1 Introdução
As teorias discutidas dentro das instituições de ensino superior, com ar-condicionado e livros, nos ensinam bastante, porém não nos explicam o que acontece na íntegra. A prática é algo muito diferente e nos apresenta realidades bem mais complexas.
A violência, que está diretamente ligada à criminalidade, cerca cada vez mais o nosso cotidiano. O Direito Penal, que segundo Mezger “É o conjunto de normas jurídicas que regulam o exercício do poder punitivo do Estado, associado ao delito, como pressuposto, a pena como conseqüência”[1], vem em favor dos indivíduos da sociedade para solucionar questões de cunho criminal.
As penas cominadas por esse ramo do Direito, que são geralmente a perda da liberdade e de alguns direitos, políticos e sociais, são caracterizadas como “exemplos”, pois servirão para mostrar a todo o restante da população que tal ato cometido foi algo ilegal e resultará em alguma sanção.
As penitenciárias são grandes exemplos das sanções aplicadas aos indivíduos que infringem as leis. Porém nem todos os criminosos são punidos, pois existem os crimes que não são computados, como “os crimes do colarinho branco” cometidos por classes mais abastadas, sendo assim geralmente computados apenas aqueles cometidos pelas classes mais pobres e oprimidas, sem falar das regras presentes nas próprias instituições, que acabam colocando em cheque quer por corrupção ou outros atos ilícitos, a credibilidade do Direito Penal.
É através dessa pesquisa que irei relatar os acontecimentos do cotidiano carcerário, e não a abstração dedutiva das normas jurídicas que fazem parte do sistema penitenciário brasileiro.
2 Desenvolvimento
2.1. Direito Penal
O ramo do Direito que se apresenta como o conjunto de normas jurídicas determinante das infrações e sanções correspondentes a certos crimes cometidos denomina-se Direito Penal. Este regula as relações dos indivíduos e destes com a sociedade.
De acordo com Frederico Marques, “Direito Penal é o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplina também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado.”[2]
Para Cuello Calón “Direito Penal é o conjunto de normas estabelecidas pelo Estado que define os delitos, as penas e as medidas de correção e de segurança com as quais são sancionadas.”[3]
Portanto, diversos são os autores que dão a definição de Direito Penal, porém todos sempre seguem uma mesma linha de pensamento defendendo a aplicação de punições caso tenha sido cometido algum tipo de crime.
A pena, neste ramo, deve ser aplicada de forma justa atendo-se aos fatos, sua verdadeira causa e origem, e deve manter-se proporcional a intensidade da violação. É importante comentar também que ela só deve ser imposta de forma que sejam concedidas todas as garantias jurídico-constitucionais, o que corrobora com o artigo 59 do Código Penal: “o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade dos agentes, aos motivos, às circunstâncias de conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
I – as penas aplicáveis dentre as combinadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena, o regime de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”
São essas as características e funções do Direito Penal na teoria, que deveria punir a todos de acordo com a gravidade do crime cometido, além disso, dando-lhes uma pena justa, atendendo ao princípio da proporcionalidade. Porém, nem sempre é assim que acontece na prática. As penas nem sempre são justas, nem todos os crimes são computados, além de regras que não são respeitadas e outras que são impostas pelos próprios presos, que podem ferir diversos princípios. Isso decorre de um conjunto de fatores presentes na cultura da nossa sociedade.
2.2. Cultura
O conceito de cultura é particular, pois, a partir de elementos históricos e sociais desenvolvem-se valores, costumes, padrões de comportamentos, crenças, conhecimentos, técnicas de transformação da natureza, artes, moral, leis e outras capacidades adquiridas pelo homem como integrante da sociedade.
De acordo com Sebastião Vila Nova “a cultura não decorre da herança biológica do homem, mas de capacidades por eles desenvolvida através do convívio social”[4].
Nesse sentido percebemos a cultura como elemento importante na análise do cotidiano carcerário. Há de se perceber que “a cultura não é exclusiva das pessoas letradas já que qualquer indivíduo normalmente socializado participa dos costumes, das crenças e de algum tipo de conhecimento da sua sociedade”.[5]
Ao analisarmos de outra ótica, dessa vez a partir dos olhos da sociedade, notamos o preconceito para com aqueles que detêm o rótulo de ex-presidiário. Entrevistei a Senhora A.M., arquiteta, afirmou não acreditar na reabilitação dos presos durante o período de encarceramento. Disse-nos também que não contrataria um ex-presidiário para prestar serviços ao seu escritório por receio de que o mesmo volte a cometer atos ilícitos. M.V., comerciante há 17 anos, também nos relatou que não aceitaria em seu estabelecimento de trabalho um ex-presidiário, pois teme as reações que o mesmo poderá manifestar durante o desempenho de suas atividades e também teme pela reação dos seus clientes ao saber que um ex-detento trabalha no estabelecimento.
- Ressocialização
Ao contrário do que muitos autores afirmam a socialização é contínua na vida dos indivíduos e somente se encerra com o fim desta. É um conceito que explica as maneiras de pensar, de agir e sentir dos indivíduos dentro de uma determinada sociedade.
Para muitos profissionais do Direito e da Segurança Pública, a ressocialização, na penitenciária, consiste na “reeducação” dos detentos, ensinando-lhes crenças e valores para, a partir daí, retomar o convívio social mais amplo sendo capaz de seguir as regras da sociedade.
Inicialmente, para designar o preso para a “vivência” que o mesmo irá ocupar são levados em consideração alguns fatores: uma equipe dirigente avalia e designa uma “vivência” para o preso, na qual não tenha inimigos. Outro critério que deve ser utilizado baseia-se nos artigos penais em que foram enquadrados. Os presos são alocados de forma que a maioria dos detentos também tenham sido condenados pelos mesmos crimes, como, por exemplo, um indivíduo que praticou homicídio não deve dividir a cela com aquele que praticou um furto (por conta da desproporcionalidade da gravidade do ato), o que gera a necessidade de um levantamento inicial de informações. Porém, nem sempre a divisão em vivências se dá dessa forma.
O detento ao longo do cumprimento da pena atravessa diversos processos de socialização. Entre os processos observamos aquele relacionado ao aprendizado das regras administrativas da prisão e, concomitantemente, das regras dos detentos, que muitas vezes são mais temidas e obedecidas que as primeiras. Outro processo de socialização é o realizado entre os próprios presos através de perguntas como o artigo infringido, local onde o preso morava, condições financeiras, dentre outras, ou seja, faz-se um levantamento sobre a vida do recém-chegado e este é tratado como “carne nova”. O mesmo será constantemente observado entre os veteranos que irão utilizar-se do tráfico de influências para que possam convencê-lo a entrar neste ou naquele grupo. Os mais antigos na prisão são os mais respeitados por conta do tempo de permanência, sendo tratados como “líderes”. Ir de encontro às regras dos detentos é considerado, pelos presos, mais arriscado e penoso que desobedecer a uma regra administrativa. A repressão, nesses casos, pode ser mais violenta e severa que um eventual descumprimento de regra imposta pela administração presidiária.
Sergio Adorno utiliza o termo “socialização na delinqüência” para definir que a socialização que ocorre dentro das penitenciarias não atinge a finalidade reabilitadora da instituição prisional. Socialização esta que também se refere ao aperfeiçoamento das táticas e estratégias ilícitas. Ademais, os maus tratos sofridos pelos presos, que vivem em situação degradada e degradante, em nada contribuem para um processo de reabilitação. O autor acredita que ao invés disso, estes, na maioria dos casos, saem das prisões mais insatisfeitos e revoltados com a sociedade do que quando ingressaram.
Denise de Roure afirma que reabilitar uma pessoa presa nas condições atuais é tarefa quase impossível:[6]
“Falar de reabilitação é quase o mesmo que falar em fantasia, pois hoje é fato comprovado que as penitenciárias em vez de reabilitar os presos os tornam piores e menos propensos a se reintegrar ao meio social”
O tempo e o espaço no cotidiano prisional são estudados por vários especialistas em inúmeros livros. Entre os aspectos analisados por estes estão: regras e padrões de comportamento, ociosidade, jogos, televisão, entre outros. Tendo em vista que quanto mais grave o crime, maior o lapso temporal, o trabalho no cotidiano carcerário surge como “prêmio”. “No cenário de ociosidade, a finalidade reabilitadora atribuída ao tempo da pena encontra-se comprometida. Com a oferta pequena de atividades, a utilização do tempo depende, fundamentalmente, das iniciativas dos presos que se apropriam e ressignificam à pesada engrenagem disciplinar sobre a qual estão sujeitos”.[7] Porém poucos presos têm iniciativa de praticar atividades.
No interior da penitenciária é possível identificar regras e padrões de condutas, pois fazem parte do conjunto de mecanismos de controle social que exerce a coerção na prisão. Sua materialidade manifesta-se nas formas de dominação presentes nas relações sociais entre a equipe dirigente e os presos. De acordo com Florestan Fernandes podemos compreender a instituição como “minissociedade”, a exemplo da prisão. Esta, ainda hoje é desconhecida pelos indivíduos, pelo motivo de difícil acesso, deixando apenas uma idéia de visão periférica.
- Subcultura
Analisando a existência dessas “minissociedades” podemos perceber a presença de subculturas, definidas por Sebastião Vila Nova como parte de uma cultura que não são, contudo, independentes da cultura total.
“Uma subcultura é antes constituída de valores, crenças, normas e padrões de comportamento, ou seja, de um modo de vida próprio, compartilhados por uma parte da população total de uma sociedade”.[8]
A administração da prisão impõe normas para aqueles que desejam visitar seus entes queridos. Mas, além dessas regras, os detentos também aí intervêm ditando padrões comportamentais a serem obedecidos. Algumas vezes os detentos utilizam termos pejorativos para com as visitas dos demais e, ocorrida tal situação, os desrespeitosos são punidos severamente. Essa punição se dá inclusive entre os próprios encarcerados, o que pode acarretar no espancamento violento ou na perda da própria vida.
Exemplo prático de subcultura presente nos presídios são as chamadas “regras da massa” ou “regras do sistema”, estabelecidas pelos próprios presos para regular o comportamento interno no presídio. Contudo, as mesmas não garantem estabilidade alguma, e, se infringidas, a medida tomada é a sanção coletiva. Essas sanções são, em sua maioria, violentas e brutais. Os presidiários correm risco de vida a cada passo percorrido no interior das penitenciárias.
- Cotidiano dos encarcerados
Separados fisicamente do mundo exterior por um período, os encarcerados ainda assim tem vínculos constantes com o mundo a fora, e não são, em nenhum momento, pessoas desinformadas, pois o uso da televisão é constante.
As representações sobre o tempo presente, passado e futuro apresentam-se distintas e marcadas pelas experiências de vida dos presos antes e durante a prisão; estes compreendem que a valorização do tempo de reclusão significa, entre outras coisas, o reconhecimento de que não corresponderam aos papéis atribuídos pela sociedade.
Robson Carvalho afirma que “embora os presos disponham de muito tempo na prisão, eles não podem fazer tudo que pretendem, ao contrário de muitas críticas feitas pela sociedade do lado de fora, que associa a ociosidade à total autonomia de utilização do tempo e do espaço”.[9]
O tempo desses presos é dividido por tarefas específicas, como por exemplo: cozinhar, capinar, trabalhar na lavanderia e algumas vezes no material hidráulico da própria penitenciária. Todavia, esse tempo é simbólico, levando em conta a socialização secundária que esses indivíduos recebem no decorrer de sua pena. Porém, o intuito da Direção Penitenciária é retirar a sensação de que o tempo é perdido, ou seja, colocar atividades internas onde o preso possa exercitar sua mente, refletir e pensar nos erros que cometeu. Sendo assim, o indivíduo sairá ciente de que pagou sua dívida para com a sociedade, talvez até com outra idéia de vida. Pelo menos esse é o esperado.
Outra forma que a penitenciária encontra para que os presos utilizem seu tempo de forma produtiva é dando-lhes livros, revistas, músicas e acesso à televisão. Esses objetos são importantes para o cotidiano prisional. A televisão é uma forma de lazer, com canais restritos relatando sobre os acontecimentos atuais no mundo externo. Os televisores não são colocados em todas as celas, a prioridade é para aqueles presos mais calmos que fazem serviços para a penitenciária, deixando os indivíduos mais perigosos e agitados com televisores somente no pátio com horário específico para todos assistirem.
- Trabalho prisional
O incentivo para o trabalho prisional se dá de duas maneiras. A primeira é a redução de 1 dia de pena para cada 3 dias trabalhados e o segundo, porém não menos importante, é a remuneração mensal que é entregue diretamente à família. Esse benefício somente é concedido àqueles que por bom comportamento se destacam dentre os outros detentos.
O trabalho penitenciário também é interpretado como uma forma direta de expor a capacidade do preso voltar para o convívio social foras das limitações do presídio. Dessa forma o preso consegue provas que pode exercer atividades, consideradas básicas, como o trabalho, nos moldes estabelecidos pela sociedade.
- Medidas coercitivas
Aqueles que infringem as normas da penitenciária são levados para “a tranca”, que é como ficou conhecida a “cela solitária”. Esta é uma forma de sanção que ocorre para aqueles indivíduos que praticam a desordem dentro das prisões como: rebeliões, brigas, desrespeito de autoridade. O tempo máximo de permanência na tranca é de 10 dias de acordo com a o artigo 60 da Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, após esse período deve ser instaurado um procedimento administrativo denominado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) no qual o juiz decide por quanto tempo mais o preso ficará na tranca, sendo o tempo máximo de punição de 360 dias (artigo 52, §1º, Lei nº 7.210/84). Porém, o que constatamos em nossa pesquisa de campo foi algo bem diferente, pois na Penitenciária Industrial Regional de Sobral o castigo da tranca é dado por até 30 dias antes de se instaurar o Regime Disciplinar Diferenciado.
A tranca é uma cela em separada que não possibilita nenhum tipo de comunicação com os outros detentos. A sensação de que o tempo não passa misturada à ausência de atividade é inquietante, de fato uma punição. Em alguns casos são gerados distúrbios psicológicos nos indivíduos mais fracos. As refeições são preparadas e colocadas por debaixo da porta, onde existe um pequeno espaço para que possam enviá-las.
3 Relato da visita a PIRS (Penitenciária Industrial Regional de Sobral – CE)
No dia 07 de dezembro de 2010 visitei a Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS).
Ao adentrar a penitenciária tive a oportunidade de conversar com o agente carcerário que nos confidenciou não haver separação de celas por tipo de crime. Ali, também, foi informado, de forma natural, que os agentes penitenciários trabalham por 3 dias e folgam 9. Disse ainda que, caso não esteja disposto a trabalhar, com ou sem justificativa, o mesmo paga a quantia de R$ 320,00 reais a outro agente amigo, que, então, de acordo com suas palavras “cobriria seu turno”, e este passaria então a não ter mais 9 dias de folga, mas sim 21 dias.
A penitenciária possui 580 detentos e somente 7 agentes responsáveis por manter a ordem. Neste cenário é notório que o caos pode instalar-se a qualquer momento.
Sebastião Vila Nova, nesse sentido, nos fala que “a existência de um quadro de pessoal burocrático e policial para assegurar o cumprimento das normas legais é uma evidência inequívoca do fato de que a explicitação verbal de uma norma, por si mesma, mesmo na sua forma legal, não é garantia do seu poder de coerção sobre o comportamento dos indivíduos; normas não expressas verbalmente podem ter um alto poder de coerção”.[10]
O clima de tensão e maus fluidos está presente constantemente nos corredores das “vivências”, que é como são chamados os pavilhões onde se dividem os detentos. O mau cheiro é inquietante e incomoda. Na oportunidade da visita, quando passava pela tranca, como é chamada a cela para onde vão os presos com mau comportamento, o “Estrelinha”, detento zelador responsável por aquela área, solicitou o envio de material de limpeza que estava faltando há dias.
Tive a oportunidade de conversar com a Diretora que nos esclareceu acerca de várias questões estruturais e administrativas da penitenciária. Iniciei a entrevista questionando sobre quando e por que a mesma tomou a decisão de assumir a direção de uma penitenciária. A mesma relatou que inicialmente, além de advogar, ocupava o cargo de diretora adjunta e, quando convidada para assumir a diretoria geral, mesmo contra seus entes queridos, resolveu tomar o desafio para si. Então, a partir de julho do ano passado ingressou na diretoria. A função por ela desempenhada trata-se de um cargo comissionado, ou seja, não é através de concurso e não há vitaliciamento.
Ao indagarmos sobre as dificuldades enfrentadas pelo fato de ser uma mulher ocupando uma função de alto risco, ela, porém, nos informou que observou um maior respeito pela sua condição de “sexo frágil”.
O relacionamento da Diretora Geral com os presos é feito na maioria das vezes através dos agentes. Em alguns casos a mesma vai até as “vivências” ter com os presos pessoalmente. Estes geralmente se utilizam dessa oportunidade para fazer inúmeros pedidos que, dependendo de sua viabilidade serão atendidos ou não.
O art. 40 da Lei de Execuções Penais n° 7.210/84, reza que “impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.” Contudo, mais uma vez, nos deparamos com outra realidade. É sabido que agentes penitenciários rotineiramente causam danos à integridade física dos detentos. Esse comportamento é severamente reprovado pela diretora, que disse fazer “o possível para impedir essa prática, pois acredita que o uso da força não é solução para o mau comportamento”.
Outra prática usual é a tentativa de entrada clandestina de drogas e celulares, geralmente transportados pelas visitantes (esposas, irmãs, amigas), que, num ato de desespero, usam seu próprio corpo para transportar esses objetos ilícitos. No dia de visitas, antes de adentrar o presídio, é feita uma vistoria onde as mulheres são obrigadas despir-se e agachar e levantar sucessivamente 3 (três) vezes para evitar que esses objetos sejam entregues ao presidiários. Essa prática diminui consideravelmente o tráfego de ilícitos, porém, não o extermina. A revista tem caráter preventivo e coercitivo, pois, aquelas pegas em flagrante são presas imediatamente a mando da Diretora. Menciona o art. 50, VII, da Lei de Execuções Penais, que comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
A droga não é o único vício dos detentos. A “aguardente” produzida pelos próprios em situações precárias também é recolhida quando são feitas vistorias nas celas. A diretora contou-nos que para a produção desta são armazenados arrozes, que após a fermentação, liberam um líquido que se assemelha à aguardente tradicional, provocando os mesmos efeitos quando ingerido.
Mas o presídio não é de um todo reprovável. Encontrei atitudes louváveis tanto da parte dos presos quanto da administração. Presenciei o respeito dos presidiários da vivência 1 para com a Diretora; as oportunidades ofertadas a eles para servir ao presídio em troca de remição de pena (art. 126, §1°, Lei n° 7.210/84); obtenção de remuneração que ajuda no orçamento mensal familiar (art. 41, II, Lei n° 7.210/84); projetos artesanais; fábrica de bolas, onde os próprios presos produzem aquelas que serão utilizadas para o divertimento e uma escola responsável pela ressocialização de detentos na sociedade.
Tive ainda a oportunidade de conversar com alguns dos presidiários. A diretora preferiu, por questões de segurança, nos dar acesso apenas a “vivência” 1A, onde ficam reclusos os conhecidos “duzentão” (detentos enquadrados no art.213 do Código Penal), os que trabalham na penitenciária (sendo seis no total), aqueles que apresentam bom comportamento e aqueles que tem problemas de convívio com os detentos de outras “vivências”, nesse caso a penitenciária tem o intuito de preservar a ordem, evitando novos conflitos.
Durante o diálogo, o primeiro preso, condenado a 14 anos de reclusão pelo crime de homicídio (enquadrado no art. 121 do CP), relatou ter uma boa relação com os agentes penitenciários e também arrepender-se do crime cometido, pois acreditava que não valia a pena ficar submetido tanto tempo a condições degradantes e precárias, sabendo que ao sair seria visto pela sociedade de forma marginalizada e preconceituosa. Contou também, que achava sua pena justa, pois não se deve tirar a vida de uma pessoa, sendo assim, não cometeria tal crime novamente. Outro motivo que contribuiu para seu arrependimento foi a desestruturação da sua família, o preso relatou que chega ao ponto de sonhar com o falecido, seu tio, e que o desapontamento da sua família para com sua atitude é, também, considerado por ele, como uma forma de castigo. Ao alcançar a liberdade, tem pretensão de continuar na profissão de padeiro, a mesma que exerce no presídio, dando prosseguimento aos negócios da família, que já possui uma padaria.
O segundo detento, incriminado pelo art. 33 da Lei n° 11.343/06, tráfico de drogas, condenado a 5 anos de detenção, já cumprindo pena há 2 anos, diz ter um bom relacionamento com os agentes penitenciários; que se arrepende profundamente de ter se envolvido com drogas; que sua esposa também, naquela ocasião estava envolvida, porém, não foi presa, por isso não houve reação da família ao saber de sua prisão; que também pretende, ao sair da prisão, continuar na profissão de padeiro, a qual aprendeu durante o cumprimento de sua pena, e que está ciente das dificuldades que serão encontradas para conseguir um emprego por conta do título de ex-presidiário. Esse detento converteu-se ao protestantismo dentro da prisão e, logo em seguida, sua esposa também aderiu à religião. Repetidas vezes o detento citou o nome de Deus e disse ter encontrado o caminho do Senhor. Ele também disse estar tentando converter seus colegas de “vivência”. Relatou também que ao ingressar na penitenciária os outros detentos não fazem nenhum tipo diferente de recepção.
O último detento que entrevistado foi enquadrado no art. 155 do CP, crime de furto, estava detido há 10 meses e ainda aguardava julgamento. Antes de ser pego em flagrante o criminoso havia cometido outros 3 furtos e apenas na 4ª infração foi detido. Esse preso responderá apenas por seu último crime, resta comprovado que, como dito anteriormente, muito dos crimes cometidos ficam sem a punição devida. Trabalhando na cozinha, responsável pela higienização dos pratos e outros utensílios, o preso se disse satisfeito pela oportunidade dada de ocupar uma função que tem como recompensa, além do subsídio mensal, a diminuição de 1 dia de sua pena a cada 3 dias trabalhados (art. 126, §1º Lei nº 7.210/84) . Disse ainda que não pretendia continuar naquela vida de infrações e que gostaria de ter tido a oportunidade de estudar, porém o rumo de sua vida o levou por outro caminho. Afirmou não ter tido orientação de sua família, pois seus próprios irmãos mais velhos já eram viciados quando ele era ainda apenas uma criança. Citando as palavras exatas do detento: “tenho essa moda feia de pegar as coisa dos Oto, num posso ver nada sozim”, remetendo-nos ao pensamento de uma possível doença cleptomaníaco não diagnosticada.
Percebe-se nesses três casos que o sentimento de arrependimento está enraizado. Para fundamentar esse fato, Sebastião Vila Nova afirma que: “o poder de coerção de uma norma pode muito bem ser medido pelos sentimentos de culpa que a sua violação desencadeia no transgressor”.[11]
4 Considerações finais
Mostrar o cotidiano, a socialização dos detentos e o contraste entre o positivado nos livros e a realidade constituíram os objetivos centrais da presente pesquisa.
É visível perceber que a vida dos encarcerados, o seu cotidiano, suas práticas, crenças e até suas metas ao saírem da prisão são bastante diferentes daquilo que conhecemos enquanto senso comum. Este busca introduzir certos preceitos que ao serem analisados tornam-se errôneos.
Aquilo que está positivado acaba tornando-se uma utopia frente à realidade dos indivíduos encarcerados, pois as regras impostas pelo primeiro são “menosprezadas” pelos sistemas administrativos das penitenciárias na tentativa de suprir as necessidades de demanda, dentre diversas outras, da população carcerária.
Aos presos é garantido através do Código Penal, direitos e deveres, mas através da pesquisa em tela, concluí que na maioria das vezes, acabam por não serem efetivados de maneira correta. Isto implica no descaso e na má administração do Estado para com os indivíduos encarcerados.
Vimos que o principal objetivo da reclusão do criminoso dificilmente é atingido, em razão das condições precárias dos presídios. Diversos fatores concorrem para que os dias de confinamento não tenham resultado eficaz, seja pela cultura da sociedade na qual vivemos, seja pela subcultura criada pelos próprios presos no interior dos presídios tornando-os um lugar onde a vida já não tem tanto valor e o sentimento é o de individualismo e de submissão aos chefes do tráfico.
Essa pesquisa de campo apenas evidencia uma realidade que, há muito, é de conhecimento geral: aqueles que cá estão detidos, em sua grande maioria, não sairão de lá reabilitados, porém ainda mais revoltados com a realidade social.
A cultura é um conjunto de pensamentos, crenças, regras, valores e comportamentos. O que dizer então daqueles que passaram anos sofrendo maus tratos, humilhações e espancamentos? Culpá-los?
A população chama de marginais aqueles que não agem de acordo com as regras sociais, aqueles que ficam às margens. Pensemos, essa postura marginalizada é a escolhida por eles ou foram induzidos desde a infância a viver em meio às drogas e violência?
A Lei de Execução Penal nos fala que o máximo de dias permitido na “tranca” antes de se instaurar o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) são 10 dias, na PIRS é possível que os mesmos passem até 30 dias sem ter contato com os outros presos.
A Diretora, durante a entrevista, confidenciou saber da existência de maus tratos dentro da cadeia, afirmou ainda ser contra essa prática e admitiu não ser capaz de controlá-la e extingui-la.
Disse que o tráfico de drogas é comum, e que na grande maioria das buscas são encontrados diversos tipos destes, porém defende sua postura de “vistas grossas” usando o argumento que: “A grande maioria dos presos é viciada em entorpecentes, se todas as drogas forem tiradas do presídio haverá crise de abstinência generalizada, e daí para ocorrer uma rebelião não demora muito”.
Percebe-se uma adequação dos presos às normas, ou pelo menos a tentativa, e uma adequação disfarçada da administração dos presídios aos encarcerados culminando num processo de socialização, onde suas culturas se fundem para a busca incessante de um convívio harmônico.
Referências bibliográficas:
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FERNANDES, Florestan. O desafio Educacional. São Paulo: Cortez, 1989.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
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WELZEL, Hans. Derecho Penal alemán. Trad. Juan Bustos Ramirez e Sergio Yáñes Pérez. Santiago: Jurídica de Chile, 1970.
[1] Welzel, Derecho Penal alemán, 3ª ed. Castellana da 12ª ed. alemán, Santiago, Ed Jurídica de Chile, 1987, p. 11.
[2] Frederico Marques, Curso de Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1954, v.1, p. 11.
[3] Cuello Calón, Derecho Penal, Barcelona, Bosch, 1960, p.1, p.8.
[4] Sebastião Vila Nova. Introdução a Sociologia. Ed. Atlas, 2000, p. 50.
[5] Sebastião Vila Nova. Introdução a Sociologia. Ed. Atlas, 2000, p. 50.
[6] Denise de Roure. Panorama dos Processos de Reabilitação dos Presos. Revista CONSULEX. Ano III, nº 20, Aro 1998, p. 15-17.
[7] Robson Augusto Mata de Carvalho. Cotidiano Encarcerado: o tempo como pena e o trabalho como “prêmio”. Ed. Conceito Editorial, 2010, p. 130.
[8] Sebastião Vila Nova. Introdução a Sociologia. Ed. Atlas, 2000, p. 58.
[9]Robson Augusto Mata de Carvalho. Cotidiano Encarcerado: o tempo como pena e o trabalho como “prêmio”. Ed. Conceito Editorial, 2010, p. 81.
[10] Sebastião Vila Nova. Introdução a Sociologia. Ed. Atlas, 2000, p. 105
[11] Sebastião Vila Nova. Introdução a Sociologia. Ed. Atlas, 2000, p. 105