A legislação consumerista brasileira e o modelo intervencionista estatal.

Avanços e retrocessos da Lei nº 8.078/90

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Avanços e retrocessos da Lei 8.078/90

Os fatos destacados anteriormente dão conta do quão importante foi a codificação das Leis em prol do consumidor, tão padecido das mazelas da má-fé e desequilíbrio contratual trazidos pelo sistema capitalista que oportunizaram a busca pelo lucro ou pelo “ter” em detrimento “ser” cujo Código em comento visou equilibrar.

No entanto, desafios existem e se faz necessário atenção ao consumo cada vez mais impessoal e globalizado, como por exemplo a questão do comércio eletrônico, que ganha força na esfera do consumo globalizado; o controle dos dados e das informações do consumidor, obrigado a fornecê-las ao efetuar compra em geral e fragilidade das agências reguladoras na prevenção a práticas abusivas.

Segundo Fúlvio Giannella Junior e Paulo Arthur Góes[11] São Paulo é o único Estado Brasileiro que conta com uma rede mais extensa de Procons[12] municipais.

Segundo Denise Pereira dos Santos, (2010, in. - http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/codigo-de-defesa-do-consumidor-20-anos-de-historia-e-a-necessidade-de-atualizacao/39990/), já são mais de 200 projetos tramitando junto à Comissão de Direito do Consumidor no Congresso Nacional objetivando atualizar o “Novo Código de Defesa do Consumidor” que mal nasceu, e já necessita de atualização, muito em decorrência da globalização e identificação de situações novas a cada instante na seara consumerista ainda não elencadas na Lei 8.078/90.

Como inovação, destaca-se a substituição da responsabilidade subjetiva prevista no revogado Código Civil de 1916, que obrigava o consumidor á comprovação do evento danoso, da culpa e do ato ilícito do fornecedor pela responsabilidade civil objetiva de forma majoritária pelo fato do produto ou serviço, nos termos do artigo 12 a 17 do CDC e 18 a 25 do CDC, bem como a responsabilidade solidária dos fornecedores de produtos duráveis e não duráveis, não havendo exclusão sequer do Comarciante.

Situação de prejuízo às dicções legais inovadoras trazidas pelo código, no entanto, podem ser destacadas com a edição da súmula 381 do STJ que proibiu o reconhecimento de ofício de existência de cláusulas abusivas nos contratos bancários, inobstante o reconhecimento dos Tribunais Brasileiros da possibilidade de Intervenção do Judiciário nas relações contratuais consumeristas conforme preconizado anteriormente e o próprio CDC no artigo 51 estabelecer a possiblidade de decretação de nulidade de cláusulas abusivas.

Outra situação que causa acalorada discussão na Jurisprudência e entre doutrinadores brasileiros é a mazela da possibilidade de interrupção serviços públicos essenciais em razão de consumo irregular ou não pagamento da contraprestação devida pelo consumidor, sem que houvesse, efetivo dano ao princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, por ser bem que enquadraria no rol daqueles de primeira necessidade e previsão do Código de Defesa do Consumidor que em seu artigo 6º estabelece que “são direitos básicos do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”

Nesse sentido, o STJ já se manifestou em recente julgado, senão vejamos:

Ementa: CAUTELAR INOMINADA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Energia Elétrica Corte no fornecimento de energia elétrica em razão de débitos pretéritos Inadmissibilidade A suspensão do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento só é possível na hipótese de débito atual Jurisprudência do STJ Art. 6º, § 3º, Inc. II da Lei nº 8.987/95 Preliminar rejeitada - Recurso improvido.

(Processo: APL 9210084452008826 SP 9210084-45.2008.8.26.0000, Relator(a): Claudio Hamilton, Julgamento: 19/06/2012, Órgão Julgador: 27ª Câmara de Direito Privado, Publicação: 27/06/2012)

Por fim, como outro fator importante, e inovação trazida pelo Código, no modelo intervencionista, foi a criação no campo processual da facilitação do acesso à justiça, quando se vê no título da defesa do consumidor em Juízo, a abrangência da tutela processual coletiva, onde a atuação dos Procons possibilitaram a manutenção constante da tutela dos direitos do consumidor em juízo bem como o princípio da confiança que busca analisar as situações contratuais de consumo a luz da confiança que o consumidor estabelece naquele contrato, naquele fornecedor objetivando adquirir um produto ou serviço de segurança e qualidade.


Conclusão

As alterações trazidas pela codificação consumerista foram inevitavelmente influenciadas pela nova leitura Constitucional trazida pela Carta Magna de 1988, de modo que o CDC buscou dar ao patrimônio – o ter do cidadão – menor destaque e proteção do que aquela contida no princípio da dignidade humana, ou melhor, o indivíduo como ser.

A criação de um conjunto codificado de normas de consumo, ou seja, lei específica obrigou ao seu fiel cumprimento em havendo conflito de normas deste Código com qualquer norma do Código Civil de 2002, o que evitou, que os princípios instaurados pelo código fossem ao esquecimento.

Trata-se de legislação não focada na exaustão de previsão legal de toda e qualquer fato que possa atrelar-se à relação consumerista e sim, apenas estabelecer segundo José Geraldo Brito Nascimento (2011, p. 10), “perspectiva e diretrizes que fixa para a efetiva defesa ou proteção do consumidor”.

Além disso, tudo o que se entende por responsabilidade civil no Brasil foi alterado com a edição do Código de Defesa do Consumidor, porque seu artigo inicial autodefine suas normas como de ordem pública e de interesse social, com observância obrigatória, o que, nos dizeres de Cavallieri Filho (2012, p. 18), criou “uma sobreestrutura jurídica multidisciplinar, aplicável a todas as relações de consumo, onde quer que vierem a ocorrer – no Direito Público ou Privado, contratual ou extracontratual, material ou processual; instituiu uma disciplina jurídica única e uniforme destinada a tutelar os direitos materiais ou morais de todos os consumidores em nosso país”, o que autorizou a conclusão da fixação da responsabilidade objetiva e solidária do produtor, fabricante, construtor e importador pelo fato do produto ou serviço.

E neste prisma, o acrisolamento trazido pelo Código de Defesa do Consumidor permite à conclusão de que os benefícios foram maiores do que as dificuldades encontradas pela nova Codificação, já que fixou a efetiva defesa e proteção do consumidor, como por exemplo, quando o artigo 6º inciso VIII do CDC determinou a inversão do ônus da prova em situações de evidente dificuldade probatória ao Consumidor das alegações trazidas ao judiciária pelo vício do produto ou serviço na relação contratual consumerista.

Além disso, inevitável destacar que o dirigismo contratual autorizado pela Codificação do Consumidor, se mostrou pertinente e totalmente necessária na busca incansável de defesa do mais fraco face ao mais forte na relação contratual, em razão do desequilíbrio aparente na relação contratual, tudo através de normas imperativas previstas na nova codificação, podendo até mesmo alterar atos jurídicos praticados antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que se refere a normas do Direito Econômico, precisamente nos contratos de trato sucessivo ou de execução continuada por recebido o Código do Consumidor, caráter de normas de ordem pública.

Portanto, cabe aos operadores do direito, a manutenção diária das dicções consumeristas buscando adequá-las à realidade contemporânea, esquadrinhando as previsões existentes com a nova realidade, como por exemplo o comércio eletrônico e consumo com atenção ao meio ambiente sustentável, e assim, inviabilizando o enfraquecimento de legislação tal dinâmica e positiva que evidentemente, trouxe inovações e benefícios bem superiores do que os retrocessos ora comentados nesta pesquisa histórica.


Referências

GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; JUNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, v. II 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrin, Antônio Herman; VASCONCELLOS E BENJAMIN; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; JUNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 10ª ed. Rio de Janeiro, v. I: 2011.

EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012.

FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2012.

DOS SANTOS, Denise Pereira. Disponível em: http://www.administradores.com.br/noticias/administracao-e-negocios/codigo-de-defesa-do-consumidor-20-anos-de-historia-e-a-necessidade-de-atualizacao/39990/. Acesso em 05/04/2013

MOREIRA, José Cavalcanti de Rangel. Breve histórico da Defesa do Consumidor no Brasil. Disponível em: http://blogs.diariodepernambuco.com.br/deolhonocodigo/?p=510. Acesso em: 01/04/2013

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PEDRON, Flávio Quinaud; CAFFARATE, Viviane Machado. Evolução histórica do Direito do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 41, 1 maio 2000 . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/687>. Acesso em: 5 abr. 2013.

NETO, Antonio Prudente de Almeida. História e evolução do Direito do Consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010 . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/17500>. Acesso em: 5 abr. 2013.

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DANTAS, Vinícius Nunes. Avanços e retrocessos nos vinte anos de enfrentamento das relações de consumo. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8884. Acesso em 05.04.2013


Notas

[1]GRINOVER, Ada Pellegrin, Antônio Herman; VASCONCELLOS E BENJAMIN. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 10ª ed. Rio de Janeiro:2011.

[2] DINIZ. Maria Helena. Teoria das obrigações contratuais e Extracontratuais. 3º volume. São Paulo. Editora.

[3] GROTIUS, Hugo: De Jure de Belli ac Pacis (Del Derecho de la Guerra y de la Paz). Madrid: Reus, 1925, vol. I, p. 54 apud ADEODATO, João Maurício: "Ética, Jusnaturalismo e Positivimo no Direito". Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito (n. 24), p. 206.

[4] Filósofa política Alemã, de origem judaica, das mais influentes do século XX. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hannah_Arendt

[5] Expressão utilizada por Doutrinadores e Jurisprudência para conceituar a intervenção do estado nas relações contratuais, especialmente ao tratar-se de contratos de longa duração nos quais sobrevêm situações extraordinárias que implicam no seu devido e necessário ajuste à nova realidade.

[6] http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistro=4&totalLinhas=69&paginaNumero=4&linhasPorPagina=1&palavras=interven%E7ao%20judiciario%20rela%E7%E3o%20consumo&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&

[7] GRINOVER, Ada Pellegrin, Antônio Herman; VASCONCELLOS E BENJAMIN. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 10ª ed. Rio de Janeiro:2011.

[8] Artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988.

[9] Nélson Hungria Hoffbauer (Além Paraíba, 16 de maio de 1891 — Rio de Janeiro, 26 de março de 1969) foi um dois mais importantes penalistas brasileiros, com diversas obras publicadas ao longo da vida. Foi desembargador do Tribunal de Justiça do antigo Distrito Federal. Foi delegado de Polícia. Foi ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1951 e 1961. (http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%A9lson_Hungria).

[10] BENJAMIN, Antonio Herman. O conceito jurídico de consumidor. RT 670/49.

[11] http://www.idec.org.br/em-acao/artigo/desafios-permanentes-na-defesa-dos-consumidores.

[12] O Procon (Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor) atua em todo Brasil em defesa do consumidor, e orienta os consumidores em suas reclamações, informa sobre seus direitos, e fiscaliza as relações de consumo. Ele funciona como um órgão auxiliar do Poder Judiciário, tentando solucionar previamente os conflitos entre o consumidor e a empresa que vende um produto ou presta um serviço, e quando não há acordo, encaminha o caso para o Juizado Especial Cível com jurisdição sobre o local. O Procon pode ser estadual ou municipal, e segundo o artigo 105 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), é parte integrante do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. (http://www.procon.patrocinio.mg.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=46&Itemid=53).

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Sobre o autor
Aparecido Signato de Melo Neto

Advogado, Especialista em Direito Tributário pelo IBET e Processo Civil pela UNIDERP, DPO/EXIN Privacy and Data Protection Essentials, Doutorando em Direito Obrigacional e CEO na Signato de Melo Sociedade de Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado como exigência para aprovação na matéria de História do Direito no curso de Doutorado pela Universidade de Buenos Aires - Argentina.

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