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A ilegalidade do marketing eletrônico, spam e listas de e-mails

01/04/2002 às 00:00
Leia nesta página:

Muito tem-se comentado acerca da decisão da juíza de Campo Grande (MS), Rosângela Lieko Kato, ao negar indenização por danos morais e materiais para o advogado João de Campos Corrêa, que entrou na Justiça contra 45 empresas que lhe enviaram mensagens indesejadas.

Conforme notícia veiculada na revista Consultor Jurídico, a juíza entendeu que o produto foi apresentado para o internauta para que ele pudesse adquiri-lo ou não; que a relação de consumo de hoje "não é a mesma que a de alguns anos atrás, visto que estamos na era da sociedade de informação" e que "as características da sociedade de consumo passou a girar em torno do anonimato de seus autores, dada a complexidade e variabilidade de seus bens, do papel essencial do marketing e do crédito, bem como a velocidade de suas transações".

Ao fundamentar sua decisão, a juíza comparou o envio de spam com as malas diretas e afirmou que as empresas apenas utilizam uma ferramenta de marketing para mostrar o produto.

A decisão da juíza causou polêmica a respeito do assunto, segundo noticiado na revista acima citada. E o assunto não poderia deixar de ser polêmico, pelo ponto de vista que tem sido enfocado.

Com o advento da internet aliada à globalização, uma série de serviços ampliaram o acesso à informação. Dos serviços advindos com a internet está o correio eletrônico, ou e-mail, cujo objetivo principal era o de encurtar distâncias e facilitar a comunicação entre as pessoas. Assim, como o velho e bom correio tradicional, o correio eletrônico nos traz todo tipo de mensagens.

Recebemos em nossas caixas postais eletrônicas mensagens pessoais e profissionais. Recebemos também mensagens comerciais que são autorizadas por nós quando nos cadastramos em algum site e concordamos expressamente em recebê-las.

Além das mensagens citadas, os usuários de internet possuidores de uma caixa postal recebem vários tipos de mensagens não desejadas : propagandas de empresas, correntes, piadas, alertas sobre vírus, convites para acessar uma sala de jogos ou de sexo, enfim, uma infinidade de mensagens não solicitadas pelo usuário. Boa parte dessas mensagens são encaminhadas sem qualquer solicitação de permissão ou concordância do usuário.

Considerando que:

1.A internet não funciona como um serviço telefônico, que coloca à disposição de seus assinantes um catálogo com os telefones e endereços de seus usuários. Portanto, o endereço eletrônico de um determinado usuário não é de conhecimento público;

2.Os endereços eletrônicos dos usuários estão armazenados nos bancos de dados de provedores de acesso ou de empresas que desenvolvem suas atividades através da Internet, pelo cadastro voluntário do consumidor;

3.Que esses provedores de acesso ou empresas declaram possuir uma política de uso dos e-mails e não os repassam a terceiros sem prévia autorização dos respectivos clientes.

Como essas empresas que utilizam o "Marketing Mail" ou que fazem ofertas de bancos de dados de emails obtêm os e-mails dos usuários da Internet? O fato é que somos freqüentemente alardeados por empresas diversas nos oferecendo listas de e-mails e/ou produtos diversos.

Na realidade, existem atualmente inúmeros programas desenvolvidos especialmente para capturar endereços eletrônicos através de monitoração da rede. Independente da forma como esses endereços são obtidos, o fato é que eles são utilizados à revelia do usuário.

Abaixo transcrevo um e-mail dentre os vários recebidos sobre o mesmo assunto:

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Por curiosidade, enviei ‘a empresa acima mencionada um e-mail questionando-os a forma como obtiveram meu endereço eletrônico. A resposta que obtive do gerenciador de mensagens, sem causar-me nenhum espanto, foi que inexiste caixa postal com aquele endereço.

Transcrevo abaixo a resposta recebida :

Hi. This is the qmail-send program at srv1.dnsbrasil.net.

I´m afraid I wasn´t able to deliver your message to the following addresses.

This is a permanent error; I´ve given up. Sorry it didn´t work out.

<[email protected]>:

Sorry, no mailbox here by that name. vpopmail (#5.1.1)

As listas de e-mails ou mailing lists em muito se diferem das malas diretas tradicionais.

As malas diretas, assim como os catálogos e o telemarketing, são canais de marketing direto tradicionais.

De acordo com Philip Kotler, uma das maiores autoridades mundiais em marketing,

"o marketing de mala direta envolve oferta, anúncio, sugestão ou outro item a uma pessoa em determinado endereço. As empresas de mala direta enviam milhões de peças anualmente : cartas, folhetos, catálogos e outros "vendedores com asas" (...) Até recentemente, todas as malas diretas eram produzidas em papel e enviadas por correio, telégrafo ou empresas de entrega rápida como Federal Express, DHL ou Airborne Express. Depois, três novas formas de entrega apareceram nos anos 80:

- Correio via fax

- E-mail

- Correio via voz (voice mail)

Esses três novos meios de transmissão enviam mensagens em incrível velocidade, comparada com o tradicional serviço de correio. Todavia, muitas pessoas ainda preferem o sistema tradicional, à medida que os novos meios passam a ser vistos como correio-lixo (junk mail), quando enviados a quem não está interessado nas mensagens".

Enquanto as malas diretas enviam propaganda, as listas de clientes, ou mailing lists de clientes são simplesmente um conjunto de nomes, endereços e números de telefone, ou na era da internet, conjunto de nomes e e-mails de usuários da rede.

As listas de e-mails são comercializadas sem a autorização do usuário da rede para a divulgação de seu endereço eletrônico. Por um custo relativamente baixo, qualquer interessado tem acesso, como visto no exemplo acima, a 4 milhões de e-mails cadastrados. Estamos falando de uma única empresa que oferece o endereço eletrônico de 4 milhões de usuários da internet.

Assim como existem empresas que somente comercializam mailing lists, existem também as empresas que, de posse de algum banco de dados, enviam malas diretas eletrônicas para "conquistar" algum cliente potencial objetivando a venda de seus produtos ou serviços.

As empresas que fazem marketing eletrônico conseguem irritar sensivelmente os internautas, a ponto de ser freqüente o bloqueio do endereço eletrônico do remetente por parte do usuário de internet que recebeu o spam. Destarte, o "tiro acaba saindo pela culatra" : além do internauta bloquear o endereço da empresa que faz prática desse método, a mesma poderá ter perdido um cliente potencial que, se fosse prospectado pelos meios tradicionais, talvez viesse a se tornar um futuro cliente dessa empresa.

Desse modo, discordo do ponto de vista da Exma. Juíza citada anteriormente, que equipara a mala direta tradicional à mala direta eletrônica.

A mala direta tradicional nos é oferecida sem custos, sem ônus, ou seja, a empresa que envia a mala direta arca com o ônus ao enviar uma propaganda. Temos a liberalidade de abri-la ou não, dependendo de nossa conveniência. Podemos dispor ou não de nosso tempo, que é precioso e que custa dinheiro (time is money), para verificar seu conteúdo.

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Já a mala direta eletrônica tem um custo alto para o internauta, pois o usuário da internet está pagando por um serviço de conexão. Ou seja, diferentemente da mala direta tradicional, o usuário da internet tem um desembolso financeiro para receber uma propaganda de um produto ou serviço que usualmente ele não solicitou e nem deu permissão para que alguém a enviasse para ele. Além do ônus financeiro, o internauta está desperdiçando seu tempo para receber essas mensagens, haja vista que somente após recebidas as mensagens elas são liberadas para leitura.

Em brilhante tese apresentada no final de agosto em Londrina ("Mailing Lists e o Direito do Consumidor"), o Promotor de Justiça Dr. Ciro Expedito Scheraiber, considerou o envio de mensagens indesejadas (spam) abusivo.

Na defesa de sua tese, o Promotor sustenta que o envio de mensagens indesejadas configura prática comercial abusiva, com base no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor e que a transmissão onerosa ou gratuita das mailing lists só poderá ocorrer com a autorização do consumidor ou prévia comunicação, de acordo com o artigo 43 e §§ 1º e 2º do CDC. E ainda : a formação de mailing lists mediante técnicas de informática não autorizadas (cookies) configura invasão de privacidade, ofendendo preceito constitucional.

Os impactos causados pelas empresas que comercializam listas de e-mails e fazem o uso de marketing eletrônico sem a autorização do cliente são :

1. O custo do armazenamento e comunicação. Imaginemos a quantidade de empresas no Brasil que comercializam mailing lists. Tomemos por base que cada uma delas possua somente (pois o universo de internautas ultrapassa 8 milhões de usuários no Brasil e cresce a cada dia) 4 milhões de endereços cadastrados e que cada uma dessas empresas envie a esses 4 milhões de endereços um e-mail por dia. Supondo que 1000 empresas contratem algum desses Mailing lists, teríamos 4 bilhões de emails circulando pela Internet. O aumento do fluxo de mensagens e o congestionamento que esse fluxo causa à rede, fatalmente trará um custo adicional ao Poder Público, que é mantenedor da Internet no Brasil.

2. O mau uso da internet pode retardar o tempo de resposta das conexões.

3. O tempo despendido ao receber e bloquear remetentes de mensagens e marketing eletrônico causa prejuízo financeiro ao internauta.

4. A formação de listas de e-mails não autorizadas configura invasão de privacidade, sendo abusivo o uso do spam.

5. A maioria das empresas de mailing lists atuam na clandestinidade, deixando de recolher aos cofres públicos os impostos devidos pelos serviços que oferecem.

6. Empresas tradicionais se enriquecem à custa do usuário, pois são os internautas que arcam com as despesas de receberem uma propaganda através do marketing eletrônico.

Diante do exposto devo concluir recomendando urgente regulamentação sobre o assunto, a fim de se criar mecanismos de controle e fiscalização objetivando o bom uso da rede Internet. Tal regulamentação proporcionaria melhor performance da rede, maior economia, manutenção da privacidade do Internauta, além do uso racional dessa ferramenta chamada Internet.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Cristiane Gracia. A ilegalidade do marketing eletrônico, spam e listas de e-mails. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2825. Acesso em: 22 nov. 2024.

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