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Os desafios jurídicos para adequação da identidade de transexuais

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09/06/2014 às 14:27
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2. SEXUALIDADE HUMANA

A sexualidade trata-se de um fenômeno social total, existente em todas as instituições sociais, que envolve sentimentos, sensações, fisicalidade, reprodução, etc.

É estranha a qualquer espécie de padronização, já que seus ditames variam de acordo com a sociedade na qual se instala.

Podemos dizer que a sexualidade é constituída, portanto, por um sistema complexo envolvendo as várias determinações sexuais, desde o sexo biológico até o sexo de criação, compreendendo todas as manifestações do instinto sexual humano e as possíveis interferências dos ditames sociais.

2.1. Do sexo

Antes de tratar sobre a identidade de gênero, faz-se necessário discorrer brevemente sobre a identificação do sexo em seus vários contextos, bem como sobre os variados segmentos do sexo, quais sejam, biológico, genético, gonádico, somático, neural, jurídico, de criação ou social e psicossocial, mesmo que superficialmente, já que não é esse o objeto principal deste trabalho.

2.1.1. Sexo biológico

O sexo biológico é subdividido em três espécies, a saber:

  • o sexo genético ou cromossômico, que ocorre com a fecundação;

  • o sexo gonádico, que ocorre com a atuação das gônadas;

  • o sexo somático, que forma as estruturas sexuais.

2.1.1.1. Sexo genético

Também denominado de sexo genotípico, o sexo genético pode ser dividido em cromossômico e cromatínico.

Del-Campo sustenta que os seres humanos possuem 46 (quarenta e seis) cromossomos, divididos em pares, formando, no total, 23 (vinte e três) pares cromossômicos.

A identificação sexual do indivíduo se dá em três etapas, sendo a primeira delas com a fecundação, momento em que, a partir da conjugação dos genomas paternos, será definido o sexo genético.

Isso ocorre com a contribuição dos cromossomos da mãe – sendo o cromossomo materno tendencioso à feminilidade, representado pela letra “X” – e com a contribuição dos cromossomos do pai – que pode tender tanto para a feminilidade (cromossomo “X”) quanto para a masculinidade (cromossomo “Y”).

A união dos cromossomos dos pais trará a primeira identificação sexual do indivíduo: sendo o resultado da junção cromossomos “XX” o sexo biológico será feminino, sendo cromossomo “XY” o sexo biológico será masculino.

2.1.1.2. Sexo gonádico

A segunda etapa da definição sexual ocorre com a formação primária, que configura os órgãos sexuais, e a secundária, que forma as demais características identificadoras do sexo.

As informações internas indicarão às gônadas a necessidade de produção de substâncias masculinizadoras, ocasionando a formação de testículos.

Qualquer anormalidade na estrutura das gônadas acarretará a presença de caracteres sexuais alterados, assim como o mau funcionamento hormonal poderá causar a masculinização ou feminilização parcial ou dúbia do sistema, configurando a transexualidade devido às alterações que o ritmo cerebral pode sofrer no período fetal, não fazendo a “diferenciação sexual cerebral do indivíduo segundo a diferenciação traçada pelo cariótipo e, posteriormente, pelos hormônios gonádicos”.

2.1.1.3. Sexo Somático

A terceira e última etapa é realizada com a participação dos hormônios que levam as informações sexuais aos demais tecidos, através da corrente sanguínea, para sua devida formação.

Todo o contexto biológico dependerá do correto recebimento daquela informação e da efetiva formação do tecido.

Qualquer erro acarretará a formação biológica feminina, já que está é “automática”, independendo da correta informação dos hormônios, ao contrário da masculina, cuja informação correta dos hormônios é essencial.

2.1.2. Sexo neural

O sexo neural compreende duas espécies sexuais: a feminina e a masculina.

Não há qualquer estado de intersexualidade ou duplicidade.

Nesse diapasão, independentemente da orientação sexual, somente é possível encontrar dois tipos de comportamentos sexuais, como dito, feminino e masculino.

Ao comportamento feminino são atribuídos características de fragilidade, sentimentos, passividade e romantismo, enquanto ao masculino tem características como força, atividade e o instinto sexual independente de qualquer sentimento.

Esse é o entendimento de FREITAS:

Comportamentos eminentemente ativos (diante de homens e mulheres) ou ativo/passivo (diante de homens), mas sempre com um forte componente ativo diante de homens, independentemente de pênis ou vaginas, ou de quaisquer outras características, indicam um EU neuralmente estruturado de forma masculina, portanto um HOMEM.

Comportamentos eminentemente passivos, receptivos (diante de homens) independentemente de pênis ou vaginas ou quaisquer outros itens de aparência, indicam um EU neuralmente estruturado de forma feminina, portanto uma MULHER.

Portanto, conclui-se que a formação neural será tendenciosa na identificação sexual do indivíduo, pois a partir dela que o mesmo construirá sua sexualidade, o que independe dos atributos secundários de seu corpo.

2.1.3. Sexo jurídico

Sexo jurídico é aquele acentuado na certidão de nascimento da criança a ser lavrado no Cartório de Registro Civil das Pessoas Físicas.

Ele é designado de acordo com a identificação do sexo biológico, variável entre feminino e o masculino.

Devido aos problemas trazidos pela transexualidade, há projetos de lei em tramite, visando instituir novas figuras sexuais.

Aludidas ações também geram a relativização do registro civil no que se refere à definição de sexo.

2.1.4. Sexo social

O sexo de criação representa condutas, costumes e crenças sociais baseadas na diferenciação de tratamentos atribuída à criança em prol da identificação de seus sexos biológico e jurídico.

Segundo PERES (2001, p. 86):

Portanto, tem-se que o sexo de criação resulta de influências psicológicas, socioculturais e ambientais na formação do indivíduo.

Essas influências também seriam responsáveis pela estruturação do seu comportamento e pela sua identificação sexual.

Conforme posicionamento de JAYME:

Se concordarmos que a identidade cultural é uma construção que será intrinsecamente relacionada à diferença, à alteridade, não podemos negar a interferência das transformações sociais do mundo contemporâneo em sua formulação.

Deste modo, podemos afirmar que a consciência que se tem de ser do gênero masculino ou feminino é adquirida e induzida pelo comportamento e pelas atitudes dos pais, dos familiares e do meio social a que se pertence, além da percepção e interiorização das experiências vividas.

Esse processo pode sofrer várias interferências que podem levar a um sério comprometimento na identificação de gênero.

2.2. Estados Físicos e Comportamentais

A orientação sexual e a identidade de gênero não tem, necessariamente, ligação com o sexo gonádico, endócrino ou morfológico, posto possuir elementos conscientes e inconscientes, portanto, advindo de influência psicológica e interligação com as características físicas do indivíduo, sendo compreendida por fatores internos e externos inerentes ao indivíduo.

Primeiramente, importante tratar sobre as diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero, posto serem coisas distintas, conforme se observará a seguir.

2.2.1. Orientação Sexual

A identidade sexual nada mais é do que a forma como nos sentimos afetivamente e sexualmente.

De acordo com Lívia Cristina Rocha:

Assim sendo, a identidade sexual está atrelada a todos os fatores internos e externos que, de alguma forma, podem interferir na formação sociocultural do indivíduo.

Contudo, apesar das demais formações sexuais, a revelação de sua identidade somente é cabível ao indivíduo a que pertence e geralmente ocorre na infância entre os quatro e seis anos, quando a criança desperta para a realidade fática e o meio social no qual vive, tomando assim consciência de quem verdadeiramente é, muito embora haja certa confusão devido ao pouco conhecimento e a pouca experiência, as atitudes tomadas por ela já são suficientes para interpretar sua identidade sexual.

Nesse diapasão, nas palavras de BRIGEIRO, “sexualidade não é sobre o que você faz, necessariamente. É sobre o que você é e o que você idealmente você faria, no caso de uma vida não influenciada pela demanda dos outros”.

Existem quatro tipos de orientação sexual:

  • (i) bissexualidade,

  • (ii) heterossexualidade,

  • (iii) homossexualidade e

  • (iv) assexualidade.

Apesar de não se tratar do foco principal deste trabalho, discorreremos brevemente estes diferentes tipos.

2.2.1.1. Bissexualidade

De maneira bastante simplificada, podemos afirmar que os bissexuais são aqueles que sentem atração sexual por ambos os sexos: tanto pelo seu próprio quanto pelo oposto.

Tecnicamente, entretanto, não é tão simples definir esse tipo de identidade sexual.

Atualmente, a bissexualidade indica “um desejo sexual que ‘combina’ ou ‘une’ a heterossexualidade e a homossexualidade”.

2.2.1.2. Homossexualidade

A homossexualidade se caracteriza como sendo um indivíduo que escolhe ter relações sexuais com um indivíduo do mesmo sexo biológico que o seu, podendo ocupar a posição ativa ou passiva.

Na homossexualidade, não há negação quanto ao próprio sexo biológico, somente estando atrelado à opção sexual do indivíduo, que escolhe livremente a escolha de seu(sua) parceiro(a) sexual como sendo outro indivíduo de seu mesmo sexo biológico.

Quando manifestado em homens, essa prática recebe nomes como uranismo, pederastia e sodomia e, quando em mulheres, como safismo, lesbismo, lesbianismo e tribadismo.

Vale ressaltar que, muitas vezes, a homossexualidade pode vir a ser uma forma inicial de transexualidade.

Entretanto, são manifestações distintas, sendo a homossexualidade uma identidade sexual e a transexualidade – como veremos mais à frente – uma identidade de gênero, que são, por muitas vezes, confundidas.

2.2.1.3. Heterossexualidade

Os heterossexuais podem ser classificados como indivíduos que demonstram afinidade sexual por indivíduos de sexo biológico oposto ao seu próprio e é considerada a identidade sexual mais comum entre os seres humanos.

A heterossexualidade vem sendo considerada, ao longo dos anos, como a orientação sexual “correta”, “normal”, “natural”, decorrente de uma ligação direta com a função reprodutora humana, posto haver relações sexuais entre um indivíduo do sexo feminino e um indivíduo do sexo masculino.

Entretanto, atualmente esse conceito de ser o comportamento sexual humano “normal” vem sendo rechaçado e substituído para orientação sexual mais “comum” entre os seres humanos, não sendo mais o único comportamento sexual admitido na sociedade atual, embora ainda haja preconceito.

2.2.1.4. Assexualidade

A definição mais bem aceita de assexualidade é a de que indivíduos assexuais são aqueles que apresentam uma falta de atração sexual por pessoas.

É preciso, primeiramente, diferenciar a assexualidade do transtorno do desejo sexual hipoativo.

Enquanto o primeiro é uma patologia cujas características são a diminuição ou ausência de fantasias sexuais que levam o indivíduo afetado a deixar de querer ter relações sexuais, e causa sofrimento e dificuldades em se relacionar também afetivamente, o segundo é tido como orientação sexual – apesar de não existir consenso sobre essa categorização -, onde o indivíduo não sente vontade de praticar relações sexuais, mas pode praticá-las independente disso e não há prejuízos nos relacionamentos afetivos.

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De acordo com Asexuality Visibility and Education Network:

An asexual is someone who does not experience sexual attraction.

Unlike celibacy, which people choose, asexuality is an intrinsic part of who we are.

Asexuality does not make our lives any worse or any better, we just face a different set of challenges than most sexual people.

There is considerable diversity among the asexual community; each asexual person experiences things like relationships, attraction, and arousal somewhat differently.

Asexuality is just beginning to be the subject of scientific research.

Portanto, nota-se que a assexualidade ainda é um campo da sexualidade humana pouco explorado e estudado, havendo pouco material científico a respeito.

2.2.2. Identidade de Gênero

Pode-se definir identidade de gênero como a relação entre sexualidade e o sexo propriamente dito, podendo ser conflitante quando uma pessoa com determinado sexo biológico possui um comportamento de gênero e uma vivência diversa de sua sexualidade.

Nas palavras de Louro: “a coerência e a continuidade supostas entre sexo-gênero-sexualidade servem para sustentar a normatização da vida dos indivíduos e das sociedades”.

Nesse diapasão, podemos afirmar que a identidade de gênero é aquele gênero com o qual um indivíduo se identifica, podendo concordar ou não com seu gênero biológico.

Nota-se que, como ressalta JESUS, “identidade de gênero e orientação sexual são dimensões diferentes que não se confundem”.

A identidade de gênero pode ser afetada por uma variedade de estruturas sociais, podendo ser dividida em três tipos:

  • (i) travestismo;

  • (ii) intersexualidade; e

  • (iii) transexualidade.

2.2.2.1. Travestismo

“A criação do termo travestismo é atribuída a Hirschfeld, em 1910, conhecido, também, pela denominação de roupas cruzadas ou roupas trocadas, do inglês crossdressing”.

O travestismo é bastante confundido com o transexualismo.

Entretanto, enquanto a transexualidade possui uma discrepância entre o sexo biológico e o psicológico, o travestismo nada mais é do aquele indivíduo que se veste com roupas que a sociedade reconhece como sendo adequadas ao sexo oposto.

Segundo Berenice Bento:

Uma das diferenças tradicionalmente apontadas entre transexualidade e travestilidade estava na realização da cirurgia.

Considerava-se que todas as pessoas transexuais atrelavam sua reivindicação de mudança de gênero à realização das cirurgias.

Nos últimos anos, esta centralidade começou a ser relativizada por pessoas transexuais que reclamam a mudança do gênero e não a condicionam à cirurgia.

Essa relativização assumida aumentou o embaralhamento das fronteiras indenitárias.

O travestismo é dividido em duas formas, podendo ser por fetiche ou por defesa (ou bivalente, de acordo com o autor).

O travestismo fetichista é considerado um transtorno de preferência sexual e, de acordo com o CID-10, da OMS, é definido como: Vestir roupas do sexo oposto, principalmente com o objetivo de obter excitação sexual e de criar a aparência de pessoa do sexo oposto.

O travestismo fetichista se distingue do travestismo transexual pela sua associação clara com uma excitação sexual e pela necessidade de se remover as roupas uma vez que o orgasmo ocorra e haja declínio da excitação sexual.

Pode ocorrer como fase preliminar do desenvolvimento do transexualismo.

Ainda, o DSM, explica que, no travestimos fetichista, a “excitação sexual é produzida pelo pensamento ou imagem concomitante do indivíduo como mulher”, podendo essas imagens variar entre ser uma mulher com genitália feminina ou uma visão de si mesmo inteiramente vestido como mulher, mas sem nenhuma atenção as genitálias.

Ademais, expõe que, nos casos de travestismo fetichista, “quando não está travestido, o homem com travestismo fetichista em geral é irreparavelmente masculino”.

Já o travestismo de defesa ou bivalente, é classificado, de acordo com a CID-10, como sendo:

(...) o fato de usar vestimentas do sexo oposto durante uma parte de sua existência, de modo a satisfazer a experiência temporária de pertencer ao sexo oposto, mas sem desejo de alteração sexual mais permanente ou de uma transformação cirúrgica; a mudança de vestimenta não se acompanha de excitação sexual.

Portanto, conclui-se que a diferença maior entre os transexuais e os travestis está no fato de que os transexuais, sim, se travestem, mas isso acontece como sintoma, e não como fetiche ou exibicionismo, como acontece com os travestis, que não sentem apatia pelo seu sexo biológico, como ocorre com os transexuais.

2.2.2.2. Intersexualidade

Intersexual pode ser definido como o indivíduo que apresenta ambiguidade de ordem biológica, decorrente da alteração das gônadas, apresentando uma forma de mistura entre os tecidos masculino e feminino.

A intersexualidade pode ser descrita como a “existência de desequilíbrio entre os diferentes fatores responsáveis pela determinação do sexo”.

Nas palavras de Lívia Cristina Rocha:

A doutrina tinha por hábito fundamentar a definição do intersexualismo (sic) no desequilíbrio entre os fatores responsáveis pela definição sexual, não importando a extensão do desequilíbrio, mas sim apenas sua existência, assim, o emprego do termo para indicação da presença ambígua de fatores biológicos é relativamente recente.

Nessa linha, o intersexualismo pode ser definido como a malformação dos caracteres sexuais, ou seja, seu portador possui caracteres somáticos e psíquicos de ambos os sexos, feminino e masculino, geralmente é definido como portador de sexo indeciso.

A ambuguidade dos sexos leva a um desacordo entre o sexo genético, o gonodal e o fenotípico dos indivíduos denominados intersexuais.

Entretanto, a pessoa que possui essa ambiguidade desenvolve, em maior ou menos grau, uma identidade de gênero, ou seja, um sexo psicológico.

Assim, essa ambiguidade, em alguns casos, é passível de correção por vias cirúrgicas, que devem levar em conta o sexo psicossocial, sempre que possível.

2.2.2.3. Transexualidade

A transexualidade pode ser definida como um indivíduo que possui um sexo biológico o qual rejeita, se identificando com o sexo oposto ao seu.

São pessoas que possuem um sexo no registro civil, mas se identificam fortemente com o oposto.

Nas palavras de Tereza Rodrigues Vieira:

O componente psicológico do transexual caracterizado pela convicção íntima do indivíduo de pertencer a um determinado sexo se encontra em completa discordância com os demais componentes, de ordem física, que designaram seu sexo no momento do nascimento.

Sua convicção de pertencer ao sexo oposto àquele que lhe fora oficialmente dado é inabalável e se caracteriza pelas primeiras manifestações da perseverança desta convicção, segundo uma progressão constante e irreversível, escapando a seu livre arbítrio.

E continua:

Transexual é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja de livrar por meio de cirurgia.

O fenômeno da transexualidade alcançou notoriedade quando, em 1952, houve a divulgação em jornais americanos sobre a história de George Jorgensen, um jovem de 28 (vinte e oito anos), ex-soldado do exército americano, que se submeteu a tratamentos hormonais para adequação de seu sexo biológico com seu sexo psíquico, intervenção esta feita pelo endocrinologista dinamarquês Christian Hamburguer. Por fim, submeteu-se à operação de transgenitalização, em dois tempos distintos, sendo a primeira para retirar seus testículos e a segunda para a retirada de seu pênis. Não houve a construção de uma vagina. Entretanto, após a feitura das cirurgias e o uso concomitante de hormônios, George passou a se vestir como mulher, viver como mulher e usar o nome feminino: Christine.

Entretanto, a expressão transexualidade somente chega à medicina na década de 50 (cinquenta), quando o Dr. Harry Benjamin descobriu a síndrome que nós chamamos de transexualismo, ajudando a lançar o tratamento. Seu trabalho com transexuais rendeu a publicação do livro The Transsexual Phenomenon, avançando na diferenciação entre travestismo e transexualidade. Ademais, Benjamin também criou uma escala de orientação sexual, o qual denominou “Harry Benjamin Sex Orientation Scale (S.O.S.), Sex and Gender Disorientation and Indecision (Males)”, baseando-se em seus estudos sobre os transexuais:

Tabela 1 - Harry Benjamin Sex Orientation Scale

Tipo I - Pseudo Travesti

Tipo II - Travesti fetichista

Tipo III - Travesti Verdadeiro

Tipo IV - Transexual não cirúrgico

Tipo V - Transexual de intensidade moderada

Tipo VI - Transexual de alta intensidade

Sentimento quanto ao Gênero

Masculino

Masculino, mas sem convicção

Incerto entre travesti e transexual

Pode rejeitar seu gênero

Feminino, preso em um corpo masculino

Feminino, inversão “psicossexual”

Hábitos de se vestir e vida social

Vida masculina normal

Pode apresentar pequeno desejo de se vestir [com roupas femininas]

Não é verdadeiramente transexual. Vive como homem

Veste-se periodicamente ou em parte do tempo [com roupas femininas]

Veste-se com roupas masculinas. Veste-se constantemente ou com a frequência possível [com roupas femininas]

Pode viver e ser aceito como mulher. Pode se vestir com roupas masculinas

Objeto de escolha sexual e vida sexual

Usualmente heterossexual. Raramente bissexual. Masturba-se com fetiches. Apresenta sentimentos de culpa. Penaliza-se e relaxa

Usualmente heterossexual. Pode ser bissexual ou homossexual. Principalmente durante a masturbação tem fantasias de se vestir e de mudança de sexo

Heterossexual, exceto quando vestido. Vestir dá satisfação sexual e alívio ao desconforto de gênero. Comum a punição e o relaxamento

Baixa libido. Geralmente assexual ou auto-erótico. Pode ser bissexual

Baixa libido. Assexual, auto-erótico ou homossexualidade passiva. Pode ter sido casado e ter filhos

Desejos intensos de se relacionar com homens normais no papel de mulher, se jovem. Com o tempo, baixa libido. Identificação heterossexual ou bissexual. Pode ter sido casado e ter filhos

Operação de conversão

Na realidade não considera

Pode considerar somente em fantasia. Rejeita-a

Rejeita, mas a ideia é atraente

Atraente, mas não solicitada

Solicitada

Urgentemente solicitada e usualmente conseguida

Hormonioterapia / Estrogenoterapia

Não considera

Não indicada

Raramente interessado. Pode ajudar a reduzir a libido

Atrativa como experiência. Pode ser útil como diagnóstico

Necessária para conforto e balanço emocional

Necessária como substituta ou como preliminar para a cirurgia de conversão sexual

Necessária como alívio parcial

Psicoterapia

Paciente não deseja

Pode ser bem sucedida em circunstância social favorável

Vale como tentativa, mas sem sucesso de cura

Só como apoio. Muitas vezes recusada e sem sucesso

Rejeitada. Menos ainda como cura. Orientação psicológica permissiva

Orientação psicológica ou psicoterapia só como alívio sintomático

Observações

Somente interesse esporádico em se vestir

Raramente tem nome feminino quando vestido

Pode ser confundida com dupla personalidade masculina e feminina, com nomes masculinos e femininos

Pode assumir dupla personalidade. Inclina-se para o transexualismo (sic)

Vida social dependente das circunstância. Frequentemente identifica-se como transgênero

Cirurgia desejada, esperada e buscada com esforço até conseguir. Despreza seus órgãos sexuais masculinos. Perigo extremo de auto-mutilação ou até mesmo suicídio se a cirurgia de conversão não é conseguida

Tipo 0:

Orientação e identificação sexuais sem problemas: heterossexual, homossexual ou bissexual.

As ideias de “vestir” ou “mudar de sexo” são estranhas e desprazerosas.

Inclui a maioria das pessoas.

Como se pode notar pela Tabela 1, Benjamin não trata sobre a transexualidade feminina, pois acreditava que esta se dava por outro tipo de desenvolvimento, por conta da sua menor frequência na população. Acreditava, portanto, que a transexualidade só afetaria os homens.

Depois de Benjamin, houve vários autores que estudaram o tema e colaboraram para muitos trabalhos científicos, fundamentais no estudo de gênero.

Os autores definiam dois conceitos importantes para o entendimento da transexualidade:

  • (i) identidade de gênero, que é a identidade, harmonia e persistência da individualidade de alguém como masculina, feminina ou ambivalente, em maior ou menor grau, especialmente como ela é experimentada com sua própria consciência e comportamento; e

  • (ii) papel de gênero, que é tudo que uma pessoa diz e faz para indicar aos outros ou a si mesmo seu grau de masculinidade, feminilidade ou ambivalência, isso inclui, mas não se restringe, ao desejo e resposta sexual.

Ainda atualmente, a transexualidade é vista pela medicina, psicologia e psiquiatria como uma patologia, mesmo com todos os esforços de grupos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBTT) para modificar essa situação.

Aqui, cita-se o DSM, da APA, onde a transexualidade é classificada como transtorno de identidade de gênero, apresentando sintomas bastantes característicos, quais sejam, uma forte e persistente identificação com o sexo oposto, com o desejo de ser do gênero contrário e apresentando evidências de um desconforto persistente com o próprio sexo.

Além deste documento, cita-se a CID-10, da OMS, onde a transexualidade é prevista como transtorno da identidade sexual, e contém orientações sobre o diagnóstico e o tratamento desta patologia.

No Brasil, além de serem utilizados os documentos supracitados, surge a Resolução do CFM, de número 1.955/2010, dispondo sobre a cirurgia de redesignação sexual, onde expõe ser o “paciente transexual portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual”.

Entretanto, atualmente há uma crescente discussão, apesar dos documentos citados, no que se refere ao desejo manifestado pelos transexuais de realizar a cirurgia e seu desejo sexual, posto os documentos oficiais trazerem uma forma de transexual cujas características seriam a intensa vontade de se submeter à intervenção cirúrgica para adequação de seu sexo biológico com o psicossocial e possuir anseio em ter relações sexuais com o sexo oposto àquele com o qual se identifica.

Porém, o que se tem constatado é que existe uma pluralidade de transexuais, com as mais diversas formas de manifestação sexual e desejo de se submeter à cirurgia.

Nas palavras de Berenice Bento:

Historias de vida de pessoas transexuais que têm uma vida sexual ativa, que vivem com seus/suas companheiros/as antes da cirurgia, pessoas que fazem a cirurgia não para manterem relações heterossexuais, pois se consideram lésbicas e gays, desconstroem as respostas padronizadas dadas pelo poder/saber médico.

Outras pessoas transexuais questionam a eficácia da cirurgia para suas vidas, defendem que o acesso e o exercício da masculinidade ou da feminilidade não serão garantidos pela existência de um pênis ou de uma vagina.

Nesses casos, a principal reivindicação é o direito legal à identidade de gênero.

Por isso, faz-se imprescindível a diferenciação anteriormente feita entre o que vem a ser a orientação sexual e a identidade de gênero, já que não se confundem.

2.3. A cirurgia de redesignação de sexo

A transexualidade é tida como um transtorno da identidade sexual, prevista na CID-10, que a define da seguinte forma:

Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto.

Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado.

Já o DSM, expõe que Há dois componentes no Transtorno da Identidade de Gênero, sendo que ambos devem estar presentes para fazer o diagnóstico.

Deve haver evidências de uma forte e persistente identificação com o gênero oposto, que consiste no desejo de ser, ou a insistência do indivíduo de que ele é do sexo oposto (Critério A).

Esta identificação com o genero oposto não deve refletir um mero desejo de quaisquer vantagens culturais percebidas por ser do outro sexo.

Também deve haver evidencias de um desconforto persistente com o próprio sexo atribuído ou uma sensação de inadequação no papel de gênero deste sexo (Critério B).

Por estar em situação de frequente desconforto caracterizado pelo descompasso entre seu sexo biológico e o psicossocial, o transexual busca formas de adequar sua situação, visando amenizar o dissabor a que se vê submetido.

Para readequação de seu sexo, o transexual se submete a diversos procedimentos.

Primeiramente, faz-se necessário resignar-se ao tratamento hormonal, que deve ser acompanhado por um endocrinologista, sendo responsável pela reversão sexual, induzindo o aparecimento de caracteres sexuais secundários compatíveis com a identificação psicossocial do paciente.

Para a adequação feita em transexuais femininos, o hormônio mais utilizado é o estrógeno; já para o transexual masculino, o principal hormônio é a testosterona.

Ressalta-se que não é um procedimento fácil, posto haver diversos efeitos colaterais, como a queda da libido ou hipersexualidade.

Entretanto, o tratamento hormonal é, muitas vezes, apenas o primeiro passo para aqueles transexuais que desejam se submeter à cirurgia de readequação sexual, bem como outras cirurgias corretivas.

Atualmente, a cirurgia de transgenitalização é autorizada no Brasil pelo CFM, regulamentada através da Resolução nº 1.955/2010 nos seguintes termos:

CONSIDERANDO que a cirurgia de transformação plástico-reconstrutiva da genitália externa, interna e caracteres sexuais secundários não constitui crime de mutilação previsto no Art. 129 do Código Penal, haja vista que tem propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico.

Além, em seu artigo 1º e 2º, exibe:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônodas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia.

Portanto, não há mais que se falar em processo judicial por força do artigo 129 do Código Penal, nem há de se falar em contrariedade ao disposto no artigo 13 do Código Civil, posto que a cirurgia de redesignação sexual, atualmente, já possuir caráter terapêutico e não mutilador, visando recompor a saúde do indivíduo.

Contudo, para que possa se submeter à cirurgia, o transexual precisa preencher alguns critérios, expostos na Resolução do Conselho Federal de Medicina, para que possa ser considerado transexual:

Art. 3º Que a definição de transexualismo (sic) obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3) Permanência desses distúrbios de forma continua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.

(Onde se lê “Ausência de outros transtornos mentais”, leia-se “Ausência de transtornos mentais”)

Somente depois de cumpridos esses requisitos e havendo consentimento expresso do paciente é que poderá ser realizada a cirurgia de readequação sexual.

As cirurgias consistem, no caso de transexuais femininos, na construção de uma vagina a partir do tecido do pênis, com a feitura de cirurgia plástica para a construção dos pequenos e grandes lábios e é denominada de neocolpovulvoplastia.

Já no caso de transexuais masculinos, a intervenção visa a mastectomia, histerectomia e a construção do pênis e a prática é denominada de neofaloplastia.

Entretanto, essa prática, conforme exposto pela Resolução do CFM, ainda está em fase experimental, com técnicas ainda bastante precárias.

Cumpre-nos informar, por fim, que em 18 de agosto de 2008, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 1.707, que instituiu o processo de redesignação sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, passo deveras importante por demonstrar a necessidade de interferência do Poder Público para assegurar o direito à integridade física e psíquica dos transexuais.

Coragem de ser é uma atitude ética e filosófica na qual o homem afirma seu próprio ser, a despeito daqueles elementos de seu meio e de sua existência, que entram em conflito com sua autoafirmação essencial. (Paul Tillich)

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