O poder disciplinar e a aplicação de multas aos particulares em geral

23/06/2014 às 09:15
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Esse artigo visa a discorrer sobre o Poder Disciplinar e a aplicação de multas aos particulares em geral, especialmente nos contratos administrativos e nas infrações regulamentares.

O poder disciplinar é o poder que autoriza à Administração a aplicação de penalidades às infrações internas funcionais de seus servidores, bem como a aplicação de penalidades às infrações administrativas cometidas por particulares a ela ligados por algum vínculo jurídico específico.

Sabe-se que a Administração, ao aplicar uma sanção a um agente público, atua imediatamente no uso do poder disciplinar e mediatamente no uso do poder hierárquico. Porém, na punição administrativa dos particulares, utiliza-se somente do poder disciplinar, já que não há hierarquia.

Por sua vez, tem-se que o poder disciplinar é discricionário, porém de discricionariedade limitada. Exceção há, quanto ao dever de punir quem comprovadamente tenha praticado uma infração disciplinar. Nesse caso, se verificada uma infração, o agente é obrigado a punir, tendo-se em vista que o mesmo está vinculado na hipótese-consequência da infração-punição, aplicando-se a discricionariedade apenas na intensidade da punição a ser aplicada.

Em relação às multas aplicadas aos particulares, tem-se que somente lei em sentido formal pode cominá-las; mesmo no caso de multas contratuais, estas, quando o contrato é com a Administração Pública, já estão previstas em lei, no caso a lei de licitações. Tal obrigatoriedade decorre diretamente da Constituição da República (art. 5º, II), que determina que ninguém poderá ser obrigado a fazer algo ou deixar de fazer senão em virtude de lei.

Sobre o tema:

DIREITO AMBIENTAL. AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. ILEGALIDADE.

A aplicação de penalidades instituídas por meio de portaria viola o princípio da legalidade. A previsão de infrações e a cominação de penas somente pode decorrer de lei em sentido formal. Unânime. (TRF1, 7T, ReeNec 2001.37.00.006815-0/MA, rel. Des. Federal João Batista Moreira, em 12/03/2012.)

AUTO DE INFRAÇÃO. PORTARIA DO INMETRO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO.

Inexiste violação ao princípio da legalidade a imposição de multa pelo Inmetro, com base em resolução do Conmetro, porquanto há expressa previsão legal que autoriza o órgão a fixar parâmetros que, uma vez desatendidos, sujeitam o infrator às penas previstas na própria lei. Unânime. (TRF1, 5T, ReeNec 2000.01.00.063586-8/MG, rel. Des. Federal Selene Almeida, em 25/04/2012.)

ADMINISTRATIVO - SANÇÃO PECUNIÁRIA: ILEGALIDADE – DEPARTAMENTO NACIONAL DE COMBUSTÍVEIS.

1.O JUDICIÁRIO PACIFICOU O ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE SÓ A LEI, EMANADA DO LEGISLATIVO, PODE CRIAR SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E PECUNIÁRIAS.

2. Multa oriunda de Portaria, esta expedida com respaldo em Decreto (n. 507/92), não tem instrumento que a legalize.

3. Apelo e remessa oficial improvidos. (TRF1, AC 1998.01.00.064039-6 /DF, rel. Juíza ELIANA CALMON.)

Quanto ao prazo prescricional para apuração de infrações administrativas, embora haja omissão das Leis n.ºs 8.666/93 e 9.784/99, a Lei nº 9.873/99 traz o prazo de 5 anos para a prescrição da apuração da infração contratual, salvo quando o fato também constituir crime, hipótese em que será aplicável o prazo penal:

“Art. 1o Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. (...)

§ 2o Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”.

Por sua vez, a jurisprudência vem aplicando o referido dispositivo ao poder de fiscalização existente nos contratos administrativos, até mesmo por aplicação analógica do prazo quinquenal do Decreto 20.910/32:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA DE ADMINISTRATIVA (SEGURANÇA). PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. (RECURSO REPETITIVO - RESP 1.105.442-RJ).

1. A sanção administrativa é consectário do Poder de Polícia regulado por normas administrativas. A aplicação principiológica da isonomia, por si só, impõe a incidência recíproca do prazo do Decreto 20.910/32 nas pretensões deduzidas em face da Fazenda e desta em face do administrado.

2. Deveras, e ainda que assim não fosse, no afã de minudenciar a questão, a Lei Federal 9.873/99 que versa sobre o exercício da ação punitiva pela Administração Federal colocou um pá de cal sobre a questão assentando em seu art. 1º caput: "Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado."

3. A POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA IMPOR SANÇÕES EM PRAZO VINTENÁRIO, PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL, E O ADMINISTRADO TER A SEU DISPOR O PRAZO QUINQUENAL PARA VEICULAR PRETENSÃO, ESCAPA AO CÂNONE DA RAZOABILIDADE, CRITÉRIO NORTEADOR DO ATUAR DO ADMINISTRADOR, MÁXIME NO CAMPO SANCIONATÓRIO, ONDE ESSA VERTENTE É LINDEIRA À QUESTÃO DA LEGALIDADE.

4. Outrossim, as prescrições administrativas em geral, quer das ações judiciais tipicamente administrativas, quer do processo administrativo, mercê do vetusto prazo do Decreto 20.910/32, obedecem à quinquenalidade, regra que não deve ser afastada in casu.

(...)

(AgRg no Ag 1303811/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 18/08/2010).

Observe-se que, diante do disposto no art. 2º da nº Lei 9.873/99, haverá a interrupção da prescrição com a notificação do administrado para responder ao processo e também com a decisão condenatória recorrível, dentre outros casos, apenas fluindo a prescrição intercorrente de três anos regulada no art. 1º, §1º, do mesmo diploma em caso de demora imputável à Administração:

“Art. 2º.  Interrompe-se a prescrição da ação punitiva: (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

I – pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)

II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;

III - pela decisão condenatória recorrível.

IV – por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

Art. 1º. (...)

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.

Em suma, ocorrida a infração administrativa pelo particular, em regra, a administração pública dispõe de até 5 anos para instaurar o processo administrativo de aplicação da multa. Durante o curso do processo da ação punitiva, apenas corre a prescrição intercorrente, no prazo de 03 anos, se houver demora imputável à administração.

Porém, em caso de multa administrativa, no caso de inadimplemento de contrato administrativo, há previsão específica que autoriza a compensação do valor da multa com créditos que o particular tenha ante a administração, como o valor de contraprestação e da garantia contratual. Entretanto, a própria Lei º 8.666/93 faz a ressalva de que eventual excedente será cobrado judicialmente:

“Art. 86.  (...).

§ 2º A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado.

§ 3º Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.

Art. 87.  (...).

§ 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.”

Ainda, tratando-se de cobrança de valores, tal como a multa, a regra é que a Administração não possa por sua própria vontade proceder com compensações ou atos expropriativos, sendo imprescindível a participação do poder judiciário na cobrança coativa, salvo autorização legislativa específica.

E para que a multa administrativa seja exigível e tenha um valor certo, há um procedimento administrativo para constituí-la e outro procedimento distinto para cobrá-la, se o valor eventualmente depositado e legalmente autorizado a compensar não for suficiente. Na hipótese de ocorrência de uma infração, surge para a administração a possibilidade de aplicar a sanção. Após, e por fim, encerrado tal processo administrativo, confirmando-se a atuação ilícita e apurado o exato valor da multa, surge um outro prazo, o de cobrança, previsto pelo art. 1º-A da Lei nº 9.873/99:

“Art. 1º-A. Constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em 5 (cinco) anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)”.

Quanto ao momento inicial da fluência da prescrição da ação de cobrança de multa, já dispôs o STJ que é o dia posterior à data do vencimento para pagamento administrativo, quando o débito se torna exigível:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO DO ARTIGO 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. MULTA ADMINISTRATIVA. EXECUÇÃO FISCAL. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA DO DECRETO Nº 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

1. É de cinco anos o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal de cobrança de multa de natureza administrativa, contado do momento em que se torna exigível o crédito (artigo 1º do Decreto nº 20.910/32).

2. Recurso especial provido.

(REsp 1105442/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 22/02/2011)

Da mesma forma dispõe a Súmula 467, STJ: “Prescreve em cinco anos, contados do término do processo administrativo, a pretensão da Administração Pública de promover a execução da multa por infração ambiental”.

Assim, concluído o processo administrativo fundado na ação punitiva para aplicação da multa, o ente público disporá de outros 5 anos para cobrança.

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É importante observar que os dois prazos (da ação punitiva e da ação de cobrança) são distintos e não se sobrepõem. O prazo quinquenal de cobrança apenas se inicia quando encerrado o procedimento administrativo que apura a punição, pois até antes da conclusão deste a multa ainda não é exigível por ainda estar em discussão administrativa, haja vista o princípio da actio nata, que regula a lógica da prescrição.

Sabe-se que, como a multa derivada de contrato administrativo se trata de crédito não-tributário, além do prazo quinquenal de cobrança contados do término do processo administrativo que constituiu a multa, haveria também o acréscimo de 180 dias face a disposição do art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, ao dispor que “a inscrição suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias”. Observe-se acórdão do STJ quanto ao tema:

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO - RECURSO ESPECIAL – LEI 6.830/80, ART. 2º, § 3º - SUSPENSÃO POR 180 DIAS - NORMA APLICÁVEL SOMENTE ÀS DÍVIDAS NÃO TRIBUTÁRIAS - CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO - INAPLICABILIDADE NA ESPÉCIE.

1. A norma contida no art. 2º, § 3º, da Lei 6.830/80, segundo a qual a inscrição em dívida ativa suspende o prazo prescricional por 180 (cento e oitenta) dias ou até a distribuição da execução fiscal, se anterior àquele prazo, aplica-se tão-somente às dívidas de natureza não-tributárias, porque a prescrição das dívidas tributárias regula-se por lei complementar, no caso o art. 174 do CTN.

(...)

(REsp 1165216/SE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 10/03/2010).

Apenas a título de curiosidade, eventual prescrição intercorrente incidente na execução da ação de cobrança da multa seria regulada pelo art. 40 e § § da LEF:

“Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.

§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.

§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.

§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 5º A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Lei nº 11.960, de 2009)”

Conclui-se, de uma maneira geral que: o prazo prescricional para a Administração federal impor multas aos particulares em decorrência de seu poder de polícia é de 05 anos, contados da data do ato ou de sua cessação; se o ato também for um ilícito penal, o prazo prescricional será o penal; iniciado o processo administrativo de constituição da multa, não há prescrição intercorrente nele, salvo se a Administração permanecer inerte (nesse caso, o prazo será de 03 anos); findo o processo administrativo, a Fazenda deve intimar o administrado para pagar o débito no prazo determinado; findo o prazo, pode a Fazenda extrair CDA e ajuizar ação de execução fiscal com base na LEF; ajuizada a execução fiscal, possível desde o fim do prazo de pagamento (actio nata), cabível a ocorrência da prescrição intercorrente, que será quinquenal.

Por fim, e ainda sobre o tema, o seguinte julgado traz a ideia de que a cobrança de multa administrativa é relação de Direito Público e, embora não tenha natureza de tributo, afasta a incidência do Código Tributário Nacional e não se submete às regras do Código Civil:

EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA LAVRADA PELO BACEN. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

A cobrança de multa administrativa é relação de Direito Público e, embora não tenha natureza de tributo, afasta a incidência do Código Tributário Nacional e não se submete às regras do Código Civil. Assim, aplicável o disposto no Decreto 20.910/1932, em homenagem ao princípio da igualdade, uma vez que o dispositivo rege os créditos contra a Fazenda Pública. Precedente do STJ. Unânime. (TRF1, 8T, ApReeNec 0000335- 76.2008.4.01.3200/AM, rel. Des. Federal Maria do Carmo Cardoso, em 27/07/2012).

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Sobre o autor
Danilo Chaves Lima

Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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