4. A título de conclusão
Tratar de competência territorial não pode ser compreendido como um trabalho de pontuação de aspectos meramente técnicos, atinentes à distribuição geográfica da jurisdição. Há algo muito maior que legitima o assunto e que fora bem cristalizado, por exemplo, no parágrafo 18 da Constituição de Maryland, lavrada em 1776, quando registrou: “julgar os fatos no lugar em que eles surgem representa uma das maiores garantias da vida, da liberdade e da propriedade do povo”. É relevante recordar, também, que a ideia de que os juízes devem ser escolhidos entre os “homens da vizinhança” e que o julgamento ocorra “no país” do acusado constitui, já desde a Magna Charta, um dos princípios mais resistentes da tradição processual anglo-saxã[102].
Mas o tema ganha ainda mais em magnitude quando confrontado à luz da legalidade constitucional, expediente que, longe de ser uma mera opção acadêmica, em verdade se impõe ao nosso espírito como uma inarredável necessidade político-científica, densificadora do mais profundo respeito para com os caros valores que a sociedade decidiu embutir no texto constitucional.
Foi esse importante compromisso que nos inspirou a redigir estas singelas linhas.
Notas
[2] MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 93. Para uma análise contemporânea do conceito de jurisdição, dentro de uma abordagem pautada no Estado Constitucional de Direito, confira-se a fenomenal obra: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo : RT, 2006.
[3] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Edição. São Paulo : Malheiros, 2009, p. 147.
[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 3ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 250.
[5] Segundo Luiz Fux, “nas sociedades modernas, não é concebível um ‘juízo único’ em razão da quantidade da população, da extensão territorial e da natureza múltipla dos litígios. A competência é, portanto, um imperativo da divisão do trabalho” (FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2004, p. 83).
[6] “Ora, sendo o Estado detentor do monopólio jurisdicional, pareceria lógico afirmar que quaisquer de seus órgãos existentes no território nacional poderia, de maneira indiferente, conhecer os conflitos de interesses estabelecidos entre os indivíduos e as coletividades e solucioná-los, pouco importando o lugar, dentro desse território, em que tais conflitos viessem a ocorrer; [...] Embora lógica uma suposição dessa ordem, salta aos olhos a inconveniência prática de atribuir-se aos órgãos jurisdicionais aquilo que bem se poderia mencionar de ´atuação indistinta´ em face da massa de conflitos de interesses eclodidos no país – máxime como o nosso, de dimensões continentais. Sensível a isso e levando em conta a extensão territorial, a densidade demográfica, a natureza das lides, a qualidade das pessoas e outros critérios adequados, as normas legais prefixaram a quantidade de jurisdição atribuída aos órgãos judiciários, para efeito de melhor exercício das funções que lhe são imanentes. [...] Justifica-se, por esse motivo, a tradicional conceituação da competência como a medida ou quantidade da jurisdição, o seu elemento de quantificação: cada órgão integrante do Poder Judiciário só estará autorizado a exercer as suas funções na exata medida ou quantidade de competência que lhes for atribuída por lei” (TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Curso de Direito Processual do Trabalho. Vol. I. São Paulo : LTr, 2009, p. 367).
[7] Cândido Rangel Dinamarco afirma que “competência é o conjunto de atribuições jurisdicionais de cada órgão ou grupo de órgãos, estabelecidos pela Constituição ou pela lei. [...] Ela é também conceituada como medida da jurisdição (definição tradicional) ou quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a um órgão ou grupos de órgãos (Liebman)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. 4ª Edição. São Paulo : Malheiros, 2004, p. 463). Em sentido contrário, Daniel Amorim Assunção Neves, para quem esse reconhecido conceito de competência “está superado porque confunde indevidamente competência e jurisdição”, frisando que “a jurisdição é una e indivisível, não podendo ser dividida em pedaços ou porções, como sugere o conceito tradicional”. Destaca que “nunca faltará jurisdição ao órgão jurisdicional, o que inclusive ocasionaria o mais grave dos vícios processuais: a inexistência jurídica. [...] A competência é justamente a limitação do exercício legítimo da jurisdição. O juiz incompetente estará, portanto, exercendo de forma ilegítima sua jurisdição [...]. Prova maior de que o órgão jurisdicional, mesmo sem competência, tem jurisdição, é a aplicação do princípio Kompetenz Kompetenz, que atribui ao órgão incompetente a competência para declarar sua própria incompetência. Caso a ausência de competência gerasse a ausência de jurisdição, essa declaração de incompetência seria ato inexistente, o que naturalmente não ocorre” (NEVES, Daniel Amorim Assunção. Manual de Direito Processual Civil. 2ª Edição. São Paulo : Editora GEN/Método, 2010, p. 109-110).
[8] Eis o porquê do ensinamento de José Frederico Marques, in verbis: “O poder jurisdicional é amplo e abstrato. Dele estão investidos todos os órgãos judiciários e aqueles a quem, de forma anômala, é dada a função de julgar, mas cada um destes órgãos tem seu poder jurisdicional limitado pela competência. O poder abstrato da jurisdição individualiza-se, por assim dizer, à medida que as limitações que lhes são impostas o vão atirando para um plano mais concreto” (Apud RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. 5ª Edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 107, nota de rodapé nº 7).
[9] PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7ª Edição. São Paulo : LTr, 2005, p. 159.
[10] “O presente artigo contém equivoco de redação. A jurisdição é una, indivisível e indelegável. Todos os juízes têm-na, em todo o território nacional. A prevalecer o texto do presente artigo, jurisdição passaria a ser conceito polissêmico, podendo referir-se à função de governo (Poder do Estado, na dicção mais antiga), ou às várias subdivisões que comporta a distribuição do serviço judiciário. [...] O que pode ser repartido, tanto que critério de divisão do serviço judiciário, é a competência, de acordo com as várias técnicas que se conhecem para tanto. Uma delas, a sua delimitação de acordo com divisões político-administrativas ou judiciárias do Estado” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 356).
[11] “Historicamente, a organização da Justiça do Trabalho no Brasil foi inspirada no sistema dito ‘paritário’ da Itália fascista [...]. Embora a Itália tivesse abandonado esse sistema paritário no período ‘pós-guerra’, o Brasil manteve a mesma estrutura da Justiça do Trabalho desde a Constituição de 1934 (art. 122) até a Emenda Constitucional n. 24, de 9.12.99, que extinguiu a chamada representação classista” (LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 133-134).
[12] Decreto-lei nº 5.452, de 1º maio de 1943. A respeito dessa nótula histórica, vale conferir: SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 171.
[13] “[...] o processo do trabalho deve ser examinado e aplicado sempre à luz dos preceitos e garantias constitucionais, sabendo-se que a tutela jurisdicional efetiva é considerada direito de natureza fundamental, essencial para a concretização da dignidade da pessoa humana e dos objetivos do Estado Democrático de Direito” (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. O Direito Processual do Trabalho no Contexto da Teoria Geral do Processo e do Direito Processual Constitucional. In: VELLOSO, Gabriel; MARANHÃO, Ney (coordenadores). Contemporaneidade e Trabalho: Aspectos Materiais e Processuais. São Paulo : LTr, 2011, p. 282).
[14] Exatamente por isso, tomamos como pertinente a lição de Piero Calamandrei, quando assere: “Em efeito, o jurista não é um conservador de velhas fórmulas em desuso, como se disséssemos um conservador de um museu de antiguidades: é um vivo e vigilante intérprete dos tempos, que quanto melhor sabe cumprir sua função, melhor chega a sentir as exigências humanas da história e a traduzi-las em fórmulas apropriadas de ordenada convivência” (CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradutores: Luiz Abezia e Sandra Barbery. Vol. 3. Campinas : Bookseller, 1999, p. 192).
[15] Alerta Sergio Pinto Martins, com razão, que “se o empregado faz horas in itinere, a ação deve ser proposta no local da prestação de serviços e não no local de embarque na condução fornecida pelo empregador. Pelo art. 651 da CLT, importa onde o empregado presta serviços e não onde embarca em condução fornecida pelo empregador” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 130). O mesmo raciocínio, obviamente, aplica-se para os casos de acidente de percurso ou in itinere (Lei nº 8.213/1991, art. 21, IV, alínea d).
[16] Fonte: BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. Vol. I. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 1995, p. 456-457.
[17] Ao comparar as disposições da CLT e do CPC a respeito da matéria, José Augusto Rodrigues Pinto destaca, com propriedade, que “ambas tiveram em conta uma circunstância comum, a da comodidade de uma das partes diante da existência do dissídio. Distanciaram-se, quanto à parte a ser beneficiada. A lei processual civil, bafejada pelo respeito à igualdade jurídica, próprio do Direito Civil, inclinou-se pela comodidade do réu, que é molestado pela propositura da ação. A lei processual trabalhista, que é influenciada pela desigualdade econômica, na qual está assentado o princípio da proteção, do Direito do Trabalho, preferiu a comodidade do empregado molestado pela existência do conflito trabalhista” (PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7ª Edição. São Paulo : LTr, 2005, p. 176). Não poderia ser de outra forma, já que “na esmagadora maioria dos casos é o empregador quem ocupa o polo passivo da relação processual. Logo, se fosse repetida a regra do direito processual comum, estaríamos diante de um flagrante privilégio da parte mais pujante da relação de trabalho, o que não é nem objetivo, nem tampouco característica do direito processual laboral” (CORDEIRO, Wolney de Macedo. Fundamentos do Direito Processual do Trabalho Brasileiro. São Paulo : LTr, 2005, p. 89).
[18] MACHADO JÚNIOR, César P. S. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo : LTr, 2011, p. 101, nota de rodapé nº 117.
[19] Nesse sentido: SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 175.
[20] TST/Súmula nº 06, item X: “O conceito de ‘mesma localidade’ de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana”.
[21] NAHAS, Thereza. Direito Processual do Trabalho. Processo de Conhecimento e Tutelas de Urgências (Antecipada e Cautelar). Tomo I. Rio de Janeiro : Elsevier, 2007, p. 87. Em sentido contrário, Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich, para quem esse critério geral do local da execução dos serviços “não tem em mente o interesse único do trabalhador, nem o do empregador, mas o de ambos, sabendo-se que o local da prestação dos serviços, por suposto, deve ser o centro de atividades de ambos” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 358). Ousamos discordar dessa opinião, porque, como veremos a seguir, da leitura de todo o artigo 651 da CLT, salta mesmo aos olhos seu desiderato protetivo da pessoa do trabalhador. O fato de, nessa fixação de critérios, o local da prestação dos serviços também ter algum grau de conveniência ao empregador não passa de um aspecto circunstancial que em nada anula nossa assertiva.
[22] CF/1988, art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
[23] “Suponhamos que um empregado australiano seja contratado na Austrália e presta seus serviços no Brasil, na filial da empresa australiana. Esse empregado poderia, à luz da Consolidação das Leis do Trabalho, art. 651, caput, ajuizar a sua demanda perante o poder judiciário trabalhista brasileiro, sem qualquer tipo de restrição” (CORDEIRO, Wolney de Macedo. Fundamentos do Direito Processual do Trabalho Brasileiro. São Paulo : LTr, 2005, p. 91).
[24] Segundo Amauri Mascaro Nascimento, as regras de competência territorial constantes da CLT “são instituídas com o visível e justificável propósito de facilitar o processo para o trabalhador e evitar sua locomoção e os gastos daí decorrentes” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Processo do Trabalho. 6ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 139).
[25] “Entretanto, mesmo que a matéria seja de direito, deve a ação ser proposta no último local da prestação de serviços do empregado” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 131).
[26] CF/1988, art. 5º, XXXV: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Segundo Kazuo Watanabe, o “princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no art. 5º, XXXV, da CF, não assegura, apenas, o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa” (WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipada e Tutela Específica. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coordenador). A reforma do CPC. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 20).
[27] Nesse sentido, por exemplo: CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 33ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 511; LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 278.
[28] Estamos, pois, com Mauro Schiavi, quando frisa que “se o reclamante trabalhou em vários locais, pensamos que a competência das Varas do Trabalho de cada local trabalhado é concorrente, já que todas as Varas são competentes, cabendo a escolha do local da propositura da ação ao reclamante, uma vez que a competência em razão do lugar se fixa tendo por escopo facilitar o acesso do trabalhador à Justiça” (SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 252). Alguma exceção poderia ser encontrada naqueles casos em que o labor prestado em determinada localidade tenha sido meramente eventual – v.g., necessidade de cobrir colega de trabalho em determinados dias, por força de rápido problema de saúde – ou executado em tempo verdadeiramente ínfimo – v.g., deslocamento único, para fazer breve reparo em maquinário. Iteramos, porém, que a mera provisoriedade, a nosso ver, não elide a incidência do dispositivo em tela – v.g., necessidade de substituir colega de trabalho em período de férias ou licença-maternidade.
[29] TST, SBDI-2, CC nº 529189/99-6, Relator: Ministro Francisco Fausto, DJ 21.05.1999.
[30]Em sentido oposto, Eduardo Henrique Raymundo Von Adamovich, cujas colocações seguem: “Havendo transferência do trabalhador e se ela for definitiva, a competência deverá ser sempre da Vara da última comarca em que se deu a prestação de serviços, não vindo ao caso se por maior ou menor lapso de tempo. [...] Se a transferência for provisória, poderá o trabalhador escolher entre o local de origem ou o da transferência para fixar a competência da Vara, sabendo-se que não se operou aí a alteração definitiva de seu centro de atividades” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 358). A se seguir o rumo proposto, tem-se que, se a transferência for definitiva, o direito de ação receberia drástico contingenciamento, já que seu exercício só seria encarado como legítimo se concretizado perante a Vara do local da transferência. Entretanto, se a transferência detiver feição meramente provisória, o direito de ação usufruiria de surpreendente maximização, porquanto seu exercício seria tomado como legítimo se concretizado em qualquer dessas duas opções: a Vara do local de origem ou a Vara do local de transferência. Ou seja: estranhamente, havendo uma transferência mais forte – definitiva –, o direito de ação se encurta, ao passo que, havendo uma transferência mais frágil – provisória –, o direito de ação, ao revés, estende-se. Mas importa registrar – para além dos argumentos já anteriormente lançados – que, em prevalecendo uma tal linha de raciocínio, acabar-se-ia por operar uma indevida inversão do critério geral estabelecido pelo legislador, que passaria do “local da prestação dos serviços” para o “local da alteração definitiva de seu centro de atividades”. Embora esse último aspecto, de certo modo, possa estar até muitas vezes embutido no feixe semântico da expressão “local de execução das atividades”, decerto não pode ser erigido, assim, abruptamente, em ponto-chave da questão, avalizando-se, ao arrepio da lei, uma incômoda restrição. Ora, o simples fato de ter ocorrido o deslocamento do centro de atividades do obreiro não lhe retira o direito de ajuizar sua ação trabalhista em qualquer localidade onde tenha, efetivamente, prestado seus serviços. Uma coisa, pois, não exclui a outra. Em suma: uma tal construção, data venia, para além de desprovida de amparo legal, também é incompatível com a principiologia essencialmente tuitiva e francamente ampliativa que permeia o tema.
[31] “Entendem-se por viagens aqueles deslocamentos do domicílio, mais ou menos longos e demorados, que exijam, em regra, pernoite fora dele. Se o trabalhador se dirige para outra localidade que implique o percurso de considerável distância, mas ainda a tempo de exercer suas atividades e tornar pelo mesmo trajeto para pernoitar em casa, não há, a rigor, viagem, mas trabalho em locais distantes ou variáveis, hipóteses estas últimas às quais não se aplica o presente dispositivo, mas sim aquele do § 3º do artigo em comento” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 359).
[32] Nesse sentido: ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. Belo Horizonte : Del Rey, 2009, p. 151.
[33] Sergio Pinto Martins bem coloca que “na redação anterior do § 1º do art. 651 da CLT seria possível dizer que o motorista viajante poderia ser enquadrado no dispositivo em comentário, pois a lei empregava apenas a palavra viajante. Agora não se pode mais falar nessa hipótese, pois a lei é expressa ao empregar a expressão viajante comercial, que não é exatamente o motorista de ônibus intermunicipal. Dá, portanto, a entender que se trata de um vendedor viajante, ao se empregar o adjetivo comercial” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 131). Aqui, para uma boa compreensão do tema, também vale trazer à tona o pertinente alerta de Homero Batista Mateus da Silva, verbis: “Note-se que a existência de vários locais ao mesmo tempo nada tem a ver com a polêmica sobre deslocamentos e transferências, pois nesses casos o empregado fica fixo num local e a variação é cronológica. No caso do § 1º, ele jamais fica fixo num só local. Chega a percorrer cidades diferentes todo dia, toda semana ou todo mês. É o caso clássico do viajante” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 182).
[34] A respeito da dimensão constitucional do princípio da condição mais benéfica, confira-se: DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Inovações na Legislação Trabalhista: Aplicação e Análise Crítica. São Paulo : LTr, 2000, p. 55.
[35] “Imagine-se, para firmar exemplo prático, um trabalhador cuja função seja prestar assistência técnica aos equipamentos de informática das agências bancárias dos clientes de seu empregador, nas cidades do noroeste do estado de São Paulo. A atender ordens e chamados de serviço, estará um dia numa cidade, noutro (ou no mesmo!) em outra, dormirá numa terceira, para iniciar o serviço do dia seguinte ali, e assim por diante. Sua atividade, embora não seja de ‘agente ou viajante do comércio’, aproxima-se, por analogia, à da figura proposta (com viés histórico) pela lei. Pontue-se, então, que a qualquer trabalhador, cuja atividade imponha permanente deslocamento entre diversas localidades, para exercício de sua função, aplica-se o dispositivo em tela” (FAVA, Marcos Neves. Competência da Justiça do Trabalho. In: THOME, Candy Florencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (organizadores). Direito Processual do Trabalho: Curso de Revisão e Atualização. Rio de Janeiro : Elsevier, 2011, p. 06).
[36] RUSSOMANO, Mozart. Victor. Comentários à CLT. Rio de Janeiro : Forense, 1982, p. 734.
[37] PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7ª Edição. São Paulo : LTr, 2005, p. 177.
[38] “A solução era simples e eficaz para a maioria das empresas e dos empregados, porque, de fato, algumas visitas periódicas à matriz costumam ser necessárias e, ademais, quem mais emprega no Brasil são as empresas pequenas e médias, que nem ao mesmo possuem rede de filiais ou agências. Ocorre, porém, que grandes distorções eram verificadas, especialmente naqueles casos em que o trabalhador tinha como zona de atuação o Rio Grande do Sul e a matriz da empresa ficava em Fortaleza, sem que ele jamais tenha tido necessidade de comparecer ao local da matriz. Na hora do ajuizamento da ação trabalhista, teria de fazer o longo trajeto” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 183). Registre-se, aqui, por oportuno, a um tanto quanto cética posição de Francisco Antonio de Oliveira, para quem “o legislador teve por objetivo facilitar ao agente ou ao viajante comercial o ajuizamento de possível ação. Nesse sentido, pode-se dizer que teve sucesso. Todavia, a prática possivelmente demonstrará que nos casos excepcionados haverá maior dificuldade na colheita de provas” (OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Tratado de Direito Processual do Trabalho. Volume I. São Paulo : LTr, 2008, p. 139).
[39] SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 184. Segundo o mesmo autor, o conceito de centro gravitacional do contrato de trabalho “não é novo, sendo utilizado amplamente em direito internacional privado, a fim de estabelecer a competência internacional em torno de alguns contratos de trabalho de alta complexidade. [...] O centro gravitacional enfeixa a maioria dos laços de afinidade e procura apontar em que local o contrato de trabalho deitou raízes mais profundas, tornando secundárias as demais passagens do trabalhador” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 173).
[40] Nesse sentido, por exemplo: MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 131.
[41] Compartilham dessa mesma visão: SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 254; PEREIRA, Leone. Manual de Processo do Trabalho. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 207.
[42] “Cabe agora ao jurista, seja qual for a área de sua especialidade, em primeiro lugar compreender a lei à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais. [...] A obrigação do jurista não é mais apenas a de revelar as palavras da lei, mas sim a de projetar uma imagem, corrigindo-a e adequando-a aos princípios de justiça e aos direitos fundamentais” (MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. São Paulo : RT, 2006, p. 45).
[43] “Através do manejo dos dois valores fundamentais do processo civil (efetividade e segurança) e da problematicidade inerente ao fenômeno jurídico, o processo civil na perspectiva do formalismo valorativo procura construir soluções justas, pensadas à luz da concretude dos casos. Vale dizer: o processo não é só um instrumento do direito material, mas em alguns casos é também um momento constitutivo desse, sendo a atividade jurisdicional, sempre e em alguma medida, criativa da normatividade estatal. As relações entre o direito material e o processo civil, nessa perspectiva, aparecem em termos de essencialidade, [...] jungidos os dois planos à consecução do justo, que, tudo sopesado, é mesmo um dos objetivos primordiais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I, CRFB). Concretiza-se no processo o direito material, dando-se pela confluência de ambos a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, sendo o processo civil, nessa perspectiva, sobretudo um instrumento de justiça social” (MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 72-73). Embora referindo a processo civil, os ensinamentos de Daniel Francisco Mitidiero em verdade se inserem na órbita da teoria geral do processo e, como tal, são também plenamente aplicáveis à processualística laboral.
[44] Segue nessa mesma senda o pensamento de Wolney de Macedo Cordeiro, in verbis: “A locução ‘localidade mais próxima’ prevista na segunda hipótese pode levar à conclusão de que na localidade onde não houver jurisdição da Justiça do Trabalho, a competência seria determinada em favor da Vara do Trabalho mais próxima. A imprecisão da redação da parte final do § 1º, do art. 651 da Consolidação das Leis do Trabalho, não pode contrariar o disposto na Constituição Federal, art. 112, caput, parte final, que determina a atuação dos Juízes de Direito nas localidades onde não houver a jurisdição trabalhista. Nesse sentido, quando no domicílio do empregado da hipótese em análise não houver jurisdição trabalhista, a ação será ajuizada perante o Juiz de Direito, seguindo a regra constitucional estabelecida” (CORDEIRO, Wolney de Macedo. Fundamentos do Direito Processual do Trabalho Brasileiro. São Paulo : LTr, 2005, p. 94).
[45] “[...] é inegável a importância do processo para a dignidade da pessoa humana, haja vista que não basta se conceder direitos, mas é preciso garanti-los e o processo é uma dessas garantias” (FERNANDES JÚNIOR, Raimundo Itamar Lemos. O Direito Processual do Trabalho à luz do Princípio Constitucional da Razoável Duração. São Paulo : LTr, 2008, p. 98). Precisamente por isso, a ação, como bem recorda Carlos Henrique Bezerra Leite, “é um direito humano, porque é reconhecido no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (ratificada pelo Brasil em 25.09.1992). É, ainda, um direito fundamental, porquanto previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição brasileira de 1988. É, também, direito público, uma vez que, por meio da ação, qualquer pessoa tem o direito à prestação jurisdicional do Estado, que é implementada por intermédio do processo que, como se sabe, pertence aos domínios do direito público” (LEITE Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 297).
[46] “O primeiro impulso da inteligência é de superpor essa hipótese à do § 1º. Distinguem-se, todavia, entre si, porque, num caso, se cuida da atividade do empregado, condição implícita da prestação do serviço, e noutro, da atividade do empregador, condição anômala da prestação do serviço” (PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 7ª Edição. São Paulo : LTr, 2005, p. 179). Consigne-se, todavia, para melhor assimilação da matéria, a oportuna advertência de Francisco Antonio de Oliveira, verbo ad verbum: “Suponha-se, entretanto, que o empregado, durante todo o período contratual, prestou serviços em uma única localidade, embora o seu empregador desenvolva suas atividades em várias outras localidades. Nesse caso, aplicável a regra geral e competente será a Vara ou Juízo de Direito que tiver jurisdição naquela localidade” (OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Tratado de Direito Processual do Trabalho. Volume I. São Paulo : LTr, 2008, p. 142).
[47] BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. Vol. I. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 1995, p. 458.
[48] Nesse sentido, Cleber Lúcio de Almeida, que coloca a questão nos seguintes termos: “A opção é assegurada ao trabalhador em relação à ação por ele proposta. No caso de ação do tomador dos serviços contra o trabalhador, não há que se falar em opção, devendo a ação ser proposta no foro da contratação, que é o primeiro indicado como competente no art. 651, § 3º, da CLT” (ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. Belo Horizonte : Del Rey, 2009, p. 153).
[49] “A disposição do § 3º do art. 651 [...] é a que melhor espelha o sentido do critério de fixação da competência ratione loci no processo do trabalho: facilitar ao litigante economicamente mais fraco o ingresso em juízo em condições mais favoráveis à sua defesa, seja qual for sua posição processual” (SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Instituições de Direito do Trabalho. Vol. 2. 19ª Edição. São Paulo : LTr, 2000, p. 1.312).
[50] Certa feita, o Ministro João Oreste Dalazen, do TST, depois de explicar a regra geral vigorante, no tocante à competência territorial das Varas Trabalhistas, asseverou: “Todavia, a regra geral comporta exceções, dentre as quais avulta a norma insculpida no art. 651, § 3º, da CLT: quando se tratar de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, assiste ao empregado a faculdade de optar entre o foro da celebração do contrato ou o da prestação dos serviços. Em uma interpretação restrita, o preceito aplicar-se-ia unicamente às questões móveis, ou seja, empregador que promove atividade em outro lugar quereria dizer empregador que desenvolve sua atividade em locais incertos, eventuais, ou transitórios: seria o caso da empresa que se desloca como a circense, cia. artística ou teatral. Entendo, porém, seguindo a corrente majoritária que amplia essa interpretação, que é também a mobilidade do empregado, não apenas a da empresa, que permite a opção. A opção existe quando o empregado, em virtude da atividade econômica da empresa (seja qual for!), precisa locomover-se de um lugar para outro. Na espécie, reputo aplicável precisamente a exceção contida no § 3º do art. 651 da CLT. Os Reclamantes são pedreiros, enquanto a Reclamada opera no ramo da construção pesada, o que pressupõe a realização de obras em diversas localidades.” (grifamos) (TST, SBDI-2, CC-518.819/98.1, Relator: Ministro João Oreste Dalazen, julgamento em 20.09.1999).
[51] Nesse mesmo sentido: SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo : Método, 2010, p. 116.
[52] Na mesma linha: ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 359. Em sentido diverso, segue a argumentação de Wolney de Macedo Cordeiro: “Imaginemos a situação de um motorista profissional que é contratado na cidade ‘A’ e diariamente leva cargas para as cidades ‘B’ e ‘C’, muito embora todos os dias guarde o veículo em garagem da cidade ‘A’. Seria possível, em tal hipótese, a aplicação do § 3º do artigo 651? A questão deve ser analisada com bastante cautela. A faculdade atribuída pelo art. 651, § 3º, deve ser interpretada de maneira restritiva, posto que se trata de uma exceção da regra geral de fixação da competência territorial. Não podem ser incluídas nos limites do § 3º do art. 651 as hipóteses de prestação de serviços em outra localidade de maneira transitória ou por força das particularidades do labor. A hipótese trazida pelo legislador diz respeito à retirada do trabalhador do local da contratação de maneira definitiva”. Em seguida, o autor responde ao seu questionamento: “Entendemos que não” (CORDEIRO, Wolney de Macedo. Fundamentos do Direito Processual do Trabalho Brasileiro. São Paulo : LTr, 2005, p. 92). Pensamos, data venia, que essas restrições ventiladas não se encontram inseridas na disposição legal em estudo, muito menos podem ser extraídas da principiologia amplamente protetiva que lhe dá substrato, como já tivemos oportunidade de ressaltar em nosso texto.
[53] Carlos Zangrando assim justifica o princípio protetivo, verbis: “[...] o Direito do Trabalho possui toda uma rede sinergética e interligada de princípios derivados, normas, regras e institutos, destinados a, literalmente, tutelar os interesses da parte hipossuficiente na relação de emprego – o empregado – em relação ao empregador, visando a, com isso, no plano jurídico, compensar o desequilíbrio econômico que normalmente existe no plano fático” (ZANGRANDO, Carlos. Princípios Jurídicos do Direito do Trabalho: Individual, Coletivo, Processual. São Paulo : LTr, 2011, p. 246).
[54] “O princípio da primazia da realidade baseia-se no mandamento nuclear protetivo segundo o qual a realidade dos fatos prevalece sobre meras cláusulas contratuais ou registros documentais, ainda que em sentido contrário. De nada, portanto, adianta mascarar a verdade, uma vez que se dará prevalência ao que efetivamente existiu” (MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo : Saraiva, 2010, p. 92).
[55] CC/2002, art. 422: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
[56] CLT, art. 9º: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.
[57] Como ensina Francisco Meton Marques de Lima, “o lugar da contratação é onde se dá o ajuste, e não onde o contrato é assinado” (LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos de Direito do Trabalho e Processo Trabalhista. 13ª Edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 280). Igualmente, Ísis de Almeida, para quem “foro da celebração do contrato [...] não significa, necessariamente, o local em que se formalizou o contrato de trabalho, através de anotação da carteira profissional, ou da assinatura de um instrumento particular. Se a prestação laboral foi ajustada verbalmente, ou atos foram praticados no sentido de ela vir a efetivar-se posteriormente, pode fixar o foro o local onde isso ocorreu” (ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 1º Volume. 6ª Edição. São Paulo : LTr, 1994, p. 227).
[58] Essa é a mesma conclusão de Homero Batista Mateus da Silva, embora por argumento diverso, quando destaca que “uma empresa que se dê ao trabalho de percorrer 5.000 km apenas para aliciar mão de obra barata pode também ser enquadrada no conceito de empregador que promove atividade fora do local do contrato de trabalho. Desta forma, muito embora a atividade seja normalmente fixa, como o corte da cana, o extrativismo mineral ou a pecuária extensiva, o périplo desses trabalhadores se equipara à atividade cambiante” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 190).
[59] Ao tratar dessa delicada questão e já cuidando da hipótese de uma exceção de incompetência em razão do lugar oposta pelo empregador, Rosemary de Oliveira Pires acentua, com inteira propriedade: “Nosso entendimento sobre a questão é que a exceção deve ser acolhida apenas se o mencionado recrutamento se limitar a mero anúncio de oferta de emprego, com todos os demais atos preparatórios da contratação realizados na localidade onde, ao final, é formalizado. Se, ao contrário, além de anunciar em certa localidade, a empresa ali faz a escolha do candidato, encaminhando-o à outra localidade para mera formalização do contrato que já se encontra garantido ao obreiro, temos que, independentemente do custeio das despesas de locomoção – o que, normalmente, ocorre –, deve ser rejeitada a exceção oposta, admitindo, assim, como foro de celebração do acordo, aquele em que o obreiro foi recrutado e não aquele em que o contrato foi formalizado. É a aplicação do princípio da supremacia da realidade sobre a forma, adotado no Direito do Trabalho e que não deve ser desprezado na aplicação da lei processual” (PIRES, Rosemary de Oliveira. Jurisdição e Competência da Justiça do Trabalho. In: BARROS, Alice Monteiro de (coordenadora). Compêndio de Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 2002, p. 128).
[60] Também nesse sentido: PESSOA. Valton. Manual de Processo do Trabalho. Salvador : Juspodivm, 2007, p. 70.
[61] A respeito da aplicação da lei do local da prestação dos serviços, no tocante às normas de direito material (Súmula nº 207 do TST), interessante a colocação de Eduardo Henrique Raymundo von Adamovich, no sentido de que, excepcionalmente, como “adaptação de caráter equitativo”, seria até possível “podarem-se excessos que, à luz da realidade nacional, não conduziriam a soluções razoáveis”. O autor expõe sua tese da seguinte forma: “Imagine-se, por exemplo, o caso de um trabalhador português residente no Brasil, contratado por uma empresa estatal brasileira para exercer alto cargo em filial em país europeu desenvolvido. Não seria razoável mandar calcular direitos concebidos no Brasil para os restritos padrões remuneratórios nacionais sobre o valor do confortável salário pago ao trabalhador no estrangeiro. O resultado só oneraria a empresa nacional, sem atender às finalidades sociais dos direitos, em injustificável enriquecimento do trabalhador. Enquanto esteve no exterior, seus direitos hão de ser os da lei estrangeira, calculados sobre o salário que lá vencia. Retornando, se o mesmo padrão remuneratório for mantido, justificado está o cálculo, a partir daí, dos direitos garantidos pela lei nacional sobre o mesmo valor, mas não a extensão dos mesmos direitos aqui concedidos ao período laborado no exterior. Assim também, se o valor do salário for adequado pela empresa aos padrões locais, esta será a base de cálculos dos direitos do trabalhador aqui adquiridos” (ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo von. Comentários à CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro : Forense, 2010, p. 360 e nota de rodapé nº 30).
[62] Nesse sentido, por todos: ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. Belo Horizonte : Del Rey, 2009, p. 152. Em sentido contrário, Valton Pessoa, para quem a regra só alcançaria os brasileiros natos. Fonte: PESSOA. Valton. Manual de Processo do Trabalho. Salvador : Juspodivm, 2007, p. 70.
[63] CF/1988, art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
[64] Ao assim proceder, alinhamo-nos, com inteira segurança, na mesma direção dos escólios de Homero Batista Mateus da Silva, cujos termos seguem: “O § 2º, redigido sob a égide da Constituição Federal de 1937 e no auge da 2ª Guerra Mundial, afirma que a Justiça do Trabalho atenderá apenas aos brasileiros, o que representa evidente anacronismo e não encontra a menor chance de manutenção com o art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988. O dispositivo constitucional veda distinção gratuita entre o brasileiro e o estrangeiro, domiciliado ou apenas residente no Brasil. Logo, tem-se por não recepcionada essa parte do art. 651, § 2º, da CLT” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 186). Em verdade, já Valentin Carrion ensinava que “a proteção ao ‘empregado brasileiro’ em vez de ‘domiciliado no Brasil’ (com o que abrangeria não só os nacionais como os que aqui adotaram o País com ânimo definitivo) viola a tradição nacional. O Código de Bustamante, que é lei no Brasil, determina que: ‘a competência ratione materiae e ratione personae, na ordem das relações internacionais, não se deve basear, por parte dos Estados contratantes, na condição de nacionais ou estrangeiros das pessoas interessadas, em prejuízo destas’ (art. 317). Mesmo que o dispositivo se dirija imediatamente à competência territorial internacional, se se interpretasse literalmente, estar-se-ia criando casos de competência em razão da condição das pessoas” (CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 33ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 513). Em sentido contrário, entendendo pela constitucionalidade do dispositivo e negando sua incidência a favor do estrangeiro: MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 132.
[65] BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. Vol. I. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 1995, p. 329.
[66] Por essas e outras, Eduardo Gabriel Saad afirmou que esse § 2º “poderia ser premiado num concurso de seleção de textos legais obscuros” (SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 37ª Edição. Atualizada e revisada por José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo : LTr, 2004, p. 490).
[67] Para Sergio Pinto Martins, nessa situação, “a ação deverá ser proposta perante a Vara onde o empregador tenha sede no Brasil, ou também onde o empregado foi contratado antes de ir para o exterior” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 132). Cleber Lúcio de Almeida, por sua vez, defende que, nessas hipóteses, a competência tenha como referência o local da contratação. Seguem suas razões: “Primeiro, porque sendo afastada a regra geral (foro da prestação de serviços), resta o foro da contratação como competente para a ação (aplicação do art. 651, caput, da CLT). Segundo, porque à hipótese pode ser aplicado o disposto no art. 651, § 3º, da CLT, de forma que, desconsiderada a competência do foro do local da prestação de serviços, a segunda opção é a do foro da contratação, uma vez que este dispositivo trata da empresa cujas atividades exigem a prestação de serviços em localidades diferentes, sem fixação do trabalhador em uma delas” (ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. Belo Horizonte : Del Rey, 2009, p. 152).
[68] Parece ser essa a mesma visão de Homero Batista Mateus da Silva, quando estatui que se a prestação de serviços “ocorreu 100% em solo estrangeiro, ainda assim o empregado pode se valer da Justiça do Trabalho brasileira, adotando um dos critérios alternativos (local da agência, local do domicílio, local da celebração do contrato)” (SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 186). Inserido nessa mesma perspectiva ampliativa, Renato Saraiva assim se pronuncia: “Particularmente, entendemos que, retornando o obreiro para o Brasil após o rompimento do pacto laboral, deverá o mesmo propor a ação trabalhista perante uma das Varas do Trabalho situada no seu domicílio ou localidade mais próxima, permitindo ao trabalhador o amplo acesso ao Judiciário Laboral sem maiores despesas” (SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo : Método, 2010, p. 115).
[69] Nesse sentido: CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 33ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2008, p. 514. Nesse particular, Amauri Mascaro Nascimento faz interessante reflexão: “[...] supondo que o empregado mova a ação no país onde se acha, pode, novamente, abrir processo no Brasil? Entendemos que não. Há, aqui, um foro optativo, de modo que a propositura da ação em um local exclui o direito de fazê-lo em outro” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Processo do Trabalho. 6ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2011, p. 142). Pensamos, porém, que, juridicamente, nada impediria o ajuizamento dessa nova ação em território brasileiro, em face do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV). Isso não repeliria, é claro, em sendo o caso, o manuseio de reprimenda pedagógica, por parte do juiz, no que diz com possível violação, por parte do reclamante, do valioso conteúdo ético do processo.
[70] Nessa linha: MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Prática do Processo Trabalhista. 29ª Edição. São Paulo : LTr, 1999, p. 323.
[71] Seguindo essa perspectiva, temos a Recomendação nº 38, de 03 de novembro de 2011, do Conselho Nacional de Justiça, que institui a inovadora Rede Nacional de Cooperação Judiciária. Segundo José Eduardo de Resende Chaves Júnior, “a Rede Nacional de Cooperação Judiciária, a par de aprimorar a interação entre os órgãos judiciais e aperfeiçoar a comunicação entre eles, irá inclusive promover sua integração, consagrando a idéia de que a jurisdição nacional é, e deve ser, una. A cooperação judiciária enseja mecanismos simples, sem custos e precipuamente voluntários, de gestão de procedimentos judiciários e de conflitos. A perspectiva da gestão colaborativa, fundada em mecanismos informais entre juízes e os demais atores sociais, além de imprimir maior celeridade e eficácia aos atos forenses, permite que o Judiciário se descole do modelo conflituoso, individualista e fragmentário, a beneficio de uma atuação mais solidária, coletiva e harmônica. Confrontar órgãos judiciais é pura perda de tempo, dinheiro público e energia forense. A função do juiz é pacificar o conflito e não replicá-lo. Confluir competências, por meio de cooperação, tende a tornar o processo mais rápido, econômico e eficaz”. Na perspectiva internacional, a ideia também pode ensejar bons frutos para o Brasil, lembrando o autor que “o juiz de cooperação pode ser inclusive o embrião do ‘magistrado de enlace’ para o MERCOSUL ou também para a UNASUL. É importante registrar – fato ainda pouco conhecido do mundo jurídico brasileiro – que no território nacional já contamos inclusive com uma magistrada de enlace, atuando a partir da embaixada da França em Brasília, pela cooperação judiciária no Brasil, Bolívia e Venezuela. Qualquer autoridade brasileira, especialmente a judiciária, que tenha em seus órgãos pendências no Judiciário francês pode recorrer aos bons ofícios da juíza francesa” Fonte: CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende. O novo paradigma da cooperação judiciária. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3116, 12 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20841>. Acesso em: 13.01.2012.
[72] “A CLT não dispõe que a empresa tenha de ser brasileira, podendo ser nacional ou estrangeira” (MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32ª Edição. São Paulo : Atlas, 2011, p. 132).
[73] Carlos Henrique Bezerra Leite leciona nesse mesmo sentido, afirmando que, “(...) não obstante os obstáculos operacionais para a propositura da demanda em face de empresa que não tenha sede ou filial no Brasil, mostra-se perfeitamente possível a notificação do empregador por carta rogatória, sendo competente a Vara do Trabalho, por aplicação analógica do art. 88, I e II, do CPC. Se ele aceitará ou não submeter-se à jurisdição da Justiça Laboral brasileira já é problema alheio à questão da competência” (LEITE Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 280-281).
[74] BEBBER, Júlio César. Processo do Trabalho: Adaptação à Contemporaneidade. São Paulo : LTr, 2011, p. 108.
[75] Marcos Neves Fava acentua, com total razão, que “as regras de otimização do funcionamento do Judiciário mostram-se acessórias dos princípios constitucionais. A competência em razão do lugar – ou geográfica, ou territorial – têm caráter relativo, podendo ser flexibilizada. [...] A regra infraconstitucional – e meramente operacional, como são as regras de competência – deve ceder lugar e garantir a primazia do princípio constitucional” (FAVA, Marcos Neves. Competência da Justiça do Trabalho. In: THOME, Candy Florencio; SCHWARZ, Rodrigo Garcia (organizadores). Direito Processual do Trabalho: Curso de Revisão e Atualização. Rio de Janeiro : Elsevier, 2011, p. 06-07). Igual sinalização dá Renato Saraiva, quando, ao tratar do artigo 651, caput, da CLT, pontua “que tal regra não é absoluta, permitindo exceções. Imaginemos a hipótese de uma obreira que é contratada no interior do Pará e levada para trabalhar como empregada doméstica em Curitiba. Suponhamos ainda que, dois anos depois, resolva o empregador doméstico, sem justa causa, romper o contrato de trabalho, deixando de honrar as verbas rescisórias à doméstica, limitando-se a pagar a passagem rodoviária de volta para o Pará. Teoricamente, rompido o liame empregatício, a empregada doméstica deveria propor a reclamação trabalhista perante uma das Varas do Trabalho de Curitiba. Todavia, torna-se evidente, no caso em tela, que obrigar a empregada a propor a ação trabalhista em Curitiba inviabilizaria o direito de ação da obreira, pois, com certeza, não teria ela condições de retornar a Curitiba diversas vezes para propor a ação e participar das audiências. Entendemos que, na hipótese em comento, o princípio da inafastabilidade da jurisdição previsto no art. 5º, XXXV, da CF/1988 se sobrepõe à regra insculpida no art. 651 da CLT, permitindo, nessa hipótese, que a obreira proponha a ação no seu domicílio e não no local da prestação de serviços” (SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo : Método, 2010, p. 114).
[76] Isso porque “não está a jurisdição brasileira submetida à simples pauta da legalidade, mas sim e fundamentalmente à pauta da juridicidade [...] Contemporaneamente, [...] reconhece-se que o juiz pode mesmo julgar contra legem, nunca, porém, de maneira contrária ao direito, isto porque, como agudamente observa Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, o ‘direito é círculo maior a ultrapassar a mera regra de lei’” (MITIDIERO, Daniel Francisco. Elementos para uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2005, p. 80 e 82).
[77] “O juiz, ao aplicar o direito, é um criador de normas jurídicas. O caráter ‘avalorativo’, típico do positivismo jurídico do século XVIII a meados do século XX, já não pode mais ser acatado. [...] Justamente porque não se compreende possa ser mais o juiz dos dias atuais a mera ‘boca da lei’, deve ele, no seu ofício, bem capturar para bem aplicar, nos casos concretos, os valores que estão dispersos pela sociedade e no próprio Estado, nas mais variadas facetas de sua atuação especializada. [...] O juiz, antes mero aplicador da lei, dada como pronta e acabada pelo legislador, passa a ser, hoje, compreendido como elo fundamental na cadeia de produção normativa. É ele, isto não tem porque ser negado, criador da norma jurídica” (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 3ª Edição. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 79-80).
[78] Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), art. 6º: “São direitos básicos do consumidor: [...] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
[79] Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942, com nova redação da ementa dada pela Lei nº 12.376/2010), art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
[80] Para um excelente estudo a respeito da temática da colmatação de lacunas no âmbito do processo do trabalho, confira-se: CHAVES, Luciano Athayde. As Lacunas no Direito Processual do Trabalho. In: CHAVES, Luciano Athayde (organizador). Direito Processual do Trabalho: Reforma e Efetividade. São Paulo : LTr, 2007, p. 52-96.
[81] TRT 4ª Região (RS), 7ª Turma, RO 00231-2008-019-04-00-1, Relatora: Desembargadora Maria Inês Cunha Dornelles. DJ 26.11.2008.
[82] Daí o acerto das contundentes colocações pós-positivistas de Humberto Ávila: “Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7ª Edição. São Paulo : Malheiros, 2007, p. 30).
[83] É o que Eduardo Ribeiro Moreira chama de “derrotabilidade da norma”. Confira-se sua interessante lição: “O terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição é verificado somente no caso concreto, quando, excepcionalmente, os efeitos da regra são retirados, por uma situação excepcionalmente não prevista (post factum). [...] Esse é um dos grandes avanços sustentados pelo neoconstitucionalismo, pois afasta as exceções que combatem a ponderação, sobretudo de regras que se afirmam em uma (errada) ponderação das regras. [...] Muitas das afirmações para deslegitimar a ponderação, como as realizadas por Humberto Ávila, na sua ‘teoria dos princípios’, caem por terra. Elas são, na verdade, hipóteses de derrotabilidade da norma. [...] A derrotabilidade [...] dá à norma a possibilidade de conviver no ordenamento, sem que perca sua carga de regra, porque importou em uma exceção. [...] A regra sofrerá efeito excepcional e não incidirá, casuisticamente, pela sua derrotabilidade factual – após a inferência no caso concreto, mas nunca abstrata. [...] Não se trata de ponderar regras – efeito exclusivo dos princípios –, mas de aceitar, via o terceiro sentido da interpretação conforme a Constituição, a sua derrotabilidade” (MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: A Invasão da Constituição. 7ª Obra da Coleção Professor Gilmar Mendes. São Paulo : Editora Método, 2008, p. 89 e 94-95).
[84] Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), art. 71, caput: “É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância”. Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), art. 80: “As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do domicílio do idoso, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas as competências da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores”.
[85] Nesse mesmo sentido: MACHADO JÚNIOR, César P. S. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo : LTr, 2011, p. 102. Cuida-se de tese até mesmo já acolhida, expressamente, pelo Tribunal Superior do Trabalho, como se constata do seguinte julgado: “I – O Regional aplicou o art. 80 da Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso –, porque o reclamante já estava aposentado há 21 anos e, sobretudo, porque tinha à época 67 anos de idade. É o quanto basta para atrair a aplicação da legislação especial, a qual, como deveria ser de conhecimento de todos os operadores do direito, prefere à geral. Portanto, o juízo competente é o do domicílio do idoso. II – Além disso, vale esclarecer que a ressalva feita no art. 80 [...]se refere àquela Justiça Federal dos arts. 106 e seguintes da Constituição Federal. Não se caracteriza a violação direta à literalidade dos arts. 651 da CLT, 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal. III – Recurso não conhecido” (TST, 4ª Turma, RR 384100-33.2006.5.12.0036, Relator: Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 15.02.2008).
[86] TST, SBDI-2, ROMS 174300-50.2004.5.01.0000, Relator: Ministro Emmanoel Pereira, DEJT 06.08.2010.
[87] CPC, art. 1.211-A, caput: “Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão prioridade de tramitação em todas as instâncias” (redação conferida pela Lei nº 12.008/2009).
[88] Registre-se que o Ato GDGCJ.GP. 484/2003, assegura, no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, prioridade na tramitação dos processos em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos de idade. Já a Instrução Normativa nº 29/2005, também do TST, institui prioridade na tramitação dos processos cuja parte ou interveniente seja pessoa portadora de deficiência, desde que a causa discutida em juízo tenha como fundamento a própria deficiência. Disponíveis em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 12.01.2011.
[89] Lei nº 7.853/1989, art. 9º: “A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social”.
[90] CLT, art. 652, parágrafo único: “Terão preferência para julgamento os dissídios sobre pagamento de salário e aqueles que derivarem da falência do empregador, podendo o Presidente da Junta, a pedido do interessado, constituir processo em separado, sempre que a reclamação também versar sobre outros assuntos”.
[91] CF, art. 5º, § 2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. CF, art. 7º, caput: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” (grifamos).
[92] É intuitiva a percepção de que o sistema, mercê da legalidade constitucional, tende para uma cada vez mais ampla facilitação de acesso ao Judiciário, tônica marcante inclusive nos trabalhos que buscam medidas de lege ferenda. Veja-se, a respeito, a interessante proposição feita por valorosos magistrados trabalhistas integrantes do TRT da 15ª Região, com sede em Campinas/SP, onde, mantendo a regra geral da lex loci executionis no caput do art. 651 da CLT, sugerem então a criação de um parágrafo único que seria dotado do seguinte teor: “A regra supra [local da prestação dos serviços] é estabelecida em benefício do empregado, para facilitação do acesso à justiça. Assim, se o local de serviço for distinto da localidade da residência permanente do empregado, não alterada pela execução dos serviços, ou quando o serviço se realizar em localidades distintas, o empregado poderá optar em mover a reclamação na localidade de sua residência”. Fonte: FELICIANO, Guilherme Guimarães (coordenador). Fênix: por um novo processo do trabalho. Colaboradores: Gerson Lacerda Pistori, Jorge Luiz Souto Maior e Manoel Carlos Toledo Filho. São Paulo : LTr, 2011, p. 124.
[93] “[...] a título ilustrativo, profissionais liberais (médicos, advogados, odontólogos, economistas, arquitetos, entre outros tantos) podem agora demandar e ser demandados, nesta qualidade jurídica, na Justiça do Trabalho. Desse modo, valoriza-se e moderniza-se a Justiça do Trabalho, bem assim retira-se o máximo proveito social de sua formidável estrutura” (DALAZEN, João Oreste. A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coordenadores). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo : LTr, 2005, p. 155).
[94] Luciano Athayde Chaves expõe, com a lucidez que lhe é peculiar, que “não há razão de ordem axiológica, sociológica ou mesmo ontológica para se considerar distinta, no plano processual, a condição de empregado e de trabalhador. [...] A competência foi atribuída agora à Justiça do Trabalho justamente por sua vocação para o exame de causas envolvendo o mundo do trabalho, considerando que este está muito modificado, complexificado, precarizado, terceirizado, informalizado. Discriminar o trabalhador autônomo, por exemplo, impondo-lhe rito menos célere, como o ordinário comum, não se justifica pela própria ótica da reforma do Judiciário” (CHAVES, Luciano Athayde. Dos Ritos Procedimentais das Novas Ações na Justiça do Trabalho. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coordenadores). Justiça do Trabalho: Competência Ampliada. São Paulo : LTr, 2005, p. 320).
[95]Em sentido contrário, Edilton Meireles, para quem é “preciso perceber, em sua profundidade, a grandeza da mudança, aceitando-se, quer queira ou não, o entendimento de que a Justiça do Trabalho deixou de ser apenas uma ‘Justiça da CLT’, inclusive em sua parte processual. Assim, data venia dos doutos que se posicionam em contrário, às novas ações de competência da Justiça do Trabalho, até ulterior alteração legislativa, aplicam-se as regras procedimentais previstas no CPC e na legislação processual esparsa, em toda sua extensão e com todas as suas consequências, inclusive quanto ao sistema recursal” (MEIRELES, Edilton. A Nova Justiça do Trabalho – Competência e Procedimento. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coordenadores). Nova Competência da Justiça do Trabalho. São Paulo : LTr, 2005, p. 81).
[96] Nesse sentido, seguem as precisas colocações de Mauro Schiavi, verbo ad verbum: “O procedimento celetista se justifica por ser rápido e eficaz e propiciar o acesso célere e efetivo do trabalhador à Justiça do Trabalho. [...] De nada adiantaria o legislador constitucional ter dilatado a competência da Justiça do Trabalho, se formos utilizar um procedimento burocrático que inviabilize o próprio funcionamento da Justiça do Trabalho. [...] A dilatação da competência da Justiça do Trabalho teve por escopo facilitar o acesso à Justiça do trabalhador pessoa física, bem como dar efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador. Não podemos olvidar que praticamente 60% da mão de obra economicamente ativa da classe trabalhadora hoje está na informalidade, ou prestando serviços por meio de contratos muito próximos da relação de emprego. Por isso, tanto ao empregado quanto ao trabalhador devem ser aplicadas as mesmas regras processuais” (SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 129-130).
[97] Disponível em: <www.tst.jus.br>. Acesso em: 11.01.2011.
[98] Há quem duvide da constitucionalidade dessa Instrução Normativa publicada pelo TST, em face do quanto previsto no art. 24, XI, da Constituição Federal, segundo o qual somente competiria à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “procedimentos em matéria processual”. Nessa linha: LEITE Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Edição. São Paulo : LTr, 2011, p. 344.
[99] Para uma interessantíssima reflexão a respeito da Instrução Normativa nº 27/2005 do TST, confira-se: SANTOS, José Aparecido dos. Autoridade e Democracia: Análise Crítica da Instrução Normativa 27 do TST. In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coordenadores). O que estão fazendo da nova competência da Justiça do Trabalho?: Análise Crítica da Jurisprudência do STF, do TST e do STJ após a EC 45/2004. São Paulo : LTr, 2011, p. 715-735.
[100] Lei nº 4.886/1965, art. 39: “Para julgamento das controvérsias que surgirem entre representante e representado é competente a Justiça Comum e o foro do domicílio do representante, aplicando-se o procedimento sumaríssimo previsto no art. 275 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Juizado de Pequenas Causas” (redação conferida pela Lei nº 8.420/1992).
[101] Nesse mesmo sentido, que cuida de abonar esse trato diferenciado no tocante à figura do representante comercial autônomo: SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de Direito do Trabalho Aplicado. Vol. 8: Justiça do Trabalho. Rio de Janeiro : Elsevier, 2010, p. 176. Em sentido oposto: SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo : LTr, 2010, p. 253.
[102] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11º Edição. Salvador : Editora JusPodivm, 2009, p. 121, nota de rodapé nº 41.