Termo circunstanciado de ocorrência: sua possibilidade jurídica de lavratura pela Polícia Militar

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06/05/2014 às 17:35

Resumo:


  • A discussão sobre a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pela Polícia Militar é pautada na busca por eficiência e celeridade processual, especialmente em regiões sem delegacia de polícia civil.

  • O debate jurídico envolve a interpretação do art. 69 da Lei 9.099/95, com diferentes entendimentos sobre quem seria a "autoridade policial" habilitada a elaborar o TCO, se apenas o delegado de polícia ou também o policial militar.

  • Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e diversos posicionamentos doutrinários e institucionais apontam para a possibilidade de policiais militares lavrarem o TCO, visando agilizar o procedimento e liberar a polícia judiciária para delitos de maior complexidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A possibilidade da lavratura do TCO pelo Polícia Militar, seus aspectos jurídicos, possibilidades, eficacia e eficiência.

Resumo: O presente estudo se propõe em pautar na dificuldade encontrada em regiões e principalmente cidades que não comportam delegacia de polícia civil, mas claramente possuidoras de destacamento Polícia Militar, trazendo assim dificuldade de deslocamento, das determinadas prisões em flagrantes para a Delegacia mais próxima para a lavratura do TCO, gerando assim um demora do procedimento, desguarnecendo os locais onde a Polícia Ostensiva necessita presente estar. Vale ressaltar que em muitos casos a lavratura desse procedimento no local da ocorrência por um policial habilitado e treinado para tal, agilizaria deveras o procedimento, deixando fluir com mais eficácia a elucidação do fato e dando uma resposta as parte figurantes no ato. Este trabalho tem o animus não só de conclusão de curso ou de obtenção de nota, e sim, anseia levantar a discussão de legitimidade, para fins unicamente de racionalizar e aperfeiçoar o trabalho de polícia ostensiva e polícia judiciária, não deixando a população a mercê de uma burocracia na logística. Além do mais, demonstrar que não será de interesse dos envolvidos nessa problemática levar o assunto para o lado da vaidade. Assuntos como esse nunca podem ser tratados com vaidade e sim, com dinâmica e acima de tudo competência na elucidação do ato ilícito cometido, gerando a população a sensação de eficácia e eficiência no serviço policial e Judiciário.

Palavras-chave: Termo Circunstanciado, Policia, Militar.

Sumário: 1. Introdução. 2. Considerações sobre a Lei nº 9.099/95. 2.1. Juizado Especial Criminal – JEcrim. 2.2. Infrações penais de menor potencial ofensivo. 3. Conceito e previsão legal do termo circunstanciado de ocorrência. 4. Competência legal para lavratura do termo circunstanciado de ocorrência. 5. Legitimidade do termo circunstanciado de ocorrência lavrado pela Polícia Militar. 5.1. Posicionamento jurisprudencial institucional e doutrinários. 6. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste artigo é trazer ao debate a (in)constitucionalidade da lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) pela Polícia Militar.

Serão abordadas as definições da Lei n.º 9.099/95, responsável pela instituição dos Juizados Especiais. O artigo também analisará as dificuldades enfrentadas em algumas regiões do país, onde ainda ocorre, por mera necessidade, a usurpação de função pública, situação em que a Polícia Militar assume atribuições próprias da Polícia Judiciária.

Um dos pontos mais relevantes do estudo é a definição de "autoridade policial", conforme o Art. 60 da Lei n.º 9.099/95, avaliando se essa competência é privativa do Delegado de Polícia Civil ou se pode ser compartilhada, legitimando, assim, a confecção do procedimento pela Polícia Militar.

Por fim, o artigo tratará do entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema, traçando um paralelo entre a realidade vivenciada na segurança pública e o que a legislação dispõe. Serão analisadas as legalidades do referido instrumento, bem como os prejuízos decorrentes desse conflito de competências, que podem não apenas comprometer o trabalho da polícia como também, sobretudo, dificultar a atuação da justiça.


2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LE 9.099/95

Em vigor a partir de setembro de 1995, a Lei n. 9.099. veio regular o art. 98, I da CF/88 (que previa a criação de juizados especiais), buscando a conciliação através de um modelo de processo conciso, célere e, sobretudo, que oferecesse ao cidadão a imediata prestação jurisdicional.

Na esfera criminal, há de se considerar os dizeres do clássico Beccaria, de que “A certeza da punição constitui-se em fator indispensável para o respeito e a concretização dos preceitos normativos” (BECCARIA, 2002.)

É preciso minimizar a impunidade que ora se vivencia. Para isso, as alternativas propostas pela Lei 9.099/95, contribuem para que os infratores de menor potencial ofensivo não fiquem impunes e incidam em delitos de maior gravidade, tornando-se mais um número nas já lotadas penitenciárias que deveriam, em tese, promover a ressocialização, mas que agridem ainda mais a dignidade humana e acabam gerando novos criminosos.

Nesse sentido, o legislador preocupou-se não só em favorecer a vítima através da restituição dos danos, mas também o infrator, uma vez que pode optar pela aceitação de um acordo, a fim de que não se submeta ao desgaste de um processo. Ademais, trouxe medidas não privativas de liberdade e almejou à resolução do conflito entre as partes dando preferência ao ressarcimento do dano.

2.1. JUIZADO ESPECIAL CRIMNAL - JECRIM

O Juizado Especial Criminal orienta-se pelos princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Como o uma das dinâmicas e funcionalidades promovidas com a Lei. É justamente a celeridade, que será tratada com mais atenção, pois assim estaremos norteando a possibilidade da lavratura do Termo Circunstanciado pela Policia Militar.

Segundo o princípio da celeridade, o procedimento deve ser rápido, até mesmo porque nos crimes de menor potencial ofensivo não há uma grande relevância social, prescindindo, por isso mesmo, de processos morosos e que acarretem penas privativas de liberdade.

Logo, através da aplicação dos princípios informadores do JECRIM, em especial o da celeridade, busca-se, quando possível, a reparação do dano e a solução imediata dos conflitos de interesses.

No que tange aos objetivos do JECRIM, fica claro que, conforme alude a segunda parte do art. 62, o mesmo busca a reparação dos danos e a aplicação da pena não privativa de liberdade.

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Logo, o autor do fato, ao invés de se submeter a um processo lento, que poderá levar à sua condenação, terá a oportunidade de, nos crimes de menor potencial ofensivo, barganhar com o Ministério Público solução alternativa, que não a privação de sua liberdade.

Assim, torna-se evidente que o JECRIM busca a satisfação de todas as partes envolvidas direta ou indiretamente com o fato. A parte ofendida, que terá seus danos reparados rapidamente; a autora que terá que reparar o dano ou sujeitar-se a uma medida não privativa de sua liberdade e, sobretudo, a Sociedade, que terá a satisfação de ver uma lide resolvida rapidamente, acarretando, portanto, credibilidade aos órgãos estatais.

2.2. INFRAÇÕES PENAIS DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO

Está previsto no art. 98, inciso I, da Carta Magna de 1988, a obrigatoriedade de criação dos Juizados Especiais Criminais para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo

O artigo 61 da Lei nº 9.099/95 veio para definir como infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais, previstas no decreto lei N° 3.688, de 06 de outubro de 1941.

Alterou o artigo 61 da lei 9099/95, que assim rege:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006).

Com a efetiva sanção e promulgação da Lei nº 9099, em 26 de setembro de 1995, o que se fez foi definir o disposto no artigo 98, I, da Lei Maior. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 propiciou um tratamento diferenciado àquilo que chamou “infrações penais de menor potencial ofensivo”.

Antes da entrada em vigor da Lei nº 9.099/95, aqueles que praticavam pequenas infrações penais dificilmente recebiam a devida resposta estatal. Muitas das infrações sequer chegavam ao conhecimento do Ministério Público e do Poder Judiciário. Aquelas condutas típicas de pequeno valor que eram conduzidas às Delegacias pareciam “sumir”, por diversos motivos (corrupção, “arquivamentos” indevidos de inquéritos policiais, através das já abordadas verificações preliminares de inquérito; prescrição e decadência, etc.), a raramente ter seu curso normal. Tal realidade desencadeava dois males, a sensação de impunidade que tomava conta desses pequenos infratores, e uma completa desconsideração do Estado com as pessoas diretamente atingidas por esses delitos.

A partir promulgação da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), as vítimas dos ilícitos de “bagatela” passaram a contar com legislação extremamente célere, capaz de lhes proporcionar a justa reparação pelo dano sofrido, reduzindo a desconfiança dessas pessoas em relação à Justiça e atacando o sentimento de impunidade que envolvia o ofensor. O objetivo da Lei foi reduzir a burocracia e racionalizar a Justiça Penal tornando o procedimento mais ágil.

Relativamente às Polícias Militares, inúmeras mudanças foram inseridas e serão merecedoras de destaque, já que seus integrantes são, na grande maioria das vezes, as primeiros a tomar conhecimento da ocorrência de infrações penais de menor potencial ofensivo.

Assim sendo, ressalvadas as infrações penais militares (Lei n.º 9.099/95 - art. 90-A), são infrações penais de menor potencial ofensivo aquelas em que a lei comine pena máxima não superior a dois anos ou multa; bem como os crimes previstos na Lei n.º 10.741, de 01 de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), aos quais seja atribuída pena máxima não superior a quatro anos.


3. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DO TERMO CIRCUNSTANCIADO

Denomina-se Termo Circunstanciado de Ocorrência ou TCO o documento elaborado, pelo Bacharel em Direito, em regra, este investido no cargo de Delegado de Polícia no qual detalhada a ordem, acontecimentos e consequências de um fato delituoso, in tese, ocorrido e que chegou ao seu conhecimento, afim de que as providências cabíveis sejam tomadas.

Para BURILLE (2008):

O Termo Circunstanciado é uma espécie de boletim de ocorrência policial mais detalhado, porém sem as formalidades exigidas no inquérito policial, contendo a notícia de uma infração penal de menor potencial ofensivo (notitia criminis). Ou seja, trata-se da narração sucinta do fato delituoso, com local e hora verificados, acrescida de breves relatos de autor, vítima e testemunha(s), bem como, citando-se objeto(s) apreendido(s), relacionado(s) à infração, se houve, podendo conter, ainda, dependendo do delito, a indicação das perícias requeridas pela autoridade policial que o lavrou.

O Termo Circunstanciado de Ocorrência é utilizado como uma forma alternativa de punibilidade prevista na Lei 9.099/95, responsável pela criação dos Juizados Especiais Criminais, responsáveis pelos julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo. A referida lei, através de seu artigo 69 aduz a respeito da aplicabilidade na prática do termo circunstanciado, a saber :

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará Termo Circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

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Comenta ainda BURILLE (2008) que:

O Termo Circunstanciado é, pois, não só um expediente que substitui o arcaico inquérito policial, mas também um mecanismo pré-processual que visa atender todos os princípios norteadores da Lei nº 9.099/95, expressos no seu art. 2º (princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade).

Poder-se-ia dizer ainda que o termo é um instrumento de cidadania, que busca diminuir o sofrimento da vítima de um determinado ilícito penal, mediante uma rápida resposta estatal, que se inicia com o conhecimento do fato pela autoridade policial e se desdobra em algumas providências simples, céleres, e com poucas formalidades, para, então, terminar diante do Estado-juiz, o qual propiciará a solução do caso penal, seja com a conciliação, transação penal, ou, restando está inexistosa, com o oferecimento da denúncia ou queixa-crime. Este é o espírito da lei.

GRANZOTTO (2008) Ressalta que o TCO é um:

[...] registro de ocorrência minucioso, detalhado onde se qualificam as pessoas envolvidas - autor(es) do(s) fato(s), vítima(s) e testemunha(s); faz-se um resumo de suas versões; menciona-se data, horário e local do fato; descrevem-se os objetos usados no crime (apreendidos ou não); colhe-se assinatura das pessoas envolvidas; quando a lei determinar, expõe-se a representação do ofendido e demais dados necessários a uma perfeita adequação típica do fato pelo Ministério Público.

Ainda no argumento disposto, SILVA (2007):

Não se pode atribuir ao Termo Circunstanciado a qualidade de um mero boletim de ocorrência. Imaginemos a situação em que não fosse alcançada a composição penal (transação) no Juizado. Inconcebível a tese de que o Ministério Público estaria, neste caso, legitimado a oferecer denúncia com base em um mero boletim de ocorrência, ainda que se tratando de crime de menor potencial ofensivo. Necessita o Ministério Público de elementos mais robustos para assim proceder, vale dizer, de elementos mínimos que sirvam de supedâneo à deflagração da actio poenalis, sob pena de constrangimento ilegal por ausência de justa causa.

O termo circunstanciado é um documento elaborado pela autoridade policial com o escopo de substituir o auto de prisão em flagrante delito, especificamente, nas ocorrências em que for constatada infração de menor potencial ofensivo. Para Grinover “o termo circunstanciado a que alude o dispositivo nada mais é do que um boletim de ocorrência um pouco mais detalhado” (GRINOVER, 2002, p. 111).

Descrevem ainda Junior e Lopes que:

O termo circunstanciado de ocorrência, ou simplesmente termo de ocorrência, é uma peça que não precisa se revestir de formalidades especiais e na qual a autoridade policial que tomar conhecimento de infração penal de menor potencial ofensivo, com autor previamente identificado, registrará de forma sumária as características do fato (JUNIOR, LOPES, 1997, p. 472.)

Percebe-se, entretanto, que este assunto rendeu insistentes discussões, tendo como núcleo o que se entende por autoridade policial, colocando em pauta a competência para a lavratura do termo circunstanciado.


4. COMPETÊNCIA LEGAL PARA LAVRATURA DO TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRENCIA

A disposição legislativa a respeito da competência ordinária atribuída ao Bacharel em Direito, investido no cargo de Delegado de Polícia para a confecção do termo circunstanciado, percebe-se que muitos policiais militares vem desenvolvendo essa tarefa.

Podemos ainda, analisando de forma fria, que nosso sistema de segurança, sistema esse onde se inicia 99% das ações penais, tem seus problemas e falhas; as atribuições referente a cada setor, policial ou técnico, estão bem detalhadas e elencadas na nossa Carta Magna.

Conforme comenta OLIVEIRA apud JORGE (2002):

Os §§ 1º, IV, e 4º do artigo 144 da Lei Maior, atribuem ao delegado de polícia exclusividade da direção dos atos de polícia judiciária e de apuração das infrações penais. Por conseguinte, é a autoridade policial a única competente para comandar a investigação no sentido de determinar a autoria, materialidade e circunstâncias em que se desenvolveu a ação ou omissão criminosa.

Na mesma linha de raciocínio, comenta TOURINHO FILHO apud JORGE:

Ainda há Polícia Civil, mantida pelos Estados, e dirigida por Delegados de Polícia, cabendo-lhes a função precípua de apurar as infrações penais e respectivas autorias, ressalvadas as atribuições da Polícia Federal e as infrações da alçada militar. Também lhe incumbem as funções de Polícia Judiciária consistentes não só naquelas atividades referidas no artigo 13 do CPP, bem como nas relacionadas no artigo 69 da Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Haja vista a grande demanda de casos que chegam aos Distritos Policiais, o pouco contingente funcional, não é difícil imaginar a causa pela qual a Polícia Militar acaba atraindo a competência para elaboração do Termo Circunstanciado.

No entanto, a partir da análise do art.69 da Lei 9.099/95 e, consequentemente tecendo um paralelo com a Magna Carta vigente, através de seu art.144§5º, percebe-se que o conceito de “autoridade policial” está restrito ao Delegado de Polícia.

Desse modo, é nítida a disposição constitucional ao ditar que a atuação da Polícia Militar deve ser realizada preservando o seu caráter ostensivo e preventivo, no intuito de buscar a manutenção da paz pública. Por outro lado, caberia à Polícia Civil o papel de Polícia Judiciária, com o caráter investigativo.

Nesse sentido o § 5º do artigo 144 da Constituição Federal delimita a competência da Polícia Militar da seguinte maneira "às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública".

Art.144 (...) CRFB 88

§ 5º - ÀS POLÍCIAS MILITARES CABEM A POLÍCIA OSTENSIVA E A PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. (GRIFO NOSSO)

Ainda no mesmo dispositivo, em seu § 4º encontra-se disponibilizada a atribuição da competência à Polícia Civil dispondo que:

Art.144 (...) CRFB 88

§ 4º “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".

Pois bem, tal argumentação apenas convalida a opinião de que a Polícia Militar possui competência restrita, não podendo, portanto, ser realizada uma interpretação extensiva do termo autoridade policial.

Para SILVA (2007):

Vale dizer, o Constituinte foi claro ao traçar o papel de cada um dos órgãos da segurança pública, de modo que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais ficaram a cargo das polícias civil e federal (polícias judiciárias), ao passo em que a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública ficou a cargo das polícias militares (polícia administrativa). O próprio constituinte excepcionou esta regra, de modo que a apuração de crimes por parte das polícias militares restringe-se às infrações penais militares, comumente através do Inquérito Policial Militar. Em outras palavras, as polícias militares agem preventivamente (ao estilo "Cosme e Damião”), visando evitar, ou desestimular, o cometimento de crimes, ao passo em que as polícias federal e civis agem repressivamente, após o cometimento de crimes.

Pois bem, defensores da competência da Polícia Militar na elaboração do Termo Circunstanciado, possuem argumentos que buscam de qualquer forma ampliar a interpretação do termo supracitado, é o que se chama de interpretação teleológica do mesmo, disposto no artigo 69 da Lei 9.099/95.

Posicionando-se de forma contrária ao assunto, SILVA (2007) tece um relevante comentário:

Se interpretarmos o artigo 69 da Lei 9.099/95 levando em consideração a manifesta vontade da Lei (interpretação teleológica), notaremos que apenas o Delegado de Polícia é autoridade policial para os fins desse artigo.

O caput desse artigo dispõe que a autoridade policial vai providenciar as requisições dos exames periciais necessários, e o parágrafo único dessa norma dispõe que não se imporá fiança, nem prisão em flagrante ao autor do fato que comparecer imediatamente ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer.

O Delegado de Polícia é quem providencia as requisições dos exames periciais necessários, impõe fiança ou elabora o auto de prisão em flagrante. Assim, é notório que a Autoridade Policial cujo artigo 69 faz referência é exclusivamente o Delegado de Polícia.

Dentre os doutrinadores, dito consagrado, destaca-se o posicionamento do Prof. DAMÁSIO DE JESUS (2002, p.43) ao manifestar-se sobre a atividade policial.

Segundo o autor:

A finalidade da atividade policial não desnatura a condição de quem a exerce. A autoridade decorre do fato de o agente ser policial, civil ou militar. [...] O policial militar, ao tomar conhecimento da prática de uma contravenção penal ou de um crime de menor potencial ofensivo, poderá registrar a ocorrência de modo detalhado, com a indicação e qualificação das testemunhas, e conduzir o suspeito diretamente ao Juizado Especial Criminal. (JESUS. 2002,p.43)

Em sua exposição, BURILLE(2008) apresenta um fragmento de um parecer exarado da Procuradoria do Estado de Santa Catarina. Segundo o parecer:

À Polícia Militar compete como principal missão a preservação da ordem pública [...]. A manutenção da ordem pública, missão atribuída constitucionalmente às policias militares, é demasiada ampla e complexa, não podendo a atividade, no atual contexto de altos índices de criminalidade e problemas ambientais que assolam o país, encontrar ‘obstáculos infraconstitucionais’ que não visem a atender ao bem comum. [...] Assim é que o Termo Circunstanciado deve ser lavrado no local da ocorrência, pelo policial que a atender, seja civil ou militar, o que proporcionará economia de recursos humanos e materiais e, principalmente, uma prestação mais eficaz e célere. [...] Diante do exposto, percucientemente sopesado o presente processo é de ser reconhecido que a lavratura do Termo Circunstanciado não é ato de polícia judiciária, pois desprovido da necessidade de investigação dos fatos nos moldes do inquérito policial.

Em sede conclusiva, o parecer informa que o conceito de autoridade policial trazido pelo art.69 da lei 9.099/95 pode ser tanto o policial civil quanto o militar, não delimitando, portanto, categoria específica.

Ainda que existam muitos argumentos que, à primeira vista, apresentem-se até congruentes, no sentido positivo à competência da Polícia Militar na confecção do Termo Circunstanciado, existem dois outros que derrubam quaisquer outros que possam ser levantados.

O primeiro diz respeito à ausência, por parte da Polícia Militar, de conhecimento técnico-jurídico para proceder à elaboração do referido documento, nem tão pouco para a tipificação penal.

Pode-se argumentar, no entanto, a existência de Policiais Militares graduados em Ciências Jurídicas, porém, não se tem como individualizar atribuições de acordo com a qualificação do indivíduo, por se tratar de uma corporação, onde todos devem ser tratados sem distinção, em respeito ao princípio da isonomia.

Trata-se, portanto, de característica intrínseca à função de Delegado de Polícia, haja vista que uma das condições de investidura para o cargo sobre comento é a titularidade de Bacharel em Direito.

Fechando o raciocínio, JORGE (2002) aduz que:

Se para um bacharel em direito, muitas vezes é complicado diferenciar extorsão e roubo, ameaça e coação, estelionato e furto mediante fraude, apropriação indébita e furto, estelionato e curandeirismo, imagine para um indivíduo sem conhecimento técnico-jurídico.

Pois bem, o segundo argumento e, aparentemente mais forte, é que, na hipótese de ser reconhecida a competência da Polícia Militar para a elaboração do TCO, esta deve ser legal, ou seja, disponibilizada em lei, o que parece até hoje não existe.

Inicialmente, procedendo a uma interpretação sistemática da lei 9099/95, podemos perceber que o conceito de autoridade policial condiz somente com a figura do Delegado de Polícia, pois aquela necessitaria de conhecimento técnico-científico para desempenhar tal função, tendo em vista que ao elaborar o termo circunstanciado poderá providenciar requisições de exames periciais necessários.

Somente ele, com seu conhecimento técnico-científico, poderá elaborar de forma clara uma requisição de perícia, com quesitos pertinentes ao fato criminoso.

A autoridade policial é obrigatoriamente bacharel em direito, com conhecimentos em medicina legal, que, além de fazer parte da grade curricular da faculdade de direito, é disciplina exigida nos concursos para o referido cargo.

Cumpre salientar que quando se lavra um termo circunstanciado, está se dispensando a lavratura do auto de flagrante delito, liberando o autor do fato mediante assunção do compromisso de comparecimento ao juizado criminal.

Referida tarefa exige profundo conhecimento da legislação pátria, sendo notório que o conhecimento que o policial militar dispõe para efetuar uma prisão captura é de simples noções básicas de Direito.

Por outro lado, a tipificação de um delito é matéria afim à atividade investigativa, e nossa Carta Magna deixou claro, em seu artigo 144, que esta tarefa é de incumbência da polícia civil, que é dirigida por um Delegado de Polícia de carreira.

Nesse entendimento, fala Júlio Fabbrini Mirabete.

"Somente o delegado de polícia pode dispensar a atuação em flagrante delito, nos casos em que se pode evitar tal providência, ou determinar a atuação quando o autor do fato não se comprometer ao comparecimento em juízo, arbitrando fiança quando for o caso. Somente ele poderá determinar as diligências imprescindíveis à instauração da ação penal quando as provas da infração penal não foram colhidas por ocasião da prisão em flagrante delito. Assim, numa interpretação literal, lógica e mesmo legal, somente o delegado de polícia pode determinar a lavratura do termo circunstanciado a que se refere o art. 69. (...). Em suma, a lei que trata dos Juizados Especiais em nenhum dos seus dispositivos, mesmo remotamente, refere-se a outros agentes públicos que não a autoridade policial. Conclui-se, portanto, que, à luz da Constituição Federal e da sistemática jurídica brasileira, autoridade policial é apenas o delegado de polícia, e só ele pode elaborar o termo circunstanciado referido no art. 69. Desta forma, os agente públicos que efetuarem a prisão em flagrante devem encaminhar imediatamente as partes à autoridade policial da delegacia de polícia da respectiva circunscrição".

Sendo assim, não prospera o argumento acima no sentido da elaboração do termo circunstanciado ser feito no local da própria infração penal, eis que a referida celeridade não estaria em consonância com a eficiência, que é um princípio constitucional que norteia a Administração Pública.

Por fim, em havendo controvérsia judicial acerca da interpretação do conceito de autoridade policial presente no artigo 69 da Lei 9099/95, deverá ser usado o mecanismo de interpretação conforme a Constituição para se considerar compatível com a mesma a não extensão do conceito de autoridade policial, tendo em vista a competência estabelecida no artigo 144, conforme acima mencionado.

Sobre o autor
Ednaldo de Freitas

Bacharel em Direito Pela Universidade Potiguar - UNP, Aprovado no X exame da Ordem dos Advogados do Brasil, Junho de 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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