MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO ALTERNATIVA PARA A DEMOCRACIA REAL
Guilherme Fonseca de Oliveira[1]
Resumo: Discorre sobre a crise da democracia representativa, a crise da legitimação e as finalidades do sistema democrático. Discute a possibilidade de se reconhecer nos meios extrajudiciais de solução de conflitos alternativa para a construção da chamada democracia real.
Palavras-chave: democracia real; crise de representatividade; meios extrajudiciais de solução de conflitos.
Introdução
A democracia representativa já não supre os anseios de regulação social e já não cumpre as suas promessas. Então, parece se tornar imprescindível diante dessa inequívoca crise discutir alternativas para retomada dos eixos.
Pretende-se defender, brevemente, a possibilidade de se reconhecer nos meios alternativos de solução de conflitos uma opção para o alcance dessas almejadas finalidades e, principalmente, para a busca da chamada democracia real
Desenvolvimento
Não há dúvidas de que hoje o Brasil vive uma democracia. Uma democracia representativa e em crise. Mas uma democracia. Hoje é possível afirmar que na luta dos sistemas de governo, a democracia venceu. Seguindo suposta concepção Rousseauniana, acredita-se na vontade geral. Bem assim, acredita-se que a democracia instrumentalizada a partir das leis representa o que mais se aproxima da vontade geral e, portanto, deva ser defendida.
No entanto, essa suposta concepção Rousseaniana não subsiste a uma análise detida da tese defendida pelo nobre contratualista, porque, embora para ele o homem seja essencialmente bom, disto não decorre que todas as deliberações do povo sejam necessariamente sempre boas. A distinção entre vontade geral e vontade de todos explicita isto. Aquela diz respeito ao interesse comum; a outra, ao interesse privado, sendo apenas a soma das vontades particulares, como assevera Fábio Konder Comparato, no Prefácio à 1ª edição da obra “Quem é o povo?”, de Friederich Muller (2011, p. 20).
Em prejuízo da concepção liberal, a lei não representa a vontade da maioria. A lei resulta de grupos de pressões (empresários, ruralistas, sindicalistas, religiosos, etc.) e de mecanismos ilegítimos de votação. A lei não aponta para a vontade geral, mas representa uma manifestação contraditória, ocasional, fragmentária, numerosa e cambiante. A crise da lei se confunde com a crise da representação, e esta mitiga a legalidade, justamente pelo fato de que a lei não é mais a expressão da vontade geral (CAMBI, 2011, p. 183-184).
A Constituição Federal de 1988 escolheu a democracia como base do Estado brasileiro, sob o primado de que “todo o poder emana do povo”, adotando a chamada fórmula de Lincoln, para a qual opera-se o “governo do povo, pelo povo e para o povo” (FACHIN, 2008, p. 180). Porém, não há como discutir esse tema sem se ter em mente que o vocábulo “povo” aparece na teoria jurídica da democracia enquanto bloco e que, neste emprego, são encobertas diferenças entre retórica ideológica e democracia efetiva (CHRISTENSEN, 2011 apud MULLER, 2011, p. 34). Da mesma sorte, outro não é uso do termo “democracia”, sendo este, diariamente, abraçado para acobertar ideologias e obstar a real manifestação da vontade geral.
Mas qual a relação entre crise da democracia representativa, crise da lei e meios extrajudiciais de solução de conflitos?
Não gozando as leis - que servem de base para a tutela jurisdicional do Estado - de verdadeira legitimação, parece plenamente defensável que se advogue, como aqui se pretende, o aproveitamento dos meios alternativos de solução de conflitos como meio de valorização da democracia.
Isto é assim porque, atualmente, estes mecanismos têm aptidão para permitir a participação efetiva das partes e de estimular a composição justa dos problemas, por intermédio de procedimentos simples, informais e econômicos (MUNIZ, 2006, p. 244), além de concordarem com os princípios e o modelo de Estado atual, onde se vislumbra o cidadão e seu voluntarismo no centro das políticas públicas de resolução de conflitos (CACHAPUZ, 2008, p. 98). Seguindo tal concepção, essa escolha permite a participação do indivíduo diretamente na resolução da contenda, favorecendo a liberdade e a maior ingerência sobre a própria vida, o que é também o que se almeja quando da defesa da democracia real.
Em outras palavras, para além da regra da maioria, a democracia é a concretização de direitos fundamentais e a observância de procedimentos que assegurem a participação livre e igualitária de todos nos processos decisórios (BARROSO, 2009, p. 58). E, dentre as inúmeras vantagens dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos, uma das principais é justamente a da autonomia da vontade e, consequentemente, da maior participação nos processos decisórios.
É evidente a importância do Estado na gestão dos interesses da sociedade, mas não basta que se trabalhe tão somente na modernização do Judiciário, há que se trabalhar na modernização da justiça, mais próxima do indivíduo e transformadora da sociedade (MUNIZ, 2006, p. 248).
A mudança de paradigmas sociais e a conscientização de necessárias alternativas à estrutura Estatal parece meio hábil e necessário para a pacificação social. E é isto o que se espera de um modelo de governo tido como ideal.
Por derradeiro, parece – e para tanto busca-se socorro em José Afonso da Silva - que a adoção da democracia como modelo de governo ideal se dá pelo fato de que se trata do melhor instrumento na realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem, verdadeiramente, nos direitos fundamentais do homem (2011, p. 125). Por outro lado, a democracia, nas palavras de Zagrebelsky, nunca será um regime arrogante, que recusa autocríticas e olha apenas para frente, mas é um regime inquieto, circunspecto, desconfiado, sempre pronto a reconhecer os próprios erros e a recomeçar do zero (2011, p. 132). Não se podendo vislumbrar na democracia um regime que se baste, as críticas e as alternativas como as defendidas neste trabalho ganham alguma importância.
Conclusão
Hoje, quando não mais se vê na lei a almejada expressão da vontade geral, cresce a demanda por opções capazes de efetivar os anseios democráticos, e acredita-se, em verdade, na popularização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos como opção para o alcance desse desiderato.
Referências:
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade do direito brasileiro: exposição sistemática e análise crítica da jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CACHAPUZ, Rozane da Rosa; CONDADO, Elaine C. Gomes. “Arbitragem – instrumento efetivo de acesso à justiça”. Scientia Iuris. 2008, vol. 12, p. 95-116. Disponível em <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4156>. Acesso em 22.mai.2014.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
CHRISTENSEN, Ralph. Introdução. In: MULLLER, Friederich. Quem é o povo? : a questão fundamental da democracia. 6. ed. Tradução: Peter Neumann. Revisão da Tradução: Paulo Bonavides. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
COMPARATO, Fábio Konder. Prefácio. In: MULLLER, Friederich. Quem é o povo? : a questão fundamental da democracia. 6. ed. Tradução: Peter Neumann. Revisão da Tradução: Paulo Bonavides. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2008.
MUNIZ, Tânia Lobo. “Mediação – um instrumento de pacificação social: educar para a paz”. Scientia Iuris. 2006, vol. 10, p. 243-270. Disponível em < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/view/4134>. Acesso em 22.mai.2014.
ROSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. Tradução: Pietro Nasseti. 3. ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2000.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2011.
ZAGREBELSKY, Gustavo. A crucificação e a democracia.Tradução: Monica de Sanctis Viana. São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] Pós-graduado em Direito Constitucional pelo IDCC - Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Graduado em Direito pela UEL – Universidade Estadual de Londrina.