Ciência do Direito: Dogmática, Sociologia e Filosofia.
Quando se fala em Ciência do Direito, muitos são os questionamentos que vêm à cabeça do estudioso do sistema jurídico. Aliás, em primeiro lugar cabe perguntar o que seria Ciência do Direito? Ou ainda, seria o Direito uma ciência, como é a psicologia, a história ou a sociologia, para ficarmos no campo das ciências humanas (ou sociais)? É primordial, em nossa análise, a conceitução do que é ciência, objeto de acaloradas discussões nas obras de filosofia da ciência.
Abre-se, então, um vasto espectro de definições dependendo do tempo e a vertente de cada autor, que vão da objetividade sucinta à metafísica prolixa. Rubens Alves, em sua obra "Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras", cita o conceito do Nobel de Economia, o sueco Gunnar Myrdal, que de maneira tanto simplista, mas interessante, diz que "ciência nada mais é do que o senso comum refinado e disciplinado (p. 09, 2007).
No entanto, parece-nos bastante útil neste trabalho, adotarmos a ampla conceitução de Ander-Egg, que que a Ciência "é um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodicamente sistematizados e verificáveis, que fazem referência a objetos de uma mesma natureza”. (Ander-Egg, 1978).
Desconsiderando as celeumas específicas e conceituais, é cediço afirmar que mais fácil seria nossa tarefa se fosse o Direito pertencente ao campo da matemática, física e correlatas. Tal problemática é comum a quase todas as ciências sociais, em vista de seu dinâmico, movediço objeto: o ser humano e suas relações. Cabe agora tentarmos situar a ciência do Direito partindo dos requisitos do conceito de Ander-Egg. Os antigos mestres romanos do Direito, conhecidos como juriconsultos, tratavam seu conhecimento como jurisprudência. O compêndio jurídico romano Corpus Iuris Civilis assim a definia: divinarum et humanarum rerum notitia, justi, justi atque injusti scientia (conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto). Somente na escola alemã, já nos anos 1800, é que surgiu o termo Ciência do Direito.
Ora, é evidente que qualquer estudo que se pretenda ciência deve ter um objeto definido, e além disso, ser sistematizado, e possuir um método, que permita verificar a validade de seus postulado, e conferir maior grau de certeza aos enunciados. A problemática disso é fazer da ciência sem cair no estrito formalismo ou positivismo, que acaba por engessar e impedir a sintonia entre teoria e prática, entre forma e objeto. Caso contrário, nao teríamos como tratar das práticas com cheques pré-datados ou as inúmeras uniões extraconjugais, sem mencionar outros fatos alheios às normas positivadas e que têm sido objeto de várias ações judiciais, transformando a própria jurisprudência em fonte primeira quando da regulamentação de tais fatos jurígenos.
O Direito, dessa forma, poderia assumir diversas funções. A primeira delas seria a interpretativa, hermenêutica. Conforme Vicente Ráo (1999):
A hermenêutica tem como objetivo investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, no sentido e nos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do direito, para o efeito de sua aplicação.
Nesse âmbito, trataria de interpretar não só os textos legais, mas também a relação deles com os fatos sociais e a correta aplicação das normas aos últimos, dando-lhes a devida amplitude, positivadas ou não. Assim, teria a hermenêutica papel de destaque nesse enfoque ao conferir à ciência as ferramentas necessárias ao trabalho interpretativo, à priorístico, que possibilitaria eficiente aplicação legal com fins à justiça.
Além disso, é evidente o papel prescritivo do Direito, enquanto meio de controle e pacificação social por meio de normas imperativas. O famoso autor Técio Sampaio Ferraz Junior traz à baila o problema dessa função exercida pela ciência em tela. Senão, vejamos:
Para muitos teóricos da ciência, os enunciados científicos são descritivos e nunca normativos. As teorias jurídicas da Ciência do Direito, como usualmente esta é praticada, não escondem enunciados de natureza prescritiva. Ao expor diversas teorias referentes a um problema jurídico qualquer, o jurista não se limita a levantar possibilidades e, em certas circunstâncias, a suspender o juízo, mas é forçado a realizar, por vezes, uma verdadeira opção decisória (FERRAZ JUNIOR, 1980).
Não podemos fazer confusão entre dois conceitos distintos. Faz-se necessário distinguir direito enquanto objeto da Ciência do Direito. Eros Grau, em seu excelente "O Direito Posto e o direito pressuposto", a esse respeito diz que tal distinção é necessária, caso contrário o estudioso partiria de premissas errôneas: "Impõe-se distinguirmos. assim. a ciência do direito e seu objeto. o direito. A primeira descreve - indicando como. por quê e quando - este último (p.36)".
CONCLUSÃO
Não haveria então, uma Ciência do Direito, mas várias ciências que se ocupam em estudar, sob diversas óticas, o mesmo objeto: o direito. Entre elas, encontramos a Dogmática, a Sociologia e a Filosofia do Direito. Do ponto de vista dogmático, a ciência jurídica, seria "um conjunto de normas, ou seja, um conjunto de pensamentos normativos que tentam regular determinada realidade social (OLIVEIRA, p.12)". A dogmática, dessa forma, se distanciaria da Filosofia e da Sociologia do Direito visto que ela se preocuparia com um direito, de forma específica, enquanto as últimas se dedicariam ao direito de forma geral. A esse respeito, GRAU melhor esclarece: "A Dogmática tem por objeto o estudo de problemas jurídicos, a serem resolvidos mediante a aplicação, sobre as situações a que, respeitam, das normas desse direito [específico] (2008, p.38).
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Metodologia científica aplicada ao Direito. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. - A ciência do direito 1 Tércio Sampaio Ferraz Júnior – 2ª.ed. - São Paulo: Atlas, 198O.
ALVES, Rubens. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. Ed. Loyola. São Paulo, 2007.
ANDER-EGG, E.. Introducción A las técnicas de investigación social. Humanitas,
1978. 355 p
RÁO,Vicente. O direito e a vida dos Direitos. 5. ed. Anotada e atualizada por Sandoval, Ovídio Rocha Barros – São Paulo: RT, 1999.
GRAU, Roberto Eros. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35-38.