Análise da obra Anjo negro, de Nelson Rodrigues, à luz do Código Penal Brasileiro e Legislação correlata

23/07/2014 às 11:10
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O presente artigo pretende expor breve análise da obra Anjo Negro de Nelson Rodrigues à luz do Código Penal Brasileiro e Legislação Correlata a este.

Resumo: O tema deste artigo científico é a aplicação da legislação brasileira frente ao assassinato retratado na trama “Anjo Negro” de Nelson Rodrigues. Em específico, o objeto trata do tema à luz do Código Penal Brasileiro, Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição de 1988, além da legislação correlata pertinente. Sua importância destaca-se ao estudar o caso levado em conta para a produção das leis e, dadas as possibilidades de aplicação destas mesmas nas relações jurídicas, reconhecer as influências causadas e sofridas pela sociedade. O objetivo é analisar o caso de assassinato correlacionado com a sanção correspondente ao ato praticado. A metodologia terá abordagem qualitativa, executada por meio de pesquisa teórica que visa um levantamento de dados bibliográficos acerca do assunto. Quanto ao método será dedutivo em relação ao aprofundamento. São presentes neste artigo científico, entre outros, os autores, Cezar Roberto Bitencourt (2012), Pedro Lenza (2009) e Cléber Rogério Masson (2011). Abordando uma temática de suma importância, a pesquisa agrega na elucidação do fenômeno jurídico e na fundamentação de críticas relacionadas ao tema.

Palavras-chave: Assassinato; Legislação; Anjo Negro. 

Abstract: The aim of this article is the applicability of the Brazilian law about the murder presented in the drama produced by Nelson Rodrigues. The Brazilian Criminal Law, Child and Teen Statute and Constitution of 1988, and the concerning laws, are all used for classifying the murder theme. The relevance about it surrounds the study of murder and government devices to produce laws and its fair application recognize and understand the influence caused and suffered by the society. The objective is to analyze the facts and find a way to punish what happened. The development will be by a quantitative approach and theoric research. The method will be by hypothesis. You’ll find authors like Cezar Roberto Bitencourt (2012), Alexandre Moraes (2003) e Cléber Rogério Masson (2011). It is a theme with utmost importance, the search will surround in legal phenomenon and the criticism done about. 

Keywords: Murder; Law; Black Angel. 

INTRODUÇÃO

O objeto de estudo deste projeto é a trama “Anjo Negro” de Nelson Rodrigues, interpretando dentre outros crimes narrados, o assassinato do terceiro filho do casal. Busca-se nesta análise confrontar o conto com o Código Penal Brasileiro e a legislação correlata pertinente, além da doutrina pátria.

Ao estudar o referido tema, o pesquisador depara-se com uma questão que se apresenta como responsabilidade não só do âmbito do direito, como também do da sociologia e psicologia, visto que os princípios adotados no bojo do dispositivo normativo da Constituição Federal de 1988 representam os valores, categorias, alicerces e convicções de determinada sociedade e Estado (BAPTISTA, 2011). Em análise dos fatos compreende-se além do preconceito racial predominante, o crime familiar, por inveja, por ciúme, a violência contra a mulher, crimes pelos diversos motivos.

Não obstante, mesmo com a evolução da sociedade durante os anos, ainda hoje os negros são alvos de preconceito racial. Apesar de ultimamente os casais homo afetivos estarem chamando mais atenção no Brasil e no mundo, não se deixa de considerar também a situação dos negros que tanto sofreram.

Desta forma e, neste contexto, busca-se nas linhas seguintes, uma profunda análise dos fatos aplicando-os e interpretando-os à luz do Código Penal Brasileiro, bem como da legislação correlata pertinente, sempre com sustentação por conta da doutrina pátria e seu posicionamento acerca do tema discutido.

1 RELATO DA OBRA “ANJO NEGRO” DE NELSON RODRIGUES

A obra de Nelson Rodrigues gira em torno de um casal, Virgínia e Ismael. Ismael é médico e Virgínia apenas dona de casa. A história se inicia com o velório do último filho que o casal tivera, morto por afogamento no tanque pela própria mãe, Virgínia, com Ismael assistindo o acontecimento sem fazer nada a respeito.

Oito anos antes da morte deste filho, foi quando Ismael e Virgínia se conheceram, a tia de Virgínia mandou Ismael estuprá-la porque havia roubado o noivo de sua prima que se enforcou assim que viu os dois se beijando. A tia de Virgínia deixou a casa para os dois, Virgínia e Ismael, agora casados. Ismael era negro. O último filho que morreu foi o terceiro filho do casal, qual também era negro e teve o mesmo fim que os outros dois: morto pela mãe. Virgínia matou os três filhos que teve, todos homens, por um único motivo: eles eram negros.

No dia do enterro de seu filho, Virgínia conhece seu cunhado, irmão de criação de Ismael, ele era branco. Virgínia acabou traindo seu marido com seu cunhado pelo fato de que queria um filho branco. Quando Virgínia contou sobre a traição, Ismael disse que não se importava com o irmão e acabou o matando. Virgínia ficou grávida e acabou nascendo uma menina. Quando a menina tinha por volta de dois anos de idade, Ismael cegou-a com ácido para que ela não visse que seu pai era negro, pois Ismael se sentia envergonhado por sua cor de pele. Ismael a cegou para que pudesse mentir dizendo que era branco e que todos os outros homens são negros e maus. Ismael também impedia que a menina tivesse muito contato com Virgínia e induziu a filha a ficar contra a mãe, fazendo-a acreditar que Virgínia não gostava dela, e por isso, Virgínia não passava muito tempo com ela.

A filha branca do casal miscigenado cresceu, Ismael fez a menina se apaixonar por ele e a possuiu, tendo relações sexuais com a criança. Mas, ao final, Virgínia nota que é apaixonada por Ismael e o seduz para que ele fique com ela e abandone a filha num local que havia construído para a menina e para ele. Abandonaram a menina no local fechado quando contava com quinze anos de idade, sem nada para que ela sobrevivesse, simplesmente deixada lá para morrer. Virgínia e Ismael viveram felizes.

2 HOMICÍDIO CONTRA O TERCEIRO FILHO DE ISMAEL E VIRGÍNIA E PRÉVIA ANÁLISE DOUTRINÁRIA

Conforme exposto previamente, a obra de Nelson Rodrigues poderia suscitar a curiosidade acadêmica a fim de que se elaborasse uma nova obra apenas com profundas análises aos diversos crimes ali cometidos e suas possíveis sanções.

Feitas, portanto, dentro da objetividade sugerida por este artigo, as pertinentes observações acerca da obra aqui exposta, aprofundaremos o estudo apenas no crime referente ao assassinato do terceiro filho de Ismael e Virgínia, que mais de perto nos interessa, inclusive sendo este o crime cujo qual o autor se pôs a trabalhar mais detalhadamente no decorrer da trama.

Relata a obra, logo de início, um velório que se passa na sala da casa de Ismael e Virgínia. Estava o casal a velar a morte de seu terceiro filho, prematuramente falecido. A medida em que a história se desenrola, ocorre uma profunda discussão entre o casal, até que em certo ponto, Ismael acusa Virgínia pela morte recente do terceiro filho, afirmando que esta o teria assassinado, que este não teria sido apenas um acidente como se pressupunha previamente. Em meio a calorosa discussão, movida pela emoção, Virgínia confessa à Ismael que esta teria assassinado o garoto afogando-o. Afirma ainda que o motivo que a levou a fazê-lo, foi o fato de o menino ser negro (RODRIGUES, 2005).

Virgínia teria levado o menino de mão dadas até um tanque, sem lhe dizer nenhuma dura palavra que o pudesse amedrontar, inclusive beijando-o ao chegarem ao tanque. Chegando lá, Virgínia com uma rápida olhada para os lados, garantindo-se de que ninguém estaria observando-a, tapou a boca do menino para que não se ouvissem seus gritos. Apenas teria saído de perto do tanque quando o garoto não mais se mexia, sem dar sinais de vida, ou seja, quando teve a certeza de sucesso em sua empreitada (RODRIGUES, 2005).

Destarte e sem mais delongas, se faz imprescindível a definição do crime de homicídio aqui tratado através de um conceito da doutrina pátria, in verbis:

O Código Penal brasileiro de 1890 adotou a terminologia homicídio para definir o crime de matar alguém, não seguindo a orientação da maioria dos diplomas legais alienígenas, que, não raro, preferiam classificá-lo em assassinato, quando, por alguma razão, apresentasse maior gravidade, e homicídio, para a modalidade comum.

Nosso Código Penal de 1940, a exemplo do primeiro Código Penal republicano (1890), preferiu utilizar a expressão homicídio como nomen iuris do crime que suprime a vida alheia, independentemente das condições ou circunstâncias em que esse crime é praticado. Distinguiu, no entanto, três modalidades: homicídio simples (art. 121, caput), homicídio privilegiado (art. 121, § 1º) e homicídio qualificado (art. 121, § 2º). (BITENCOURT, 2012, p. 45).

Não obstante, é também conveniente uma breve definição do crime de racismo que, neste caso, anda de mãos dadas com o homicídio. Neste ponto, vale anotar a definição dada por Masson (2011, p. 185), a saber:

Racismo é a divisão dos seres humanos em raças, superiores ou inferiores resultante de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se essa prática nefasta que, por sua vez, gera discriminação e preconceito segregacionista. O racismo não pode ser tolerado, em hipótese alguma, pois a ciência já demonstrou, com a definição e o mapeamento do genoma humano, que não existem distinções entre os seres humanos, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura ou quaisquer outras características físicas.

Isto posto, almeja-se nestas condições uma interpretação do caso exposto à luz do Decreto-Lei 2.848 de 1940, tradicionalmente conhecido como Código Penal Brasileiro, junto à legislação correlata pertinente, bem como as interpretações da doutrina pátria. 

3 APLICAÇÃO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO E LEGISLAÇÃO CORRELATA

Conforme exposto anteriormente, a trama suscita a curiosidade dos operadores do direito afim de que se estabeleça uma sanção à ficção retratada. Diversos doutrinadores já destinaram suas energias a fim de tratar do notável tema homicídio com o objetivo de aprofundar suas teorias e contribuir acerca de uma acertada definição sobre este, inclusive assessorando o judiciário na tomada de decisões em fatos semelhantes.

Capez (2012) teoriza homicídio como a eliminação de vida extrauterina provocada por uma pessoa, seja ela a que premeditou o crime, a pessoa coagida ou o animal atiçado a provocar tal ação. Outrossim, “a vida é o mais valioso dos bens jurídicos de que dispõem o ser humano, de modo que o primeiro crime previsto na Parte Especial Código é o homicídio” (GONÇALVES, 2011, p. 72).

Após um vasto período ditatorial, sofrido pelo Brasil, finalmente o país volta a se redemocratizar, nascendo, junto com esta evolução da democracia brasileira, nossa atual Constituição, apelidada como “Constituição Cidadã”. Este apelido é devido à gama de Direitos Fundamentais, Individuais, Humanos, contidos no texto constitucional.

A Constituição, no seu preâmbulo declara, pelos representantes do povo brasileiro, que estão “destinados a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”. Chama a atenção aqui para o bem-estar, igualdade e a justiça. A mãe matou seu próprio filho por ser negro, onde está a igualdade? A mãe matou o seu filho afogado, cadê o bem-estar? Não aconteceu nada com a mãe, nada com o pai que viu a mãe matar o filho. Ismael, pai da criança, mesmo sendo médico deixou de agir e de prestar o socorro, deixando-o morrer, isto é justiça?

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No art. 1°, inciso III, da Carta Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988), foi imposto como fundamento a “dignidade da pessoa humana”. A dignidade da pessoa humana trata-se de princípio constitucional fundamental da ordem jurídica brasileira. Ainda que esta opção não tenha sido consciente e que até mesmo os constituintes não tivessem a exata noção do que pudesse ser princípio fundamental, colocou-o em um patamar axiológico superior (MARTINS, 2005, p.98).

O ordenamento jurídico reconhece o ser humano como o centro e o fim do direito. Em respeito ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, discorre Alexandre de Moraes (2003, p.60): 

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Desta forma, entende-se que existem diversos meios de se garantir a dignidade da pessoa humana, da mesma forma, existem muitos meios para acabar com a dignidade da pessoa humana, tais como: torturar alguém, submeter o indivíduo a tratamento desumano, degradante, além de fotos, frases humilhantes que atacam à honra das pessoas estando elas vivas ou não, como dito no atual Código Civil, aprovado no ano de 2002.

Como forma de colaboração para garantir ainda mais a vida digna, o Estado instituiu a família para que ela também seja responsável pela formação do ser humano, conforme reza a carta constitucional brasileira, possuindo como dever:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988),

Ainda no art. 229, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Tanto no art. 227 quanto no 229, traz à população os deveres familiares, que pode-se notar ser muitos. Além disso, põem-se mister o direito à dignidade e o dever familiar de por, a criança, o adolescente e o jovem, “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Não há registro no livro de que o menino tenha sido explorado e oprimido, porém, todas as outras formas, que vão contra a dignidade da pessoa humana, que tiram a dignidade do ser, foram violadas, de forma com que a negligência familiar seja nítida e violada, onde a vítima era para ser protegido de toda e qualquer negligência.

Resulta num caso em que a tutela dos filhos pelos próprios pais é duvidosa e não segura, sendo necessária uma medida cautelar em que seja garantida a segurança das crianças, a vida digna proposta e garantida pela Constituição, sendo este um dever não só da família, mas ainda mais do Estado, causando, provavelmente, na perda da guarda dos filhos por negligência materna e paterna.

A negligência materna, pois fora a mãe a autora da morte do filho, afogando-o num tanque. A negligência paterna, pois viu a esposa afogando o filho e não moveu um dedo para prestar socorro à criança, que é um dever social, previsto na Constituição Federal e também um dever da família, constado não só na Constituição como também no ECA. Além disso, não tomou nenhuma providência em relação a mulher pelo ato desumano cometido, não maternal, não digno, além de ser uma negligência profissional por parte do pai por ele ser médico e não prestar nenhum tipo de socorro, sendo que o compromisso do médico é salvar vidas e, naquele momento, foi negligência humana, pois todos possuem o dever de prestar socorro.

A Lei n. 8.069, de 13 de Julho de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), tendo no seu art. 1° o seguinte: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. O ECA é uma gama de artigos para a proteção da criança e do adolescente, possuindo em seu texto alguns artigos previstos na constituição, principalmente no que tange aos direitos e deveres da família com relação aos filhos. E claro, tem seus próprios artigos que abrangem ainda mais os direitos da criança e do adolescente, além de jovens de 18 a 21 anos e também quanto aos direitos da gestante e do recém-nascido.

Os artigos 17 e 18, do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), discorrem sobre o direito ao respeito e à dignidade da criança, que também foram direitos violados pela mãe e pelo pai por não prestar assistência na hora do ato:

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Deixa como dever de todos proteger a criança e o adolescente de qualquer mal e trauma que a sociedade possa estar estabelecendo, como na letra do art.70 do ECA: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.”

Caso haja, qualquer violação dos direitos da criança e do adolescente e, ou, ameaça, haverá uma medida de proteção, assegurada no Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 98, a saber:

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III - em razão de sua conduta (BRASIL, 1990).

Mas como pode-se notar, tanto no corpo da Constituição, quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, não há medida coercitiva para a violação de tais direitos assegurados pelo Estado à criança e ao adolescente, não há pena de reclusão, de multa, indenização, etc. Passando, dessa forma, toda a responsabilidade de garantir a justiça para esses direitos violados ao Código Penal. Todavia, a lei não é auto aplicável e é necessária a intervenção de autoridades capazes para garantir os direitos dessa criança.

Conforme posicionamento da doutrina pátria:

A história do homicídio é, no fundo, a mesma história do direito penal. Com efeito, em todos os tempos e civilizações e em distintas legislações, a vida do homem foi o primeiro bem jurídico tutelado, antes que os outros, desde o ponto de vista cronológico, e mais que os restantes, tendo em conta a importância dos distintos bens” (LEVENE apud NUCCI, 2013, p. 657).

O ato de matar alguém se divide em dois: homicídio culposo e homicídio doloso. Segundo o crime apontado no livro é completamente doloso e, diante disso, abrem-se mais três vieses: homicídio simples, previsto no art. 121, caput; o homicídio privilegiado, previsto no art. 121, § 1° e o homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2°, in verbis: 

Art. 121. Matar alguém: [...]

Homicídio qualificado

§ 2° Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Expõem-se o homicídio qualificado, por ser o homicídio ocorrido no livro, o qual, a mãe, por motivo de preconceito racial mata seu filho, tem como configuração nas qualificadoras o motivo torpe, conforme previsto na doutrina majoritária.

Preconceito. Constitui homicídio qualificado pelo motivo torpe aquele praticado em razão de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou origem, ou, ainda, por ser a vítima homossexual ou apreciadora deste ou daquele movimento artístico ou musical. (GONÇALVES, 2011, p. 95).

Além disso, o homicídio foi por asfixia, de maneira que a mãe enfiou a cabeça do filho no tanque de água, impedindo a função respiratória. Mata-o por meio de afogamento.

O doutrinador Gonçalves (2011, p. 101) foi brilhante e pontual ao exemplificar:

Afogamento, que se dá pela imersão em meio líquido. Ex.: amarrar um peso na vítima e atirá-lo em um lago profundo; lançar a vítima em uma piscina profunda e com pedaços de pau não deixá-la tirar a cabeça de dentro da água; enfiar a cabeça da vítima em um tanque cheio de água etc.

Isto posto e com base no Código Penal Brasileiro conforme exposto anteriormente, Virgínia seria condenada pelo crime de homicídio qualificado, conforme art. 121, § 2º, II e III, agravado pelo art. 61, I, II alíneas “a”, “d”, “e” e “h”, complementado pelo crime de racismo regulado pela lei 7.716/89, art. 20, caput, “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, o que pode significar reclusão de até 33 (trinta e três) anos, caso seja condenada à pena máxima.

E a pena ao pai, que tendo assistido ao cumprimento do ato ilícito, mesmo que não confira estabelecê-lo como cúmplice, visto que o pai não colaborou para o acontecimento, mas assistiu acontecer, imputando-lhe a característica de testemunha ocular, todavia punindo-o, por omissão de socorro, a um ano e seis meses, como previsto no art. 135 do Código Penal, in verbis:

Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte (BRASIL, 1940).

Compreende-se então que, o bem jurídico vida, hoje é indubitavelmente o mais importante e expressivo bem tutelado na legislação brasileira, assegurado inclusive em nossa Carta Magna e demais legislações pertinentes ao tema tratado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No estudo do crime de homicídio, sua conceituação, bem como sua aplicabilidade frente ao assassinato tratado nas linhas anteriores, entende-se como fundamental o papel que exerce a legislação penal brasileira. O direito pátrio vem evoluindo gradativamente com o passar dos anos, fazendo com que desta forma, construa-se uma ideia de igualdade e respeito mínimos esperados de um Estado, para um melhor convívio entre os cidadãos.

Em observância à temática exposta, bem como a doutrina pátria e a legislação pertinente em vigor, define-se, ainda que precariamente, uma pena concernente aos atos praticados na trama por Virgínia, sendo esta de 33 (trinta e três) anos caso condenada à pena máxima. Em contrapartida, Ismael teria condenação aproximada de 1 (um) ano e 6 (seis) meses caso condenado à pena máxima.

Com esta prévia análise, é perceptível que o Estado brasileiro caminha, ainda que vagarosamente, para melhores e mais concretos posicionamentos no âmbito penal, tanto pela contribuição jurisprudencial bem como as colocações e apreciações fornecidas pela doutrina pátria.

Sem a arrogância e petulância de acreditar ter fornecido toda a consistência e conhecimentos necessários para um entendimento completo do tema estudado, almeja-se, ao menos, contribuir, ainda que de forma modesta, para a discussão acerca dos crimes retratados e fomentar futuros estudos.

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

BAPTISTA, Conrado Luciano. O princípio da igualdade na constituição brasileira de 1988 e suas repercussões no mundo moderno. Revista Filosofia Capital. Brasília, v. 6, n. 12, p. 58-70, jan. 2011. Disponível em: <http://www.filosofiacapital.org/ojs-2.1.1/index.php/filosofiacapital/article/view/166/144>. Acesso em: 07 nov. 2013.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: dos crimes contra a vida. 12. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

______. Decreto-Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 09 nov. 2013.

______. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 19 nov. 2013.

______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 10 nov. 2013.

______. Vade mecum: Rideel. 15. ed. São Paulo: Rideel, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: volume 2: parte especial. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios. Direito penal esquematizado: parte especial. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da Pessoa Humana: princípio fundamental. Curitiba: Juruá, 2005.

MASSON, Cléber Rogério. Direito penal esquematizado: parte especial. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 9. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

RODRIGUES, Nelson. Anjo Negro: drama em três atos: peça mítica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.

VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Editora Scipione, 2011.

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Sobre os autores
Jean André Marx

Possui ensino médio completo pela Escola de Educação Básica Olavo Bilac (2012) e é aluno regular do curso de graduação em Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina em Joinville.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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