Luta de classes no futebol

03/08/2014 às 18:53
Leia nesta página:

Jogadores de futebol são ícones pós-modernos. Ícone, do Grego "eikon", significa imagem.

~~Jogadores de futebol são ícones pós-modernos. Ícone, do Grego "eikon", significa imagem. No Brasil, o futebol sempre foi a imagem e a semelhança do povo. Para nós, parece até que o futebol inventou a cultura de massas. Mas, no mundo, por exemplo nas décadas de 1960/70, ícones eram os astronautas – a imagem da perfeição. Aliás, uma boa imagem do pós-moderno é o traço dominante do niilismo e, para se ter em conta, basta-nos lembrar de Andy Warhol (1928 -1987), um dos iniciadores e principais expoentes da Pop Art: “No futuro, toda a gente será célebre durante quinze minutos”. 
Outra característica pós-moderna é a indefinição de termos e de projetos – como se nada fosse permanente ou duradouro. Exemplo notável é “La Sagrada Família”, do arquiteto catalão Antoni Gaudí. Obra faraônica, digna da melhor representação do engenho matemático e do delírio humano, expressa-se entre o passado, o presente e o futuro. Na base do “Tudo que é sólido desmancha no ar” (do pensamento de Karl Marx), trata-se de ilusão ou miríade, um cálculo cartesiano ou um hino ao infinito, bem como uma saudação ao catolicismo.
No século XXI, na terceira década do milênio pós-moderno, se tudo correr dentro dos planos, estará concluído o projeto informe. É importante ter claro que esse projeto da (pós)modernidade deverá ter seu feito anunciado apenas 150 anos depois de desenhado. Todavia, o visual do Templo Expiatório da Sagrada Família é tão surreal quanto sua construção. Todas as tradições deveriam pagar sua cota neste verdadeiro templo da expiação. Como se vê, não é um projeto gótico, nem é barroco (não há rococó), muito menos ligado ao romantismo: é simplesmente alucinógeno. Para a cultura pagã, o futebol é alucinógeno – afinal, fanáticos se encontram em duelos de vida e morte.
No Brasil, além disso, desde a origem, vê-se a luta política separando torcedores – quando um time inglês veio participar de um torneio em 1910. Atualmente, o duelo entre São Paulo e Corinthians traz uma bela demonstração das origens sociais. Os tricolores são acusados de pertencerem às elites, ao topo da pirâmide e os corintianos queixam-se do abandono social. Acusam-se de serem metidos (o São Paulo tem “cardeais” em seu comando gestor), contra o fato de outros lidarem com o chão de fábrica: trabalhadores, alguns realmente têm poucos estudos. O primeiro, prima pelo planejamento e pelas contas em dia, o outro clama pela garra do povo. É a luta política em que a atmosfera dos valores sociais, da identidade cultural e do poder econômico é evidenciada quando se olha para cima ou para baixo na cadeia alimentar do capitalismo.
A COPA/2014 não foi uma Babel, mas sobram elefantes brancos ou Torres de Marfim – algumas não exatamente honestas. Talvez, a gente se pareça mais com a Sagrada Família de Gaudí: de muita grandiloqüência, mas inacabada, feia ou inóspita à primeira vista. Também a Teoria do Caos do físico Ilya Prigogine ilustra nossa “pré” e/ou pós-modernidade. Vivemos sob o Princípio da Incerteza: “É do caos que surgem ao mesmo tempo ordem e desordem” (O Fim das Certezas: Tempo, Caos e as Leis da Natureza. São Paulo: Editora da UNESP, 1996, p. 80). Com indeterminação moral, instabilidade política, dúvida metódica acerca das instituições públicas, via de regra, aplicamos o cinismo e a indiferença. A termodinâmica parece se aplicar apenas no barril de pólvora social, pois não transformamos “entropia social” em maturidade política e cultural. Realmente, nem a lei física dá conta da miscigenação entre o certo e o errado. Não tem cadinho na cultura, porque sobra jeitinho no caldeirão de maldades e de mazelas.
  Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia
Marcos Del Roio
Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP – FFC

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos