“A pátria de chuteiras”

Chega de gol contra

16/05/2014 às 16:15
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É perfeita a definição do Brasil dada pelo jornalista carioca Nelson Rodrigues: “A pátria de chuteiras”.

Não foi à toa, por certo, que chegou a esta conclusão e isto nos leva a pensar na influência da Copa/14 nas próximas eleições. É óbvio que as eleições irão interferir no resultado final das urnas, tanto quanto o anúncio de que os jogos seriam aqui produziu efeitos políticos naquela época. Assim, vejamos:

1) O Brasil vence e é hexa; 2) o Brasil perde e ficamos na amargura. Vamos formar o cenário: Dois homens bebem em um bar, depois da Copa e antes da eleição. O João fala para o Silva: “Rapaz, que palhaçada, tanto dinheiro gasto com estádio de futebol e alguns nem terão jogos relevantes depois da Copa”. Em caso de derrota, o Silva engole o trago e vê seu pensamento ficar mais distante, simplesmente chocado diante da realidade aplacadora. Estava sem contra-argumentos, desolado, pensando nos gols perdidos: um país sem chuteiras importantes.

Entretanto, em caso de vitória, o Silva responde todo falante, orgulhoso da pátria em chuteiras e aberto ao sorriso fácil: “Pois é, o dinheiro foi gasto mesmo, mas o Brasil é hexa, nosso maior legado é termos sido campeões. Ninguém tira isso de nós. João, fale como campeão, veja a vida com mais otimismo ”. Se ganharmos, todos que hoje são alvos associados ao dinheiro público mal aplicado deverão ter muita vantagem nas unas. Contudo, se perdermos o campeonato, não tem argumento que salve a conta que só interessa aos candidatos associados à Copa. Na derrota, a única vencedora será a oposição. De todo modo, todos nós, os contribuintes, teremos uma dívida gigante de bilhões de reais para saldarmos – e quase nenhum legado.

Com dívida estrondosa para quitar, sem legado material ou cultural – ou seja, sem nenhuma obra que dignifique o investimento realizado –, sem ganhar o caneco e com a oposição lembrando-nos disso toda hora, quem não sofrerá impacto negativo? Com a vitória, já vimos, o Silva será o primeiro a defender o campeão. E ainda pode ser pior: basta pensar que não respeitamos vice; agora, já pensou se cairmos nas quartas de final? Aí a vergonha vai tomar conta de todos, revivendo imediatamente outro sentimento nacional descrito pelo jornalista carioca: seremos atacados pela febre louca do “complexo de vira-latas”.

O Brasil, historicamente, nunca se levou muito a sério. Contudo, sempre tivemos alguns feitos para lembrar, como a própria conquista do penta. Ronaldo foi sagrado “o artilheiro de todas as Copas”. Enfim, alguns craques ainda faziam a diferença. Mas, e se perdemos até mesmo a artilharia conquistada pelo Ronaldo? Para isso, basta que o atacante alemão Miroslav Klose faça dois gols. Quer dizer, há um cenário mais ou menos – ganhar a Copa e pagar as contas – e outro bem trágico.

Seria magistral se nenhum resultado dos jogos interferisse no final das contas políticas. Seria um sinal de amadurecimento do eleitor/cidadão brasileiro. É o que todos gostariam, inclusive o Nelson Rodrigues, esteja onde estiver. Todavia, não será desse modo, pois não temos maturidade política para construir horizontes ideológicos e nem organização social efetiva que possa fornecer projetos políticos reais e condizentes com nossas necessidades acumuladas.

Tal como na seleção de futebol, de zagueiros estamos bem, o povo se defende como pode. Na política, necessitamos com urgência de centroavantes que façam gols a favor. Porque, de atacante que faz gol contra estamos bem abastecidos. Chega de gol contra.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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