O princípio da capacidade contributiva e os direitos fundamentais

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23/05/2014 às 09:23
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O Estado precisa de impostos para executar os direitos fundamentais, mas deve cobrá-los de maneira menos gravosa possível ao administrado.

INTRODUÇÃO

A primeira premissa que se coloca no presente trabalho é a de que a proteção dos direitos fundamentais está intimamente ligada à tributação. Com efeito, sendo o Estado o grande sujeito passivo da efetivação de tais direitos, ele só o consegue através de fomento financeiro advindo, sobretudo, de sua atividade tributário-econômica.

Não se discrepa aqui a sujeição de todos os humanos à consecução dos direitos fundamentais, lançando mão, sobretudo, de atuações negativas com vistas à sua formalização. Entretanto, é certo que é dado ao Estado o papel de principal executor dos direitos fundamentais.

Assim, tendo em vista que ao Estado é dada a consecução das possibilidades de vida média ao homem, legitima-se ele a cobrar determinada prestação por isso, com vistas a sua não oneração demasiada que pode levá-lo à falência (sentido amplo). Entretanto, concomitantemente, deve fazê-lo da maneira menos gravosa possível ao administrado, sempre visando, de maneira segura, ao menos o mínimo existencial.

Nessa toada, o Princípio da Capacidade Contributiva serve de norte ao próprio Estado para, vendo-se diante da necessidade, sobretudo legal, de assegurar vida digna aos humanos1 que estão sobre sua guarida, deve tributá-los, mas, fazendo-o à luz do mencionado princípio, formalizando-o como parâmetro legal, volvendo suas influências não somente quando da formalização legal, mas, também e indissociavelmente, no momento da aplicação da lei ao caso concreto, evidenciada pelo Poder Judiciário.

Dessarte, no presente trabalho buscar-se-á mostrar a íntima ligação do princípio citado com a efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo diante de um regime republicano, como o nosso.

Para isso, parte-se de uma pequena contextualização dos direitos fundamentais até chegar ao que são hoje. Sem prejuízo, demonstra-se ainda, quando possível, a enorme influência exercida pela tributação do Estado, seja ele absolutista ou não, no início das mudanças sociais, a partir do momento em que a percepção dos homens nele situados da grave oneração financeira que vinham sofrendo, lançam mão da organização e lutas sociais com vistas à mudança da realidade.

Parte-se, logo após, à análise do Princípio da Capacidade Contributiva, buscando descortiná-lo à luz do Direito Constitucional e Tributário, alçando o interesse de encontrar parâmetros seguros e formais para sua efetivação e, ainda, sua indispensabilidade para a mudança da realidade social.

No mesmo sentido, é buscada a relação do mencionado princípio com os demais constantes implícita ou explicitamente no ordenamento jurídico pátrio, sobretudo à luz do arcabouço constitucional.

Por fim, conclui-se, embasados nos capítulos precedentes, na íntima ligação entre os direitos humanos fundamentais e o direito tributário, em especial o Princípio da Capacidade Contributiva.


1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 CONCEITO

A conceituação dos direitos fundamentais não é tarefa fácil. De início é preciso registrar que o conceito, longe de ser algo dado como superado na álea jurídica e filosófica, é cercado de complexidades que tornam sua definição imprecisa, quando não extremamente contestável.

Importante, em um primeiro momento, na tentativa de conceituação do que seriam os direitos fundamentais, investir dentro de aquilo que há tempos tem-se chamado de direitos fundamentais, ou seja, aqueles direitos que de tão inatos, acompanhariam a própria essência humana por si mesma, com todas as suas peculiaridades intrínsecas e indispensáveis para a própria existência humana.

Assim, a primeira complexidade que vem à tela é conquanto a aceitação ou não de um direito natural, inato, que, malgrado todo o racionalismo contemporâneo, serviu de base à conceituação daquilo que pode ser chamado de fundamental. Quando se insere a interferência do direito natural na conceituação dos direitos fundamentais, são eles elencados como tudo aquilo que, por uma criação divina, foi concebido acima do entendimento humano, indissociável do caráter dogmático de um Deus.

A pertinência do direito natural na doutrina dos direitos humanos fundamentais não se restringe tão somente a ser elemento de escora para a conceituação. Pelo contrário. Teve ele grande influência sobre o que se queria como direitos realmente vinculados à essência humana, sobretudo quando do período em que a Igreja católica concebeu o homem à imagem e semelhança de um Deus, dando-lhe o caráter de sujeito de direitos e não objeto de direitos. A importância torna-se mais visível com a passagem abaixo.

(…) Assim, o direito natural seria eterno, imutável, superior e mais válido do que o direito positivo de natureza política. Simplificadamente, o direito natural define o que é justo por natureza, enquanto o direito positivo define o que é justo por lei. (CASTILHO, 2010, p. 19)

Dissociado de maiores elementos racionais, a doutrina do jusnaturalismo, sempre associada à imagem de Deus, trouxe grande influência à possibilidade de fundamentação e consolidação dos direitos fundamentais. É que, dando ao homem a característica intrínseca associada de seu Criador, um Deus, permitiu-se que o ponto de partida de toda a ação de asseguração dos direitos fundamentais tivesse nascedouro o homem e não mais o seio social, que, na história, foi sempre relegado a poucas pessoas. Essa passagem é bem demonstrada por Norberto Bobbio.

A grande reviravolta teve início no Ocidente a partir da concepção cristã de vida, segundo a qual todos os homens são irmãos enquanto filhos de Deus. (…) A doutrina filosófica que fez do indivíduo, e não da sociedade, o ponto de partida para a construção de uma doutrina da moral e do direito foi o jusnaturalismo, que pode ser considerado, sob muitos aspectos (e o foi certamente nas intenções de seus criadores), a secularização da ética cristã. (BOBBIO, 2004, p. 55)

É de grande relevância a mudança na concepção de entendimento da base dos direitos fundamentais. Sendo eles encarados sob a ótica do homem e tão somente deste, alastra-se seu campo de aplicação e mais pessoas puderam ser agasalhadas com aquilo que era definido como inato, indissociável à sua vivência.

Por outro lado, tendo em vista a multiplicidade da vida humana, natural que haja aqueles que não se contentam com parâmetros conceituais vagos e buscam, acima de qualquer divindade, bases científicas e mais próximas de uma racionalidade para uma definição mais empírica daquilo que pode ser considerado como direito fundamental.

Desvinculando-se da ordenação divina, pode-se conceituar direitos fundamentais de modo mais racional e até mesmo próximo para os fins do presente trabalho, o que não diminui a complexidade de tanto. Nesse sentido:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios e resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível de direito positivo, aquela prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou dos direitos fundamentais. É com este conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituião, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente no art. 17. (SILVA, 2006. P. 178)

E continua o mesmo autor:

A expressão direitos fundamentais do homem como já também deixamos delineado com base em Pérez Luño, não significa esfera privada contraposta à atividade pública, como simples limitação ao Estado ou autolimitação deste, mas limitação posta pela soberania popular aos Poderes constituídos do Estado que dela dependem.(SILVA, p. 178).

Deste modo, direitos fundamentais são aqueles positivados pelo Estado, normalmente através de uma Constituição2, cujo objeto, em síntese, é a asseguração de uma vida meio a todos os seres humanos constantes na base jurisdicional daquele texto constitucional.

Visam, diante desta conceituação, a formalização dos direitos mínimos à uma vida digna, tais como direito à segurança, propriedade, liberdade, igualdade, vida, assistência social, dentre outros. São, por assim dizer, reconhecimentos legais que garantem a existência e permanência do homem, resguardando-se como ser humano.

É aquilo que não pode ser desvinculado da vida humana, sob pena de abrandá-la, ou seja, de descaracterizar a prevalência do conceito de homem, dotado de racionalidade e capacidade de auto-determinação.

Para chegarem ao que são hoje, elemento obrigatório de textos constitucionais legal e socialmente promulgados, os direitos fundamentais sofreram grande evolução, que, na grande maioria das vezes, nasceu fruto do descontentamento de certa parcela da sociedade que, vendo-se fora da proteção de qualquer direito, fez-se presente para reivindicá-lo.

1.2 BREVE HISTÓRIA DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Muito se escreveu e se escreve acerca da história dos direitos fundamentais, sobretudo de sua evolução até chegarem ao que são no constitucionalismo moderno, como acima afirmado. A árdua análise de seu desenvolvimento parte da necessidade de se encontrar precedentes que possam, de maneira satisfatória, servir como norte e divisor de tempos em tempos para a sua evolução. De maneira sintética e para os fins almejados pelo presente trabalho, indicam-se, de maneira sucinta, precedentes históricos e filosóficos

Não se pode perder de vista, entretanto, que o conceito de direitos fundamentais é indeterminado e extremamente mutável, fluindo de acordo com o passar do tempo e a evolução da sociedade.

1.2.1 PRECEDENTES FILOSÓFICOS

Remotamente, como já citado, o Direito Natural é o grande precedente filosófico da formalização dos direitos fundamentais. Com efeito, criado sob a salvaguarda de fatos não comprováveis, embasados, sobretudo na dogmática e fé, tornaram-se incontestáveis, e, malgrado surtirem do mesmo elemento (se é que se pode chamar assim a figura gnosiológica de um Deus), assistiram a uma hierarquização.

Na suma teológica existe, inclusive, uma hierarquia. Suprema é a lei eterna (que só o próprio Deus conhece na plenitude), abaixo da qual estão, por um lado, a lei divina (parte da lei eterna revelada por Deus ou declarada pela Igreja), por outro, a lei natural (gravada na natureza humana que o homem descobre por meio da razão), e, mais abaixo, a lei humana (a lei positiva editada pelo legislador). (FERREIRA FILHO, 2010, p. 28)

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Essa figura de um direito destituído de voluntariedade humana, tal como fazia o direito natural, perdurou durante toda a idade média, momento histórico que, mais abaixo, será considerado também, pela importância dos fatos que naquele período ocorreram, como precedente histórico.

Como elemento filosófico da evolução dos direitos fundamentais, o jusnaturalismo serviu ainda como base para as primeiras declarações de direitos fundamentais, iniciando, assim, seu papel mais positivado. Importante considerar, que as meras declarações de direito não davam ainda sustento para que os direitos nelas constantes se efetivassem plenamente, mas, a bem da verdade, serviram de elemento norteador para, mais à frente, serem especificamente positivados, passando, com tanto, a partir do nascimento de garantias, a terem uma possibilidade de efetivação real.

Outro grande escopo do direito natural na formalização dos direitos fundamentais nasceu com o iluminismo. Através da via oposta daquela defendida pelos jusnaturalistas, os iluministas defendiam a laicização do direito, sobretudo diante de um aspecto mais racional dado aos direitos fundamentais, que, ainda atrelados aos ditames religiosos, privavam alguma parcela da população que não era crédula o bastante.

O racionalismo praticado pelos iluministas negava os valores do absolutismo no Antigo Regime. Eles não aceitavam a justificativa da origem divina do poder por ser contrário à razão. A existência de Deus também deveria ser compreendida racionalmente. Ele estaria em todos os lugares, manifestando-se na natureza e no homem. Por isso os iluministas não aceitavam o monopólio de Deus pela Igreja, pois ele poderia ser encontrado dentro do próprio ser humano. (BARBEIRO, 2006, p. 238)

(...) Em síntese, pregava que a busca do conhecimento deveria ocorrer por meio de experiências, e não por deduções ou especulações. Esse empirismo filosófico rejeitava as explicações baseadas na fé, por isso defendia a separação da Igreja e do Estado, o que lhe valeu feroz oposição da igreja católica. Segundo ele, o homem nascia em um estado de pureza e tudo o que adquiria ao longo da vida advinha da sua convivência em sociedade.(CASTILHO, 2010, p. 53)

O pensamento iluminista, formado a partir da insatisfação com o jusnaturalismo, buscando cada vez mais o direito laico e ainda a formalização do pacto social, finda os antecedentes filosóficos dos direitos fundamentais aqui elencados. Agora, a história demonstra a opção, em cada momento de formalização política, do Estado em afirmá-los. Uns à base do jusnaturalismo e outros não.

1.2.2 PRECEDENTES HISTÓRICOS

O elenco de precedentes históricos dos direitos fundamentais é longo. Da mesma forma, pode-se iniciar o estudo a partir de várias concepções. A aqui adotada, suficiente para as pretensões do presente trabalho, divide-se em demonstrar a existências de seios de formalização dos direitos fundamentais na Idade Média, Moderna e Contemporânea. Tal demonstração, como não poderia ser diferente, é feita ligada à idéia de constitucionalismo, tendo em vista a concomitância de tais fatores.

O primeiro precedente a ser considerado quando da análise dos elementos que caracterizaram, de algum modo, direitos fundamentais na Idade Média3 são as Cartas Forais.

A Carta de Foral era o documento real que dava foro jurídico próprio aos habitantes medievais de uma povoação que quisesse libertar-se do poder feudal. Com esse documento, o povoado ganhava autonomia de município e podia colocar-se sob domínio e jurisdição exclusivos da Coroa portuguesa. (CASTILHO, 2010, p. 28)

Foram elas instituídas em Portugal entre os séculos XII e XVI e davam poderes aos senhores feudais, que normalmente já as tinham, de cobrar tributos no território por ele abrangidos. Tratava-se, na verdade, de uma forma positivada de cobrança de impostos, o que, de certa forma, dava mais legitimidade e regularizava o poder do senhor feudal.

Como contrapartida, o mencionado sistema criou uma grande descentralização no poder do Estado de Portugal, alçando insegurança ao ponto do poder municipal, exercido pelo senhor feudal, ficar acima do próprio Estado português. Da mesma forma, ao passo que se cobravam tributos e estes eram pagos, aumentava o poder da burguesia, forçando o senhor feudal, detentor da Carta Foral, a diminuir seu poder, seja vendendo outras Cartas Forais, seja diminuindo sua autonomia, ao passo que dava mais autonomia à burguesia.

Outro importante precedente histórico ligado à Idade Média é a existência da Carta Magna outorgada por João Sem Terra na data de 21 de junho de 1215. O documento, de tão importante, é considerado por muitos como o marco do constitucionalismo ocidental, influenciando assim a construção do que se tem atualmente como movimento constitucional. (CASTILHO, 2010. p. 45)

No momento da outorga da Carta Magna de 1215, bem como durante toda a Idade Média, a Inglaterra tinha a grande massa de sua população dividida em classes muito bem definidas e rígidas. Eram chamadas de estamentos as divisões que se incutiram na sociedade inglesas, e, consistiam-nas em guerreiros, sacerdotes e trabalhadores.

Aos primeiros (guerreiros), que eram nobres, cabia a tarefa de guerrear, bem como de expandir os ditames da Igreja pela força. Já aos sacerdotes era atribuída a importante função de descortinar a vontade de Deus e externá-la, vontade essa que na imensa maioria das vezes era condizente com a vontade dos governantes. Por fim, os trabalhadores, como o próprio nome diz, trabalhavam para sustentar os pertencentes ao primeiro estamento.

A rigidez dos estamentos era tal que se tornava impossível qualquer modificação. Era instituído quando do nascimento e permanecia por toda a vida. Quem os instituiu e assim os definiu, foram o clero e a nobreza. E, assim sendo, os únicos que pagavam os impostos, obviamente, era o chamado Terceiro Estado, ou seja, o povo trabalhador.

Aumentava o descontentamento por tal situação que reinava na Inglaterra no século XII, tanto que o papa Inocêncio III convocou o Quarto Concílio de Latrão para discutir as questões sociais que àquele momento assolavam a Inglaterra e, assim, colocavam em risco a própria organização daquele Estado. Pressionado, o Rei João Sem Terra foi obrigado a editar a Magna Carta de 1215.

Nela foram reduzidos o poder do Rei, bem como instituídos regramentos mais formais a respeito de diversas matérias que até hoje perduram no bojo de qualquer constitucionalismo, tais como o princípio do devido processo legal e com certa prevalência de alguns direitos fundamentais.

Embora tenha sido um documento destituído, àquela época, de sopeso efetivo, tendo em vista as declarações meramente formais do texto, sem elementos, também formais, que garantissem4 a efetivação dos direitos nela declarados, é certo que ele abriu caminho que nunca mais se fecharia ao constitucionalismo.

Em que a população inglesa àquela época era, em sua maioria, composta por uma grande gama de camponeses, o texto declaratório a eles não foi voltado efetivamente. Era sim voltada aos homens livres, que àquele tempo eram a minoria.

Viu-se que, dentre os descontentamentos do Terceiro Estado (povo) um dos mais aguçados, sem sombras de dúvida, era o da imposição de pagamento de impostos, que só a eles cabia. A Carta, neste sentido, instituiu regramento específico que insta ser mencionado. Verbis:

3. Não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino (commeu concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar cavalheiro nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento de nossa filha mais velha: e esses tributos não excederão limites razoáveis. De igual maneira se procederá quanto aos impostos da cidade de Londres.

(...)

5. E quando o conselho geral do reino tiver de reunir para se ocupar do lançamento dos impostos, exceto nos três casos indicados, e do lançamento de taxas, convocaremos por carta individualmente, os arcebispos, abades, condes e os principais barões do reino; além disso, convocaremos para dia e lugar determinados, com a antecedência, pelo menos, de quarenta dias, por meio de nossos xerifes e bailios, todas as outras pessoas que nos têm por suserano; e em todas as castas de convocatória exporemos a causa da convocação; e proceder-se-á à deliberação do dia designado em conformidade com o conselho dos que não tenham comparecido todos os convocados.

Dilatando um pouco o pensamento, usando-se da interpretação extensiva, tem-se, com os ajustes necessários de tempo e lugar, a positivação, ainda tímida e não expressa, de princípios tributários, tais como da legalidade, anterioridade e, por que não, capacidade contributiva.

Mais à frente, pode-se afirmar agora que os precedentes históricos passaram para a Idade Moderna, representada pelo Tomada da Constantinopla em 1453 até a Revolução Francesa, datada de 1789.

No mencionado período o mundo vivia uma tensão determinada, sobretudo, pela busca pela rotas alternativas que dessem mais segurança às rotas de navegação, tendo em vista a existência de diversos piratas e tropas do Império turco-otomano em busca de vingança. O caminho pela terra não era diferente, tendo em vista a tensão criada pela Guerra dos Cem Anos5.

Natural que nesse ambiente tão sórdido, necessitavam os governantes de lançar mão de regimentos autoritários, visando sobremaneira a restrição de liberdade e o império da força. Assim, a escravidão, já existente na Antiguidade é fortalecida, tanto que somente por volta do século XV que se iniciou o tráfico de pessoas para servirem na Inglaterra.

A escravidão tem em si a privação quase completa de todos os direitos fundamentais. Para Kant, que defendia de forma veemente a existência de um fundamento único para os direitos do homem, qual seja, a liberdade, seria a privação de qualquer direito atrelado à existência humana, permeando, assim, a própria extinção da vida. (BOBBIO, 2004).

Entretanto, adote-se ou não um fundamento único para a existência de uma carta de direito mínima, por isso fundamental, é evidente que o homem, ignorante de conhecimento formal, mas incutido de sua própria racionalidade, mais dia ou menos dia opor-se-ia a tal regime, incompatível com o próprio conceito de humano6.

Diante deste tortuoso meio, a luta contra o absolutismo inglês faz nascer o marco para o constitucionalismo moderno, qual seja, a Petição de Direitos ou, Petition of Rights de 1628, na Inglaterra.

Destarte, a petição de direito teve seus elementos legais ligados mais à população que efetivamente necessitava de auxílio do Estado. Assim, houve restrição da grande gama de direitos outorgados ao Rei, havendo o começo do Estado de Direito, onde havia a submissão de todos à lei. Estavam, desse modo, presentes os elementos indissociáveis do constitucionalismo moderno, ou seja, limitação de poder e elenco de um rol mínimo de direitos.

Mais uma vez, a exemplo do que motivou, em partes, a Carta Magna de 1215, a tributação é papel indissociável do comando legal em comento. Pela pertinência, colaciona-se parte da Carta de Direito endereçada ao Rei:

(...) por todas essas razões, os lordes espirituais e temporais e os comuns humildemente imploram a Vossa Majestade que, a partir de agora, ninguém será a contribuir com qualquer dádiva, empréstimo ou benevolência e a pagar qualquer taxa ou tributo sem o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que ninguém será chamado a responder ou prestar juramento, ou a executar algum serviço, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de outra molestado ou inquietado, por causa desses tributos ou da recusa de os pagar; e que nenhum homem livre fique sob prisão ou detido por qualquer das formas acima indicadas; (...)

A célere e árdua resposta do Rei, apto a voltar ao Estado absolutista de outrora, foi o fomento para o maior entrave a tal regime, ou seja, a Revolução Inglesa, que, rompendo as íntimas alianças com a Igreja Católica, fez o soberano ceder ao poder do parlamento. Estava montado arcabouço para a Revolução Industrial, elevando a burguesia ao poder e, ao mesmo tempo, dando certo azo ao Liberalismo que até hoje perdura.

A Revolução Inglesa, datada de 1688, fez nascer a Bill of Rights, passando, em partes, a Petição de Direitos a uma efetiva Declaração destes, algo mais formal, com vinculação estatal mais presente. Importante lembrar que, sempre à luz da burguesia, mais regramentos tributários foram instituídos, próximos, a bem da verdade, do que são hoje, inclusive no ordenamento jurídico pátrio.

(...) que é ilegal toda cobrança de impostos para a Coroa sem o concurso do Parlamento, sob pretexto de prerrogativa, ou em época e modo diferentes dos designados por ele próprio;

(...)

que não se exigirão fianças exorbitantes, impostos excessivos, nem se imporão penas demasiado severas;

Há ainda diversos acontecimentos durante a Idade Moderna que influenciaram a evolução dos direitos fundamentais e do próprio constitucionalismo. Entretanto, para os fins do presente trabalho não serão citadas, seja pela extensão do tema, que mereceria um tratado, seja porque dentre elas, de forma mais intrínseca estão os direitos sociais, entendidos como sedimentos mais prestacionais do Estado e só dele, em se comparando com o dicotomia que se tem entre Estado e cidadãos (em sentido amplo), para a afirmação do direitos fundamentais.

Superada a Idade Moderna, tem-se a Idade Contemporânea, alçada desde a Revolução Francesa. Mencionada Revolução foi o marco mais expressivo da existência humana no tocante à formação dos direitos fundamentais ao que são hoje. Pode-se dizer, sem medo de qualquer erro, que os ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade que embasaram a Revolução, ainda hoje ecoam nas lutas sociais pelos direitos fundamentais e dia-a-dia põem-se em debate no Judiciário, a partir de cada caso concreto.

Conforme já colocado, o Iluminismo, além de precedente filosófico dos direitos fundamentais, foi o grande propulsor das idéias revolucionárias francesas.

O iluminismo, como base filosófico-teórica do liberalismo, despertava os homens de muitos países para uma nova idéia, a de que não estavam fadados à imobilidade social por determinação do nascimento. O raciocínio seguinte era de que uma lógica tão simples quanto grandiosa: se não é Deus quem define a posição social, a estrutura atual não precisa ser eterna e o homem pode alterá-la. (CASTILHO, 2010, p. 63)

Difícil é até mesmo não imaginar algum bem da vida que, de algum modo não esteja ligado àquele tríduo supramencionado. Mais que isso, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Francesa em 26 de agostos de 1789, logo após a Revolução Francesa, trouxe novel espírito aos direitos que, em sua grande maioria pelo mundo afora, eram concebidos a partir de uma gama concentrada de homens, normalmente destacados pelo Estado. Agora havia a preponderância do homem, entendido de forma estrita, como ser humano. Com a palavra, Norberto Bobbio:

Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo (o indivíduo singular, deve-se observar), que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, á que o Estado é feito para o indivíduo e este não é feito pelo Estado; ou melhor, para citar o famoso artigo 2º da Declaração de 1789, a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem 'é o objetivo de toda associação política'. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. (BOBBIO, 2004, p. 70)

O objetivo da Declaração era bem claro: proteger o homem, o cidadão das investidas dos governantes e instituir de fato os direitos fundamentais aos humanos. Assim, declarou duas grandes gamas de categorias de direitos, os direitos do homem e do cidadão. Os primeiros eram basicamente aqueles ligados à natureza humana, à liberdade. Tinham ainda um resquício com o direito natural, oriundos da própria existência humana, tais como, a segurança (art. 2º), a liberdade de opinião (art. 10), locomoção (art. 7º) e propriedade (art. 2º e 17).

Por sua vez, havia ainda o elenco de direitos ligados ao cidadão, entendidos como não tão abrangentes quanto os ligados à essência humana, dada a necessidade, para o reconhecimento desses direitos, de participação na vida política do Estado Francês.

Outra grande contribuição da Declaração de 1789 para toda a história dos direitos fundamentais e para o constitucionalismo em geral foi a instituição princípio isonômico inserido formalmente, ou seja, isonomia perante a lei. Embora tal reconhecimento hoje não seja suficiente, à época evidenciou grande evolução social.

Após a Declaração mencionada, grandes acontecimentos influenciaram, de uma maneira mais tênue ou contundente, a construção dos direitos fundamentais, entretanto, todos os fatos, a bem da verdade, tiveram início após a Revolução Francesa, portanto, de certo modo, são fruto da primitiva, mas valiosa construção embasada nos ditames de liberdade, igualdade e fraternidade.

1.2.3 DIREITOS FUNDAMENTAIS HOJE

O início da construção do tema direitos fundamentais, até serem o que hoje representam7, nasce, sobretudo, após a Segunda Guerra Mundial. Nesse período o mundo via-se desmantelado pelo fim da guerra que dizimou mais 75 milhões de pessoas, entre soldados e civis.

Deste modo, o mundo efetivamente via-se na necessidade de instituir uma formalidade que de fato englobasse o mundo num conceito de direitos mínimos a todos os humanos assegurados, com receio de que as agruras de outrora voltassem a reinar. Nasce, diante deste sinuoso momento, o primeiro documento legalmente globalizado que dava efetividade aos direitos fundamentais em âmbito mundial, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Ao ensejo, foi ele aprovado por 48 Estados, havendo oito abstenções, representadas por Bielorrússia, Checoslováquia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e Iugoslávia e Polônia.

Mencionado documento parte de um consenso mundial a respeito da necessidade, premente, de se formular uma declaração que vinculasse grande parte do mundo, de tal forma que os recentes acontecimentos elevados pela Segunda Guerra Mundial, não mais se repetissem. O texto, em si, não trouxe sanções ou punições aos Estados que, embora a ratificassem, não aderissem a ela. Entretanto, é inegável seu caráter promissor, vinculando cada Estado a formular sua Constituição com o respeito mínimos aos ditames lá existentes.

Importante destacar dois pontos de tal adesão internacional a uma Declaração dos Direitos Humanos. Assim fazendo, os Estados passam a ter sua soberania mais mitigada, ou seja, pois se passa a ter, em prol da proteção dos direitos humanos, uma observação internacional, sendo passíveis ainda de sanções caso desrespeitem os mencionados direitos elencados na Declaração. Da mesma forma, o conteúdo de jurisdição interna passa a ser mais amplo, pois há, sobretudo, uma jurisdição internacional.

Por sua vez, o Estado brasileiro fez bem o seu papel nesse contexto. É verdade que durante o obscuro período da ditadura militar muito se atacou a respeito dos direitos fundamentais, tolhendo-se, sobretudo, os direitos de liberdade, locomoção, reunião e expressão. Por outro lado, a Carta de 1967 já reconhecia um gama de direitos fundamentais, explicitamente, como a liberdade de expressão, com restrições para espetáculos artísticos.

O grande cume do reconhecimento e positivação dos direitos fundamentais (e como um todo) no Estado brasileiro encontra-se, como não poderia ser diferente, na Carta Cidadã de 1.988, repleta de dispositivos reconhecidamente fundamentais, não se restringindo tão somente ao famoso artigo 5º, cuja expressão fundamental é máxima. O problema, mais uma vez, é a efetivação de tais regramentos positivamente reconhecidos.

Dessarte, destaca-se a complementação que cada Estado soberano dá ao tema dos direitos humanos fundamentais, buscando, cada qual a sua maneira, uma forma de tirá-los do plano hipotético e trazê-los ao plano prático, diante de sua realidade.

Volvendo ao tema principal, a construção dos direitos fundamentais, passou por três grandes fases metodológicas, sendo, a de reconhecimento da existência dos direitos fundamentais, partindo à necessidade da positivação dos mesmos e chegando até 1948, onde se depreende que houve, sobretudo, a internacionalização dos direitos fundamentais. Assim, a proteção passou a ser dada aos homens de todo o mundo e não mais apenas aos habitantes de determinado território, onde os direitos já haviam sido assegurados, o que, de certo modo, influencia o efeito acima aludido, representado pelo abrandamento do conceito de soberania.

O reconhecimento da mera existência dos direitos fundamentais é problemática superada a tempos, conforme já posicionado no presente trabalho. Por sua vez, a positivação, ainda que circunscrita a certos Estados determinados, volvendo efeitos tão somente aos seus jurisdicionados, veio, de tempo a tempo, sendo formalizada e alcançando, cada vez mais, legitimidade interna, seja diante da pressão das minorias ou pela influência da Igreja Católica, sobretudo. Restava, assim, a fase da internacionalização dos direitos, fase que foi definitivamente manejada pela Declaração de 1948.

Tal mudança na concepção do que se tem por direito mínimos, fundamentais, alicerçou ainda mais sua importância no cenário internacional, sendo tal tema de recorrente preocupação atual, sobretudo pelo papel ainda vago de sua efetivação.

É que o problema da internacionalização global de tais direitos, com a vinda da Declaração de 1948, foi abolido, restando, outrossim, a grande e atual problemática de sua efetivação plena. São vários os problemas que influenciam e dificultam, quando não inviabilizam, a concretização dos direitos fundamentais. Para melhor embasamento e facilidade das problemáticas da concretização dos direitos fundamentais, pode-se defini-los em dois grandes grupos: os de cunho político e outro substancial, ligada exatamente ao direito que se quer consolidar.

Tal definição vem de Norberto Bobbio, quando se referia à complexidade de afirmação dos direitos a nível internacional. Entretanto, com o mesmo grau de segurança pode-se aqui confirmar os mesmo problemas, tidos por ele como substanciais e políticos.

Assim, há direitos fundamentais que exigem, por parte do Estado uma dispêndio de força mais elevado, haja vista que, embora próximos da compreensão naturalística de direito, são mais suscetíveis de investidas contrárias, com vistas a sua desconstituição. Tem-se, como exemplo o direito à segurança e propriedade.

Todos em sã consciência têm a noção exata de que tais direitos acima mencionados são de natural premência para a vida humana, minimamente considerada. Entretanto, da mesma forma é consenso de que tais bens jurídicos, em que pese sua importância, estão alinhados hierarquicamente abaixo de outros de mais magnitude, tais como o direito à vida e liberdade.

Nesse sentido, tornam-se mais comuns investidas contra legem de indivíduos contra os primeiros direitos mencionados, o que faz com o Estado onere-se cada vez mais para tutelá-los, tendo em vista seu papel legal. Da mesma forma, com vistas à retribuição necessária, o Estado onera, também, os contribuintes, sujeitos passivos de sua atuação. É, com certeza, uma situação de causa e efeito inquebrável.

Por sua vez, diante da problemática substancial, é nítido que ao alçar determinado direito, acanha-se outro. Até os direitos mais basilares e de comum reconhecimento o fenômeno é observado. O reconhecimento de que não se deve escravizar, tolhe o direito do senhor de ter o escravo para sua serventia.

O exemplo citado, embora extensivamente forçado, pode adequar-se à realidade, quando embatem-se, por exemplo, dois direitos de reunião marcados para o mesmo lugar, exemplo clássico na doutrina especializada.

Entretanto, o presente trabalho, pela sua pequenez e definido objetivo, deve ater-se mais às questões político-jurídicas que tolhem ou dificultam a devida efetivação dos direitos fundamentais.

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Sobre a autora
Carolina Cristina Leiva

Advogada, pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.

Informações sobre o texto

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