Concurso público: algumas hipóteses de convolação da mera expectativa de direito em direito líquido e certo

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Considerando a constante insegurança que os candidatos prestadores de concurso público passam, este ensaio tem a intenção de enumerar algumas hipóteses em que a mera expectativa de direito em ser nomeado se transforma em direito líquido e certo.

CONCURSO PÚBLICO: Algumas hipóteses de convolação da mera expectativa de direito em direito líquido e certo.

Autor: Márcio Rodrigo Kaio Carvalho de Morais Pires

Elaborado em: 01/05/2014

Ser aprovado em um concurso público, há algum tempo, passou a ser o sonho de diversos profissionais, e isto pelo fato de, em tese, garantir ao nomeado uma situação rara de encontrar na iniciativa privada: estabilidade no emprego[1].

Contudo, para alcançar o tão sonhado espaço no serviço público, o candidato deve passar por uma seleção[2], que, alem de exigir uma quantidade de conhecimento (muitas vezes até exagerada), é extremamente concorrida.

Assim, para tentear assegurar que a todos serão impostas as mesmas regras e evitar qualquer tipo de arbitrariedade ou favorecimento, a banca organizadora deve publicar o edital de abertura do concurso, no qual estarão previstas desde a forma de inscrição, até os motivos de eliminação e critérios de correção das provas.

Em que pese a obrigação de observância incondicional às regras do edital do concurso, muitos candidatos procuram o Poder Judiciários alegando descumprimento a eventual direito subjetivo à nomeação.

Levando em conta esta quadro, abordaremos algumas situações em que mera expectativa de direito à nomeação do candidato convola-se em direito liquido e certo.

Entrementes, antes de adentrar nestas hipóteses, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, na Seção Plenária de 13.12.1963, sumulou o entendimento de que: “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem a observância de sua classificação.” (Súmula 15/STF)

Dando um salto de quase cinquenta anos, em agosto de 2011, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, julgou, com status de repercussão geral, o RE 598099, que dispôs em sua ementa, dentre outros aspectos, que:

[...] Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. [...]

(RE 598099, Relator:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314)

Vale ressaltar que, neste julgamento, destacou-se que a obrigação de a Administração contratar os aprovados dentro do número de vagas previstas em edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionais que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público.

De forma, levando-se em conta as situações excepcionais, o relator, Min. Gilmar Mendes, indicou as três condições para o surgimento do direito subjetivo à nomeação:

[...] Esse direito à nomeação surge, portanto, quando se realizam as seguintes condições fáticas e jurídicas:

a)Previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso público;

b)Realização do certame conforme as regras do edital;

c)Homologação do concurso e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, em ordem de classificação, por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente. [...]

Portanto, a jurisprudência do pretório Excelso já sedimentou, ao menos, duas hipóteses de direito líquido e certo à nomeação: (i) preterição na ordem de classificação e (ii) aprovação dentro do número de vagas prevista no edital.

Analisando esta segunda hipótese: percebe-se que caso haja a previsão do número de vagas no instrumento convocatório, haverá a vinculação da Administração e o surgimento de um direito subjetivo ao candidato aprovado dentro do número de vagas informado.

De outro norte, esta decisão gera, a contrário sensu,  a interpretação de que a aprovação fora do número de vagas previstas no edital não faz nascer tal direito, havendo apenas mera expectativa do candidato em ser nomeado, ficando a critério do interesse da Administração.

Este entendimento já se encontra pacificado no âmbito Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica do trecho abaixo destacado AgRg RMS 38.892/AC:
 

[...] Os candidatos classificados em concurso público fora do número de vagas previstas no edital possuem mera expectativa de direito à nomeação, nos termos do RE 598.099/MS, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. [...]

(AgRg no RMS 38.892/AC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 19/04/2013.)

É a partir da situação dos candidatos aprovados fora do numero de vagas que apresentamos algumas situações já decididas pelo Superior Tribunal de Justiça.

O caso mais comumente verificado de convolação de mera expectativa de direito em direito líquido e certo é quando, demonstrando-se a existência de vagas e dentro do período de validade do concurso público, a Administração deixa de convocar candidato da lista de classificação do concurso para contratar servidores temporários. Nesse sentido destacamos trechos dos arestos abaixo indicados:

[...] 4. No caso concreto, a Turma aplicou o entendimento firmado no STJ de que a mera expectativa de nomeação dos candidatos aprovados em concurso público (fora do número de vagas) convola-se em direito líquido e certo quando, dentro do prazo de validade do certame, há contratação de pessoal de forma precária para o preenchimento de vagas existentes, com preterição daqueles que, aprovados, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função.

 (EDcl no AgRg no RMS 41.442/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 15/04/2014)[3]

Outra situação que se apresenta é quando, durante o prazo de validade do concurso, demonstrado o interesse da Administração Pública, surgirem novas vagas, em razão da criação de novos cargos mediante lei, em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento. Segue trecho da ementa do acórdão:

[...] 3. Tal direito também se manifesta quando, durante o prazo de validade do concurso, demonstrado o interesse da Administração Pública, surgirem novas vagas, seja em razão da criação de novos cargos mediante lei, seja em virtude de vacância decorrente de exoneração, demissão, aposentadoria, posse em outro cargo inacumulável ou falecimento, seja pela realização de novo concurso público dentro do prazo de vigência do certame anterior.

4. In casu, o Tribunal a quo consignou que foi aberto novo certame, na validade do concurso anterior, na mesma área que o impetrante concorrera - Química. Portanto, a expectativa de direito se convalidou em direito subjetivo à nomeação. [...]

(AgRg no REsp 1402265/PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/02/2014, DJe 07/03/2014)

Está é uma decisão recente da Segunda Turma e nos mesmo sentido podemos citar, por exemplo, o RMS 37.842/AC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJe 24/04/2013 e o RMS 39.906/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 10/04/2013.

Contudo, quanto a esta hipótese (surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do concurso), vale ressaltar que há decisões divergentes no âmbito da Primeira Seção, conforme se verifica dos arestos abaixo:

Direito líquido e certo

[...] 4.   In casu, a impetrante foi classificada na 81a. posição para o cargo de Administrador da Advocacia-Geral da União, cujo Edital previu originária e expressamente a existência de 49 vagas, acrescidos dos cargos que vagarem durante o período de validade do concurso público; diante da existência de 45 cargos vagos, além daqueles 49 referidos, impõe-se reconhecer o direito líquido e certo da impetrante à nomeação e posse no cargo para o qual foi devidamente habilitada dentro do número de vagas oferecidas pela Administração. [...]

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(MS 18881/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/11/2012, DJe 05/12/2012)

Mera expectativa de direito

[...] 2. A Primeira Seção desta Corte, nos autos do MS 17.886/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.10.2013, reafirmou expressamente o entendimento já consolidado neste Tribunal, em alinhamento ao decidido pelo STF nos autos do RE 598.099/MG, de que os candidatos aprovados fora dos número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reservas não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso (por criação de lei ou por força de vacância), cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração.

(MS 20.079/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 14/04/2014)

Outra hipótese em que aprovado fora das vagas, é quando no edital houver a previsão de que a vacância, por desistência do candidato aprovado dentro do limite de vagas, ocasião que o próximo da lista seria convocado.

[...] 1. No caso, o acórdão recorrido concedeu a segurança levando em conta eventuais desistências de candidatos melhor classificados do que a impetrante, daí porque concluiu que havia o interesse da administração no preenchimento dos cargos vagos e o direito subjetivo à nomeação.

2. O entendimento do Tribunal de origem se encontra em sintonia com o posicionamento jurisprudencial do STJ, no sentido de que a desistência de candidatos, em número suficiente para alcançar a classificação do candidato que ingressa em juízo para assegurar sua nomeação, gera para este direito subjetivo. Nesse sentido, dentre outros: RMS 36.916/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08/10/2012.

(AgRg no REsp 1225356/AM, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013)

Assim, conforme se verifica dos precedentes da Corte Superior de Justiça, existem hipóteses excepcionais em que a mera expectativa de direito à nomeação convola-se em direito subjetivo, tais como[4]:

I)Aprovação do candidato dentro do número de vagas previamente estabelecido no edital;

II)Preterição na ordem de classificação dos aprovados (Súmula nº 15 do STF);

III)Abertura de novos concursos públicos enquanto ainda vigente o anterior (arts. 37, IV, da Constituição Federal e 12, § 2º, da Lei nº 8.112/1990);

IV)Comprovação de contratação de pessoal em caráter precário ou temporário;

V)Outros casos em que o edital vincule a nomeação.

Considerando que este artigo não objetiva esgotar a matéria, tão pouco fazer juízo de valor sobre os entendimentos das Egrégias Cortes do nosso país, mas apenas apresentar algumas situações em que a mera expectativa de nomeação do candidato transforma-se em direito subjetivo, concluímos lembrando que o instituto do concurso público é uma conquista da sociedade brasileira, que se funda principalmente no princípio republicano de livre acesso aos cargos públicos e no princípio democrático da igualdade; de modo que o acesso aos cargos públicos constitui um verdadeiro exercício do direito fundamental da cidadania.

Por esta razão, qualquer vestígio de arbitrariedade, vício ou qualquer situação que ponha em risco a lisura no processo seletivo de acesso aos cargos públicos deve ser levantada e investigada mais a fundo, sob pena de ferirmos esses dois valores essenciais do Estado brasileiro: democracia e república.

 


[1] Constituição Federal. Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público

[2] Constituição Federal. Art. 37. II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[3] Este entendimento pode ser verificado em diversos outros julgados, a exemplo do AgRg no REsp 1356949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 06/03/2014.

[4] STJ. AgRg no RMS 18.974/MS, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2013, DJe 01/07/2013.

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Sobre o autor
Márcio Rodrigo Kaio Carvalho de Morais Pires

Advogado; Sócio do escritório Pires, Tazaki e Santos advogados associados. Procurador da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT; Pós-Graduado pela Fundação Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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