Dos requisitos de qualificação para acesso a cargos públicos. Candidatos com nível superior ao pretendido têm direito à posse? Estudo da jurisprudência dos Tribunais Pátrios.

Leia nesta página:

O presente artigo tem como escopo demonstrar a possibilidade de posse de servidores aprovados em concursos públicos que possuam qualificação superior àquela pretendida no Edital, sem ferir os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

Muito se discute sobre o necessário cumprimento das normas editalícias referentes aos certames públicos de seleção de servidores públicos. Com efeito, de acordo com os princípios constitucionais afetos à Administração Pública, os servidores devem ser os mais capacitados, selecionados pela via do concurso público.

De fato, o edital do certame deve conter, à luz do disposto no Decreto 6.944/09, a indicação precisa do nível de escolaridade exigido para a posse no cargo ou emprego. Destaque-se, nesse sentido, o inciso VIII do art. 19 deste diploma legal:

Art. 19.  Deverão constar do edital de abertura de inscrições, no mínimo, as seguintes informações:

VIII - indicação do nível de escolaridade exigido para a posse no cargo ou emprego;

Sendo assim, o Edital regulador do certame público deve ser claro e específico quanto à escolaridade definida, justamente para permitir o controle de legalidade do Poder Judiciário, em caso de provocação.

Ocorre que, em alguns casos, alguns candidatos possuem escolaridade superior à pretendida pelo Edital. Em que pese a tal fato, a Administração, atendo-se a uma interpretação literal e gramatical de cada edital convocatório, por vezes indefere a nomeação e a posse de candidatos que se encontram nessa situação, o que revela afronta aos demais princípios constitucionais atinentes à questão, especialmente os princípios da razoabilidade e da eficiência, tendo em vista a necessidade de seleção do candidato mais capacitado.

Surge aí, pois, a necessidade de atuação do Poder Judiciário. Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do processo nº 364-92.2010.4.01.3803, em decisão exarada no dia 25.6.2014, manteve sentença que havia determinado à Universidade Federal de Uberlândia a empossar o autor dessa ação, no cargo de técnico de laboratório/audiovisual, com conhecimento em informática, que detinha diploma de nível superior em Ciência da Computação.

Destaque para a ementa:

Agravo regimental. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE NÍVEL MÉDIO. TÉCNICO DE LABORATÓRIO/AUDIOVISUAL COM CONHECIMENTO EM INFORMÁTICA. CANDIDATO BACHAREL EM CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO. HABILITAÇÃO PROFISSIONAL COMPROVADA. CAPACIDADE PARA O CARGO.  1. A exigência de nível de formação escolar para fins de preenchimento de cargo público objetiva assegurar a adequação de conhecimentos técnicos dos candidatos às atribuições do cargo. Candidato detentor de diploma de nível superior em Ciência da Computação está capacitado para o exercício das atribuições funcionais do cargo de Técnico de Laboratório/Audiovisual com conhecimento em Informática. Não faz sentido considerar que a apresentação de diploma de nível superior, quando o edital exige diploma de curso técnico, seja causa de exclusão do certame.  2. No caso em apreço, a Universidade ré não apresentou qualquer óbice relativo ao nível de escolaridade do requerente, limitando-se a defender os princípios genéricos que norteiam a atividade administrativa.  3. A finalidade da Administração é selecionar entre os interessados os melhores habilitados, estipulando-se os requisitos mínimos, não podendo alijar do certame aqueles que possuem a qualificação exigida só que em grau superior ao do previsto no edital.  4. Não se trata de negar aplicação aos princípios da legalidade, isonomia e vinculação ao edital, mas, sim, de privilegiar os princípios da razoabilidade e eficiência, já que a Administração, por meio de concurso público, busca selecionar o candidato mais capacitado.  5. Possuindo graduação superior à exigida no certame, o autor tem direito à posse no cargo a que concorreu. Precedentes do STJ e deste Tribunal.  6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRAC 0000364-92.2010.4.01.3803 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.72 de 04/07/2014)

                        Veja-se que o Tribunal considerou que a apresentação de diploma de nível superior, enquanto a exigência é de nível médio, não pode ser causa de exclusão. Ademais, o edital estabeleceria requisitos mínimos exigidos, não sendo razoável e nem eficiente, alijar do certame um candidato que demonstrou ter maior conhecimento e escolaridade do que o desejado.

                        Sendo a exigência legal – escolaridade necessária para o exercício das atribuições – um parâmetro mínimo para ingresso no serviço público, não pode a Administração impedir o acesso ao cargo de quem tem requisitos superiores ao necessário.

                        A fundamentação adotada pela 1ª Turma do Tribunal Regional Federal é assertiva e esclarecedora, ao assim se manifestar sobre os princípios constitucionais que norteiam a questão:

Esclareço, ademais, que não se trata de negar aplicação aos princípios da legalidade, impessoalidade e isonomia (CF/88, art. 37, caput e incisos I e II), mas, sim, de privilegiar os princípios da razoabilidade e eficiência, já que a Administração, por meio de concurso público, busca selecionar o candidato mais capacitado.

                        No mesmo sentido é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende dos precedentes a seguir:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO TÉCNICO. CANDIDATO QUE POSSUI QUALIFICAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA. APTIDÃO PARA O CARGO. SÚMULA 83/STJ. 1. O agravado inscreveu-se no Concurso Público aberto pela Sanepar para vaga de Técnico Químico/Técnico em Saneamento/Técnico em Alimentos 1, em Maringá, sendo aprovado na primeira fase do certame em oitavo lugar. Convocado para comprovar sua habilitação, foi desclassificado por ter apresentado diploma de Bacharel em Química, e não o diploma de ensino técnico exigido pelo edital do certame. 2. Há direito líquido e certo na permanência no certame se o candidato detém qualificação superior à exigida no edital do concurso público. Precedentes. 3. Verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica à espécie o enunciado da Súmula 83/STJ. Agravo regimental improvido.

(AgRg no AREsp 428.463/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/12/2013, DJe 10/12/2013)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 128 E 460 DO CPC. INOCORRÊNCIA. CARGO TÉCNICO. CANDIDATO QUE POSSUI QUALIFICAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA. APTIDÃO PARA O CARGO. SÚMULA 83/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. (...). 3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é ilegal a eliminação do candidato que apresenta diploma de formação em nível superior ao exigido no edital. Precedentes: AgRg no AgRg no REsp 1.270.179/AM, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03/02/2012; AgRg no Ag 1402890/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 16/08/2011; AgRg no Ag 1422963/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 16/02/2012. 4. O alegado dissídio jurisprudencial não foi comprovado nos moldes estabelecidos nos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, § § 1º e 2º do RISTJ. 5. Agravo regimental não provido.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

(AgRg no AREsp 252.982/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013)

                        No mesmo sentido decide o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, conforme se extrai do julgado abaixo colacionado:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.  MANDADO DE SEGURANÇA.  APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO.  QUALIFICAÇÃO DIVERSA DA EXIGIDA NO EDITAL.  GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM.  FORMAÇÃO SUPERIOR À EXIGIDA.  NOMEAÇÃO E POSSE TARDIA.  REMUNERAÇÃO RETROATIVA.  IMPOSSIBILIDADE.  INDENIZAÇÃO.  INCABÍVEL.  SENTENÇA MANTIDA.

1 - A Administração Pública rege-se, dentre outros, pelo princípio constitucional explícito da legalidade, do qual é corolário o princípio implícito da razoabilidade.

2 - Viola o princípio da razoabilidade o ato da Administração Pública que inadmite a posse de candidata aprovada em concurso público por possuir título de graduação em enfermagem, formação superior à exigida no edital do concurso, de técnico em saúde, Auxiliar de Enfermagem.

(...)

Remessa Oficial e Apelações Cíveis desprovidas.

(Acórdão n.718396, 20110111139450APO, Relator: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, Revisor: JOÃO EGMONT, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 02/10/2013, Publicado no DJE: 07/10/2013. Pág.: 232)

                        Sendo assim, e tendo em vista a necessidade de seleção dos melhores servidores, para os fins do princípio da eficiência administrativa, não é possível à Administração que impeça o acesso dos servidores mais capacitados para tanto.

                        Por óbvio, não se defende e nem se poderia fazê-lo, a indiscriminada posse de servidores com qualificação acima do exigido pelo Edital. É necessário demonstrar que as supostas qualificações superiores englobem as atribuições inferiores para o exercício do cargo, justamente para dar guarida ao princípio da razoabilidade, o que ficou devidamente comprovado, em todos os casos acima citados.

                        Para além disso, vale destacar a importância do Princípio da Primazia do Interesse Público. Isso porque o regime jurídico-administrativo no Brasil tem como um de seus pilares a supremacia do interesse público, o que sustenta a ideia de que o ordenamento brasileiro jamais poderá priorizar as formalidades e conveniências em detrimento do interesse coletivo.

Nos exatos termos da Lei maior, “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego”. Diante disso é inegável que, tendo o candidato logrado aprovação em concurso público e cumpridos os requisitos mínimos de habilitação, sendo a sua superior à mínima pretendida, não pode a Administração, por mera formalidade, impedir o acesso ao cargo.

Eis, portanto, o acerto das decisões judiciais que, ao, interpretar de forma sistemática o escopo normativo aplicável ao caso, permitem aos candidatos com habilitação superior ao pretendido no Edital, a sua efetiva posse nos cargos para os quais foram aprovados no certame público, permitindo a implementação da eficiência e da razoabilidade/proporcionalidade da Administração, como requisitos básicos de sua atuação.


[1] Advogado de Alino & Roberto e Advogados, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília, UnB, e Pós-Graduado em Direito do Estado pela UNIDERP.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos