O princípio da capacidade contributiva e os direitos fundamentais

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23/05/2014 às 09:23
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3. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1 A RELAÇÃO JURÍDICA DA TRIBUTAÇÃO

Remotamente a tributação não era entendida como uma relação jurídica e sim meramente hierárquica, de modo que sua inobservância gerava diversas sanções de cunho que extrapolavam os meramente patrimoniais para os cidadãos que não arcavam com tal obrigação. Era fruto de uma superposição do Estado, eminentemente absolutista, sobre seus administrados, superposição essa quase sempre acompanhada da imagem de um Deus incontestável que se fazia representar física e humanamente no soberano que governava.

Assim sendo, a conjugação da tributação com direitos que dessem alguma margem de proteção aos contribuintes não existia, de modo que o cumprimento das leis tributárias, fundamentado pelo receio e medo da população era feito a torto e a direito, com observância tão somente dos regramentos editados pelo soberano ou então de uma determinada classe social ou, quando não, de uma entidade.

Entretanto, com o tempo a população foi percebendo que a tributação, como outras áreas de atuação do Estado deveriam atentar para os direitos mais basilares dos cidadãos, sobretudo, quando possível, com a participação da massa social no desenvolvimento das ordenações que determinavam as tributações, haja vista que ela é quem arca com os custos dessa atividade. Portanto, passou a tributação a ser uma relação jurídica, deixando de lado a relação hierárquica que a encampava:

Tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecada pelo Estado ou pelo monarca, com vistas a atender aos gastos públicos ou as despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e abrangeu desde os pagamentos, em dinheiro ou bens, exigidos pelos vencedores aos povos vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança perante os próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como um dever ou obrigação. No Estado de Direito, a dívida do tributo estruturou-se como uma relação jurídica, em que a imposição é estritamente regrada pela lei, vale dizer, o tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, contribuindo dessa forma os indivíduos para o custeio das despesas coletivas (que, atualmente, são não apenas do próprio Estado, mas também as de entidades de fins públicos). (AMARO, 2009.p. 16)

Dessarte, pode-se dizer, a partir do texto acima, que com o Estado de Direito houve uma maior aproximação dos tributos aos direitos, passando a cobrança das exações ser considerada como uma relação jurídica, marcada pela prevalência de garantias, bem como pela maior igualdade possível entre as partes envolvidas, sobretudo com a possibilidade de revisão do ato que cobre ou institua o tributo.

Com o surgimento do Estado de Direito veio à lume a submissão do próprio Estado, representando pela figura de um soberano ou por uma instituição, às leis, de modo que foram fincadas raízes que até hoje sustentam este Estado de Direito em todo o mundo.

Na origem, como é sabido, o Estado de Direito era um conceito tipicamente liberal; daí falar-se em Estado Liberal de Direito, cujas características básicas foram: (a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu conceito, sendo a lei considerado como ato emanado formalmente do Poder Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b) divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes do Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares, (c) enunciado a garantia dos direitos fundamentais. Essas exigências continuam a ser postulados básicos do Estado de Direito, que configura uma grande conquista da civilização liberal. (SILVA, 2007. p. 112/3) os destaques estão no original.

A nota indispensável do Estão de Direito é o princípio da legalidade22 que determina a prevalência da lei em face da vontade do soberano ou até mesmo do Estado. Da mesma forma, o princípio da legalidade fortalece a participação do povo na criação das leis tributárias, sobretudo quando em conluio com o princípio republicano, cuja função mais precípua desta forma de governo é aquela que dá ao povo a detenção do poder, que é representado por terceiros de modo eletivo.

Com isso, a relação jurídica da tributação é norteada pelo princípio da legalidade, que trás, ainda, a presença mais ativa do Poder Judiciário na relação mencionada, que, uma vez provocado, pode declarar que a lei tributária não atende ao intransponível requisito da constitucionalidade, extirpando-a do mundo naturalístico.

Com o princípio da legalidade norteando a criação dos tributos, outros princípios constitucionais de grande valia conexos são atraídos, tais como o da igualdade, impessoalidade, solidariedade, para citar o menos. E, como sabido, no bojo de tais princípios, caminham uma imensa gama de direitos fundamentais cujo pilar é fincado na estruturação dos próprios princípios. Desta feita, a primeira relação entre tributação e direitos fundamentais é aquela atrelada com o princípio da legalidade, haja vista que permite a formalização positivada dos direitos fundamentais.

Tudo isso foi dito para concluir que com a positivação da capacidade contributiva no bojo da Constituição, sua observância, como afirmado mais acima por diversas vezes, é obrigatória, de modo que passa a ser, assim, direito fundamental dos administrados obter do Poder Público o respeito a ele quando da instituição ou majoração dos tributos.

Importante, ainda nesse ponto, afastar o entendimento de grande parte da doutrina e jurisprudência que dão a alguns direitos fundamentais, sobretudo àqueles de cunho social, a marca de programáticos, evidenciando que a efetivação de tal direito é algo a ser paulatinamente alcançado pelo Estado, que disporia de tempo para tanto. Pensar dessa maneira é amesquinhar a cogência dos direitos e princípios que estão encampados na Constituição, criando óbices não existentes no Texto Maior.

3.2 A IMPORTÂNCIA DA TRIBUTAÇÃO PARA O ESTADO

Atualmente, infelizmente poucas coisas sobrevivem sem o amparo do elemento financeiro, representado, em sua maioria, pela fungibilidade do dinheiro. Assim também o é, evidentemente, com o Estado, seja quando este atua sob o manto de qualquer de seus poderes, órgãos ou entes. Diante desse contexto, a tributação é elemento fundamental da própria sobrevivência do Estado e condução razoável dele.

É através do montante obtido com a tributação, sobretudo com o numerário oriundo dos impostos23, que Estado tem o poder de regular a economia, fomentando ou não comportamentos, por meio dos chamados impostos extrafiscais ou simplesmente arrecadando dinheiro para investir em prol da sociedade que arca com os tributos, seja direta ou indiretamente no momento em que institui impostos com caráter meramente fiscal. Direta, por exemplo, quando constrói hospital ou melhora o sistema de distribuição de água. Por sua vez, investe indiretamente quando aumenta os insumos de determinado órgão público, trazendo, com isso, benefícios indiretos à população que do serviço do órgão necessita.

Sem a tributação o Estado arrecada muito pouco, haja vista que sua participação na atividade econômica somente é permitida quando estritamente necessário para os imperativos de segurança nacional ou relevante interesse público, tudo, como afirma a Constituição do artigo 17324, definido em lei. Portanto, certo está que a tributação é indispensável para a continuação das funções estatais, mas não somente por isso.

A discrepância social, nutrida por muito tempo no Estado Brasileiro e ainda longe de uma solução digna é também motivo que determina, quando não dá o norte, ao papel de sujeito ativo na relação tributária ao Estado. É que a partir daquilo que é arrecadado com os impostos, dá-se efetividade aos direitos sociais, trazendo às claras aquela parte do povo que vive na escuridão da pobreza e da fome. Com efeito, sem a tributação do Estado a consecução de um mínimo vital seria impossível. Entretanto, como não poderia deixar de ser, um contratempo nessa relação aparentemente simples faz-se presente.

Isso porque a participação dos cidadãos na tributação é diametralmente oposta à possibilidade econômica de contribuir de maneira efetiva com a relação tributária e, de certo modo, o princípio da capacidade contributiva tem papel de relevância e auxílio. Explicando melhor, é certo concluir que aqueles que mais contribuem com o Erário menos fazem uso da máquina que auxiliam manter, pois têm condições de pagar planos de saúde, ter transporte privado, segurança particular e utilizam-se, até certo ponto, a educação privada25.

Doutra banda, na outra base da pirâmide encontram-se os verdadeiros necessitados do papel público, cujas rendas, se compartilhadas com o Estado os privarão dos bens mais essenciais à vida. Esse grupo, infelizmente tão existente na realidade brasileira, são, efetivamente, os grandes necessitados do montante arrecadado pelo Estado com a tributação.

Porém, como afirmado, em que pesem usarem grande parte do direcionamento das rendas públicas, não contribuem da forma equânime, o que é sobremaneira justo. Isso porque, a relação tributária, respeitando a capacidade contributiva, como nítido, traz consigo a igualdade material no bojo do tratamento dos administrados, bem como transfere para os mais privilegiados o ônus de suportar de maneira mais drástica a tributação, haja vista que assim podem fazer de maneira mais tranquila que os menos favorecidos socialmente.

Diante desse contexto, entra em cena um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, qual seja, a solidariedade, que, a bem da verdade, fundamenta boa parte da tributação, dando o escopo mais social dela e dando norte mais inequívoco à capacidade contributiva, mas sempre com os olhos voltados à legalidade, pois a solidariedade, por si só, não tem a cogência da lei para a cobrança dos tributos.

Melhor explicando, se a relação tributária fosse tão somente fulcrada na solidariedade, na medida da capacidade contributiva de cada um, o contribuinte seria livre para pagar aquilo que bem entendesse, não podendo o Estado forçá-lo a pagar mais. Assim sendo, perderia, de certo modo, a condição de compulsoriedade do tributo, dando lugar à vontade humana expressada pela solidariedade e capacidade contributiva. Nesse sentido, explica a melhor doutrina:

Solidariedade e capacidade contributiva, a rigor, são princípios dirigidos ao legislador. Nem um e nem outro podem ser vistos como caminho para burlar o princípio da legalidade. Eles devem ser postos em prática pelos caminhos ditados pelos princípios da legalidade. Os princípios constitucionais em geral são limitações ao Poder. No que diz respeito à tributação os princípios constitucionais são limitações ao poder de tributar. Assim, tanto quanto o princípio da legalidade, o princípio da capacidade contributiva deve ser visto como um limite ao arbítrio dos governantes. Não como um pretexto para sua ampliação.

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Por isto é que, mesmo quando instituído ou aumentado por lei, não se deve admitir a cobrança de tributo se não há capacidade contributiva. Saber quando isto acontece é outra questão – de deslinde difícil, é certo, mas não impossível. De todo o modo, admitindo-se que está ausente a capacidade contributiva no caso, a lei instituidora do tributo há de ser considerada inconstitucional. Por outro lado, a capacidade contributiva não justifica a cobrança de tributo que não tenha sido instituído ou aumentado por lei. (MACHADO, 2009. p. 46/7).

Fica evidente a íntima relação entre a capacidade contributiva, legalidade e solidariedade, todos incluídos dentro do rol dos direitos fundamentais do cidadão, não podendo, sob qualquer pretexto, ser abrandados pela atuação estatal, sob pena de ocorrência das mais graves das ilegalidades.

Entretanto, assim como indicado mais acima, não basta a condição de solidariedade para o pagamento dos tributos, haja vista que o entendimento de alguns, bem como o senso de solidariedade deles não compara com o dos demais. Assim sendo, necessário que o Estado se valha de sua força para compelir ao pagamento dos tributos, lançando mão de meios coercitivos para obter a exação, tais como aplicação de multas e ajuizamento de ações no Poder Judiciário.

Da mesma forma, para quantificar o tributo, a par da capacidade contributiva, não basta o dever moral da solidariedade, cuja expressão numérica se faz ausente, pois não há meio de se calcular a medida da solidariedade, pois subjetiva que é. Assim sendo, indispensável a menção numérica do tributo, que é dada na lei que o institui, observado, como sempre, a medida da capacidade econômica.

Por derradeiro, conclui-se, então, que a tributação, sendo atividade essencial do Estado para a consecução de seu fim, ou seja, promover o bem de seus administrados somente tem validade quando observados os direitos fundamentais, que mais abaixo serão verificados com mais vagar. De todo o modo, a criação e cobrança dos tributos denota atenção à princípios de grande abstração, como, por exemplo, o princípio da solidariedade.

3.3 O RESPEITO PELO ESTADO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUANDO DA TRIBUTAÇÃO

A atividade estatal da tributação é eminentemente vinculada, de modo que a Lei define todos os meandros da relação tributária, desde a definição do que seja tributos, de suas categorias, bem como fato as hipóteses de incidência, fato gerador, obrigação tributária, lançamento, nascimento do crédito tributário e assim por diante. Tendo em vista a nenhuma discricionariedade do agente público na relação tributária o respeito pelas leis é medida que, antes de se impor, se necessita.

Com efeito, retiradas voluntariedades muitas vezes existentes em situações onde se permite a discricionariedade, o atendimento das normas positivadas traz aos administrados maior segurança diante da ferocidade do Estado em seu interesse de arrecadar dinheiro. E essa segurança parte, em sua grande maioria, da observância pelo Poder Público da extensa gama de direitos fundamentais que agasalham os administrados.

A Constituição da República Federativa promulgada em 05 de outubro de 1988, ao romper com o sistema de privação de direitos de outrora, trouxe um elenco complexo e aberto de direitos fundamentais elencados durante todo seu belíssimo corpo, sem deixar de lado aqueles que porventura possam ser incorporados através do surgimento de Tratados Internacionais dos quais o Brasil seja signatário.

Muito se discutiu acerca de quais artigos encapavam na Magnífica Carta de 1.988 os direitos fundamentais. De início, consideraram-se aqueles claramente direcionados nesse sentido, como os artigos 1º a 16, para depois se incluírem outros com a mesma envergadura de importância, como, por exemplo, o artigos 195 e 206.

Posteriormente foram englobados outros mais, a exemplo do princípio da anterioridade, elencado expressamente no artigo 150, III, b e c, da Carta Fundamental, como ficou colocado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939, cuja relatoria restou incumbida ao Ministro Sydney Sanches.

No mesmo sentido, denotando a obrigação da observância de princípios constitucionais específicos à tributação como direitos fundamentais segue a capacidade contributiva, como mais acima afirmado, haja vista o grande conluio de preceitos que o mencionado princípio carrega, como a igualdade, legalidade, não confiscatoriedade, mínimo existencial, dentre outros.

A relação de direitos fundamentais se acentua na medida em que se permite ao Poder Judiciário a fiscalização dos atos de tributação, como meio de sancionar aqueles reputados ilegais.

Há ainda, com amparo na observância dos direitos fundamentais a tendência hodierna da máxima efetividade de tais direitos, o que pressupõe, em havendo alguma incompatibilidade entre eles e qualquer outra norma positivada do ordenamento jurídico, a sobreposição daqueles regramentos de conteúdo abstrato e vinculante.

Ademais, é possível se fazer uma ligação íntima entre a tributação e o direito de primeira geração de liberdade. Isso porque atualmente o conceito de liberdade extrapola aquele meramente físico, onde o contraponto seria a sanção estatal aplicada após o devido processo legal, oriunda da transgressão de norma penal. A liberdade é mais que isso. Abrange ela uma irradiação psicológica e de conhecimento, no sentido de poder cidadão inclinar-se na ideologia ou conhecimento que mais lhe convém.

Para tanto, ou seja, para alcançar o anseio de liberdade além da característica de ir e vir, deve o administrado ter condições de obter os bens da vida que poderão dar a ele tal liberdade e, como não poderia ser diferente, esses bens da vida custam dinheiro. Em assim sendo, o Estado, enquanto não disponibiliza meios de consecução gratuito para o alcance do conhecimento, proporcionando a liberdade em sentido mais amplo, deveria, haja vista o mandamento constitucional, lançar mão de forma abrangente da capacidade contributiva para que os menos favorecidos, sendo infimamente tributados pudessem dar caminho diverso a seus rendimentos.

Aspecto também relativo ao respeito aos direitos fundamentais na atividade estatal de cobrança e instituição de tributos é aquele ligado ao atendimento das imunidades colocadas na Constituição da República. Dessarte, sendo elas limitações ao Poder de Tributar e, bem assim, limitação expressa da própria atuação estatal expropriadora, merecem atenção inequívoca, sob pena de padecer de inconstitucionalidade o ato.

Deste modo, pode-se concluir que a tributação relaciona-se com todos os sentidos da vida, de modo que o respeito, pelo Estado dos direitos fundamentais que a ele seguem, antes de mais nada, é revestir-se ele próprio de meios para preservar a ordem, pois, como se viu na primeira parte do presente trabalho, grande parte dos levantes sociais teve como pano de fundo relações de tributação que desrespeitavam os direitos mais basilares do homem.

3.4 O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE

Tem se cogitado há muito a formalização de um estatuto em que estariam de forma expressa os diversos direitos dos cidadãos/contribuintes diante da relação jurídica da tributação. Seria, em verdade, uma descrição de direito de forma mais intensa e pormenorizada do que as já existentes, sobretudo na Constituição da República. Do mesmo modo, seriam traduzidos os diversos princípios constitucionais que socorrem ao contribuinte em normas com menor grau de abstração e maior especificidade e didática, sem, contudo, abrandar o espírito dos princípios elencados na Carta Fundamental.

Define-se estatuto do contribuinte, ao pé de nossa realidade jurídico-positiva, como a somatória, harmônica e organizada dos mandamentos constitucionais sobre matéria tributária, que, positiva ou negativamente, estipulam direito, obrigações e deveres do sujeito passivo, diante das pretensões do Estado (aqui utilizado em sua acepção mais ampla e abrangente – entidade tributante). E quaisquer desses direitos, deveres e obrigações, porventura encontrados em outros níveis da escala jurídico-normativa, terão de achar respaldo de validade naqueles imperativos supremos, sob pena de flagrante injuridicidade. (CURSO, 2010. p. 44/5)

O estatuto do contribuinte seria, de acordo com o escólio acima mencionado, outro norte para a cristalização dos efeitos tributários vislumbrados pelo Estado. É dizer: além evidentemente da Constituição da República e do Código Tributário Nacional, a cobrança e instituição dos tributos só seria legal e legítima na medida em que respeitasse o disciplinado no estatuto do contribuinte, cujas estipulações seriam mais claras que àquelas constantes nos dois elementos legais citados.

A medida, é certo, traria mais força e certeza na aplicação dos institutos que já consagram os direitos dos contribuintes, tornando mais acessíveis o entendimento dos direitos fundamentais diante da relação tributária. No Congresso Nacional, inclusive, ao menos dois projetos podem ser citados com este intuito. O primeiro é o Projeto de Lei Complementar nº 38/200726, de relatoria do Deputado Sandro Mabel.

No texto, como cediço, são elencados os direitos fundamentais dos contribuintes, como a legalidade, igualdade material, anterioridade e capacidade contributiva, especialmente no artigo 2º, § único, que prescreve:

Art. 2º. A instituição ou majoração de tributos atenderá aos princípios da justiça tributária.

Parágrafo único. Considera-se justa a tributação que atenda ao disposto no artigo 3º incisos I, II, III e IV, artigo 5º inciso XIII e artigo 170, VII e VIII da Constituição Federal, e que ainda contemple aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade.

Percebe-se, pelo colacionado acima que a dúvida sobre o alcance do princípio da capacidade contributiva também alcançar as contribuições e taxas torna-se despicienda, haja vista que o texto faz menção a tributos e não apenas a impostos. No mais, no Capítulo II do Código em comento, inicia-se o rol chamado de “Normas Fundamentais” cujas prescrições referem-se, de modo direito, também, a todos as exações tributárias, em todos os entes da federação.

Entretanto, uma crítica é interessante. A ideia da criação de um Estatuto do Contribuinte ou então de um Código de Defesa do Contribuinte, como quiser, traz à tona nuances de certa rebeldia e impossibilidade, pelo Estado, de atenção dos postulados constitucionais e infraconstitucionais por ele mesmo positivados. Isso porque, o rol de direitos fundamentais do contribuinte e do cidadão, a ser lançado mão em face do Estado é grande e suficiente, de modo que se o Estado incorporasse, efetivamente, que ele é um Estado de Direito, não seria necessária a criação e nem mesmo o anseio pelo Estatuto.

Nesse mesmo sentido, da amplitude e completude do rol dos direitos dos administrados, pode ser enfatizado o disposto no artigo 8º, 1, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, inserida no arcabouço jurídico pátrio por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1.992, que, com propriedade, assevera:

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 27

Finalizando, é necessário observar que sempre que o Estado se propõe a aumentar o rol de direitos exercidos contra si, em que pese a já existência de uma montanha deles, é porque ele mesmo atesta sua incapacidade de atendê-los somente a par das leis já existentes, ou porque a interpretação dada pela Fazenda Pública aos postulados legais é por deveras transvertida e parcial28, ou seja, porque efetivamente o Estado de Direito, muitas vezes, tende a comportar-se como Absolutista.

Portanto, chega-se à conclusão de que a necessidade da formalização de um estatuto do contribuinte parte da insuficiência do próprio Estado em materializar os direitos fundamentais, realçando, muitas vezes, sua essência de inconstitucionalidade.

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Sobre a autora
Carolina Cristina Leiva

Advogada, pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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