revisão do art. 5º. A decisão sobre os textos revistos a ser tomada nesta Conferência caberá à maioria absoluta dos Estados Parte.

O Estatuto foi aberto para assinaturas em Roma, na sede da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), em 17 de julho de 1998; permaneceu aberta a assinaturas no Ministério das Relações Exteriores da Itália até 17 de outubro de 1998. Atualmente, está aberta a assinaturas na sede das Nações Unidas, em Nova York, até 31 de dezembro de 2000, e entrará em vigor no primeiro dia do mês subsequente ao depósito do 60º instrumento de ratificação, aceitação, adoção ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas (artigos 125 e 126).

Em relação aos Estados, o Estatuto entrará em vigor no primeiro dia do mês subsequente ao depósito de seu instrumento ratificação, aceitação, adoção ou acessão junto à Secretaria Geral das Nações Unidas.

A denúncia deverá por qualquer Estado Parte deverá se dar pela forma escrita e dirigida ao Secretário Geral da ONU, produzindo efeitos quanto ao denunciante após um ano do recebimento da notificação, exceto ne desta se assinar maior prazo. Vale destacar, porém, que o Estado, mesmo com a denúncia do Estatuto, não se exime das obrigações assumidas enquanto Parte (durante o prazo após a notificação), obrigação que se estende, expressamente, às contribuições para financiamento da Corte.

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A prevenção e solução de litígios internacionais no direito penal internacional:: fundamentos, histórico e estabelecimento de uma corte penal internacional (Tratado de Roma, 1998). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2819. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado em "Solução e Prevenção de Litígios Internacionais", v. 2, organizado por Araminta de Azevedo Mercadante e José Carlos de Magalhães, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 317.

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