A obsessão brasileira com a corrupção

Leia nesta página:

Seria a corrupção a causa de todos os problemas do Brasil?

Procure conferir as manchetes dos jornais de hoje: quase invariavelmente estará em destaque uma notícia que envolva um caso de corrupção. Procure também conversar sobre a situação atual do País com as pessoas de seu convívio: quase certamente ouvirá exclamações indignadas do quanto a corrupção é a principal causa dos problemas do Brasil. Exemplo caricato dessa mentalidade pôde ser visto em variações extremas durante a Copa do Mundo: logo antes e até o início do evento, surgiram diversas teorias a respeito da “compra” da Copa pelo Brasil. Após as goleadas sofridas nos dois últimos jogos, o raciocínio previsivelmente se inverteu: o Brasil não teria “comprado”, mas “vendido” a Copa!

Não parecer haver dúvidas para o brasileiro médio de que o Brasil se tornaria um paraíso escandinavo se não houvesse o nível endêmico de corrupção que encontramos aqui. O discurso tem previsivelmente a seguinte estrutura: “se os políticos não roubassem tanto, teríamos uma das melhores educações do mundo” (onde se lê educação, leia-se também saúde, transporte, saneamento básico e qualquer outro serviço com o qual a pessoa esteja insatisfeita).

Estranhamente, o Índice de Percepção da Corrupção, desenvolvido pela ONG Transparência Internacional, situa o Brasil como o 72º país menos corrupto do mundo, em uma pesquisa que envolveu 177 países. Somente na América do Sul, são considerados mais corruptos os seguintes países: Venezuela, Paraguai, Guiana, Argentina, Bolívia, Equador, Suriname e Peru. Por que então nos consideramos um dos povos mais corruptos do mundo, se não o mais corrupto? Mais ainda: por que achamos que os problemas brasileiros provêm basicamente da corrupção?

Arrisco duas explicações para esse fenômeno. A primeira é relacionada com a costumeira identificação da corrupção com desvio de dinheiro. Nessa acepção restrita, não poderia ser chamado de “corrupto” nenhum ato que deixasse de afetar o erário. Em outras palavras, não existiria imoralidade pública sem repercussão patrimonial. Assim, acreditamos que a solução de todos os problemas seja o aumento de verba para determinado programa oficial. O raciocínio é extremamente simples: combatendo-se o desvio de dinheiro, aumentar-se-á dramaticamente a verba disponível e todos os problemas serão resolvidos! Fácil, não é? Infelizmente, nem tanto. Tomemos o exemplo dos gastos com educação: proporcionalmente ao PIB, o Brasil gasta mais do que a Suíça. Será preciso dizer qual o país que tem a melhor educação?

A segunda explicação possível é que o brasileiro adora o Estado. Não digo em termos metafóricos, mas reais: para o brasileiro, o Estado tem todos os atributos de Deus – onipotência, onisciência e onipresença. Ele não apenas é o responsável por todos os nossos problemas como também tem plena capacidade de resolvê-los. Se, por qualquer motivo, não os resolve é porque foi contaminado, ou, em outras palavras, corrompido. Por meio do fenômeno místico da corrupção, o Estado-Deus perde sua divindade e desce ao nível dos pobres seres humanos que já nasceram imperfeitos e são corrompidos por sua própria natureza. Portanto, quando vir alguém bradando aos quatro ventos contra a corrupção e culpando-a de todos os males do País, lembre-se que pode estar diante de uma categoria muito peculiar de fanático religioso: o estatólatra, que não apenas idolatra o Estado, mas também espera a pureza angelical dos agentes públicos, os quais devem estar a salvo de quaisquer influências maléficas dos cidadãos, os corrompedores.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Magno Fernandes Moreira

Procurador do Banco Central.<br>Mestre em Direito pela Vanderbilt University.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos