Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade: similares?

26/06/2014 às 17:27
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Esse artigo visa discorrer sobre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, abordando algumas divergências que os mantem como princípios autônomos.

Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade não se encontram expressos no texto constitucional. Porém, tais princípios são bastante utilizados pela jurisprudência, em especial pelo STF, nos casos de controle de constitucionalidade das leis e, principalmente, dos atos administrativos. São aplicados, sobretudo, no controle dos atos discricionários que impliquem restrição ou condicionamento aos direitos dos administrados. A ofensa a eles implica na nulidade dos atos, e não em mera revogação.

Sobre o tema:

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA TRIBUTÁRIA - SUBSTITUIÇÃO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAÇÃO - ALEGADA OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA - INOCORRÊNCIA - SIMPLES ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM MAJORAÇÃO DO TRIBUTO - RECURSO IMPROVIDO. - Não se revela lícito, ao Poder Judiciário, atuar na anômala condição de legislador positivo, para, em assim agindo, proceder à substituição de um fator de indexação, definido em lei, por outro, resultante de determinação judicial. Se tal fosse possível, o Poder Judiciário - que não dispõe de função legislativa - passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador positivo), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes. Precedentes. - A modificação dos fatores de indexação, com base em legislação superveniente, não constitui desrespeito a situações jurídicas consolidadas (CF, art. 5º, XXXVI), nem transgressão ao postulado da não-surpresa, instrumentalmente garantido pela cláusula da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, "b"). - O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público - tratando-se, ou não, de matéria tributária - devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade. Precedentes. (g.n). (RE-AgR 200844).

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DISTRITAL QUE DISPÕE SOBRE A EMISSÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO CURSO E QUE AUTORIZA O FORNECIMENTO DE HISTÓRICO ESCOLAR PARA ALUNOS DA TERCEIRA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO QUE COMPROVAREM APROVAÇÃO EM VESTIBULAR PARA INGRESSO EM CURSO DE NÍVEL SUPERIOR - LEI DISTRITAL QUE USURPA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA OUTORGADA À UNIÃO FEDERAL PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DAS LACUNAS PREENCHÍVEIS - NORMA DESTITUÍDA DO NECESSÁRIO COEFICIENTE DE RAZOABILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - ATIVIDADE LEGISLATIVA EXERCIDA COM DESVIO DE PODER - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR COM EFICÁCIA "EX TUNC". A USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, QUANDO PRATICADA POR QUALQUER DAS PESSOAS ESTATAIS, QUALIFICA-SE COMO ATO DE TRANSGRESSÃO CONSTITUCIONAL. - A Constituição da República, nas hipóteses de competência concorrente (CF, art. 24), estabeleceu verdadeira situação de condomínio legislativo entre a União Federal, os Estados-membros e o Distrito Federal (RAUL MACHADO HORTA, "Estudos de Direito Constitucional", p. 366, item n. 2, 1995, Del Rey), daí resultando clara repartição vertical de competências normativas entre essas pessoas estatais, cabendo, à União, estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), e, aos Estados-membros e ao Distrito Federal, exercer competência suplementar (CF, art. 24, § 2º). - A Carta Política, por sua vez, ao instituir um sistema de condomínio legislativo nas matérias taxativamente indicadas no seu art. 24 - dentre as quais avulta, por sua importância, aquela concernente ao ensino (art. 24, IX) -, deferiu ao Estado-membro e ao Distrito Federal, em "inexistindo lei federal sobre normas gerais", a possibilidade de exercer a competência legislativa plena, desde que "para atender a suas peculiaridades" (art. 24, § 3º). - Os Estados-membros e o Distrito Federal não podem, mediante legislação autônoma, agindo "ultra vires", transgredir a legislação fundamental ou de princípios que a União Federal fez editar no desempenho legítimo de sua competência constitucional e de cujo exercício deriva o poder de fixar, validamente, diretrizes e bases gerais pertinentes a determinada matéria (educação e ensino, na espécie). - Considerações doutrinárias em torno da questão pertinente às lacunas preenchíveis. TODOS OS ATOS EMANADOS DO PODER PÚBLICO ESTÃO NECESSARIAMENTE SUJEITOS, PARA EFEITO DE SUA VALIDADE MATERIAL, À INDECLINÁVEL OBSERVÂNCIA DE PADRÕES MÍNIMOS DE RAZOABILIDADE. - As normas legais devem observar, no processo de sua formulação, critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law". Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos de razoabilidade. A EXIGÊNCIA DE RAZOABILIDADE QUALIFICA-SE COMO PARÂMETRO DE AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ATOS ESTATAIS. - A exigência de razoabilidade - que visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no desempenho de suas funções normativas - atua, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. APLICABILIDADE DA TEORIA DO DESVIO DE PODER AO PLANO DAS ATIVIDADES NORMATIVAS DO ESTADO. - A teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas, permite que se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar. A EFICÁCIA EX TUNC DA MEDIDA CAUTELAR NÃO SE PRESUME, POIS DEPENDE DE EXPRESSA DETERMINAÇÃO CONSTANTE DA DECISÃO QUE A DEFERE, EM SEDE DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO. - A medida cautelar, em sede de fiscalização normativa abstrata, reveste-se, ordinariamente, de eficácia "ex nunc", "operando, portanto, a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federal a defere" (RTJ 124/80). Excepcionalmente, no entanto, e para que não se frustrem os seus objetivos, a medida cautelar poderá projetar-se com eficácia "ex tunc", com conseqüente repercussão sobre situações pretéritas (RTJ 138/86), retroagindo os seus efeitos ao próprio momento em que editado o ato normativo por ela alcançado. Para que se outorgue eficácia "ex tunc" ao provimento cautelar, em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade, impõe-se que o Supremo Tribunal Federal expressamente assim o determine, na decisão que conceder essa medida extraordinária (RTJ 164/506-509, 508, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Situação excepcional que se verifica no caso ora em exame, apta a justificar a outorga de provimento cautelar com eficácia "ex tunc". (ADI-MC 2667)

Assim, tais princípios têm assento no devido processo legal substantivo ou material, que, evidentemente, não se aplica somente a processos judiciais, mas também e, principalmente, em processos administrativos.

A razoabilidade, para José dos Santos Carvalho Filho, traduz-se na “qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro dos limites aceitáveis”. Para tal autor, a razoabilidade trata da congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas. Trata-se de um princípio implícito. Se o administrador pratica um ato ofendendo a razoabilidade é um ato ilegal, por não obedecer à legalidade em sentido amplo. Assim, o ato deve ser retirado do ordenamento jurídico. O Judiciário poderá fazer a análise da razoabilidade do ato, inclusive por meio do controle constitucional. Todavia, ao Judiciário não cabe invadir o mérito do ato administrativo – a margem de liberdade concedida pela lei ao administrador (discricionariedade) apenas é legítima quando aplicada dentro da lei, do contrário, é ilegal e desarrazoada.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a razoabilidade visa a “obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.

Por sua vez, o princípio da proporcionalidade representa uma vertente da razoabilidade, com ela se aproximando muito em relação ao aspecto necessidade. Ela impede que a Administração restrinja os direitos dos particulares além do que caberia, do necessário, pois impor medidas com intensidade ou extensão supérfluas induz à ilegalidade do ato, por abuso de poder. Visa a evitar o indevido uso da discricionariedade administrativa.

Diante de tais considerações, já é possível visualizar algumas distinções entre os dois princípios. A razoabilidade se manifesta quando existe uma norma, atitude, resolução, atos e outros que são irrazoáveis, ou seja, fogem do senso comum. Já o princípio da proporcionalidade é consultado com o intuito de sacrificar uma regra ou afastar um princípio em relação a outro, com o interesse de buscar a melhor solução entre as partes, v.g., proporciona-se os princípios individuais em prol dos coletivos, já que a sociedade (o conjunto) precisa de maior proteção jurídica.

Outrossim, a distinção entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade é importante para evitar a diminuição dos mesmos. Assim, não há que se falar em sobreposição entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A proporcionalidade não se esgota na razoabilidade. Em outras palavras, a decisão jurídica que atende aos comandos do princípio da proporcionalidade manifesta razoabilidade, mas não se esgota nela. Assim, o ato estatal que atende às exigências do princípio da proporcionalidade apresenta-se razoável e racional, todavia nem sempre um ato razoável (racionalmente aceitável) atende aos deveres impostos pelo princípio constitucional da proporcionalidade.

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Portanto, enquanto a razoabilidade exige que as medidas estatais sejam racionalmente aceitáveis e não arbitrárias, o princípio da proporcionalidade determina que as mesmas, além de preencherem tal requisito, constituam instrumentos de maximização dos comandos constitucionais, mediante a menor limitação possível aos bens juridicamente protegidos

Assim, de certo modo, a razoabilidade permite que o ato administrativo seja analisado isoladamente, somente com base em seu próprio conteúdo. Já a proporcionalidade exige, para ser invocada, que o ato administrativo contraste com outro bem juridicamente protegido, com outro direito, visto que sopesar o mérito do sacrifício de determinado bem em detrimento de um diverso faz emanar um elemento relacional-comparativo. Ou seja, só pode haver análise de proporcionalidade quando há sacrifício total ou parcial de direitos.

A Lei nº 9.784/99 traz em seu texto a individualidade desses princípios, deixando assim claro que o legislador não entende esses dois princípios como sinônimos, mas como independentes. Entretanto, para alguns doutrinadores, tais princípios são considerados sinônimos, sem diferenciação entre ambos. Afirmam que o princípio da razoabilidade requer a proporcionalidade entre os meios em que se utiliza. Porém, há de se verificar que uma coisa pode conter outra em sua substância e, todavia, ser diametralmente diferente da inicial.

Sobre o tema:

EMENTA: I. habeas corpus: cabimento: prova ilícita.1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal.II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais.2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. (...) (HC 80.949-RJ)

Portanto, em tal julgado, a primeira turma do Supremo Tribunal Federal argumentou que o princípio da proporcionalidade, em um Estado Democrático de Direito, deve atuar como meio de orientação para assegurar a manifestação e cumprimento dos direitos sociais, deixando-se bem claro que tal princípio é considerado autônomo e de regência muito importante. Destarte, o princípio da proporcionalidade é utilizado quando se coloca em ponderação dois princípios ou normas e suprime-se/afasta-se um em relação ao outro, no intuito de assegurar o cumprimento e o respeito aos direitos fundamentais expressos na constituição da república. Já o princípio da razoabilidade é convocado quando as normas e atitudes fugirem ao senso comum.

A bem da verdade, ambos são princípios, quanto à sua natureza. Por sua vez, ambos também são considerados requisitos de validade originariamente implícitos nos sistemas jurídicos, atualmente largamente reconhecidos pela comunidade jurídica mundial e consagrados, inclusive, nos ordenamentos positivos de diversos países; da mesma forma, como já afirmado anteriormente, ambos viabilizam a observância do devido processo legal substantivo, permitindo o funcionamento do estado democrático de direito e preservando os direitos e garantias fundamentais.

Concluindo-se, temos os seguintes critérios distintivos entre os princípios ora analisados: o princípio da razoabilidade analisa a adequação e necessidade do ato, ao passo que o princípio da proporcionalidade analisa se o sacrifício de um bem jurídico em detrimento do outro foi proporcional; o princípio da razoabilidade permite que o ato administrativo seja analisado isoladamente, sendo convocado quando as normas fugirem ao senso comum; por sua vez, no princípio da proporcionalidade o ato administrativo somente será proporcional ou não diante do cotejo com outro bem jurídico, quando se coloca em ponderação dois princípios ou normas e suprime-se/afasta-se um em relação ao outro; por fim, o princípio da razoabilidade exige que as medidas estatais sejam racionalmente aceitáveis e não arbitrárias, enquanto que o princípio da proporcionalidade determina que as medidas estatais, além de serem razoáveis, constituam instrumentos de maximização dos comandos constitucionais, mediante a menor limitação possível aos bens juridicamente protegidos.

Referências Bibliográficas:

- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.

- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012.

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Sobre o autor
Danilo Chaves Lima

Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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