Prisão decorrente de mandado e a questão da inviolabilidade de domicílio

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O presente artigo tem como pressuposto o estudo do direito fundamental da inviolabilidade de domicílio e a prisão decorrente de mandado sem autorização judicial para incursão em casa alheia para execução da medida restritiva de liberdade.

PRISÃO DECORRENTE DE MANDADO E A QUESTÃO DA INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO

SUMÁRIO:

Introdução; 1 A Tutela dos Direitos Fundamentais com base no Garantismo Penal; 2 A Inviolabilidade de Domicílio como Garantia Constitucional; 2.1 A expressão “casa” para fins penais; 2.2 A expressão “dia” – horário autorizativo para ingresso em casa alheia; 3 A Prisão decorrente de Ordem Judicial (Mandado de Prisão); 4. (Im) Possibilidade de incursão legítima em domicílio alheio sem mandado de busca e apreensão; Considerações finais; Referência das fontes citadas.

RESUMO: O artigo de tema “A prisão decorrente de mandado e a questão da inviolabilidade de domicílio” tem como pressuposto o estudo do direito fundamental da inviolabilidade de domicílio e a prisão decorrente de mandado sem autorização judicial para incursão em casa alheia para execução da medida restritiva de liberdade. O objetivo geral é investigar a (des) necessidade do mandado de busca e apreensão para execução de prisão proveniente de ordem judicial em domicílio alheio. Os objetivos específicos são: a) estudar o direito a inviolabilidade de domicílio, previsto no art. 5º, XI, da CRFB/88 e as exceções constitucionais dessa violação; b) analisar a prisão decorrente de mandado (ordem judicial) em processo penal; c) investigar a (im) possibilidade de incursão legítima por parte dos agentes do estado em domicílio alheio para cumprimento de mandado de prisão, sem qualquer autorização do órgão jurisdicional neste sentido.  A pesquisa se justifica na medida em o tema apresenta divergência doutrinária, pois há autores que sustentam que o mandado de prisão por si só não autoriza o ingresso em domicílio alheio e outros, ao contrário, defendem que não há necessidade de autorização judicial especifica para o ingresso em casa alheia, pois o mandado de prisão por si só já conferiria a legitimidade necessária para este ato. Quanto à metodologia empregada, destacam-se duas fases distintas. A fase de investigação denota a utilização do método comparativo; nas considerações finais, ressalta-se o emprego da base lógica indutiva.

Palavras-chave: Direitos e garantias fundamentais. Garantismo penal. Inviolabilidade de domicílio. Mandado de prisão. Mandado de busca e apreensão.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objeto o estudo da (im) possibilidade de incursão legítima por parte dos agentes do estado em domicílio alheio para cumprimento de mandado de prisão, sem autorização judicial neste sentido.

A pesquisa se justifica em razão da divergência existente na doutrina atual a cerca do tema, haja vista que uma corrente aduz que para incursão em domicílio alheio para cumprimento de mandado de prisão, é necessário que o agente de estado também esteja munido de mandado de busca e apreensão, porém o entendimento diverso afirma que apenas a ordem judicial no tocante ao mandado de prisão é suficiente, sendo desnecessária a autorização específica para o ingresso em casa alheia.  

Tem-se como objetivo geral da pesquisa, investigar se há necessidade ou não do mandado de busca e apreensão para execução de prisão proveniente de ordem judicial em domicílio alheio, à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Iniciar-se-á com o estudo a cerca do entendimento doutrinário de Luigi Ferrajoli[3] sobre a tutela dos direitos fundamentais e sua garantias. Nessa perspectiva teórica, a análise será realizada por meio da pesquisa sobre a proposta apresentada por Ferrajoli em seu livro Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal, no qual introduziu um enfoque garantista aos direitos fundamentais tutelados pela Constituição, ao redefini-los, afirmando que estes são direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor das pessoas e a realizar-lhes a igualdade.

Dessa forma, após o destaque geral da matéria, será introduzido ao trabalho o estudo a cerca da inviolabilidade de domicílio, prevista na CRFB/88 em seu art. 5º, inciso XI, bem como as exceções trazidas no mesmo dispositivo legal. Outrossim, abordar-se-á sucintamente os conceitos de “casa” e “dia” para o Processo Penal, a fim de substanciar a pesquisa.

Mais adiante, serão tratados os aspectos da prisão decorrente de mandado, sua previsão no Processo Penal brasileiro e ainda, as formalidades e requisitos necessários para dar-se o cumprimento.

Por fim, o suporte teórico da pesquisa se mostrará consubstanciado a partir dos preceitos constitucionais, da doutrina e, ainda, com base no entendimento jurisprudencial acerca da matéria, no que diz respeito à (im) possibilidade de incursão em domicilio alheio pelos agentes de estado, sem que exista autorização judicial pra tanto (mandado de busca e apreensão), já que o tema é bastante polêmico, haja vista que a CRFB/88 não evidencia que a ordem de prisão é medida suficiente para suprir o mandado judicial autorizando a incursão em domicílio, deixando a cargo da doutrina a discussão sobre o tema.

Destacam-se duas fases distintas quanto à metodologia empregada na construção da pesquisa: na fase de investigação será utilizado o método comparativo e, nas considerações finais, ressaltar-se-á o emprego da base lógica indutiva.

1.A TUTELA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COM BASE NO GARANTISMO PENAL

Antes de se adentrar ao tema específico, relativo à inviolabilidade de domicílio, importa fazer uma breve análise sobre a teoria dos direitos fundamentais e sua relação com o Processo Penal, sob a ótica das garantias constitucionalmente previstas. [4]

O termo “garantismo” surge a partir de três concepções distintas, mas intrinsecamente ligadas: a) modelo normativo de direito[5]; b) teoria do direito e crítica do direito[6] e por fim; c) uma filosofia política do direito[7].

Luigi Ferrajoli afirma que o garantismo no plano penal se apresenta como o modelo de “estrita legalidade”, tal como próprio do Estado de Direito, caracterizando-se sob o aspecto epistemológico como um sistema de poder mínimo, sob o aspecto político como uma técnica para minimizar a violência, maximizando a liberdade e por fim, sob o aspecto jurídico, como “um sistema de vínculos impostos à função, punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos”[8].

Posteriormente, o autor menciona que o termo garantismo está atribuído a uma aproximação teórica separando o “ser” e o “dever ser” no direito, inserindo como essa questão teórica, a divergência entre normatividade e realidade, sobre o que é direito válido e direito efetivo. Tal perspectiva é considerada interna, cientifica e jurídica e nas palavras do doutrinador:

[...] assume como universo do discurso jurídico o inteiro direito positivo e vigente, não lhe obliterando as antinomias, mas evidenciando-as e assim, retirando a legitimidade, do ponto de vista normativo do direito válido, os contornos antiliberais e os momentos de arbítrio do direito efetivo.

Em relação ao terceiro aspecto, constata-se que o garantismo designa uma filosofia política que segundo o autor: “requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade”[9].

Neste aspecto, pressupõe-se a separação entre o direito e a moral, assim como a validade e justiça, ou ainda, entre o “ser” e o “dever ser” do direito.

Com relação ao Estado de direito, o termo torna-se sinônimo de garantismo, ao afirmar que é um modelo de Estado nascido com as modernas Constituições, caracterizando-se:

[...] a) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do qual todo o poder público – legislativo, judiciário e administrativo- está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de legitimidade por parte dos juizes delas separados e independentes [...]; b) no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos à liberdade e das obrigações de satisfação dos direitos sociais. [10]

Nesta linha, constata-se que o “Estado garantista” ideal deve fundar-se em um Estado de Direito substancialmente democrático, assim, pode-se diferenciar a “mera legalidade”, a qual limita-se a subordinar os atos à leis, formalmente falando, da “estrita legalidade”, que nada mais é do que a subordinação de todos os atos, incluindo as leis, aos direitos fundamentais que é o que a teoria do garantismo propõe[11].

Em síntese, após uma análise da teoria do garantismo penal e a tutela dos direitos fundamentais, vislumbra-se que esta busca solucionar a atual crise em que o Direito se encontra, baseando-se na proteção dos direitos e garantias fundamentais. Trata-se, pois de uma verdadeira “segurança da ordem jurídica”,

Nesse diapasão, pode-se dizer que o garantismo, quando tratado sob três aspectos, - como modelo normativo de direito, como teoria do direito e crítica do direito e ainda, como filosofia política do direito - procura reconhecer a importância e o respeito que se deve proporcionar aos direitos fundamentais e suas garantias[12], ao enfatizar que a validade da norma infraconstitucional deve se sujeitar aos conteúdos constitucionais sob o aspecto formal e material, para que haja uma limitação do poder Estatal[13]. Conclui-se, portanto, que a tutela dos direitos fundamentais é a finalidade precípua da teoria do garantismo, pois é por meio da “estrita legalidade”, definida por Ferrajoli que o legislador acaba se sujeitando à lei.

Tendo em vista o acima exposto, a teoria do garantismo norteará a presente pesquisa, pois esta se funda no Estado Democrático de Direito, no sentido de respeitar os limites constitucionais, preservando, assim, os direitos e garantias fundamentais no que tange a aplicação das leis.

2.A INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5º, XI[14], trouxe a proteção constitucional do domicílio, o qual em regra é inviolável, salvo algumas exceções que estão mencionadas no próprio texto:

a)Consentimento do morador;

b)Flagrante Delito;

c)Prestação de Socorro;

d)Em caso de desastre;

e)Durante o dia, mediante prévia determinação judicial em diligência de busca e apreensão.

Dessa forma, nota-se que a inviolabilidade domiciliar não possui caráter absoluto, devendo-se apenas respeitar os limites impostos pela nossa Constituição, a fim de não violar tal direito fundamental[15].

Assim, a própria Carta Magna autoriza o ingresso em domicílio sem ordem judicial no caso de flagrante delito, desde que esteja o agente em situação de flagrância no interior da residência.

No mesmo sentido, o Código Penal menciona em seu art. 150, § 3º, inciso II, que o crime de violação de domicilio não ocorre nos casos em que algum crime está sendo praticado ou na iminência de o ser[16].

Com relação ao termo “delito”, considera-se que este deve ser interpretado de maneira extensiva, abrangendo não apenas o considerado como “crime”, mas, além disso, a contravenção penal[17]. Logo, é possível o ingresso em casa alheia sem o porte de mandado judicial, quando estiver ocorrendo a prática de alguma contravenção.

No que tange ao horário para o ingresso em casa alheia, a Constituição define que a busca domiciliar poderá ser realizada a qualquer hora, desde que autorizada pelo morador do local[18]. Nota-se que o referido dispositivo legal não fala em “proprietário”, compreendendo-se como morador, todo e qualquer habitante do local.

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Durante o dia, além das hipóteses supracitadas, se a Autoridade Policial deseja ingressar em domicílio deverá requisitar autorização judicial. Caso o magistrado não conceda a autorização, não será possível o ingresso em casa alheia[19]. Tal autorização poderá ser realizada nos mesmos moldes da Representação criminal pela prisão preventiva ou prisão temporária, por exemplo, momento em que deverá ser demonstrando a necessidade da violação deste direito fundamental que é a inviolabilidade de domicílio.

Encerrada a análise a cerca da inviolabilidade de domicílio, passa-se agora ao estudo das definições de “casa” e “dia” para o direito processual penal, a fim de dar melhor acepção ao tema.

2.1A expressão “casa” para fins penais

A legislação e a doutrina usam tanto as expressões casa, quanto domicílio de modo aleatório[20], no entanto, tal conceito para o Processo Penal deve ser interpretado de forma diferente daquela prevista no Direito Civil[21]. Surge assim uma indagação: o termo “casa” dever ser compreendido de forma restritiva, protegendo-se tão somente o local habitado individualmente, ou deve-se fazer uma interpretação mais ampla a cerca da matéria?[22]

Pois bem, entende-se que a expressão “domicílio”, utilizada no direito constitucional, possui significado diverso ao usado no direito privado. Nessa linha leciona Bastos Pitombo e Cleunice A. Valentim[23] a cerca da matéria:

No Direito Constitucional, domicílio é onde se habita e onde se ocupa espaço, próprio, para negócios, oficina, escritório, e abrange o pátio, o quintal, as estrebarias, garagens, quartos de empregados, etc. O todo da habitação ou prédio ocupado para uso exclusivo dos ocupantes. O simples quarto de hotel é domicilio.

Portanto, conclui-se que a norma constitucional protege muito além do compartimento individual habitado[24], considerando ainda todo e qualquer local ocupado, em que o individuo possa utilizar como refugio, considerando até mesmo seu local de trabalho[25].

Feita essa distinção, percebe-se, contudo, que no Direito Constitucional não há definição expressa para “casa”, deixando a cargo do Direito Penal e Processual Penal, fazê-la em seus artigos 150, § 4º[26] e 246[27] respectivamente. Destarte, a proteção de “casa” prevista no Código Penal nas palavras de Pitombo e Cleunice: “opera como concretizadora do direito individual. Assegurando, pois, ao indivíduo viver com segurança e liberdade intima”.

De todo o exposto, conforme o próprio art. 150[28] do Código Penal menciona, constitui crime o ingresso ou permanência em casa alheia, sem o consentimento de quem possui o direito.

2.2 A expressão “dia” – horário autorizativo para ingresso em casa alheia

A luz do Código de Processo Penal e principalmente da Constituição, percebe-se que a regra é a entrada em domicílio apenas durante o dia. No entanto, com autorização expressa e efetiva do morador ou ocupante do local, é admitido que a polícia ou outro agente de Estado ingresse em compartimento habitado durante a noite para a realização de busca[29].

Ocorre que a lei processual não faz distinção a cerca do período compreendido como “dia”, deixando a cargo da doutrina tal definição. Tal fato conduz à discussão do que se compreende como “dia” ou “noite”.

Segundo Aury Lopes Junior, deve-se aplicar analogicamente o que diz o CPC sobre o tema “[...] sendo considerado noite o período compreendido entre 20h e 06h. Logo o mandado judicial de busca deve ser cumprido entre 6h e 20h, sendo que, iniciado nesse marco temporal, nada impede que se prolongue noite adentro”[30].

Para o autor, não se deve admitir que o cumprimento da busca seja realizado entre o “alvorecer e o anoitecer”, conforme vislumbram outros doutrinadores, tais como Nucci[31], Magalhães Noronha e Espinola Filho[32], pois agindo dessa forma, os direitos fundamentais seriam violados, abrindo espaço para arbitrariedades e abusos de poder. Enfim, por sua concepção, caso sejam considerados para efeitos processuais os termos “alvorecer e anoitecer”, ficaríamos à mercê do que diz a autoridade policial e ainda, nos termos do art. 248 do CPP[33] a busca deve ser realizada da forma menos invasiva possível, obedecendo aos preceitos fundamentais[34].

Paulo Rangel[35] compreende no mesmo sentido, considerando como “dia” o período entre 6h e 20h, e, consequentemente, “noite” o espaço de tempo entre 20h e 6h. Segundo o autor, em matéria processual penal, o melhor critério a ser adotado é o legal.

Finalmente, uma terceira corrente defende que o horário estabelecido para o termo “dia” deve ser abrangido entre o período das 06h às 18h. Nessa linha, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[36] alegam:

Adotando-se a objetividade necessária para imprimir padronização e segurança num país de dimensões continentais como o Brasil, entendemos que dia é o período entre as seis e as dezoito horas, de acordo com a localidade onde a diligência será cumprida, e não pelo horário de Brasília.

Na mesma linha de pensamento, Bastos Pitombo e Cleunice A. Valentim[37] aduzem que o horário compreendido como dia verifica-se entre as 06h e as 18h, de acordo com os autores, é equivocado o entendimento no sentido de que enquanto houver luz solar a diligencia poderá ser efetuada, já que em alguns países não há sequer o desaparecimento do sol.

É certo que ainda restam dúvidas no tocante a compreensão do horário definido como “dia”, entretanto, nota-se que os autores supracitados concordam que o melhor seria que o processo penal brasileiro definisse um horário fixo, assim como ocorre no direito processual civil, para encerrar tal divergência, assim como também outros países definem em seus ordenamentos jurídicos[38].

3. A PRISÃO DECORRENTE DE ORDEM JUDICIAL (MANDADO DE PRISÃO)

Sanadas as principais dúvidas no tocante à inviolabilidade de domicilio, passar-se-á ao estudo a cerca do mandado de prisão. De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil[39] no art. 5º, LXI, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (grifou-se).

Com relação a este ponto, o caput do art. 283[40] do CPP também faz uma ressalva, ao mencionar que ninguém poderá ser preso senão em virtude de ordem escrita e fundamentada, a qual deverá ser cumprida através de mandado de prisão, que nada mais é do que o instrumento utilizado para garantir a execução desta ordem[41], devendo a autoridade que ordená-la consequentemente mandar expedi-lo, conforme disposição do art. 285[42] caput do CPP.

Destarte, do acima exposto, percebe-se que a regra é a exigência de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, bem como do respectivo mandado de prisão para dar eficácia à aludida ordem, o qual deve ser lavrado por escrivão e assinado pela autoridade[43].

Dentro dessas premissas, Tourinho Filho[44] afirma que a exigência de tal ordem escrita e fundamentada é uma garantia para o cidadão, pois evita que haja excessos, abusos de poder ou arbítrios por parte dos órgãos responsáveis do Estado.

Ademais, o mandado de prisão, por força do parágrafo único do art. 285 do CPP possui alguns requisitos essenciais à sua validação[45], in verbis:

Art. 285 [...] Parágrafo único. O mandado de prisão: a) será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade; b) designará a pessoa que tiver de ser presa, por seu nome, alcunha ou sinais característicos;c) mencionará a infração penal que motivar a prisão;d) declarará o valor da fiança arbitrada, quando afiançável a infração;e) será dirigido a quem tiver qualidade para dar-lhe execução.

Essas formalidades, como visto anteriormente, também são imprescindíveis para resguardar abusos de direito, como bem ressalva Tourinho Filho[46]. Exemplo disso são os requisitos enumerados nas letras a, b e c possuem tamanha importância, que caso não sejam respeitados acarretam na própria inexistência do mandado de prisão. Já as outras formalidades, muito embora não acarretem tal inexistência, caso não sejam cumpridas incidem em nulidade relativa[47], podendo ser sanada posteriormente[48].

Posteriormente, ao cumprimento das formalidades legais com relação a expedição do mandado, Feitoza[49] aponta que no momento do seu cumprimento, este deve ser passado em duplicata e entregue uma das vias ao preso, declarando-se o dia, hora e o lugar em que a diligência foi realizada. Na entrega do referido documento, o preso deve dar seu recebido e caso recuse, não saiba ou não puder escrever, duas testemunhas serão chamadas para presenciar os fatos, mencionando-os em declaração, tudo com base no art. 286[50] do CPP.

Trata-se de outra garantia prevista para o cidadão[51], pois caso haja alguma irregularidade ou eventualidade, a pessoa que recebeu a ordem de prisão por meio de mandado fica provida de documento com todos os dados relativos a este. Ainda, nas palavras de Tourinho Filho, tão importante é a exigência de ordem escrita, que exerce o legislador cautela redobrada nesse aspecto. Tanto que, nos termos do art. 288 do CPP, ninguém deverá ser levado ao cárcere sem a entrega de fotocópia do mandado de prisão, devidamente assinada pelo executor, ao respectivo diretor ou carcereiro do local onde a pessoa será recolhida. O disposto no artigo em tela não poderá ser violado pelo executor da prisão, sob pena de incorrer em crime de abuso de autoridade [52].

Algumas exceções são admitidas no que diz respeito ao cumprimento do mandado de prisão, pois nenhum direito é absoluto. Em regra, caso a pessoa que deverá ser presa se encontre no território da jurisdição pela qual o mandado foi expedido, a prisão deve ser realizada por mandado, no entanto, caso este indivíduo se encontre em outra parte do território nacional, poderá ser expedida carta precatória para a autoridade do lugar onde se presume que o capturando se ache, a fim de suprir a falta desta formalidade legal[53].

Por derradeiro, no tocante ao registro, as alterações da lei nº. 12.403/2011[54] trouxeram a necessidade do cadastro do mandado de prisão junto ao Conselho Nacional de Justiça para garantir maior controle a cerca de sua autenticidade[55].

Nessa seara, é a lição de Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar[56], vejamos:

O registro do mandado de prisão passou a ser providência necessária para que o cumprimento da ordem se revista de maior clareza, publicidade e segurança, tornando mais eficiente a atuação policial e reduzindo a possibilidade de dúvidas quanto a sua legitimidade, cabendo ao CNJ regulamentá-lo (§ 6º, do art. 289-A, CPP[57]).

Vale ressaltar, que o agente executor da ordem de prisão poderá realizá-la sem verificar anteriormente a existência do registro, em caso de urgência, no entanto, tal providencia é medida salutar, de modo que no momento da prisão o juízo competente deve ser informado imediatamente a fim de tomar as providências cabíveis, solicitando a certidão do referido registro junto ao CNJ.

Tem-se a partir disso, que o mandado de prisão exige várias formalidades a fim de não causar abusos ou constrangimentos por parte dos agentes executores, dentre as quais, dispões ainda o Código de Processo Penal que sua execução deve respeitar a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, a qual será vista mais detalhadamente no tópico a seguir. 

4. (IM) POSSIBILIDADE DE INCURSÃO LEGÍTIMA EM DOMICÍLIO ALHEIO SEM MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO

A questão do cumprimento do mandado de prisão no interior de domicílio, sem que o executor da prisão esteja munido de mandado judicial de busca e apreensão para tanto, é causa de grande divergência na doutrina processual penal, tanto no que diz respeito ao domicílio próprio, quanto em alheio.

A questão é a seguinte: o mandado de prisão autorizaria o ingresso em domicílio alheio sem que qualquer das hipóteses do art. 5º, XI, da CRFB/88 estivesse presente?

Referido dispositivo constitucional, quando menciona “ordem judicial”, vinculando-a ao domicílio alheio, obviamente se refere a “mandado de busca e apreensão”, pois se trata de local objeto da busca. Este local, portanto, só poderia ser violado diante da presença de alguma das hipóteses constitucionalmente previstas.

Num primeiro momento, importa ressaltar que o art. 283, § 2º[58] do Código de Processo Penal aduz que a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitando apenas as restrições previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, no que tange à inviolabilidade de domicílio[59].

Dessa forma, percebe-se que a prisão realizada por meio de mandado deve ser cumprida seguindo os limites constitucionais[60], no sentido de proteger a liberdade física, a propriedade e o direito à intimidade do indivíduo[61], não encontrando quaisquer obstáculos com relação ao horário de cumprimento da prisão.

Partindo dessa premissa, ao constatar-se que há necessidade de se efetuar a prisão com o ingresso em domicílio, seja este o local onde a pessoa a ser presa reside ou casa alheia, o art. 293 do CPP dispõe que o morador do local deverá ser intimado para entregar o indivíduo ou se entregar – caso seja a própria pessoa – tendo em vista a ordem de prisão. Contudo, caso não seja cumprido o solicitado, o executor do mandado poderá convocar duas testemunhas e entrar a força no local – sendo dia – ou isolar o local, guardando todas as saídas e deixando a casa incomunicável – sendo noite – para o ingresso no local ao amanhecer[62].

É neste ponto que surge o embate doutrinário a cerca do tema, levando a um questionamento central. Pode o executor do mandado de prisão invadir o domicílio sem portar consigo mandado judicial específico para a entrada no local?

Sustenta uma primeira corrente que tal circunstância é possível. De acordo com o referido entendimento, a regra deve ser seguida conforme prevê o art. 293 do CPP. Neste caso, deve se proceder à intimação do morador da casa para entregar o procurado, não bastando apenas que o executor ingresse no local sem informá-lo previamente. Caso não seja obedecida a ordem, sendo dia, o agente de Estado poderá invadir o local sem que responda por abuso. Ainda no mesmo sentido, é necessário que o ato seja acompanhado por duas testemunhas, para garantir que não haja alguma acusação contra o executor da ordem[63].

Nesse ínterim leciona Guilherme de Souza Nucci[64], in verbis: “[...] não há necessidade de autorização judicial específica para o arrombamento das portas e ingresso forçado no ambiente, que guarda o procurado, pois o mandado de prisão e a própria lei dão legitimidade a tal atitude”.

Outrossim, Edilson Mougenot Bonfim[65] afirma que:

[...] havendo ordem judicial, o domicílio poderá ser invadido se o cumprimento do mandado de prisão for realizado durante o rida (período compreendido entre as 6 e 18 horas), permitindo-se inclusive o arrombamento de porta, se necessário. Neste caso, a diligência terá de ser acompanhada por duas testemunhas (art. 293, caput do CPP).  

Logo, para esta corrente doutrinária, o mandado de prisão expedido pela autoridade competente, é medida suficiente a fim de garantir que o domicílio seja violado para efetuar a captura da pessoa ora procurada.

Denota-se, por oportuno, que esta posição baseia-se na normatividade infraconstitucional para fundamentar sua tese.

Outra posição, pelo contrário, sustenta que o mandado de prisão não é medida adequada a fim de autorizar o ingresso domiciliar sem o consentimento do morador. Neste caso, além do mandado de prisão autorizando a captura do indivíduo, é imprescindível que o agente de Estado esteja munido ainda com mandado de busca e apreensão específico, para que, neste caso, não viole a garantia fundamental da inviolabilidade de domicílio.

Nessa hipótese, Tourinho Filho[66] destaca que o cumprimento do mandado de prisão somente é possível, caso o morador autorize o ingresso no domicilio, senão, não.

Assim, conforme o entendimento do referido autor, tratando-se de prisão que deva ser efetuada por meio de ordem escrita, nos termos do art. 293 do CPP, caso o executor verifique com segurança que a pessoa a ser presa se encontra em alguma casa, notificará o morador para entregar-lhe tal indivíduo, tornando o local incomunicável, guardando todas as saídas e caso seja noite, aguardar-lhe-á o amanhecer para arrombar o local. “Entretanto, se o mandado de prisão não vier acompanhado de uma autorização para entrada no domicílio e autorização judicial, os executores nada poderão fazer. Restar-lhe-á apenas, cercar a casa e providenciar a autorização judicial” [67].

Na mesma linha aponta Távora e Alencar[68]:

Entendemos que o mandado de prisão deve se fazer acompanhar por autorização judicial para o ingresso domiciliar. Não bastaria a mera ordem prisional para que o domicílio pudesse ser invadido. É essencial que a autoridade judicial especifique em que residência a diligência será realizada, cumprindo a exigência do art. 243, inciso I do CPP.

De acordo com os referidos autores, a exigência de somente uma ordem judicial autorizando a prisão, não é a melhor solução para o ingresso em domicílio, haja vista que o mandado de prisão acabaria se transformando em algo vago, impreciso, tratando-se de “cheque em branco”. Dessa forma, autorizaria que o ingresso fosse realizado em qualquer domicílio, na suposição de que o infrator lá esteja homiziado. Portanto, é necessário que o mandado judicial seja especifico, informando qual em qual residência autorizou-se ingressar[69].

Ademais, Heráclito Mossin, aduz que “[...] além do mandado de prisão, seu executor terá de ter ordem do juiz competente para adentrar no domicílio onde se encontra a pessoa que deva ser presa. O mandado de prisão, por si só, não supre essa exigência provinda da Magna Carta Federal”[70].

Pelo exposto, percebe-se que a melhor alternativa no caso de cumprimento de mandado de prisão, é que este venha acompanhado de ordem judicial específica para ingresso em domicílio (mandado de busca e apreensão), pois o objeto daquele é efetuar a prisão, apenas, devendo ser respeitados os preceitos constitucionais no tocante a inviolabilidade de domicílio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa buscou realizar uma exposição acerca da (im) possibilidade de incursão legítima por parte dos agentes do estado em domicílio alheio para cumprimento de mandado de prisão, sem autorização judicial para tanto.

O objetivo geral da pesquisa norteou-se no sentido de verificar se há necessidade ou não do mandado de busca e apreensão para execução de prisão proveniente de ordem judicial em domicílio, no que tange à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Para tanto, iniciou-se a pesquisa com o estudo da teoria geral do garantismo proposta pelo doutrinador Luigi Ferrajoli, no qual o autor faz uma leitura a cerca do modelo ideal de Estado de Direito Constitucional, o qual deve ser democrático, garantindo efetivamente a tutela dos direitos fundamentais como base da democracia.

Quando do estudo dos direitos fundamentais, em um segundo momento foi feita uma analise a cerca da garantia à inviolabilidade de domicilio prevista em nossa Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º, XI, objeto central do estudo. Investigou-se que o referido direito fundamental em regra não pode ser violado, porém como todo direito não é absoluto, há algumas exceções, as quais foram trazidas no próprio texto constitucional e demonstradas ao longo do trabalho.

Outrossim, em linhas gerais, foram demonstradas as definições de “casa” e “dia” para o direito Constitucional e Processual Penal.

Na sequencia, realizou-se o estudo sobre o mandado de prisão, suas formalidades e procedimentos, verificando-se que o direito à inviolabilidade de domicílio encontra-se inserido no Código de Processo Penal, quanto aos requisitos de cumprimento do referido mandado.

Finalmente, a pesquisa demonstrou que ainda há grande divergência doutrinária, no tocante a possibilidade de ingresso em domicílio, sem a exigência de mandado de busca e apreensão para tanto.

Alguns autores entendem que o mandado de prisão é suficiente para suprir a falta da ordem judicial autorizando a entrada, seguindo o disposto no art. 293 do CPP, no entanto, tal corrente não está de acordo com o que foi inserido na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 no que diz respeito aos limites a cerca da inviolabilidade de domicílio.

Outros, no entanto, sustentam que para que entrada em casa própria ou alheia com o fim de realizar o cumprimento de prisão oriunda de mandado, é imprescindível que o executor esteja munido de mandado de busca e apreensão, seguindo assim os preceitos constitucionais, haja vista que o objeto do mandado é apenas efetuar a prisão do procurado, não sendo medida cabível e específica para violar um direito fundamental.

O tema não é pacífico. No entanto, foi possível verificar mais coerente a posição que não permite o ingresso em domicilio sem autorização judicial especifica, pois estaria ela conforme a Constituição. Não se acredita viável, assim, assemelhar um instrumento que manda prender alguém (mandado de prisão) com um instrumento autorizativo de incursão em domicílio alheio (mandado de busca e apreensão) pois isso culmina por gerar confusão de institutos em prejuízo de uma garantia constitucionalmente prevista, qual seja, a inviolabilidade de domicílio.

O mandado de prisão, caso for assim considerado, também, mandado de busca e apreensão, conforme alguns autores apontam, considerar-se-ia um “cheque em branco” em que o portador seria o executor da medida, quando seria permitido ao agente do estado que ingresse em qualquer local com o fim de efetuar a prisão, apenas pela hipótese de lá o procurado se encontrar.

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed., de acordo com as Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008. São Paulo: Saraiva, 2009.

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BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto Lei n° 3.689. 03 de outubro de 1941.

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Sobre os autores
Airto Chaves Junior

Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica-CMCJ, do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI -Área de Concentração em Fundamentos do Direito Positivo- O Mestrando está vinculado à Linha de Pesquisa Produção e Aplicação do Direito; Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Priscila Portella Coutinho

Advogada do escritório David&Benzion Advogados; Pós-graduanda de direito penal e processo penal no Complexo Educacional Damásio de Jesus. <br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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