A dignidade humana sob a égide da Constituição Federal de 1988 e os crimes hediondos

02/08/2014 às 15:05
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As pessoas que cometem crimes hediondos, tais como estupro, extorsão mediante sequestro na forma qualificada, latrocínio etc, estão protegidas pelo princípio da dignidade da pessoa humana?

 A DIGNIDADE HUMANA SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E OS CRIMES HEDIONDOS

                                 

                                                                       Sumário: 1. Introdução. 2. A Dignidade Humana na Constituição

                                                                       Federal de 1988. 3.Conclusão. 4.Referências Bibliográficas.

 

1. INTRODUÇÃO

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988. Trata-se de um atributo inerente ao ser humano e um dos pilares da nossa Carta Magna. A questão que se impõe é saber se esse princípio protege também as pessoas que cometem crimes hediondos elencados na Lei 8.072/90, tais como estupro, extorsão mediante sequestro na forma qualificada, latrocínio etc:

2. A DIGNIDADE HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No atual estágio do Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana assumiu um importantíssimo papel. Derivado de amargas conquistas, numa época em que o Estado era totalitário e que as pessoas ficavam a mercê de suas mazelas, ganhou destaque na sociedade moderna, de modo a oferecer proteção e segurança jurídica a todo ser humano.

Segundo o doutrinador Daniel Sarmento "os direitos fundamentais, que constituem, ao lado da democracia, a espinha dorsal do constitucionalismo contemporâneo, não são entidades etéreas, metafísicas, que sobrepairam ao mundo real. Pelo contrário, são realidades históricas, que resultam de lutas e batalhas travadas no tempo, em prol da afirmação da dignidade humana (SARMENTO, 2004, p. 375).

Esse direito fundamental é o alicerce, a base de todo o ordenamento jurídico democrático. Ele é intrínseco a qualquer ser humano, não podendo conceber uma pessoa sem ele; esclarece Sarlet (2004, p. 84): “sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade”.

A Constituição Federal garante, em vários dispositivos[1], a proteção à dignidade em situações em que o Estado exerce o seu ius puniendi. Ela proíbe a utilização de tratamentos desumanos ou degradantes, tortura, pena de caráter cruel ou perpétuo, assegurando, assim, a qualquer pessoa o respeito à integridade física ou moral, inclusive aos presos, como prevê o artigo 5º, inciso XLIX: (...) “- é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

A proteção à dignidade humana aos infratores de crimes hediondos, assim como os crimes de tortura, terrorismo, racismo, estupro, homicídio, pedofilia etc é prevista e garantida pela nossa Lei Maior, afastá-la seria ir contra um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Os princípios estão previstos na Constituição Federal de 1988 para serem respeitados e seguidos, se não fosse assim não haveria razão de existirem. Corroborando esse entendimento, preleciona o professor Rizzato Nunes sobre o princípio da dignidade:

(...) é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina a todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas.

O esforço é necessário porque sempre haverá aqueles que pretendem dizer ou supor que Dignidade é uma espécie de enfeite, um valor abstrato de difícil captação. Só que é bem ao contrário: não só esse princípio é vivo, real, pleno e está em vigor como deve ser levado em conta sempre, em qualquer situação (NUNES, 2002, p. 51). (grifo nosso).

Ignorar o princípio da dignidade humana, para o fim de aplicar sanções mais severas do que aquelas admitidas pelo nosso ordenamento jurídico, implicaria em reduzir o Estado ao mesmo nível dos infratores, conduta que tem sido repelida pelo E. Supremo Tribunal Federal em reiterados pronunciamentos, a exemplo do HC nº. 98579 / SP a seguir reproduzido:

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO CAUTELAR - DURAÇÃO IRRAZOÁVEL QUE SE PROLONGA, SEM CAUSA LEGÍTIMA, POR MAIS DE TRÊS (03) ANOS - CONFIGURAÇÃO, NA ESPÉCIE, DE OFENSA EVIDENTE AO "STATUS LIBERTATIS" DO PACIENTE - INADMISSIBILIDADE - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.- O excesso de prazo, mesmo tratando-se de delito hediondo (ou a este equiparado), não pode ser tolerado, impondo-se, ao Poder Judiciário, em obséquio aos princípios consagrados na Constituição da República, a imediata revogação da prisão cautelar do indiciado ou do réu.- A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

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(HC 98579 / SP - SÃO PAULO, relatora: Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) para o Acórdão: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 23/03/2010, Órgão Julgador: Segunda Turma, DJe-076, Divulgado em 29/04/2010, publicado em 30/04/2010).

 Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, Mário de Oliveira Filho[2]: “O Estado não pode, sob a escusa de se tratar de crime violento, agir com violência igual ou maior que aquela combatida.”

3. CONCLUSÃO

Pelo exposto, ressalvadas aquelas restrições expressamente previstas na Carta Magna, forçoso concluir pela inexistência de amparo constitucional a justificar o afastamento da proteção à dignidade humana, inclusive, para os infratores de crimes hediondos. Permitir a ofensa à dignidade do ser humano, mesmo nesses casos, abriria perigoso precedente para o retorno das repugnantes atrocidades registradas pela história.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 set. 2012.

ESTADÃO. Método de castração química em pedófilo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos>.  Acesso em: 7 set. 2012.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 11. ed.rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora. Método, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

PIOVEZAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 3 ed. São Paulo: Max Limonard, 1997.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2004.

SARMENTO, Daniel Antonio de Moraes. Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social. In: SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 08 set. 2012.

[1]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Artigos: 1º, inciso III; 5º, inciso III; 170, caput; 226, § 7º; 227, caput; 230, caput.

[2] Entrevista concedida ao Estadão em 2007 sobre: Método de castração química em pedófilo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos>.  Acesso em: 7 set. 2012.

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Sobre o autor
Roberto Carlos Sobral Santos

Advogado desde 1996, com passagem pelo Departamento Jurídico do Banco do Brasil S.A no cargo de advogado entre 1998 a 2006. Procurador da Fazenda Nacional desde 2006. Pós-Graduado em Direito Constitucional em nível de Especialização.

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