Repercutiu bastante na Europa a comparação entre Putin e Hitler feita pelo príncipe Charles [1].
A comparação, entretanto, é abusiva. Hitler acreditava ser membro de uma raça superior destinada a governar todos os outros povos. O líder nazista considerava os russos, os antepassados de Putin, Untermenschen (seres humanos inferiores, passíveis de serem escravizados ou exterminados). A comparação entre ambos, portanto, ofende o cânone nazista básico: a distinção racial entre Hitler e Putin. Ao equiparar ambos, Charles rebaixa a natureza de um ou eleva a condição do outro, não se podendo saber exatamente qual referencial ele utilizou.
O problema na Ucrânia começou quando norte-americanos e ingleses resolveram financiar um partido neo-nazista. O Svoboda cresceu tanto que acabou derrubando o governo pró-russo democraticamente eleito. Isto não deixou a Rússia outra saída senão anexar a Criméia, que é povoada por descendentes de russos e que pertencia ao Império Russo. É na Criméia que está localizada uma das mais importantes bases navais russas, que obviamente o Kremlin temia fosse entregue à OTAN pelo regime infame que a aliança sustenta na Ucrânia.
Putin é considerado inimigo mortal pelos nazistas ucranianos. Os mesmos que ostentam cartazes com a foto de Hitler em marchar diurnas e noturnas por Kiev quando não estão espancando pró-russos ou ameaçando exterminar os judeus da Ucrânia. Difícil dizer o que os membros do Svoboda estão a pensar acerca da comparação entre Hitler (seu líder) e Putin (seu inimigo) feita pelo príncipe da Inglaterra.
Charles não é conhecido pela sutileza intelectual. “Queria ser o seu Tampax...” foi a frase mais romântica que ele disse a amante Camilla Parker-Bowles. A popularidade dele entre os ingleses era menor que a da ex-esposa Diana e diminuiu mais quando ele resolveu casar com a amante. Camilla Parker-Bowles era rejeitada por 98% dos ingleses quando Charles casou-se com ela transformando-a em duquesa da Cornualha.
Em janeiro de 2005, o príncipe Harry - filho de Charles com Diana - foi fotografado usando fantasia de nazista numa festa. O fato causou intenso mal estar e gerou um pedido de desculpas. Mas o fato não foi e não pode ser esquecido. Harry sabia exatamente o que estava fazendo. Ao comparar Putin ao ídolo do filho, Charles causou um grave rompimento familiar? Impossível saber o que ocorreu no momento. Teremos que aguardar as notícias dos tablóides ingleses especializados em fofocas reais.
A comparação abusiva feita pelo príncipe da Inglaterra certamente gerou algum desconforto na Rússia. Nos últimos dias Putin estava comemorando uma maior aproximação entre seu país e a China [2]. Russos e ingleses estão em campos opostos na Ucrânia. Mas a Inglaterra é hoje uma pálida sombra do Império que deixou a China de joelhos no século XIX durante a Guerra do Ópio e não está em condições de exigir que o regime de Pequim se distancie do Kremlin. Isto certamente ajuda a explicar porque Charles escolheu este momento e não outro para comparar Putin a Hitler.
O efeito retórico das palavras que Charles proferiu no Canadá é nulo na China e na Rússia. Mas certamente vai gerar bastante discussão nos países de língua inglesa, especialmente na Inglaterra. Portanto, a comparação entre Putin e Hitler pode funcionar como uma cortina de fumaça para encobrir e embaçar o fato mais importante ocorrido nesta semana (os acordos de cooperação energética firmados entre chineses e russos). Se estes dois países pularem fora do dólar como estão prometendo ocorrerá um terremoto mundial e o poder se deslocará definitivamente do Ocidente para o Oriente, gerando ondas de ressentimento e apreensão nos EUA e, por via de conseqüência, em sua neo-colônia européia (a Inglaterra).
Em razão do que disse neste momento, Charles certamente se tornará muito querido pelos norte-americanos. Mas nem mesmo isto será capaz de modificar sua real natureza. A verdade é que o príncipe inglês precisa colocar um Tampax na boca, de preferência um que já tenha sido usado pela duquesa da Cornualha. Só assim ele conseguirá falar coisas realmente interessantes e inteligentes.