O "equilíbrio do terror" é a única solução viável no Oriente Médio

22/07/2014 às 18:26
Leia nesta página:

Quando um dos lados pode matar e ficar impune, a tendência é o conflito se ampliar até ser resolvido pelo extermínio total do outro lado.

Cresci durante a Guerra Fria e fui me familiarizando com as expressões “equilíbrio do terror” e “destruição mútua assegurada” a partir da 5ª série. Naquela época o Muro de Berlim dividia o mundo entre nós e eles. Como os outros garotos da década de 1970 eu nem imaginava que muitos entre nós na verdade queriam estar entre os outros e que vários outros desejavam estar entre nós.

A simplificação do mundo podia ser vista em todos os lugares, inclusive na TV. Lembro-me bem de um episódio de Star Trek em que a nave Enterprise visita um planeta habitado por tribos de homens pouco civilizados que estão em conflito. Eles usavam apenas lanças, arcos e flechas, mas os malvados klingons deram armas de fogo para um dos lados. Ao final do episódio o capitão Kirk manda fabricar espingardas para os outros a fim de equilibrar os dois lados. Serpentes no paraíso...

O terrorismo era comum naquele tempo. Quase toda semana havia notícias na TV sobre as ações espetaculares e sanguinárias do Baader-Meinhoff na Alemanha, das Brigadas Vermelhas na Itália e do IRA na Irlanda. Sendero Luminoso e OLP também produziam notícias, mas o terrorismo dos pobres não merecia a mesma atenção televisiva que o praticado na Europa. Uns e outros utilizavam o Manual do Guerrilheiro escrito por Carlos Marighella, mas isto eu só fiquei sabendo bem mais tarde.

No Irã ocorreu a revolução islâmica. Diplomatas norte-americanos foram presos na Embaixada dos EUA em Teerã e o desagradável Aiatolá Khomeini substitui o simpático Andreas Baader nos noticiários sobre terrorismo. Logo depois veio a carnificina entre iraquianos e iranianos. Saddan Hussein virou uma espécie de Capitão América do Oriente Médio.

Quando o terrorismo começou a diminuir na Europa aumentou no Afeganistão, país em que os Mujahedin lutavam contra a ocupação soviética utilizando armas norte-americanas. Os Mujahedin eram apresentados na TV como sendo os “guerreiros da liberdade”. Uma década depois eles virariam os malvados Talibãs que escondiam o famigerado Osama Bin Laden e obrigavam as mulheres usarem burcas. As mesmas burcas que o democrático governo Nicolas Sarkosy impediria as mulheres de voluntariamente usar na França.

A queda do Muro de Berlim foi recebida como uma promessa de paz. Em pouco tempo, porém, os alemães ocidentais estavam fazendo cara feia para seus compatriotas orientais acusando-os de provocarem desemprego e aumento de impostos. A III Guerra Mundial que não houve acabou sendo travada no Iraque pouco tempo depois, quando Saddan Hussein invadiu o Kwait e suas tropas foram enxotadas de lá pelos EUA. Uma avalanche de imagens de bombas que explodiam nos alvos invadiu as TVs, soterrando as notícias sobre o terrorismo amador europeu e latino-americano. As bombas norte-americanas eram quase sempre inteligentes, mas as vezes acertavam mercados, hospitais e fábricas de leite em pó. Os telejornais lamentavam os erros ao invez de dizer que atacar civis desarmados constitui terrorismo de estado. Foi nesta época que o eufemismo "danos colaterais" se tornou o clássico telejornalistico que é usado ainda hoje para justificar o injustificável ataque a civis inocentes (inclusive crianças) em Gaza.

O que deveria ser um período de paz duradoura se transformou num período de Conflitos de Baixa Intensidade e intervenções policialescas norte-americanas. Entre um blowjob  e outro de Monica Lewinsky, Bill Clinton reduziu a pegada militar dos EUA. Mas o sucessor dele iniciou a Guerra ao Terror em curso. Antes de George W. Bush Jr. as guerras norte-americanas deveriam ser autorizadas pela ONU e tinham começou, meio e fim. Depois que o Aiatolá Cristão ocupou a Casa Branca, as tropas norte-americanas, privadas e públicas, fariam o que bem entendessem onde quisessem. O mundo entrou então na fase atual, em que uma guerra sem fim é movida para derrotar terroristas que a própria guerra ajuda a produzir.

Foi sob Bush Jr. que um criminoso de guerra chegou ao poder em Israel levando o país a iniciar sua própria versão de Guerra ao Terror. Um imenso muro foi construído para separar judeus de palestinos, mas isto não era o bastante. A vergonha se intensificou com ataques israelenses preventivos e desautorizados pela ONU em Ramalah e na Cisjordânia. O sul do Líbano foi invadido, desocupado, invadido, desocupado... Em alguns anos Israel começaria a usar em Gaza armas proibidas pela Convenção de Genebra. O enclave palestino super povoado tem sido bombardeado constantemente nos últimos dias. Centenas de crianças foram mortas e mutiladas, mas poucas foram as vozes importantes que se levantaram para condenar os crimes de guerra cometidos pelos soldados israelenses.

Os Estados deveriam garantir a ordem internacional. São os diplomatas nomeados por eles que negociaram e aprovaram os tratados internacionais que baniram a guerra de conquista territorial e criaram os direitos humanos. Alguns Estados, porém, parecem decididamente comprometidos com a desordem. O terrorismo deixou de ser um fenômeno intra-estatal para se tornar um fenômeno quase que exclusivamente estatal. Não há equilíbrio entre os terroristas de estado e os outros terroristas, pois uns usam tanques e aviões de guerra super modernos e outros não tem à sua disposição nem mesmo algumas armas anti-tanques ou mísseis terra-ar precisos.

Serpentes no paraíso... é exatamente isto que o Oriente Médio precisa. Enquanto os palestinos não tiverem os meios para destruir os tanques e os aviões israelenses, o desequilíbrio continuará a estimular a violência. Os que neste momento dispõe de vários meios de coerção e não tem razões para temer represálias eficazes seguirão atacando seus inimigos sabendo que correm poucos riscos. O “equilíbrio do terror” e a “destruição mútua assegurada” são as únicas coisas que provocarão uma paz segura e duradoura no Oriente Médio.   

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Como se fossem os klingons do episódio de Star Trek que mencionei no início, os norte-americanos deram/venderam tanques e aviões de guerra modernos a Israel. Quem será o capitão Kirk que dará/venderá sistemas anti-tanques e mísseis terra-ar modernos para os palestinos equilibrarem o conflito no Oriente Médio?

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos